Navegação – Mapa do site

InícioNúmerosVol. 22PercursosSimão José da Luz Soriano e o lib...

Percursos

Simão José da Luz Soriano e o liberalismo moderado (1858-1860)

Simão José da Luz Soriano and the Moderate Liberalism (1858-1860)
Júlio Rodrigues da Silva
p. 151-175

Resumos

Simão José da Luz Soriano (1802-1891) é principalmente conhecido pelos livros que escreveu sobre a guerra civil de 1828-1834 e a implantação do liberalismo em Portugal. As reflexões po­líticas realizadas em 1858 e em 1860 revelam-nos uma outra faceta da sua obra: a crítica apai­xonada dos erros do regime constitucional. Contudo, as suas observações só podem ser enten­didas se forem relacionadas com o liberalismo moderado da segunda metade do século XIX. O presente artigo pretende fazer a análise da relação entre o estudo da realidade política e o pen­samento do autor.

Topo da página

Texto integral

1Simão José da Luz Soriano (1802-1891) é universalmente conhecido pelos seus livros de história, referentes à guerra civil entre liberais e miguelis­tas de 1828-1834 e à instalação do regime liberal no Portugal de oitocentos. Na viragem da década de 50 para a de 60 do século XIX produziu um conjun­to de reflexões sobre o sistema constitucional, num momento especialmente marcante da sua vida: a passagem da acção política do passado para a activi­dade de escritor público do presente.

Memória histórica e ideário político

  • 1 No resto do texto e para não estarmos sistematicamente a repetir o título completo das duas obras u (...)
  • 2 Soriano, Simão José da Luz, História do cerco do Porto, precedida de uma extensa notícia sobre as d (...)

2A análise crítica da sua evolução política na primeira e segunda metade do século XIX está expressa em dois livros: Utopias desmascaradas do sys­tema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este sistema (1858) e Revelações da minha vida, e memórias de alguns factos e homens meus contemporâneos (1860). Estes textos antecedem a produção da sua obra monumental referente à História da guerra civil e do estabelecimento do go­verno parlamentar em Portugal, compreendendo a história diplomática, mili­tar e política deste reino de 1777 até 1834 (1866-1890) e a História do reina­do de D. José e da administração do Marquês de Pombal (1867).1 Os dois trabalhos referidos, produzidos no final da década de 50 e princípios da se­guinte, situam-se cronologicamente num período intermédio da produção his­toriográfica e ideológica do autor. Os anos 40 de oitocentos tinham já sido assinalados por forte actividade no campo da história com a História do cerco do Porto, precedida de uma extensa notícia sobre as diferentes fases políticas da monarquia, desde os mais remotos tempos até ao ano de 1820, e desde este mesmo ano até ao começo do sobredito cerco (1846-1849). Neste trabalho, a análise histórica e o ideário liberal do escritor entrelaçam-se constantemente permitindo seguir a evolução do seu pensamento no final do cabralismo. De igual modo a biografia do marquês de Sá da Bandeira, de 1887, permite a lei­tura desse ideário senão mesmo da sua ideologia no período final da sua vida.2 Assim sendo, não é fácil nem praticável introduzir uma absoluta cesura entre as investigações históricas e as reflexões políticas sem impossibilitar a sua mútua compreensão. As duas obras atrás referidas publicadas respectivamente em 1858 e 1860, permitem compreender claramente a sua transformação dou­trinal desde as origens republicanas à adesão crítica à monarquia constitucio­nal. Traduzem a profunda desilusão com o sistema liberal pelo qual arriscara tudo na sua juventude e pelo qual quer continuar a bater-se no tempo presente. Todavia, o liberalismo ideal, sonhado na emigração e no cerco do Porto, não se compadece com as duras realidades da vida política do constitucionalismo triunfante após 1834. Nesta perspectiva é um Simão José da Luz Soriano, pro­fundamente ferido e desiludido com os homens do seu tempo, que resolve operar a revisão extremamente crítica das promessas liberais do passado. No entanto, o trabalho de luto pelo "paraíso perdido" não exclui o forte empenho pessoal e emocional que o leva a introduzir referências aos seus problemas pessoais. Estão neste caso os confrontos com os adversários políticos no Mi­nistério da Marinha e Ultramar e do final dos anos 50 e início da década seguinte do século XIX lusitano. Repensa simultaneamente o itinerário da sua vida e a evolução do regime representativo quando se aproxima dos 60 anos de idade. Tempo de fazer um balanço provisório do caminho percorrido numa fase decisiva da vida que se prolongou ainda por três décadas. Podemos, assim, considerar os dois livros corno elementos essenciais da sua concepção da política, numa fase intermédia da produção doutrinária, antes da grande obra histórica de meados de 60 de oitocentos; e apercebermo-nos do esforço teórico para tentar transformar a sua desilusão e ressentimento com o liberalis­mo triunfante dos partidos do seu tempo numa análise do sistema representa­tivo do Portugal da segunda metade do século XIX. Eleva-se para além da materialidade imediata do realismo político que aceita os factos tal como se lhe apresentam e opta por uma visão do mundo que é ou pretende ser essencial e primordialmente ética. A denúncia dos erros e das distorsões do liberalismo dão corpo a uma nova demanda em nome de um hipotético graal da verdade pura e absoluta que é, simultaneamente, condição sine qua non de nova cru­zada em prol da salvação pública nacional. A vida do autor ganha novo sentido com a recuperação do significado mais profundo e original do liberalismo re­belde e revolucionário da juventude. Não para o brandir simplesmente como arma de arremesso contra a Regeneração, mas para o obrigar a reformar-se sob o impulso do reavivar das recordações e das promessas do passado. Neste contexto, escrevendo para atacar a situação política dos anos de 1858-1860 em nome da classe média, aproveita para fazer uma crítica mais global ao regime e antecipa, em alguns aspectos, a vaga de fundo que a partir de 1867-1868 conduzirá à Janeirinha e à crise política do sistema liberal!

  • 3 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Relações da minha vida e memórias de alguns factos, e ho­mens meus (...)
  • 4 Simão José da Luz Soriano utiliza uma linguagem que vai buscar ao seu bacharelato de medi­cina e pr (...)
  • 5 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epí­tome do (...)
  • 6 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Relações da minha vida e memórias de alguns factos, e ho­mens meus (...)
  • 7 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 2.
  • 8 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 3 e p. 615-616.

3A memória pessoal e o esforço de investigação histórica misturam-se com a defesa do liberalismo moderado de forma permanente na sua obra, mas especialmente nos dois livros referidos de 1858 e 1860 que podem ser analisa­dos conjuntamente pois existe óbvia ligação entre eles, salientada ao descrever a utilização de muitos elementos do primeiro trabalho na redacção do segundo.3 Aliás, a sua justificação pessoal face à opinião pública do tempo é comum aos dois trabalhos. Contudo, os dois opúsculos têm características próprias que importa referir, pois traduzem preocupações diferentes em momentos diver­sos da sua vida. As Utopias nascem como uma introdução sobre os vícios do sistema liberal em Portugal, que deveria preceder um estudo sobre os últimos vinte anos do reinado de D. Maria II. A relativa extensão destas obras levaram­-no a separá-las e a adiar a publicação da parte histórica que provavelmente desejaria reformular e alargar. O desejo de contribuir para a reforma do sis­tema liberal explica a urgência de publicar primeiro este texto e só posterior­mente o segundo.4 Mas, o verdadeiro objectivo é explicar a evolução do radicalismo vintista e tendencialmente republicano da juventude para o constitu­cionalismo monárquico da maturidade. Situa esta análise no confronto entre a teoria e a prática do regime liberal demonstrando a caducidade dos seus ideais do passado perante as duras realidades do presente. Não desiste totalmente das concepções de outrora porque, através da separação entre teoria e prática, fica fiel aos seus princípios embora reconheça a impossibilidade de os realizar. Apesar deste cepticismo o seu esforço tem uma utilidade pedagógica ao reme­ter para o esclarecimento da opinião pública sobre os defeitos do regime liberal como primeiro passo para os remediar.5 No segundo texto, as perspectivas pessoais têm um peso maior pois a justificação das transformações operadas nas suas convicções assume um carácter especificamente autobiográfico e confessional. Aqui identifica-se com o Jean-Jacques Rousseau das Confes­sions comparando ironicamente o seu destino individual ao do escritor francês – tão ao gosto da leitura romântica daquele teórico feita pelo liberalismo de oitocentos – assumindo o tom intimista do escritor nas suas memórias e simul­taneamente a autenticidade e honestidade total na descrição do passado. Este torna-se o modelo para a sua vida quer no plano literário quer no plano polí­tico.6 A dupla identificação tem outra razão de ser que o autor não se inibe de explicitar e que se prende directamente com a publicação deste trabalho: exis­tem três "causas" que o levam a escrevê-lo – a primeira é a franqueza rousseauniana com a qual procura contar a sua vida sem precisar dos elogios de outrem e a terceira o desejo de demonstrar que não deveu a sua fortuna pes­soal e posição social à amizade ou favor do marquês de Sá da Bandeira. A mais importante é a segunda que traduz também o desejo de responder às acusações pouco prestigiantes sobre as suas origens sociais. Não enjeita, antes orgulhosamente reconhece, o meio humilde do qual proveio – a passagem pela Casa Pia de Lisboa!7 Trata-se de demonstrar a honestidade e o mérito pessoal que através dum autêntico cursus honoris lhe permitiu elevar-se do proletaria­do à burguesia. Ao contrário de muitos dos seus contemporâneos nunca ascendeu à aristocracia preferindo viver numa autêntica aurea mediocritas dos pro­ventos adquiridos com o trabalho, as capacidades e o esforço individual. A obsessão com o nascimento deriva essencialmente da campanha desencadeada pelo seu rival no Ministério da Marinha e Ultramar, o oficial maior António Pedro de Carvalho, que procurou obter informações na Casa Pia para servirem de base a um folheto destinado a difamá-lo.8

  • 9 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 723-724. A obra citada de Herculano, A. intitula­-se: (...)
  • 10 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 728-730. Consultar sobre a juventude de Ale­xandre Her (...)

4Existiam ainda outras questões de ordem pessoal que o levaram a escre­ver as suas Revelações e que se relacionavam com as tensões dentro do campo da historiografia nacional. Alexandre Herculano é um dos visados deste opús­culo, como refere expressamente atribuindo-lhe com amargura a autoria de um folheto anónimo de Dezembro de 1858 sobre a educação popular. Consi­dera que as críticas neste texto aos trânsfugas do campo liberal lhe são especialmente dirigidas dada a proximidade com a data de publicação das Utopias em Novembro de 1858. Não é totalmente claro se este ataque lhe é ou não di­rigido, pois Alexandre Herculano está em fase de radicalização política em torno dos temas relacionados com o Padroado Português do Oriente (1857) e a Questão das Irmãs da Caridade (1858). O acentuado pendor anticlerical do seu pensamento, neste período, traduz a ruptura com o universo do liberalismo moderado no qual se situa.9 O autor tem aparentemente razões pessoais de agravo pois considera que Alexandre Herculano o tratou com desprezo numa roda de amigos. Rivalidades e intrigas entre historiadores nos círculos intelec­tuais lisboetas dos anos 50 e 60 do século XIX explicam este azedume e esta fixação do seu ressentimento naquele escritor. No entanto, o mais grave são as acusações de ter abandonado o liberalismo e ter-se passado para as fileiras dos defensores do absolutismo. A resposta implica da sua parte uma réplica na qual compara o seu impecável historial de militante e combatente liberal desde o vintismo com as posições mais dúbias de Alexandre Herculano que acusa de ter sido miguelista e de sistematicamente mudar de partido ao sabor das circunstâncias. Os ataques mais ferozes centram-se nas posições anticlericais do historiador nas quais vê uma contradição indelével com as afirmações ante­riormente proferidas nos anos 40 do século XIX nas cortes.10 A justificação das suas posições políticas são assim um elemento central quer das Utopias quer das Revelações e conduzem directamente às teorizações sobre os regimes po­líticos, assentes na recusa do despotismo e da demagogia.

A rejeição dos extremos: despotismo e demagogia

  • 11 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 724-725. A sua posterior definição como precur­sor das (...)
  • 12 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)

5A dupla rejeição dos extremos do espectro político é uma preocupação maior do seu pensamento nos finais da década de 50 e inícios da seguinte do século XIX. O receio de ser confundido com um defensor do regresso a um passado legitimista, levam-no imediato, a realizar uma reflexão sobre a natu­reza do governo despótico que identifica com o absolutismo.11 Embora não afaste totalmente um certo fascínio pela visão ideal do monarca absoluto, o autor demarca-se deste tipo de regime condenando-o por ser um tipo de gover­no arbitrário, onde domina o privilégio e a opressão. A honrosa excepção neste panorama será o despotismo iluminado que identifica com o reinado de D. José I mas sobretudo com a acção de um homem excepcional: o marquês de Pombal. Contudo, a actividade exemplar deste ministro é interrompida pela sua morte o que demonstra a impossibilidade de confiar no acaso para prover o país de uma política consequente de desenvolvimento. A vertente patriótica do despotismo/absolutismo não se encontra na sua perspectiva senão ocasio­nalmente apontando em sentido contrário alguns exemplos da história de Portugal: os reinados de D. Afonso VI, D. João VI e de D. Miguel. Compreen­de-se que nos dois textos apareçam referências positivas ao funcionamento do despotismo iluminado, em contraposição à actuação dos ministros liberais. As afirmações feitas, neste sentido, visavam sobretudo salientar os defeitos de funcionamento das instituições do regime representativo e não tanto defender o antigo regime absoluto, mesmo na sua vertente reformista e iluminada. No entanto, o despotismo/absolutismo é sempre um receituário garantido para o desastre no que diz respeito à prosperidade pública. As razões são na sua opi­nião essencialmente três: o monopólio do poder, a inexistência da liberdade de expressão e a falta de crédito. As duas primeiras pela sua simples existência são o entrave à actividade pública em geral e económica em particular. O mais grave é a falta de crédito dos governos despóticos – elemento central da mo­derna prosperidade dos estados pela necessidade evidente de capitais em todos os empreendimentos. O crédito não pode ser alcançado num regime onde a se­gurança e a liberdade não estão devidamente asseguradas face ao governo.12

  • 13 Cf. Burdeau, Georges, O Liberalismo, Lisboa, Publicações Europa-América, s/d, p. 37-78. Sobre a imp (...)
  • 14 Cf. Simão José da Luz Soriano, ob. cit., p. 4-5. Ver Mill, John Stuart, Sobre a Liberdade, Lis­boa, (...)

6A segurança e a liberdade formam juntamente com a propriedade o clássico trinómio de princípios que presidem ao pensamento político liberal. Não refere, expressamente neste ponto, a propriedade porque está subjacente à questão do crédito, pois sem a garantia de posse dos bens individuais não existe obviamente confiança para investir. Ao longo dos dois textos a impor­tância central dada à protecção e salvaguarda da propriedade implica obrigato­riamente a segurança e a liberdade individuais. Os pensadores europeus do século XIX quer da linha utilitarista inglesa quer da orientação doutrinária e/ou individualista francesa identificam-se com a tradição liberal que tem como expoentes máximos John Locke, Charles Montesquieu e a Fisiocracia francesa. A preocupação essencial desta corrente consiste em criar uma esfera inviolável em torno de cada indivíduo capaz de o proteger dos abusos do go­verno e por extensão do estado. A importância concedida a esta temática re­sulta igualmente da importância concedida pelo escritor português aos temas económicos e financeiros na sua relação imediata com a ideia de um estado mínimo. Inspirando-se sobretudo em Adam Smith e em menor grau em Jean Baptiste Say acentua a vertente livre-cambista do seu pensamento e opõe-se ao intervencionismo governamental na esfera económica.13 As concepções assim delineadas pelo autor acerca do despotismo não se afastam da visão clássica do liberalismo do século XVIII, nomeadamente de autores como Charles Montesquieu que por sua vez se inspiram em vários pensadores dos quais o primeiro será, sem dúvida, Aristóteles. Igualmente os seus herdeiros in­telectuais do século XIX, como Benjamin Constant, Germaine Stãel e de for­ma diferente Pierre-Paul Royer Collard e François Guizot, compartilham boa parte destas ideias sobre o despotismo. Todavia, detecta-se no pensamento do autor uma evolução, nesta questão específica, aproximando-se de pensadores mais modernos como John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville. Não podemos estabelecer uma relação directa com estes escritores, pois não são referidos como fontes por Simão José da Luz Soriano, ao contrário de autores como Charles Montesquieu ou Jean-Jacques Rousseau. A diferenciação que realiza entre o governo despótico e o regime constitucional assenta igualmente no papel autónomo do indivíduo na dinamização da economia e do progresso na sua dupla vertente material e espiritual no segundo regime e a sua ausência no primeiro. A ideia não é totalmente nova pois podemos fazê-la remontar a uma longa tradição no pensamento político europeu sendo a base das teorizações sobre um despotismo oriental na qual se inserem autores como Charles Montesquieu. Contudo, sofreu urna profunda transformação com John Stuart Mill no seu livro sobre a liberdade, publicado em 1859 e, de certa maneira, com Alexis de Tocqueville na Democracia na América de 1835-1840 e no An­tigo Regime e a Revolução de 1856. Com efeito, estabelece-se na prática urna oposição entre o progresso nos governos livres, derivado da actividade empreendedora dos indivíduos e a estagnação resultante da acção inibidora do poder no governo despótico. Os cidadãos activos dominam nos regimes repre­sentativos dinamizando as respectivas sociedades mas, estão totalmente au­sentes nos governos despóticos, onde predominam os cidadãos puramente passivos e a rotina é soberana.14

  • 15 A questão da demagogia e do governo demagógico inspira-se claramente nos autores da An­tiguidade Cl (...)
  • 16 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)

7Assim sendo, encontramo-nos na fronteira do processo de transforma­ção das ideias políticas do antigo liberalismo, nomeadamente no referente ao despotismo. Seja como for, o autor não leva muito a sério o perigo do despo­tismo que considera um regime arcaico, pertencente ao passado, ainda que, contraditoriamente, por vezes acene com a possibilidade do seu regresso sob a forma de um cesarismo napoleónico. Considera o despotismo um mal mas, menor face ao perigo representado pelo governo demagógico. A definição deste tipo de regime político é dada através da descrição das componentes so­ciais e do modo de funcionamento das suas instituições políticas, que incluem os elementos marginais da sociedade, juntamente com os oportunistas de todas as origens. O resultado prático é sempre o mesmo: as ambições pessoais e as paixões populares acicatadas por promessas irresponsáveis dos dirigentes conduzem à imoralidade, desordem e desconfiança generalizadas!15 A demagogia é assim comparada à acção dos radicais que arrastam atrás de si o povo na base de falsas promessas e/ou ilusões irrealizáveis na prática, assentes em sistemas teóricos totalmente desligados da realidade. Os governos demagógi­cos materializam o domínio do estado pelas camadas populares por via da actuação populista de políticos sem escrúpulos e da corrupção do povo. O re­ceio deste "despotismo das últimas classes", cuja inspiração pode encontrar-se também em Charles Montesquieu mas de certa maneira em autores antigos como Aristóteles, torna-se assim em tema central para o autor. Os sucessivos exemplos históricos permitem-lhe responsabilizar "a preponderância do baixo povo" pela "corrupção dos costumes, e a perversão das instituições republica­nas". A História assume aqui o papel de instrumento essencial na descoberta da verdade e da investigação rigorosa no campo da política. A genealogia deste fenómeno político obriga-o a recuar no tempo até à Antiguidade Clássica, ou seja, o mundo da cidade-estado grega e da república romana.16

  • 17 Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 8-9-11. Ver Aristóteles, ob . cit., p. 150-151 e p. 212­-2 (...)
  • 18 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 9-11 e também Soriano, Simão José da Luz, Re­velações (...)
  • 19 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 45-46. Consultar sobre esta questão Derathé, Ro­bert, (...)

8Significamente Aristóteles e Platão são os pontos de partida e de che­gada do inventário da decadência dos governos republicanos produzido pelo predomínio das classes populares associado ao triunfo da corrupção. No pri­meiro caso, trata-se de utilizar o exemplo da transformação de Esparta de aris­tocracia em democracia seguindo as observações de Aristóteles sobre este tema. No segundo exemplo, cita-se um excerto do oitavo livro da República de Platão para condenar os governos populares e predizer a sua inevitável de­generação em tirania: recuperação da concepção circular do tempo e dos regi­mes políticos de Platão, entremeada com a teoria dos governos de Aristóteles e a defesa implícita do governo misto ou moderado.17 Seja como for, a análise da história de Atenas, de Cartago e de Roma traduz sempre a identificação entre governos demagógicos e governos populares. A república antiga de cariz essencialmente misto e tendencialmente aristocrática ou oligárquica, cai sem­pre vítima das "doutrinas populares" que traduzem simultaneamente o triunfo da demagogia e da democracia. Daqui em diante instala-se a anarquia, o "despotismo das turbas", ou seja, o domínio das multidões nas ruas e o clima de guerra civil generalizado que conduz directa ou indirectamente ao "despotis‑
mo da realeza" e ao triunfo dos tiranos e de homens como Júlio César. Nesta perspectiva os seus heróis são os aristocratas ou membros do "partido moderado" que se opõem a este processo de degenerescência populista das repúblicas.18 Nestas observações aparecem muitas referências aos governos políticos que se aproximam das concepções de Charles Montesquieu no L’Esprit des Lois, sobretudo na oposição entre república aristocrática e república democrática e na concepção do despotismo. As influências teóricas de autores clássicos como Platão, Aristóteles e, eventualmente, Cícero ou Salústio têm de ser entendidas por meio de leituras de autores mais modernos dos séculos XVIII e XIX. A compreensão desta questão obriga a interrogarmo-nos sobre a sua concepção da soberania popular tão cara a Jean-Jacques Rousseau e tão essencial para entendermos a imagem que constrói da democracia nos tempos modernos. Assim podemos referir o seu distanciamento face às concepções políticas daquele autor, consideradas totalmente irrealistas.19 A sua oposição à soberania popular não implicava necessariamente a oposição à soberania do povo, passível de existir de forma parcial ou limitada num regime republicano, aristocrático ou misto à maneira de Charles Montesquieu e de autores posteriores como Benjamin Constant. As repúblicas antigas, nomeadamente Roma, tinham tido instituições deste tipo que encarnavam a "autoridade do povo".

  • 20 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)

9A rejeição deste conceito político está estreitamente ligado com a leitura que realiza da história moderna também ela caracterizada principalmente pela importância das "exaltações demagógicas" na subversão dos regimes políticos. A Revolução francesa de 1789 tem um papel de relevo neste processo como elemento fundador da época contemporânea ao induzir uma ruptura profunda com as instituições das antigas monarquias. A natureza do processo revolucionário gaulês é caracterizada por uma sequência de desordens e assassínios presente nos estados gerais, na assembleia constituinte e na assembleia legislativa. O resultado final da acção da demagogia foram as lamentáveis cenas que expuseram Luís XVI à irrisão da "populaça desenfreada". A popu­laça e não o povo propriamente dito foram os responsáveis pelo assalto às Tu­lherias a 10 de Agosto de 1792 e pela execução do rei. Os massacres de Setembro desse mesmo ano e o terror da época da convenção nacional são igualmente da responsabilidade da democracia. Esta é simultaneamente iden­tificada à soberania da nação, enquanto conceito político, e à demagogia, como forma de agir dos políticos radicais denominados: democratas, demago­gos e carbonários. A visão que domina a revolução de 1789 é a imagem tradi­cionalista característica de pensadores contra-revolucionários como o abade Barruel, Joseph de Maistre ou Louis Bonald mas algumas vezes parcialmente partilhada pelos historiadores liberais do século XIX: a conspiração das socie­dades secretas! A acção subversiva dos oradores ou tribunos radicais como os montagnards levou o povo à revolta e à anarquia. O processo revolucionário só terminou com o aparecimento do Primeiro Império francês (1804-1815) que na sua opinião substituiu o "despotismo das turbas" pelo "despotismo civilizador" de Napoleão, preferível sem dúvida ao primeiro. A análise do pro­cesso revolucionário não termina aqui pois o autor refere-se a desenvolvimen­tos semelhantes no período da Restauração (1814-1830) e da Monarquia de Julho (1830-1848) em França através do Livre des Orateurs (1836) do vis­conde de Cormerin (1788-1868). Algo semelhante ocorre na Espanha desde 1835 com as sucessivas revoluções provocadas pelo partido democrata. O mais grave acontece na antiga América espanhola onde a demagogia provo­cou a regressão material e intelectual dos seus habitantes e o triunfo da bar­bárie provocada pelas constantes guerras civis.20

Ultraliberalismo e anti-parlamentarismo

  • 21 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 22 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 23 Cf. Anónimo (Coutinho, João de Azevedo Sá), Autopsia dos Partidos Políticos e Guarda-Quedas dos Gov (...)
  • 24 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus (...)

10A identificação negativa da democracia com a demagogia, a soberania popular e o sufrágio universal também se aplica às reflexões sobre a história do regime representativo em Portugal. A democracia é responsabilizada por todos os desvarios do constitucionalismo no período que se estende de 1834 até aos inícios da década de 60 de oitocentos. A sublevação ou revolução civil e militar – cuja principal figura é Saldanha – a anarquia, o desgoverno político e financeiro, a ameaça de deposição da rainha e a as alianças com o miguelismo, são tudo pecados do radicalismo fratricida: o "ultraliberalismo". É neste qua­drante político que se encontra a verdadeira reacção e não no miguelismo que não passa de uma ameaça fantasma. O receio do regresso do absolutismo é considerado uma falácia da esquerda liberal que tem como objectivo assustar os in­cautos. O perigo real vem da subversão do regime constitucional, pois o defei­tuoso funcionamento das instituições pode dar origem a um novo despotismo de natureza militar. A experiência oitocentista do "caudilhismo" espanhol e do bonapartismo francês não augura nada de bom para o futuro do sistema representativo.21 Os pecados do "ultraliberalismo" projectam-se no conjunto do sis­tema, conduzindo a urna constante instabilidade política e pervertendo o normal funcionamento das instituições da Carta de 1826. Assim é impossível produzir elites governantes capazes de gerir honesta e eficazmente o estado.22 Todavia, as suas críticas têm também origem no trabalho atribuído a João de Azevedo Sá Coutinho (1811-1854), intitulado Autopsia dos Partidos Políticos e Guarda-Quedas dos Governos: ou Ensaio Sobre as Continuas Revoluções de Portugal e na respectiva enumeração dos principais defeitos que afectam os governos re­presentativos em Portugal.23 O seu autor foi sucessivamente miguelista, cartista, cabralista, patuleia e anti-regenerador, representando o liberalismo moderado com o qual Simão José da Luz Soriano se identifica desde o final da década de 40 de oitocentos. Aliás, nas Revelações refere diversas abordagens dos liberais moderados da Regeneração da área cabralista, como o marquês de Valada nas eleições de 1859. A aversão aos regeneradores e aos históricos e ao fontismo em geral explica a convergência ideológica com os cabralistas.24 Seja como for, preza demasiado a sua independência para aceitar alinhar por um partido político que, como todos os partidos da época, se identifica com o caciquismo e o governo "oculto" dos clubes políticos e sociedades secretas.

  • 25 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 26 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 27 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus (...)
  • 28 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus (...)

11Na obra de João António de Azevedo Sá Coutinho, o anti-jacobinismo de tradição cartista transmuta-se num virulento anti-parlamentarismo. Simão José da Luz Soriano segue as suas pisadas escolhendo, como alvos preferen­ciais, as eleições, os partidos políticos e as cortes. As eleições são considera­das uma simples manipulação ministerial para obter maioria favorável ao go­verno nas cortes. A corrupção, a fraude e a pressão sobre os eleitores são utilizadas por todos os partidos para obterem ou manterem o poder.25 Assim sendo, não podem ser aceites como um processo transparente, válido e legíti­mo de representação da vontade da nação. A falsificação deste processo de re­presentação popular supõe necessariamente uma reflexão, comum na época, sobre a formação artificial das maiorias das cortes. O parlamento tornava-se na prática a simples extensão do poder dos ministros, coligado com a acção dos partidos, clubes e sociedades secretas.26 Porém, o domínio do legislativo, por maiorias favoráveis ao ministério, tem consequências ainda mais graves para o sistema constitucional, pois torna inócua a função fiscalizadora das acções governativas. As cortes transformam-se num simples instrumento de ratificação, praticamente automático, das decisões do executivo mostrando-se incapazes de limitar a omnipotência ministerial ou de legislar de acordo com os interesses nacionais. Daqui deriva uma impossibilidade de representar efi­cazmente a opinião pública e a nação que não se revêm nas eleições a que con­corre um número cada vez mais diminuto de indivíduos.27 Trata-se de um pro­blema, colocado igualmente na época por pensadores de índole liberal como John Stuart Mill ou Alexis de Tocqueville, sobre o perigo efectivo das falsas ou verdadeiras maiorias parlamentares capazes de hegemonizar o sistema e in­troduzir a tirania das maiorias. Não é surpreendente que o autor se identifique num primeiro contacto com as minorias das cortes pois, simbolizam o bom senso e a resistência às loucas paixões das maiorias. Posição justificada na base de uma opção pessoal e solitária que o aproxima da solidão rousseaunia­na, mas igualmente assente numa incursão pela história antiga e moderna, em busca de exemplos relevantes nos grandes homens do passado. Neste ponto, o seu pensamento não se afasta das concepções de Benjamin Constant, de Fran­çois Guizot e dos liberais europeus em geral, em torno do receio da irraciona­lidade das massas populares no interior do sistema liberal e da necessidade de um elitismo político.28

  • 29 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus (...)
  • 30 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 31 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)

12Numa reflexão posterior considera igualmente relevante percepcionar o problema do jogo de poder entre a maioria e a minoria nas cortes. Trata-se da simples continuação da luta entre os partidos-facção que anteriormente criti­cara a propósito das eleições. O confronto entre maioria e minoria é prejudi­cial ao interesse público, pois se trata de uma luta estéril em torno de posições irreconciliáveis. A maioria aceita acriticamente tudo o que vem do ministério e recusa à partida tudo o que vem da oposição e, vice-versa, a minoria recusa tudo o que vem do ministério apoiando todas as iniciativas destinadas a der­rubá-lo.29 Desta forma, a vacuidade da actividade parlamentar ficou com­pletamente comprovada e o aspecto negativo do funcionamento das cortes reforçado pelas críticas que desenvolve à liberdade oratória da "tribuna parla­mentar": as intervenções políticas dos deputados nas cortes dão origem a intrigas, paixões políticas e provocadoras de revolta; os debates parlamentares provocam apenas o triunfo do espírito de partido e de facção e impedem o normal funcionamento das instituições políticas principalmente do governo; os ataques aos ministros trazem, também em si nos seus excessos retóricos o risco da quebra das leis, da desobediência das autoridades e dos horrores da anarquia.30 A questão dos excessos retóricos dos membros das cortes é apenas uma pequena parte de um problema maior: a liberdade de pensamento. Vimos anteriormente a importância central que dava à liberdade de expressão contra­pondo a realidade nos países livres com a vivida debaixo dos governos despó­ticos. Algo que não se podia evitar para alguém que assume o seu papel de escritor público e o seu compromisso com a verdade. Assume-se como falando para o espaço público e dando valor a uma intervenção política e jornalística, na base da actividade legítima do publicista liberal, dentro de uma pedagogia da cidadania. A concepção da importância desta liberdade de pensamento sofre alterações, pelo menos na interpretação das suas dimensões, entre o pri­meiro texto das Utopias e o segundo das Revelações. No segundo livro é ques­tionada a sua validade no conjunto do sistema liberal, ou seja, a liberdade de pensamento é aparentemente a única vantagem face aos inúmeros defeitos do sistema constitucional marcado pelas lutas dos partidos, a instabilidade po­lítica, a corrupção generalizada e o constante aumento da carga fiscal. As van­tagens resultantes do triunfo da liberdade de pensamento, com o liberalismo, não são compensadas ou acabam por ser de certa maneira anuladas pelo mau funcionamento e degenerescência das instituições políticas!31

  • 32 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 33 Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus con (...)
  • 34 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 35 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus (...)

13O seu ponto fulcral é acima de tudo a liberdade de imprensa tal como surge nos periódicos políticos da época. O autor é extremamente crítico con­trapondo a concepção teórica liberal do jornalismo político e a realidade quo­tidiana. O liberalismo estabelece a liberdade da imprensa política como bar­reira fundamental contra o despotismo – a verdadeira expressão da opinião pública, a defensora dos inocentes e a perseguidora dos maus cidadãos! Na prática, porém, é o órgão das calúnias e instrumento privilegiado das socieda­des secretas, servindo interesses inconfessáveis, prejudicando o normal fun­cionamento das instituições e subvertendo a ordem pública. A imprensa polí­tica é amoral e oscila ao sabor dos interesses de momento e das conveniências partidárias, aniquilando com facilidade reputações impolutas, promovendo sem o menor escrúpulo indivíduos responsáveis por actos criminosos e con­fundindo a opinião pública. Dominada pelo espírito de partido não serve a ver­dade pondo em causa o interesse geral numa atitude marcadamente anti-pa­triótica.32 Seja como for, a imaturidade do jornalismo político português torna impossível a emergência de uma opinião pública bem informada e portanto capaz de avaliar a acção governativa. As decisões do executivo, com especial destaque para os problemas relacionados com as finanças, escapam efectiva­mente ao controlo popular permitindo todo o tipo de abusos. A análise que faz das questões orçamentais não se reduzem à crítica destes aspectos, mas refe­rem-se principalmente às opções relacionadas com a política fontista dos "me­lhoramentos materiais". Ele que inicialmente tinha boas relações com Antó­nio Maria Fontes Pereira de Melo, a seguir ao golpe de estado da Regeneração de 1851, ataca as suas posições a nível das políticas financeiras do estado, cor­porizadas na célebre frase proferida no parlamento: a nação pode e deve pa­gar mais.33 Assim sendo, não é de admirar que centre os seus ataques ao fon­tismo, no aumento da dívida pública e nos empréstimos destinados a financiar a política dos melhoramentos materiais, nomeadamente a construção de estra­das e caminhos-de-ferro. Nestas condições compreende-se que as suas posi­ções se assemelhem à de economistas liberais como Adam Smith e, de certa maneira, Jean-Baptiste Say que remetem para uma intervenção minimalista das finanças do estado central nas obras públicas. Na linha do primeiro re­conhece o bem fundado de recorrer às portagens para o pagamento das estra­das, embora, aproximando-se do segundo, considere que certas vias de impor­tância nacional devam ser financiadas directamente pelos impostos públicos mas só nos trabalhos iniciais de construção. Ou seja, a manutenção destas es­tradas e a construção de vias secundárias deviam ser pagas através de porta­gens ou por impostos lançados localmente. A aversão ao programa das obras públicas da Regeneração e do Fontismo tem, assim, uma forte carga ideológi­ca inserindo-se no interior do pensamento liberal dominante, de carácter anti­-intervencionista e necessariamente anti-socialista.34 A concepção minimalista do estado liberal liga-se com a defesa do contribuinte, sobrecarregado com impostos, que mantém um número elevado e desnecessário de funcionários públicos a que chama a "empregomania" nacional. Aliás, na sua opinião, os seus efectivos crescem continuamente, alimentando uma clientela partidária que enche os ministérios de indivíduos ociosos e proletários, vivendo à custa dos cidadãos activos e industriosos. A arbitrariedade destes parasitas, alimen­tados pelo estado assume o seu aspecto mais cruel e injusto na actuação dos empregados do fisco que são alcunhados de "tiranos de campanário" pelas prepotências e humilhações a que submetem os cidadãos e o autor como pro­prietário de prédios urbanos. As suas queixas contra o "proletarismo" do estado português da Regeneração tornam-no assim, de certa forma, o porta-voz dos interesses dos proprietários urbanos e das classes médias portuguesas. Estas sentem-se especialmente sobrecarregadas pelos impostos de Fontes Pereira de Melo destinados a financiar os empréstimos externos e que estão na origem da célebre revolta da Janeirinha de 1868.35

Utopia e reforma

  • 36 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 37 Cf. Tocqueville, Alexis, O Antigo Regime e a Revolução, Lisboa, Ed. Fragmentos, 1989, pp. 127-133 e (...)

14A crítica ao funcionamento do sistema representativo não implica ne­cessariamente a crença na impossibilidade da reforma das instituições políti­cas. Todavia, Simão José da Luz Soriano não se identifica com as transforma­ções radicais da sociedade e opõe-se às revoluções na Europa e em Portugal. A aversão à própria ideia de revolução deriva não só do perigo que representa para a preservação da ordem social mas, principalmente, das abstracções con­ceptuais que lhe estão associadas. O autor não rejeita a priori os fundamentos do pensamento liberal embora rejeite a sua viabilidade. O grande erro do regi­me constitucional é desconhecer a distância que vai entre a teoria e a prática, e por conseguinte, a inadequação da primeira à realidade política. Assim sen­do, compreende-se a importância que dá à condenação implacável da utopia ou discurso utópico dos partidos, grupos ou movimentos políticos que consi­dera extremistas: radicais, republicanos, socialistas e anarquistas. Nesta pers­pectiva, o mundo do pensamento utópico é o das formulações idealizadas da realidade, puras fantasias da mente humana, geradoras da desordem e da anarquia no seu desejo de fazer "tábua rasa" do passado. As preocupações do autor só são perceptíveis se forem inseridas no respectivo contexto histórico. A pri­meira metade do século XIX foi marcada pela emergência de variadas utopias de cariz socialista, comunista e anarquista que obtêm uma nova notoriedade com as revoluções europeias de 1848-1849.36 A posição de Simão José da Luz Soriano é idêntica à dos pensadores liberais que recusam o ideário democrá­tico e social do mal sucedido movimento revolucionário, nas décadas de 50 e 60 do século XIX. A rejeição das abstracções teóricas e do discurso utópico exprime igualmente uma tendência mais antiga que remonta com Edmund Burke e Jeremy Bentham aos finais do século XVIII e inícios do seguinte. A tradição liberal encontra aqui os seus primeiros grandes críticos da Revolução francesa de 1789, que acentuam de forma negativa as "ilusões" revolucioná­rias. Os liberais de oitocentos não vão ignorar totalmente estas questões, mas será com Alexis de Tocqueville que encontraremos uma formulação adequada do problema no Ancient Regime et la Révolution (1856), embora aplicada ex­pressamente ao caso da França.37 No entanto, não é possível excluir totalmente uma influência legitimista em Simão José da Luz Soriano pois, no passado, Joseph de Maistre e Louis de Bonald colocaram questões semelhantes. Não obstante, o persistente esforço de distanciamento do absolutismo permite-nos minimizar o peso desta tendência no seu pensamento. O escritor português estava consciente das temáticas dominantes nos debates políticos na Europa do começo da segunda metade de oitocentos.

  • 38 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus (...)
  • 39 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 40 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 41 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 42 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 43 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus (...)
  • 44 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 733-734 e p. 764. Ver sobre esta questão: Ro­sanvallon (...)

15A modernidade das suas concepções explica igualmente a ligação que estabelece entre a utopia e o progresso material e intelectual. O progresso é um conceito central da visão optimista do indivíduo e da sociedade dos libe­rais oitocentistas. Todavia, aparece cada vez mais ligado às esperanças dos so­cialistas utópicos num futuro melhor para a Humanidade. Assim sendo, com­preendem-se as críticas muito negativas que o autor faz à ideia de progresso pois contesta a ideia de perfectabilidade social devido à sua descrença nas ca­pacidades humanas de auto-regeneração. Nesta perspectiva considera que se o sacrifício de Cristo na cruz não conseguiu reabilitar o homem, também não o fará um sistema de governo baseado no compadrio e afilhadagem. O cepti­cismo sobre o progresso embora de conteúdo marcadamente cristão não deixa de lembrar o discurso igualmente céptico sobre esta matéria de Jean-Jacques Rouseau um dos seus maîtres penseurs da juventude.38 A falta de fé na ideia de progresso projecta-se nas desilusões com a liberdade, a democracia e o sis­tema representativo. Não se esgotam aqui as referências indirectas e directas ao progresso, aparecendo-nos implicitamente nas críticas aos melhoramentos materiais do fontismo e ao desaparecimento desnecessário de muitas das instituições do Antigo Regime. A recusa da novidade expressa-se quer na rejeição das instituições educacionais e administrativas de figurino francês, quer na defesa do clero. No entanto, a percepção negativa do progresso entendido como um processo de igualização social dominante nas Revelações contrasta com as posições optimistas reveladas sobre esta questão nas Utopias. Com efeito, aproximando-se do pensamento de John Stuart Mill identifica o progresso com o melhoramento intelectual e material dos indivíduos caracterís­tico de um governo representativo.39 A aparente mudança da opinião do autor sobre este tema, só é perceptível se compreendermos a maneira como encara a realidade do seu tempo. A visão do tempo presente é nitidamente pessimista, persistindo firmemente ancorada no pânico provocado pelas experiências rev­olucionárias dos finais da década de 40 na França e na Europa. O medo social de uma revolução que destrua a propriedade em nome da pura utopia da frater­nidade e igualdade republicana domina o seu pensamento.40 O espectro da guerra civil parece ameaçar as sociedades europeias no final da década de 50 do século XIX. A noção de "guerra social" desempenha um papel importante na maneira como visualiza os conflitos político-sociais e o risco de desintegra­ção da ordem pública. A concepção que serve de base a esta reflexão é a ideia da luta de "classes" expressa pelos liberais doutrinários sobretudo por Fran­çois Guizot. A evolução da história é marcada pelo confronto entre a aristocracia e a classe média e o triunfo final do terceiro estado. Contudo, um novo parceiro surge com a irrupção do "quarto estado" teorizado pelos radicais franceses como Armand Carrel nos anos 30 de oitocentos. O temor do autor perante a novidade política deste fenómeno resulta da facilidade de sedução do "baixo povo" pelos ideais revolucionários espalhados pela imprensa e a tri­buna parlamentar. Este facto explica-se pelo aspecto essencialmente passional das "ínfimas classes" da sociedade que contrasta com a racionalidade da classe média. As camadas médias encarnando, na linha de François Guizot e de Donoso Cortès, a soberania da razão (ou soberania da inteligência) são chamadas a dirigir a sociedade, pois só elas têm a capacidade de interpretar correctamente os interesses gerais e o devir histórico. Contudo, o "baixo povo" é também assimilado, não a uma nova etapa da civilização que hipoteti­camente pudesse suceder ao triunfo da classe média/terceiro estado de Fran­çois Guizot, mas sim à sua negação. A plebe é equiparada aos bárbaros que no passado destruíram o império romano que era o símbolo e o paradigma civili­zacional da Europa. Estamos verdadeiramente perante uma "recorrência bár­bara", à maneira de François Guizot e do liberalismo doutrinário que vê, nesta emergência e autonomia das massas populares no período posterior às revolu­ções de 1848-1849, uma autêntica guerra social.41 O ponto de partida desta análise baseia-se numa reflexão sobre a desigualdade natural dos homens. O autor ao contrário das declarações americanas e francesas dos finais do século XVIII considera que os homens nascem livres mas não são iguais. A ordem do mundo produto da Providência divina dá aos homens qualidades físicas e inte­lectuais diferentes, fundando naturalmente as diversas hierarquias da ordem social, em que uns mandam e outros têm forçosamente que obedecer.42 Nesta perspectiva é preciso recordar as suas já referidas afirmações de não ser proletário, mas não ter também ascendido à aristocracia, ficando-se por uma medi­ania identificável com uma confortável aurea mediocritas burguesa. Assim sendo, compreende-se a sua tentativa de conciliar as suas origens sociais com o relativo sucesso posterior, não hesitando em citar uma passagem Du Contrat Social de Jean-Jacques Rousseau em seu socorro.43 Tal facto não o impede de se afastar rapidamente de qualquer identificação política com o ideal republi­cano do passado, preferindo no presente identificar-se com os princípios aris­tocráticos. A preocupação em distanciar-se das suas origens populares, em breve remete para uma visão negativa das camadas mais pobres e incultas que designa, de forma depreciativa, pela expressão de classes inferiores e turbas. A utilização de expressões extremamente agressivas corno "fezes do povo" per­mitem-nos avaliar o desprezo por estas camadas populares identificadas com a própria marginalidade social. Assume uma verdadeira mentalidade de casta ao colocar no topo uma elite do poder, da riqueza e da inteligência que deve­ria assumir a direcção da sociedade. Este é um tema clássico entre os adeptos do liberalismo doutrinário e está presente no pensamento do francês François Guizot e do espanhol Donoso Cortès. A oposição entre "inteligências superio­res" e "inteligências inferiores", conduz a uma visão conservadora da socie­dade e tendencialmente imobilista do ponto de vista social. No entanto, ao in­troduzir o tema da superioridade da inteligência ou da "capacidade", tão caro ao doutrinarismo liberal, afasta-se de qualquer identificação com os pensa­dores tradicionalistas e contra-revolucionários pois reconhece sem margem para dúvida o valor do mérito individual. Trata-se, assim, de defender uma meritocracia ou "aristocracia da honra e da inteligência" e não a velha aristoc­racia nobiliárquica do sangue e da árvore genealógica.44 As revoluções não são o caminho a seguir na reorganização do regime liberal pois induzem a indese­jável participação das massas populares no processo de decisão político.

  • 45 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 46 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 47 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus (...)

16As "reformas úteis" das Utopias ou as "projectadas reformas políticas" das Revelações são inseparáveis da recusa da ruptura absoluta com o passado. O processo de regeneração do sistema político deve partir da situação actual traduzindo uma "evolução na continuidade" das instituições políticas na linha do pensamento de Edmund Burke e do liberalismo moderado oitocentista. A referência aos grandes legisladores da antiguidade e dos tempos modernos fornece um modelo idealizado a seguir e acentua a sequência histórica que une o passado, o presente e o futuro. Não se trata de arrasar o existente sem se preo­cupar em conhecê-lo e substituí-lo apressadamente por algo totalmente novo. O importante é estudar os costumes, a experiência histórica, as conveniências públicas e só então optar pelas mudanças realisticamente possíveis.45 O pragmatismo reformista do autor não o impede de procurar realizar transformações profundas no sistema constitucional vigente. A recusa do sufrágio universal e da possibilidade das cortes representarem adequadamente a nação é caracterís­tica do pensamento doutrinário. François Guizot e Donoso Cortès recusam a própria ideia da soberania popular de Rousseau ou da soberania da nação de Mably em prol da soberania da razão ou da inteligência. O velho tema da aris­tocracia electiva, já presente em alguns pensadores da revolução francesa, rea­parece pela mão do liberalismo moderado europeu do século XIX e recentra­-se em torno do referido tema das inteligências superiores e das capacidades. Os membros das câmaras electivas não podem pretender, através das eleições, representar a vontade popular mas sobretudo não podem almejar constituir uma elite de poder capaz de governar adequadamente de acordo com a razão e o devir social.46 A alternativa passa por realizar mudanças no sistema eleito­ral através de dois processos diferentes mas eventualmente complementares. A primeira traduzia-se numa limitação nos recenseamentos dos eleitores através da imposição prévia de múltiplos quesitos: idade, censo, habilitações, estado, profissão ou indústria e anos de experiência nestas diferentes áreas. O exemplo é para o autor a França da Monarquia de Julho anterior à Revolução de 1848 onde dominava o sufrágio censitário estabelecido por François Gui­zot. O censo em França era também mais do dobro do censo para eleitor em Portugal o que, na prática, o leva a considerar que a prerrogativa eleitoral no nosso país é quase equivalente ao sufrágio universal. A originalidade do seu pensamento resultava de exigir que neste caso fossem as cortes e não o gover­no a fiscalizar o processo eleitoral para garantir a sua imparcialidade e isen­ção. A segunda alternativa é aquela a que Simão José da Luz Soriano dá mais relevância e considera uma das mais relevantes reformas do sistema constitu­cional: o sorteio. O processo de escolha permite acabar com a perniciosa in­fluência das sociedades secretas nas eleições e por extensão no governo. Este ficará livre das pressões daquelas e poderá obrar de acordo com a justiça e o interesse público. No entanto, estas afirmações passam por uma definição clara do que é para Luz Soriano o sistema constitucional: "garantias sociaes e individuaes, e em pôr côbro ao arbitrio do executivo". Visão minimalista de uma constituição que acentua, ao lado das garantias sociais e individuais, o papel puramente negativo do legislativo na limitação do poder executivo. O poder legislativo não tem de ser formado na base de eleições. O sorteio será a melhor opção para se obter uma maior equidade seguindo-se aqui as lições dos autores clássicos e eventualmente dos modernos.47

  • 48 Plessis, Alain, «De la fête impériale au mur des fédérés 1852-1871», Nouvelle histoire de la France (...)
  • 49 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)

17Os males apontados pelo autor implicam igualmente a referência aos excesso do jornalismo político e da tribuna parlamentar algo inerente às críti­cas do liberalismo moderado da época. No primeiro caso está em causa os ex­cesso da liberdade de imprensa que o autor quer remediar seguindo os exem­plos tomados pelo Segundo Império (1852-1870) em França.48 Um redactor de jornal tem de dar garantias de honra, moralidade e inteligência, pois ilustrar a opinião pública e guiá-la no reflectido exame dos negócios do estado é uma missão muito importante. Na verdade, nem todos os cidadãos têm capacidades para poder julgar com acerto a administração superior do país. Assim sendo, a repressão dos abusos da imprensa encontra-se com a temática capacitária dos doutrinários, embora dentro da concepção da imprensa como um instrumento de educação da opinião pública. O autor exige um sistema misto de fianças e de habilitações para se obter a autorização para se dirigir um jornal. Contudo, resvala rapidamente para a repressão pura e simples, propondo a criação de um tribunal especial pelas cortes para julgar os abusos da imprensa. Defende igualmente que estes órgãos judiciais exercessem uma espécie de censura pré­via em situações excepcionais, anulando perigosamente a separação entre o judicial e o legislativo. No caso da tribuna parlamentar, o autor exige uma solução imediata para coarctar os excessos oratórios dos deputados nas cortes. O ideal seria restringir a publicação e análise das discussões parlamentares se­gundo o modelo do Segundo Império francês e vedar ao público o livre acesso às galerias. Se a lei marca certos quesitos para poder ser deputado e jurado também seria justo que definisse quem pode assistir às discussões das cortes, pois nem todas as inteligências seriam capazes de avaliar condignamente o que nelas se passava. As posições aqui referidas estão presentes quer nas Uto­pias quer nas Revelações com a diferença de que o segundo texto vai ainda mais longe do que no primeiro. O autor quer limitar a iniciativa parlamentar de cada um dos deputados que na sua opinião tinha sido durante quase 30 anos de sistema representativo uma ameaça ao interesse público. De facto era um sistema de controle e censura das temáticas que deviam ser debatidas nas cortes e obviamente uma limitação que tornava quase impossível a expressão de opiniões e/ou projectos heterodoxos.49

A terceira via

  • 50 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do (...)
  • 51 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus (...)

18No campo das projectadas reformas políticas, defendidas por Simão José da Luz Soriano, situam-se de forma central as questões orçamentais e a crítica à política de melhoramentos materiais do fontismo. A rejeição das ino­vações introduzidas pela Regeneração nas áreas da educação, cultura e obras públicas, está ligada à recusa do modelo intervencionista e centralizador gau­lês. Assimila-o a uma nova forma de despotismo assente, no tão detestado su­frágio universal que caracteriza como anti-liberal. Aliás, considera que os pesados tributos que recaem sobre as classes médias e a errada política de endividamento público, resultam do desejo de imitar o modelo económico do Segundo Império. Tal facto, não o impede de elogiar bom número de medidas anti-parlamentares e limitadoras da liberdade de expressão, impostas autorita­riamente à França por Napoleão III. De modo semelhante, existe uma notória contradição entre uma evidente anglofobia no plano da política externa e uma óbvia anglofilia no plano das instituições inglesas e da política económica li­beral. No primeiro caso, a Inglaterra é acusada de humilhar internacionalmen­te Portugal, impondo-lhe uma aliança onerosa em termos políticos que nunca cumpre e que é prejudicial aos interesses nacionais. No segundo caso, o elogio das instituições britânicas a começar pelo funcionamento do parlamento inglês e a descentralização política, que é mais patente nas Revelações do que nas Utopias. No plano da política económica o autor toma a Inglaterra como mo­delo, a seguir no plano da organização financeira do estado sobretudo no refe­rente à dívida consolidada, elemento central das políticas económicas da Regeneração e do Fontismo. A solução que defende passa por reduzir as des­pesas públicas seguindo a política orçamental inglesa entre 1813 e 1851. As concepções livre-cambistas de Simão José da Luz Soriano eram características da economia política inglesa e francesa da época através da identificação com as concepções de Adam Smith e em menor grau de Jean-Baptiste Say. O pro­jecto reformista, que propõem para Portugal, é um curioso entrecruzar de dois modelos políticos antagónicos da segunda metade do século XIX: o bonapar­tismo francês e o liberalismo inglês. A aparente incapacidade de percepcionar a contradição do esforço de conciliar propostas de governo tão opostas, só pode ser entendida através da sua plena adesão ao liberalismo moderado de oitocentos. O núcleo duro do seu pensamento político centra-se em torno dos principais pressupostos teóricos dos doutrinários franceses e espanhóis, mas actualizado com autores mais modernos. A defesa dos "homens moderados" face aos radicais do "ultraliberalismo" não implica uma total negação daquilo que para ele sempre foi essencial. O abandono do republicanismo rousseau­niano da juventude não é uma traição ao seu passado, mas a única forma de se manter fiel a valores fundamentais: o bem geral da sociedade, da moralidade publica e da fiel observancia das leis.50 Assim sendo, compreende-se que tenha colocado, no início das Revelações, um poema do poeta setecentista Garção que sintetiza esta busca incessante de autenticidade e coerência de uma vida:51

"Na presença de Cesar, e Conscriptos
Fui, disse, fui fiel a Galba, e a Roma,
Confesso o meu delicto, se delicto
Á virtude se chama."

Topo da página

Notas

1 No resto do texto e para não estarmos sistematicamente a repetir o título completo das duas obras utilizaremos para a primeira apenas a palavra Utopias e para a segunda só Revelações: Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do sistema liberal em Portugal ou epí­tome do que entre nós tem sido este sistema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858 e So­riano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida, e memórias de alguns factos e homens meus contemporâneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860. Ver para os textos posteriores: Soriano, Simão José da Luz, História da guerra civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal compreendendo a história diplomática, militar e política deste reino de 1777 até 1834, Lisboa, Imprensa Nacional, 1866-1890 e a História do reinado de D. José e da administração do Marquês de Pombal, Lisboa, Tipografia Universal, 1867.

2 Soriano, Simão José da Luz, História do cerco do Porto, precedida de uma extensa notícia sobre as diferentes fases políticas da monarquia, desde os mais remotos tempos até ao ano de 1820, e desde este mesmo ano até ao começo do sobredito cerco, Lisboa, Imprensa Nacional, 1846-1849 e Soriano, Simão José da Luz, Vida do marquês de Sá da Bandeira e reminiscên­cia de alguns sucessos mais notáveis que durante ela tiveram lugar em Portugal, Lisboa, Ti­pografia da Viuva Sousa Neves, 1887-1888. Sobre as abordagens especificamente historiográficas da obra de Simão José da Luz Soriano consultar as seguintes obras: Serrão, Joaquim Veríssimo, História Breve da Historiografia Portuguesa, Lisboa, Editorial Verbo, 1962, p. 259, Matos, Sérgio Campos, Historiografia e Memória Nacional (1846-1898), Lisboa, Edições Colibri, 1998, p. 24-123 e p. 473-498 e Catroga, Fernando, «Positivistas e republicanos», Torgal, Luís Reis, Mendes, Amado, José Maria e Catroga, Fernando, História da His­tória de Portugal, sécs. XIX-XX, Lisboa, Círculo de Leitores e Autores, 1996, p. 87-115.

3 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Relações da minha vida e memórias de alguns factos, e ho­mens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 722-723.

4 Simão José da Luz Soriano utiliza uma linguagem que vai buscar ao seu bacharelato de medi­cina e provavelmente é influenciado já por uma certa sensibilidade realista-naturalista de cariz próximo do positivismo. Ver também, Reis, Carlos (dir.), O Realismo e o Naturalismo, História da Literatura Portuguesa, Lisboa, Publicações Alfa, 2001, vol. 5, p. 11-40. Consul­tar: Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. IV. A mesma perspectiva assume um tom ainda mais marcadamente positivista no segundo texto: Soriano, Simão José da Luz, Relações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 45-47.

5 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epí­tome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. IV.

6 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Relações da minha vida e memórias de alguns factos, e ho­mens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p.14. Ver também: Roussel, Jean, Jean-Jacques Rousseau en France après la Révolution 1795-1830. Lectures et Légend, Paris, Librairie Armand Colin, 1972, p. 62-208 e p. 523-558, Delon, Michel, Mauzi, Robert, Menant, Sylvain «De 1’Encyclopédie aux Méditations», (dir.) Pichois Claude, Littérature Française, t. 6, Paris, Éditions Arthaud, 1984, p. 320-345 e ainda Cottret, Monique et Bernard, Jean-Jacques Rousseau en son temps, Paris, Perrin, 2005, p. 475-610.

7 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 2.

8 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 3 e p. 615-616.

9 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 723-724. A obra citada de Herculano, A. intitula­-se: Ao Partido Liberal Português a Associação Popular Promotora da Educação do Sexo Feminino, Lisboa, Imprensa União Typographica, 1858. Ver sobre esta questão Macedo, Jor­ge Borges de, "Introdução", Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Obras Completas, Lisboa, Livraria Bertrand, 1979, Vol. I, p. LXXVI-LXXVIII e p. XCV-XCVII.

10 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 728-730. Consultar sobre a juventude de Ale­xandre Herculano: Nemésio, Vitorino, A Mocidade de Herculano (1810-1832), Amadora, Li­vraria Bertrand, 1979, p. 9-93.

11 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 724-725. A sua posterior definição como precur­sor das ideologias contra-revolucionárias do século XX é sem dúvida abusiva e de certa maneira anacrónica. É o caso do livro de Campos, Fernando, No saguão do Liberalismo, Lis­boa, Edição de José Fernandes Júnior, 1935, p. 43-56.

12 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. VI, p. 2-5, p. 41 e p. 96. Consultar também: Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipo­grafia Universal, 1860, p. 639 e p. 731-733.

13 Cf. Burdeau, Georges, O Liberalismo, Lisboa, Publicações Europa-América, s/d, p. 37-78. Sobre a importância para o autor de Adam Smith e Jean-Baptiste Say consultar: Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 78-92.

14 Cf. Simão José da Luz Soriano, ob. cit., p. 4-5. Ver Mill, John Stuart, Sobre a Liberdade, Lis­boa, Publicações Europa-América, 1997, p. 72-76 e Tocqueville, Alexis, Democracia na América, Lisboa, Editorial Estúdios Cor, 1972, p. 431-436. Estas temáticas são também desenvolvidas no sentido de uma tendência crescente para uma igualização geral da socie­dade e da emergência da tirania da opinião pública nas obras posteriores de Tocqueville, Alexis, O Antigo Regime e a Revolução, (1856) Lisboa, Editorial Fragmentos, 1989, p.13-15, p. 141- 188, p. 190-191 e de Mill, John Stuart, O Governo Representativo (1864), Viseu, Editora Arcádia Limitada, 1969, p. 59-87 e p. 161-197. Sobre a importância para o autor de Charles Montesquieu ver: Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de al­guns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 656-657.

15 A questão da demagogia e do governo demagógico inspira-se claramente nos autores da An­tiguidade Clássica principalmente em Aristóteles, Platão e de certo modo em Políbio. Ver a este propósito: Aristóteles, Tratado da Política, Mem-Martins, Publicações Europa-América, 1977, p. 148-174; Platão, Diálogos I – A República, 3ª edição, Mem-Martins, Publicações Europa-América, 1987, p. 306-325; Políbio, «Histórias», Câmara, João Bettencourt. Noites de San Casciano. Sobre a Melhor Forma do Governo, Lisboa, Vega e João Bettencourt da Câmara, 1997, p. 97-108. Sobre a questão da demagogia consultar também: Finley, M. I., Democracia Antiga e Moderna, Rio de Janeiro, Edições Graal Ldta., 1988, p. 55-90.

16 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 7-8. Sobre a concepção do povo nos pensadores dos séculos XVIII e XIX consultar: Dupuy, Roger, La politique du peuple XVIIIe-XXe siècle. Racines, permanences et ambiguïtés du populisme, Paris, Editions Albin Michel S. A, 2002, p. 7-28 e também Geremek, Bronislaw, A Piedade e a Forca. História da Miséria e da Caridade na Europa, Lisboa, Terramar Editores, Distribuidores, Livreiros, Lda., 1995, p. 267-291.

17 Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 8-9-11. Ver Aristóteles, ob . cit., p. 150-151 e p. 212­-220 e Platão, ob. cit., p. 284-316.

18 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 9-11 e também Soriano, Simão José da Luz, Re­velações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lis­boa, Tipografia Universal, 1860, p. 589, p. 592, p. 618 e p. 714. Não é possível identificar claramente as obras nas quais se baseia o autor para reflectir sobre a história antiga nomeada­mente de Roma, embora seja provável que inclua escritores antigos como Aristóteles, Platão, Políbio, Cícero, Salústio e modernos como Charles Montesquieu, Edward Gibbon, François Guizot, Barthold Georg Niebuhr. É possível igualmente o recurso a obras de divulgação de autores portugueses do seu tempo.

19 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 45-46. Consultar sobre esta questão Derathé, Ro­bert, "Les Philosophes et le Despotisme", Francastel, P. (ed.), Utopie et Institutions au XVIIIe siècle: Le Pragmatisme des Lumières, Paris, Mouton, 1963, p. 57-75 e também Bobbio, Nor­berto, «Despotismo», Bobbio, N., Matteucci, N. e Pasquino, G., Dicionário Político, 5ª ed., Brasília/São Paulo, Editora Universidade de Brasília/Imprensa Oficial do Estado, 2000, vol. 1, p. 339-347.

20 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 11-12. O autor referido é escolhido devido ao seu passado político que o torna uma teste­munha insuspeita da evolução histórica da França. Com efeito, o Visconde de Cormerin serviu o Primeiro Império, a Restauração, a Monarquia de Julho mas destacou-se como membro moderado da Segunda República francesa. Não é possível identificar as fontes específicas das suas análises sobre a Revolução Francesa de 1789 embora se aproxime das leituras mais correntes na época dos historiadores liberais e doutrinários na época. Ver sobre esta questão: Furet, François, La gauche et la révolution au milieu du XIXe siècle. Edgar Quinet et la question du Jacobinisme 1865-1870, p. 11-72 e também Winock, Michel, Les Voix de La Li­berté. Les écrivains engagés au XIXe siècle, Paris, éditions du Seuil, 2001, p. 314-476.

21 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 11-15 e p. 47-48. Ver também: Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 572-624, p. 731, p. 742-750 e p. 757-762.

22 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 16-17.

23 Cf. Anónimo (Coutinho, João de Azevedo Sá), Autopsia dos Partidos Políticos e Guarda-Quedas dos Governos: Ou Ensaio Sobre as Continuas Revoluções de Portugal, Lisboa, Ty­pographia da Gazeta dos Tribunaes, 1847, p. 5 e também Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 16, nota 1.

24 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 590-591, nota 1.

25 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema. Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 40-51 e também Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal. 1860, p. 633­-634 e p. 640-642.

26 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 40-41. Sobre a questão do anti-parlamentarismo liberal e reformista que é o caso de Simão José da Luz Soriano, consultar: Winock, Michel, La France politique XIXe-XXe siècle, Paris, Éditions du Seuil, 1999, p. 205-225.

27 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 640-643 e p. 660.

28 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 618-619. Ver também: Tocqueville, Alexis, de, ob. cit., idem e Mill, John Stuart, ob.cit., idem. Consultar: Manent, Pierre, Les libéraux, Paris, Éditions Gallimard, 2001, p. 434-543 e Rosanvallon, Pierre, La démocratie inachevée. Histoire de la souveraineté du peuple en France, Paris, Éditions Gallimard, 2000, p. 39-91 e p. 95-126.

29 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 585.

30 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 55-59 e também Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 642­-643 e p. 740-742.

31 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. III-VII e p. 7 e também em Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e me­mórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 629-630 e p. 660-661.

32 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 52-55 e também Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de al­guns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 716-720.

33 Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 685-686.

34 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 71-96 e também Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 674­-688. Consultar sobre o liberalismo económico oitocentista Manent, Pierre, Les Libéraux, Paris, Gallimard, 2001, p. 314-372 e p. 543-591.

35 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 699-716. Consultar: Almeida, Pedro Tavares de, Eleições e Caciquismo no Portugal Oitocentista (1868-1890), Lisboa, Difel, 1991, p. 97-141, Bonifácio, M. Fátima, Apologia da História Política. Estudos sobre o século XIX português, Lisboa, Quetzal Editores, 1999, p. 239-362 e Sardica, José Miguel, A Regeneração sob o signo do Consenso: a política e os partidos entre 1851 e 1861, Lisboa, ICS, 2001, p. 237-299.

36 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. III-VII, p. 1-2 e p. 21-22. Sobre os diversos autores das Utopias ver Servier, Jean, Histoire et l’utopie, Nouvelle Édition Paris, Éditions Gallimard, 1991, p. 231-270. As revoluções de 1848-1849 podem ser melhor conhecidas consultando: Agulhon, Maurice, 1848 ou l’appren­tissage de la république 1848-1852, Paris, Editions du Seuil, 1973; Sigman, Jean, 1848. Las revoluciones románticas y democraticas de Europa, 2ª edición, Madrid, Siglo vientinuno de Espana Editores, S. A, 1984 e Ribeiro, Maria Manuela Tavares, Portugal e a Revolução de 1848, Coimbra, Livraria Minerva, 1990.

37 Cf. Tocqueville, Alexis, O Antigo Regime e a Revolução, Lisboa, Ed. Fragmentos, 1989, pp. 127-133 e p. 141-142. Ver também sobre esta questão: Guizot, François, De la Démocratie en France, Paris, Victor Masson, Librairie, 1849, p. 8-9.

38 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 699-700 e p. 767-768. O regresso ao catolicismo numa linha liberal próxima de Lamennais e Lamartine não deixa de estar presente em Portugal através de António Feliciano de Castilho. Todavia, autores tão diversos como Alexandre Herculano e Rebello da Silva não eram totalmente indiferentes a certos elementos deste neocatolicismo. Ver a este propósito Torgal, Luís Reis, "O Tradicio­nalismo Absolutista e Contra-Revolucionário e o Movimento Católico", Torgal, Luís Reis e Roque, João (coord.), Mattoso, José (dir.), O Liberalismo, Lisboa, Editorial Estampa, 1993, vol. 5, p. 227-239 e também Silva, Júlio Joaquim da Costa Rodrigues, "Memória e História no Liberalismo Ibérico: Luís Augusto Rebelo da Silva e Francisco Martínez de la Rosa", Cultura, Revista de História e Teoria das Ideias, IIª Série, Vol. XV, Lisboa, Publicação Anual do Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 2002 (2003), p. 245-269. Sobre a influência de Jean-Jacques Rousseau em Portugal no vintismo consultar: Castro, Zília Osório de, Cultura e Política. Manuel Borges Carneiro e o Vintismo, Lisboa, INIC-CHC/UNL, 1990, Vol. II, p. 533-585 e Machado, Fernando Augusto, Rousseau em Portugal. Da clandestinidade setecentista à legalidade vintista, Porto, Campo de Letras-Editores S.A., 2000, p. 451-603.

39 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 4-6. Ver sobre este tema a nossa análise neste artigo p. 7 e nota nº 14.

40 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 30 e também Simão José da Luz Soriano, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 628. Consul­tar sobre este tema: Rosanvallon, Pierre, Le Moment Guizot, Paris, Editions Gallimard, 1985, p. 87-95 e p. 320-379 e Cuevas, Pedro Carlos González, Historia de las derechas españolas. De la Ilustración a nuestros días, Madrid, Editorial Biblioteca Nova, S. L., 2000, p. 17-148.

41 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 7-8 e p.65. Ver também Guizot, François, ob cit., p. 106-108. Consultar sobre esta questão: Rosanvallon, Pierre, Le Moment Guizot, Paris, Éditions Gallimard, 1985, p. 75-87.

42 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 47. Ver sobre esta questão: Jaume, Lucien, Les Déclarations des Droits de L’Homme (Du Débat 1789-1793 au Préambule de 1946), Paris, GF-Flammarion, 1989, p. 67-72.

43 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 5. Ver Rousseau, Jean‑Jacques, Du Contrat Social ou Principes du Droit Politique, Paris, Marabout Université, 1974, p. 36.

44 Cf. Soriano, Simão José da Luz, ob. cit., p. 733-734 e p. 764. Ver sobre esta questão: Ro­sanvallon, Pierre, La démocratie inachevée. Histoire de la souveraineté du peuple en France, Paris, Éditions Gallimard, 2000, p. 108-116 e p. 235-241 e Corral, L. Diez del, El Libera­lismo Doutrinario, Madrid, Instituto de Estudios Politicos, 1973, p. 549-588.

45 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 21-22. Ver também Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 644­-655 e p. 680-687 p. 721-722 e p.736.

46 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 46. Ver também Rosanvallon, Pierre, ob. cit., idem e Corral, L. Diez de, ob. cit., idem.

47 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 735, e Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 48. Ver Manin, Bernard, Principes du Gouvernement Représentatif, Paris, Flammarion, 1996, p. 93­-108 para compreender as perspectivas de Ch. Montesquieu e J-J Rousseau sobre o proble­ma. Sobre a actualidade desta questão nos meios radicais franceses durante a Segunda República (1848-1852) ver: Rosanvallon, Pierre, ob. cit., p. 159 e nota nº 2.

48 Plessis, Alain, «De la fête impériale au mur des fédérés 1852-1871», Nouvelle histoire de la France contemporaine, Paris, Éditions du Seuil, 1973, vol. 9, p. 24-25. Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 505.

49 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 58-59 e Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns fac­tos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 742. Ver Plessis, Alain, ob. cit., p. 32-36.

50 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Utopias desmascaradas do systema liberal em Portugal ou epítome do que entre nós tem sido este systema, Lisboa, Imprensa União Tipográfica, 1858, p. 74-76 e p. 93-98. Ver também sobre esta questão Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipo­grafia Universal, 1860, p. 691-721.

51 Cf. Soriano, Simão José da Luz, Revelações da minha vida e memórias de alguns factos, e homens meus contemporaneos, Lisboa, Tipografia Universal, 1860, p. 1.

Topo da página

Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Júlio Rodrigues da Silva, «Simão José da Luz Soriano e o liberalismo moderado (1858-1860)»Cultura, Vol. 22 | 2006, 151-175.

Referência eletrónica

Júlio Rodrigues da Silva, «Simão José da Luz Soriano e o liberalismo moderado (1858-1860)»Cultura [Online], Vol. 22 | 2006, posto online no dia 04 dezembro 2015, consultado o 29 março 2024. URL: http://journals.openedition.org/cultura/2215; DOI: https://doi.org/10.4000/cultura.2215

Topo da página

Autor

Júlio Rodrigues da Silva

CHC – UNL
Doutorado em História e Teoria das Ideias, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em 1999, é Professor Associado da F.C.H.S. da Universidade Lusíada de Lisboa onde lecciona desde 1987. Publicou em 1992 As Cortes Constituintes de 1837-1838. Liberais em Confronto e em 2002 Ideário Político de uma Elite de Estado. Corpo Diplomático (1777-1793). Investigador (1993) e Membro do Conselho Científico (1999) do C. H. C. da U. N. L. Aca­démico Correspondente da Academia Portuguesa de História (2001).

Artigos do mesmo autor

Topo da página

Direitos de autor

CC-BY-4.0

Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

Topo da página
Pesquisar OpenEdition Search

Você sera redirecionado para OpenEdition Search