Acessibilidade / Reportar erro

Nova classificação fisiológica das dores: o atual conceito de dor neuropática

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS

A dor neuropática é uma entidade complexa e os estudiosos tem procurado conceituá-la de modo mais claro e objetivo para que seu diagnóstico seja mais preciso principalmente para os não especialistas. Com a intenção de avaliar os estudos realizados sobre o assunto e suas repercussões na prática médica, foi realizada uma revisão sistemática do período de 2000 a 2016, sobre trabalhos publicados de dor neuropática, sua definição e aspectos fisiológicos envolvidos, utilizando-se como base de dados Pubmed, Cochrane e LILACS.

CONTEÚDO

O novo conceito aceito pela Associação Internacional para o Estudo da Dor em 2011 considera dor neuropática como "aquela decorrente de lesão ou doença que afeta diretamente o sistema somatossensitivo". Foram assim, substituídos os termos "disfunção", considerado vago, por "doença", e "sistema nervoso" por "sistema somatossensitivo", para delimitar topograficamente a doença. A nova definição criou sistemas de diagnósticos baseados na história clínica e localização anatômica, associados a testes comprobatórios. Condições como polineuropatia diabética, neuropatia pós-herpética, radiculopatias compressivas, outras neuropatias periféricas, dor talâmica, se encaixaram bem nas novas diretrizes, porém estados de dor como na neuralgia essencial do trigêmeo, fibromialgia, síndrome da dor regional complexa tipo I, ficaram excluídas com a nova definição.

CONCLUSÃO

O conceito aceito atualmente não é ideal, é limitado, excluindo estados importantes de dor, e embora a nova classificação tenha melhorado o entendimento da dor neuropática, se faz necessário a continuidade de estudos sobre o tema.

Descritores:
Conceito; Dor; Fisiologia; Neuropática

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES

Neuropathic pain is a complex entity and experts have tried to define it in a clearer and more objective way for its diagnosis to be more accurate, especially for non-specialists. Aiming at evaluating studies on the subject and their repercussion on medical practice, a systematic review was carried out from 2000 to 2016 on published studies about neuropathic pain, its definition and involved physiological aspects, using Pubmed, Cochrane and LILACS as databases.

CONTENTS

The new concept accepted by the International Association for the Study of Pain in 2011 considers neuropathic pain as "pain induced by injury or disease directly affecting the somatosensory system". So, "dysfunction", considered a vague term, was replaced by "disease", and "nervous system was replaced by "somatosensory system", to topographically delimit the disease. The new definition has created diagnoses based on clinical history and anatomic location, associated to evidential tests. Conditions such as diabetic polyneuropathy, post-herpetic neuropathy, compressive radiculopathy, other peripheral neuropathies and thalamic pain were well covered by new guidelines, however pains such as essential trigeminal neuralgia, fibromyalgia, complex regional pain syndrome type I, were excluded from the new definition.

CONCLUSION

Current concept is not ideal; it is limited and excludes major pain states and although the new classification has improved the understanding of neuropathic pain, further studies are needed on the subject.

Keywords:
Concept; Neuropathic; Pain; Physiology

INTRODUÇÃO

Desde sua criação 1973, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), pelo seu comitê de taxonomia, não tem poupado esforços para identificar, definir e classificar a dor em suas diversas formas. A terminologia e a conceituação da dor têm como objetivo principal, dentre outros, desenvolver critérios, para reconhecimento diagnóstico e formulação de estratégias de tratamento na prática clínica ou em pesquisas. Deste modo, o surgimento de novos meios de diagnóstico e a constante renovação dos métodos de tratamento implicam na necessidade eventual da mudança dos conceitos, dando um caráter dinâmico à classificação taxonômica da IASP. Assim, quando um termo ou definição se distancia de seu objetivo primordial, e se torna alvo de crítica e divergência entre os autores, como foi o caso da Dor Neuropática, a IASP elege uma comissão de especialistas para seu escrutínio e revisão. Em termos mais recentes é "aquela decorrente de uma lesão ou doença que acomete diretamente o Sistema Somatossensitivo" (IASP- 2011). O conceito antigo de dor neuropática (DN) "aquela decorrente de uma lesão ou disfunção do sistema nervoso" deixava questionamentos quanto a um "diagnóstico específico e precisão anatômica"11 Treede RD, Jensen TS, Campbell JN, Cruccu G, Dostrovsky JO, Griffin JW, et al. Neuropathic pain: redefinition and a grading system for clinical and research purposes. Neurology. 2008;70(18):1630-5.. Essa publicação foi um marco na nova definição de DN, pois após anos de discussões, acabou criando-se instrumentos para um diagnóstico mais preciso desta doença. Grupos e sociedades principalmente Europeus colaboraram decisivamente com diretrizes a fim de ajudar o profissional não especialista no diagnóstico da DN. O avanço tecnológico vem permitindo descobertas no campo da genética e imunologia, de novos marcadores, que ajudam a entender as modificações no fenótipo da dor. Mesmo assim ainda hoje não está claramente definida e aceita22 von Hehn CA, Baron R, Woolf CJ. Deconstructing the neurophatic pain phenotype to reveal neural mechanisms. Neuron. 2012;73(4):638-52..

CONTEÚDO

O desejo ao longo dos anos de entender e conceituar a DN se deve por ser considerada uma entidade diferente, um estado de dor, uma síndrome, onde mecanismos de nocicepção altamente potencializados geram sintomas extremamente desagradáveis, como dor espontânea (sem estímulo nocivo), alodínea tátil e dinâmica, hiperalgesia, muitas vezes refratárias às terapias existentes, sendo frustrante para o médico e para o paciente33 Costigan M, Scholtz J, Woolf CJ. Neurophatic pain: a maladaptative response of the nervous system to damage. Annu Rev Neurosci. 2009:1-32.,44 Gilron I, Baron R, Jensen T. Neurophatic pain: principles of diagnosis and treatment. Mayo Clin Proc. 2015;90(4):532-45.. Considerada a dor que deteriora mais profundamente a qualidade de vida do paciente, com uma estimativa de prevalência na população geral de 3,3 a 8,2% e de até 30% em outros estudos, tornou-se um problema de saúde pública, razão pela qual crescem as pesquisas principalmente de sua etipatogenia e fisiopatologia ao redor do mundo. A DN apresenta características específicas que a diferenciam de outros tipos de dor como55 Backonja MM. Defining neuropathic pain. Anesth Analg. 2003;97(3):785-90.: 1. Dor e sintomas sensitivos que persistem além do período de cicatrização ou cura. 2. Presença em grau variável de sintomas sensitivos manifestados por fenômenos positivos (hiperestesia, parestesia, disestesia, alodínea) ou negativos (hipoestesia, anestesia). 3. Presença em grau variável de outros sinais e sintomas neurológicos como motor e autonômico manifestados por fenômenos positivos e negativos.

A definição proposta pela IASP em 1994 para DN como: "dor iniciada ou causada por uma lesão primária ou disfunção do sistema nervoso66 Merskey H, Bogduk N. Classification of neuropathic pain. Seattle: IASP Press; 1994. permaneceu por muitos anos como oficial, pois servia em parte para diferenciá-la da dor nociceptiva fisiológica. Essa última condição surge da ativação de nociceptores periféricos aferentes, por estímulo atual ou potencial causado por lesão tecidual, ao passo que na neuropática a dor não resulta necessariamente de estímulo nas terminações nervosas periféricas, implicando na existência de um mecanismo de disfunção, tal qual a definição de 1994 se respaldava. Com o passar do tempo muitos autores criticavam a definição vigente como vaga ou imprecisa do ponto de vista anatômico e pouco especifica em termos de diagnóstico77 Cruccu G, Anand P, Attal N, Garcia-Larrea L, Haanpaa M, Jorum E, et al, EFENS guidelines on neuropathic pain assessment. Eur J Neurol. 2004;11(3):153-62.,88 Dworkin RH, Backonja MM, Rowbotham MC, Allen RR, Argoff CR, Bennett GJ, et al. Advances in neuropathic pain diagnosis, mechanisms and treatment recommendations. Arch Neurol. 2003;60(11):1524-34.. A maioria dos clínicos gerais tende a classificar como DN qualquer tipo de dor difícil de se diagnosticar ou tratar. Bennett99 Bennett GJ. Neuropathic pain: a crisis of definition? Anesth Analg. 2003;97(3):619-20. e Dworkin et. al.1010 Dworkin RH, Backonja MM, Rowbotham MC, Allen RR, Argoff CR, Bennett GJ, et al. Advances in neuropathic pain diagnosis, mechanisms and treatment recommendations. Arch Neurol. 2003;60(11):1524-34. chamaram a atenção em 2003 para o que definiram como "crise de diagnóstico" em relação à DN.

O termo "disfunção" no antigo conceito não se encaixava, quando se pensava em uma adaptação da plasticidade neural (fenômenos de sensibilização periférica e central) como uma resposta fisiológica a uma estimulação maior do sistema nociceptivo (descargas ectópicas, alterações no genoma dos neurônios, alterações nos canais iônicos, e da inibição endógena da dor, ativação do sistema imunológico etc.) os quais, estariam presentes também, tanto na dor inflamatória, como na dor nociceptiva cronificada33 Costigan M, Scholtz J, Woolf CJ. Neurophatic pain: a maladaptative response of the nervous system to damage. Annu Rev Neurosci. 2009:1-32.. Assim a sua substituição por "doença" ajudaria a entender que na DN existiria uma má adaptação desta plasticidade, onde mecanismos de sensibilização central e periférica estariam mais exagerados e facilitados de maneira persistente33 Costigan M, Scholtz J, Woolf CJ. Neurophatic pain: a maladaptative response of the nervous system to damage. Annu Rev Neurosci. 2009:1-32.. Nestes casos, portanto o que se vê, é uma área de hiperalgesia na região inflamada, causada por uma disfunção temporária resultante da sensibilização de terminações nociceptivas intatas por mediadores inflamatórios55 Backonja MM. Defining neuropathic pain. Anesth Analg. 2003;97(3):785-90.,88 Dworkin RH, Backonja MM, Rowbotham MC, Allen RR, Argoff CR, Bennett GJ, et al. Advances in neuropathic pain diagnosis, mechanisms and treatment recommendations. Arch Neurol. 2003;60(11):1524-34.. Além disso, outras doenças como a síndrome dolorosa regional complexa (SDRC) ou a fibromialgia (FM), cujos mecanismos fisiopatológicos não podiam ser explicados apenas por uma "disfunção" eram e são até hoje controversos, quando classificadas como DN1010 Dworkin RH, Backonja MM, Rowbotham MC, Allen RR, Argoff CR, Bennett GJ, et al. Advances in neuropathic pain diagnosis, mechanisms and treatment recommendations. Arch Neurol. 2003;60(11):1524-34.. O termo doença estaria relacionado a processos específicos como as canalopatias, distúrbios autoimunes, e outros, tornando a dor um estado patológico e não um estado fisiológico de proteção a alguma lesão no corpo1111 Bennett GJ. Neuropathic pain: a crises of definition? Anesth Analg. 2003;97(3):619-20.. A substituição do termo sistema nervoso para sistema somatossensitivo na nova definição, teve a intenção de precisar anatomicamente as lesões e excluir as dores secundárias de outras partes do sistema nervoso, como exemplo, aquelas decorrentes de espasticidade e rigidez mediada pela ativação de aferentes nociceptivos de músculos77 Cruccu G, Anand P, Attal N, Garcia-Larrea L, Haanpaa M, Jorum E, et al, EFENS guidelines on neuropathic pain assessment. Eur J Neurol. 2004;11(3):153-62.. Porém deixou a desejar, pois excluiu dores localizadas fora do sistema somatossensitivo, consideradas neuropáticas, como as dores neuropáticas centrais, por acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI), EM, siringomielia, sirigobulbia, dores medulares traumáticas etc., que não estariam localizadas topograficamente no sistema somatossensitivo, p. ex: acometimento no lobo frontal, cerebelo etc. O melhor entendimento de DN ficou por assim então, como doença que afeta diretamente a percepção do sistema nervoso somatossensitivo11 Treede RD, Jensen TS, Campbell JN, Cruccu G, Dostrovsky JO, Griffin JW, et al. Neuropathic pain: redefinition and a grading system for clinical and research purposes. Neurology. 2008;70(18):1630-5..

Foi assim que em 2011, a IASP por meio do Neuropathic Special Interest Group (NEUPSIG) substituiu a primeira definição que já durava 17 anos, pela atual, lançando um consenso sobre o conceito de DN. A redefinição que trocou estes termos adequaria e remediaria as impropriedades causadas pelo conceito anterior1212 Bouhassira D, Attal N, Alchaar H, Bauneau F, Brochet B, Bruxelle J, et al. Comparison of pain syndromes associated with nervous or somatic lesions and development of a new neuropathic pain diagnostic questionnaire (DN4). Pain. 2005;114(1-2):29-36.,1313 Haanpãã M, Attal N, Bachonja N, Baron R, Bennett M, Bouhassira D, et al. NeuPSIG guidelines on neurophatic pain assessment. Pain. 2011;152(1):14-27.. De acordo com o conceito atual, que pressupõe a existência de uma doença prévia que acomete e modifica a ação do sistema nervoso somatossensitivo, é possível enumerar uma série de condições que preencham as características citadas como: a polineuropatia diabética, a neuropatia pós-herpética, radiculopatias compressivas, outras formas de neuropatia periférica, dor talâmica e outras55 Backonja MM. Defining neuropathic pain. Anesth Analg. 2003;97(3):785-90..

Entretanto é importante salientar que nem todos pacientes com doença específica agindo sobre o sistema sensitivo nociceptor, irão apresentar dor como produto final. Esta observação sugere que a DN surge apenas em pacientes suscetíveis, provavelmente por meio de um perfil genético pré-concebido55 Backonja MM. Defining neuropathic pain. Anesth Analg. 2003;97(3):785-90.. Em outras situações, não é a dor que se desenvolve como manifestação sensitiva positiva. Muitos pacientes se queixam de uma sensação desagradável, não dolorosa e espontânea, lembrando uma ardência ou queimação (disestesia). Enquanto outros referem dor no local afetado por estímulo habitualmente não doloroso (alodínea). Estes sintomas que podem estar isolados ou associados a outros, inclusive à própria dor, são resultantes de mecanismos similares aos que determinam a DN55 Backonja MM. Defining neuropathic pain. Anesth Analg. 2003;97(3):785-90.. Assim diante de um mesmo diagnóstico etiológico, pode-se encontrar uma heterogeneidade clínica de sintomas1414 Üçeyler N, Sommer C. Neuropathic pain assessment - an overview of existing guidelines on discussion points for the future. Eur Neurol Rev. 2011;6(2):128-31.. Evidências em ensaios clínicos tem demonstrado que dependendo da combinação de sintomas apresentados, é possível individualizar por paciente o tratamento farmacológico a ser empregado, otimizando assim os resultados1414 Üçeyler N, Sommer C. Neuropathic pain assessment - an overview of existing guidelines on discussion points for the future. Eur Neurol Rev. 2011;6(2):128-31.,1515 Baron R, Tolle TR, Gockel U, Brosz ZM, Freynhagen R. A cross-sectional cohort survey in 2100 patients with painful diabetic neuropathy and postherpetic neuralgia: differences in demographic data and sensory symptoms. Pain. 2009;146(1-2):34-40.. Desta forma é possível desenvolver modelos de tratamento para DN partindo de uma perspectiva que avalie a multiplicidade dos sintomas ao invés dos mecanismos fisiopatológicos e dos fatores etiológicos1515 Baron R, Tolle TR, Gockel U, Brosz ZM, Freynhagen R. A cross-sectional cohort survey in 2100 patients with painful diabetic neuropathy and postherpetic neuralgia: differences in demographic data and sensory symptoms. Pain. 2009;146(1-2):34-40.. Este interesse na biologia da dor se deu principalmente pelo fato de alguns estados de dor intensa, não terem relação com a lesão tecidual existente, bem como, o porquê do desenvolvimento da cronicidade em uns e outros não. Possivelmente tanto fatores extrínsecos (ambientais, psicológicos etc.) como intrínsecos (herança genética), estariam presentes nestes questionamentos. Assim modelos animais foram criados para geração de dor, tanto nociceptiva como neuropática, onde se puderam estudar os mecanismos fisiopatológicos envolvidos. "Todavia estudos em animais são limitados, pois não se tem o relato da percepção deles sobre a dor, o que limita o enfoque somático, psicológico e social, dificultando a conceituação e classificação de tipos de dor"1515 Baron R, Tolle TR, Gockel U, Brosz ZM, Freynhagen R. A cross-sectional cohort survey in 2100 patients with painful diabetic neuropathy and postherpetic neuralgia: differences in demographic data and sensory symptoms. Pain. 2009;146(1-2):34-40..

A maioria dos trabalhos na literatura não enfoca a classificação de dores de forma precisa no caráter fisiológico, justamente pela dificuldade de exatidão em comprovar mecanismos somente ligados a um tipo ou outro de dor. Eles estariam de certa forma presentes em mais de um estado de dor, como a sensibilização periférica e central, sendo resposta fisiológica da plasticidade neural. Uma má adaptação a esta resposta, implicaria em estados de dor persistentes, inclusive com geração de dor espontânea (sem estímulo nocivo), sendo mais comum na DN cronificada1616 Attal N, Fermanian C, Fermanian F, Lanteri-Minet M, Alchaar H, Bouhassira D. Neuropathic pain: are there distinct subtypes depending on the aetiology on anatomical lesion? Pain. 2008;138(2):343-53.. A necessidade de classificar as dores em outros aspectos que não temporal e etiológico, justamente se deve pela dificuldade em resultados terapêuticos satisfatórios em dores cronificadas, principalmente a neuropática, visto que mesmo com a resolução de sua etiologia permaneceriam. A melhora no conhecimento destes mecanismos ajudaria a terapêuticas mais efetivas. Com a finalidade de estabelecer níveis de certeza no diagnóstico da DN Treede et al.11 Treede RD, Jensen TS, Campbell JN, Cruccu G, Dostrovsky JO, Griffin JW, et al. Neuropathic pain: redefinition and a grading system for clinical and research purposes. Neurology. 2008;70(18):1630-5. criaram um sistema de graduação baseado na história clínica que apontava a pré-existência de lesão ou doença sobre o sistema nervoso somatossensitivo e no exame físico que indicava se a área descrita como dolorosa tinha correspondência neuroanatômica plausível. Além disso, estes dois critérios eram reforçados respectivamente, pela confirmação por exame complementar criando assim quatro níveis de certeza no diagnóstico da DN (Tabela 1).

Tabela 1
Sistema de avaliação para dor neuropática

A DN seria classificada em: definitiva (critérios de 1 a 4), provável (critérios 1 e 2 com confirmação de 3 ou 4) e possível DN: critérios 1 e 2 sem confirmação de 3 ou 4). Dor com distribuição anatômica plausível corresponderia topograficamente a inervação periférica de um território ou sua representação no sistema nervoso central (SNC). Uma história com relação temporal do evento neurológico e a dor, corroborariam a suspeita. O exame neurológico com a presença de sinais positivos (alodínea, hiperalgesia, parestesias etc.) e negativos (déficts sensitivos variados),concordando com a distribuição anatômica. Somando-se a isto exames laboratoriais e de imagem que possam identificar e confirmar a lesão1717 Attal N, Fermanian C, Fermanian F, Lanteri-Minet M, Alchaar H, Bouhassira D. Neuropathic pain: are there distinct subtypes depending on the aetiology on anatomical lesion? Pain. 2008;138(2):343-53.. Estes critérios logicamente ajudam no conceito e diagnóstico da maioria das dores neuropáticas em doenças conhecidas, p. ex.: polineuropatia diabética, neuralgia trigeminal, neuralgia pós-herpética, dor pós-AVEI, dor pós-trauma raquimedular etc., porém deixam de fora outras entidades já sabidas como um estado de DN, como exemplos: a SDRC tipo I, FM, cistite intersticial etc., restringindo sua classificação. Com esses entraves desenvolveu-se a tendência de chamá-las de dores disfuncionais. Outro termo que gera controvérsias e discussões, pois os mesmos mecanismos de má adaptação fisiológica à plasticidade neural são observados nestas dores, na DN e nociceptiva cronificada1212 Bouhassira D, Attal N, Alchaar H, Bauneau F, Brochet B, Bruxelle J, et al. Comparison of pain syndromes associated with nervous or somatic lesions and development of a new neuropathic pain diagnostic questionnaire (DN4). Pain. 2005;114(1-2):29-36.. Este sistema de graduação criado em 2007, embora prático e com boa aceitação no meio clínico, era muito restrito quanto a informações relacionadas ao tipo de sintoma apresentado. O grupo francês para o estudo da DN criou em 2005 o DN4, questionário composto de 4 perguntas e 10 itens de respostas (Tabela 2)1515 Baron R, Tolle TR, Gockel U, Brosz ZM, Freynhagen R. A cross-sectional cohort survey in 2100 patients with painful diabetic neuropathy and postherpetic neuralgia: differences in demographic data and sensory symptoms. Pain. 2009;146(1-2):34-40.. O questionário se baseia exclusivamente no sintoma apresentado, sendo as duas primeiras perguntas relacionadas a história clínica e queixa do paciente a cerca da área dolorosa, e as duas últimas se referem ao exame físico visando a estimulação da região afetada e a resposta produzida. O escore do questionário é obtido atribuindo-se um ponto para cada afirmativa positiva e zero para cada negativa. O valor de corte para o diagnóstico de DN é de quatro pontos. Este instrumento diagnóstico se mostrou muito prático e de fácil execução, sendo adotado por muitos sob a forma de guidelines no reconhecimento da DN. Para se atingir um diagnóstico mais amplo, levando-se em consideração a etiologia, os mecanismos e principalmente os sintomas relacionados, objetivando um tratamento mais específico, recorre-se a instrumentos diagnósticos mais complexos. Neste sentido, algumas normas para o diagnóstico da DN vêm sendo empregados e constantemente revisados88 Dworkin RH, Backonja MM, Rowbotham MC, Allen RR, Argoff CR, Bennett GJ, et al. Advances in neuropathic pain diagnosis, mechanisms and treatment recommendations. Arch Neurol. 2003;60(11):1524-34.,1616 Attal N, Fermanian C, Fermanian F, Lanteri-Minet M, Alchaar H, Bouhassira D. Neuropathic pain: are there distinct subtypes depending on the aetiology on anatomical lesion? Pain. 2008;138(2):343-53.. Os três mais frequentemente utilizados são o guideline da Sociedade Neurológica Alemã (DGN), o da Federação Europeia de Sociedades Neurológicas (EFNS) e o da NEUPSIG-IASP. Embora haja diferenças no desenho estrutural entre elas e preferências entre um instrumento diagnóstico à outro, a validação de cada um depende fundamentalmente da metodologia empregada na análise.

Tabela 2
Douler Neuropatique en 4 questions – Questionário de dor neuropática

A intenção de redefinir melhor a DN levou a EFNS em 2009, a revisar diretrizes já existentes, correlacionando-as com novas evidências publicadas posteriormente avaliando sua especificidade para um diagnóstico preciso. Avaliaram os questionários mais utilizados: MPQ (McGill Pain Questionnaire), LANSS (Leeds Assessment of Neurophatic Symptoms and Signs), NPQ (Neurophatic Pain Questionare), DN4 (Douler Neuropatique en 4 questions) e painDETECT, além de testes quantitativos de sensibilidade (tátil, térmica, vibratória). Observaram que os questionários falharam em diagnosticar 10 a 20% dos pacientes com diagnóstico clínico de DN e que os testes de sensibilidade são válidos e devem ser usados concomitantemente aumentando a eficácia diagnóstica1515 Baron R, Tolle TR, Gockel U, Brosz ZM, Freynhagen R. A cross-sectional cohort survey in 2100 patients with painful diabetic neuropathy and postherpetic neuralgia: differences in demographic data and sensory symptoms. Pain. 2009;146(1-2):34-40.,1717 Attal N, Fermanian C, Fermanian F, Lanteri-Minet M, Alchaar H, Bouhassira D. Neuropathic pain: are there distinct subtypes depending on the aetiology on anatomical lesion? Pain. 2008;138(2):343-53.,2020 Timmerman H, Wilder-Smith O, von Well C, Wolf A, Vissers K. Detecting the neuropathic pain component in the clinical setting: a study protocol for validation of screening instruments for the presence of a neuropathic component. BMC Neurol. 2014;14:94.. Assim, apenas com estudos controlados, duplamente encobertos, aleatorizados e com profissionais homogeneamente treinados para exame clínico é que se podem evitar os vícios de sistema que compromete o diagnóstico da DN. Isto abre um caminho para novas ideias e pesquisas em torno da fisiopatologia destas dores.

CONCLUSÃO

A DN é um desafio, e sem dúvida, sob vários aspectos o tema mais estudado e também o mais controverso para os algologistas no meio clínico e acadêmico. Sintomas como alodínea e hiperalgesia, comuns a outros tipos de dores, tornaram preponderante um exame neurológico que mostre alterações, de acordo com o local anatomicamente envolvido, seja periférico ou central, e a ajuda de exames laboratoriais e de imagem, para um diagnóstico possível, provável ou definitivo.

Mesmo com estudos de metodologias diferentes, a multiplicidade de questionários e instrumentos de avaliação, ainda hoje a DN é subdiagnosticada e tratada inadequadamente. O conceito de DN deixa vieses e exige continuidade de estudos sobre o assunto. Nas últimas décadas, muitas publicações com alto rigor metodológico têm fornecido embasamento científico relevante quanto a epidemiologia, mecanismos fisiopatológicos, diagnóstico e tratamento da DN. Assim muitos conceitos utilizados no passado, necessitam de revisão e adequação para o presente. Neste sentido, a atualização da definição de DN proposta pela NEUPSIG - IASP em 2011 permitiu o enfoque em alguns aspectos, como a necessidade de uma alteração a nível anatômico, porém deixou de lado doenças importantes e consideradas na atualidade neuropáticas como a SDRC tipo I e Neuralgia Essencial do Trigêmeo, assim como excluiu e tornou mais conflitante a classificação da fibromialgia. De qualquer modo, estes obstáculos estimulam a continuidade dos avanços em pesquisas e reorientam novas ações e protocolos clínicos.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Treede RD, Jensen TS, Campbell JN, Cruccu G, Dostrovsky JO, Griffin JW, et al. Neuropathic pain: redefinition and a grading system for clinical and research purposes. Neurology. 2008;70(18):1630-5.
  • 2
    von Hehn CA, Baron R, Woolf CJ. Deconstructing the neurophatic pain phenotype to reveal neural mechanisms. Neuron. 2012;73(4):638-52.
  • 3
    Costigan M, Scholtz J, Woolf CJ. Neurophatic pain: a maladaptative response of the nervous system to damage. Annu Rev Neurosci. 2009:1-32.
  • 4
    Gilron I, Baron R, Jensen T. Neurophatic pain: principles of diagnosis and treatment. Mayo Clin Proc. 2015;90(4):532-45.
  • 5
    Backonja MM. Defining neuropathic pain. Anesth Analg. 2003;97(3):785-90.
  • 6
    Merskey H, Bogduk N. Classification of neuropathic pain. Seattle: IASP Press; 1994.
  • 7
    Cruccu G, Anand P, Attal N, Garcia-Larrea L, Haanpaa M, Jorum E, et al, EFENS guidelines on neuropathic pain assessment. Eur J Neurol. 2004;11(3):153-62.
  • 8
    Dworkin RH, Backonja MM, Rowbotham MC, Allen RR, Argoff CR, Bennett GJ, et al. Advances in neuropathic pain diagnosis, mechanisms and treatment recommendations. Arch Neurol. 2003;60(11):1524-34.
  • 9
    Bennett GJ. Neuropathic pain: a crisis of definition? Anesth Analg. 2003;97(3):619-20.
  • 10
    Dworkin RH, Backonja MM, Rowbotham MC, Allen RR, Argoff CR, Bennett GJ, et al. Advances in neuropathic pain diagnosis, mechanisms and treatment recommendations. Arch Neurol. 2003;60(11):1524-34.
  • 11
    Bennett GJ. Neuropathic pain: a crises of definition? Anesth Analg. 2003;97(3):619-20.
  • 12
    Bouhassira D, Attal N, Alchaar H, Bauneau F, Brochet B, Bruxelle J, et al. Comparison of pain syndromes associated with nervous or somatic lesions and development of a new neuropathic pain diagnostic questionnaire (DN4). Pain. 2005;114(1-2):29-36.
  • 13
    Haanpãã M, Attal N, Bachonja N, Baron R, Bennett M, Bouhassira D, et al. NeuPSIG guidelines on neurophatic pain assessment. Pain. 2011;152(1):14-27.
  • 14
    Üçeyler N, Sommer C. Neuropathic pain assessment - an overview of existing guidelines on discussion points for the future. Eur Neurol Rev. 2011;6(2):128-31.
  • 15
    Baron R, Tolle TR, Gockel U, Brosz ZM, Freynhagen R. A cross-sectional cohort survey in 2100 patients with painful diabetic neuropathy and postherpetic neuralgia: differences in demographic data and sensory symptoms. Pain. 2009;146(1-2):34-40.
  • 16
    Attal N, Fermanian C, Fermanian F, Lanteri-Minet M, Alchaar H, Bouhassira D. Neuropathic pain: are there distinct subtypes depending on the aetiology on anatomical lesion? Pain. 2008;138(2):343-53.
  • 17
    Attal N, Fermanian C, Fermanian F, Lanteri-Minet M, Alchaar H, Bouhassira D. Neuropathic pain: are there distinct subtypes depending on the aetiology on anatomical lesion? Pain. 2008;138(2):343-53.
  • 18
    Motoc D, Turtoi NC, Vasca V, Vasca E, Schneider F. Physiology of pain - general mechanisms and individual aspects. Arad Med J. 2010;13(4):19-23.
  • 19
    Magrinelli F, Zanette G, Tamburin S. Neurophatic pain: diagnosis and treatment, Pract Neurol. 2013;13(5):292-307.
  • 20
    Timmerman H, Wilder-Smith O, von Well C, Wolf A, Vissers K. Detecting the neuropathic pain component in the clinical setting: a study protocol for validation of screening instruments for the presence of a neuropathic component. BMC Neurol. 2014;14:94.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br