Revisão sistemática como ferramenta para propor uma terminologia de erros pré-analíticos em medicina laboratorial

Systematic review as a tool to propose a terminology of preanalytical errors in laboratory medicine

Edmilson Garcia da Costa1

Luciana T. Cavalini2

Patrick Lourenço1 

Ivonise Silva3

Joyce Nogueira4

 

 

 

  1. Mestrado em Saúde, Medicina Laboratorial e Tecnologia Forense/UERJ. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Unidade de Hemoterapia, Clínica Médica Cirúrgica B. Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
  2. Professor, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
  3. Mestrado em Saúde, Medicina Laboratorial e Tecnologia Forense – UERJ – Fundação Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro, Escola técnica Estadual Marechal Hermes – Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
  4. Mestrado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social – UERJ– Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

Instituição: Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

Recebido em: 23/05/2017
Artigo aprovado em 12/04/2018
DOI: 10.21877/2448-3877.201800583

 

Abstract

Os erros pré-analíticos de laboratório são reconhecidos como um risco a segurança do paciente e grande parte dos erros causam impacto sobre a qualidade dos exames. Incorporando a Tecnologia da informação e Comunicação (TIC) ao Sistema de Informação Laboratorial (LIS), propôs-se reduzir esse tipo de erro, mas isso exige um nível de interoperabilidade entre os LIS e Registros de Saúde Eletrônicos (EHR) que ainda irá ser alcançado. As terminologias destinam-se a facilitar a informação e o intercâmbio. Conteúdo: A metodologia de revisão sistemática foi adotada para a elaboração da terminologia. As pesquisas na área resultaram em um total de 1.527 manuscritos, com 37 artigos incluídos na revisão. A tipologia dos erros pré-analíticos incluiu: Total de Erros, Erros de Informação, Erros de Coleção, Erros de Manuseio, Outros Erros, Erros e subcategorias não especificados. Uma terminologia de erros pré-analíticos foi proposta com base nesses parâmetros. Resumo: O estudo realizou uma revisão sistemática sobre erros pré-analíticos para propor uma terminologia adotada para uso em LIS ou monitoramento em laboratório. Perspectivas: Este estudo contribui para a sistematização do conhecimento científico existente sobre erros pré-analíticos, a fim de melhorar a qualidade dos exames de laboratório.

Keywords

Erros pré-analíticos; Laboratório clínico; Revisão sistemática

INTRODUÇÃO

A relevância dos erros pré-analíticos como problema de saúde pública é relacionado com os potenciais danos aos pacientes e os custos para o sistema. A crescente automação nos serviços de saúde nem sempre é a melhor opção em termos de controle de qualidade. A automação pode expor a risco e a erros sistemáticos além do seu controle, o que poderia colocar em risco os pacientes e criar custos desnecessários.(1)

A importância da fase pré-analítica na qualidade da medicina de laboratório é amplamente reconhecida. Assim, é necessário definir indicadores que estão especificamente relacionados ao sistema global de gestão da qualidade em laboratórios. Este é um passo fundamental para reduzir as vulnerabilidades à emergência e proliferação de erros.(2)

Neste contexto é importante esclarecer que a fase pré-analítica exige implementação cuidadosa das medidas de detecção e classificação para reduzir erros. Ao procurar especificar a qualidade dos sistemas analíticos avaliando sua imprecisão, muitas vezes assumimos que a fase pré-analítica é bem controlada. Esta é uma suposição errada e pode contribuir para o aumento das imprecisões nas fases seguintes (isto é, o método analítico e fases pós-analíticas).(3)

Idealmente, a padronização da fase laboratorial pré-analítica requer incorporação de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Atualmente, os Sistemas de Informação Laboratoriais (SIL/LIS), já são uma realidade.(4) Entretanto, a maioria dos LISs é mero sistema de gerenciamento de relatórios e faturamentos. O futuro no qual o LIS será importante para a tomada de decisão clínica baseada em vidências ainda está por vir, as expectativas para este recurso existem por quase 30 anos.(5)

Contudo, iniciativas deste tipo são ainda casos isolados em estágios desiguais de implementação.(6,7) Além disso, ainda não é possível identificar claramente na literatura uma convergência de reflexões entre a necessidade de automação da fase pré-analítica e os obstáculos reais que se interpõem à sua implementação, o que poderia ser superado com a padronização do LIS, sendo a adoção de terminologias solução comumente proposta.(8)

Entretanto, o processo de consenso é arrastado e dispendioso, tornando-se um obstáculo para a adoção das terminologias na prática clínica e na pesquisa; uma meto­dologia ágil de geração pode ser entendida neste caso como um “consenso de especialistas” virtual e secundário, produzido a partir da busca bibliográfica e da seleção dos artigos.

Assim, o presente estudo pretende preencher essa lacuna do conhecimento, propondo revisão sistemática para produzir uma terminologia de erros pré-analíticos, para a futura implementação em gerações mais avançadas de LIS.

 Material e Métodos

A proposta para elaboração de uma terminologia de erros pré-analíticos em Medicina Laboratorial aqui apresentada seguiu as definições e recomendações da norma ISO 17117: 2002.(9) A International Statistical Classification of Diseases and Related Healt Problems CID-10(10) e a Systematized Nomenclature of Medicine – Clinical Terms – SNOMED CT(11) foram adotadas como modelo para a organização e codificação de termos.

Para obter uma tipologia de erros pré-analíticos, foi realizada uma revisão por ítens de relatórios através da metodologia Preferred Reporting Itens for Systematic Reviews e Metanalises (PRISMA).(12)

O foco desta revisão sistemática foi o universo de erros em testes laboratoriais que podem ocorrer na fase pré-analítica, cobrindo a literatura científica disponível entre 1990 e 2015. A questão da pesquisa para esta revisão foi: “Quais são os tipos e a frequência de erros pré-analíticos nos diferentes exames em medicina de laboratorial?”.

Para responder a esta pergunta, pesquisamos as seguintes Bases de Dados: Medline, Scopus, ISI Web de Conhecimento, SciFinder, Lilacs e IBECS, utilizando os seguintes termos de pesquisa:

Medline: ((((“Laboratories”[Mesh]) OR ((laboratory[All fields] OR laboratories [All fields] OR laboratorial [All fields])))) AND ((((Preanalytical [All fields]) OR preanalytic [All fields]) OR pre-analytical [All fields]) OR preanalytic [All fields])) AND ((error [All fields] OR errors [Title/Abstract]))

Scopus: (laboratory OR laboratories OR laboratorial) AND (preanalytical OR preanalytic OR pre-analytical OR pre-analytic) AND (error OR errors)

ISI Web of Knowledge: (laboratory OR laboratories OR laboratorial) AND (preanalytical OR preanalytic OR pre-analytical OR pre-analytic) AND (error OR errors)

Lilacs and IBECS: (laboratory OR laboratories OR laboratorial) AND (preanalytical OR preanalytic OR pre-analytical OR pre-analytic) AND (error OR errors)

SciFinder: preanalytic laborat error

Esta revisão sistemática incluiu artigos publicados em inglês ou línguas neolatinas. Foram relacionados para esta revisão estudos descritivos de base primária que relatem erros pré-analíticos ocorridos em medicina laboratorial, com análise de dados de amostras ou exames.

Todos os títulos dos artigos foram examinados por dois revisores independentes e os artigos que preenchiam os critérios de inclusão foram selecionados para revisão e mantidos. Eles foram avaliados cegamente; ou seja, sem identificar os respectivos autores. Um terceiro revisor interviria quando houvesse julgamento ou discrepâncias entre os dois revisores. Quando havia alguma incerteza se um estudo cumpriu ou não os critérios de inclusão, foi incluído por padrão.

Finalmente, para a análise do documento completo, os dois revisores também selecionaram os artigos de forma independente e, quando necessário, o terceiro revisor avaliou as discrepâncias. Os estudos foram analisados de acordo com os seguintes aspectos: Identificação do artigo por título e revista, autores, ano de publicação, tamanho da amostra (pacientes ou amostras de teste), metodologia e validade do estudo.

Foram incluídos artigos científicos publicados em periódicos, em Inglês ou línguas neolatinas, relacionados aos seguintes critérios: estudos descritivos ou analíticos de base primária, ou seja, ter análise de dados de um grupo de pacientes, amostras ou exames laboratoriais; estudos cujo tema  fossem os erros pré-analíticos de testes laboratoriais nas áreas de análises clínicas como hema­tologia; coagulação; banco de sangue; bioquímica; micro­biologia; uroanálise; imunologia; toxico­logia; genética; genômica e proteômica.

Foram adotados os seguintes critérios de exclusão: estudos sobre a fase analítica, incluindo avaliação da qualidade, testes de proficiência, cálculo do International Normalized Ratio (INR) ou pós-analítica. Porém, se o artigo apresentasse parâmetros sobre estas fases em conjunto com erros de fase pré-analítica, ele não seria excluído; estudos referentes à anatomia patológica, histopatologia, citopatologia, embriologia e afins; artigos sobre exames complementares que não os laboratoriais (como, por exemplo, exames de imagem); publicações sobre laboratórios clínicos de medicina veterinária; estudos sobre desfechos de mortalidade ou morbidade associados ou não a erros pré-analíticos; estudos econômicos (ex: de custo efetividade); publicações que não fossem o resultado de pesquisa primária (por exemplo, artigos teórico-conceituais ou relatórios técnicos); artigos de revisão narrativa ou sistemática; artigos de opinião ou editoriais.

Após a exportação do banco de dados de referências para a planilha eletrônica, ainda foram retirados manualmente duplicatas remanescentes, assim como ítens que não se configuravam como artigos científicos publicados em periódicos, tais como livros, artigos de congressos, patentes e páginas na internet. Com a conclusão da etapa de proces­samento do banco de dados, iniciou-se o processo de seleção dos artigos a serem incluídos na revisão sistemática. Em uma primeira etapa, os títulos de todos os artigos encontrados na busca foram revisados, e aqueles potencialmente apropriados para a interpretação das alterações de exames laboratoriais que pudessem ocorrer na fase pré-analítica, foram conservados. Aqueles títulos que cumpriam os critérios de inclusão foram mantidos. Medidas descritivas, como o número absoluto ou a incidência dos erros pré-analíticos foram incluídos como resultados do estudo.

Resultados

A busca às bases de dados bibliográficas resultou em Medline (n=384) artigos, Scopus (n=603), ISI (n=414), SciFinder (n= 105), Lilacs (n=16) e IBECS (n=4) com o primeiro termo de busca e um com o segundo argumento de busca totalizando 1.527 títulos. Após a subtração de 760 duplicatas, obteve-se um total de 767 artigos. Entre eles, 35 foram excluídos de acordo com os critérios linguísticos: alemão (n = 12), japonês (N = 10), checo (n = 3), russo (n = 3), húngaro (n = 2), coreano (n = 2) sueco (n = 2) e polonês (n = 1) e 26 artigos que não foram encontrados em formato digital ou físico. Após este passo, ficaram 706 artigos para a triagem do título. No final dessa etapa, foram selecio­nados 382 resumos para análise. Finalmente, um conjunto de 203 artigos foi selecionado para avaliação de texto completo; ao final, 37 artigos dos 203 foram incluídos para a extração dos parâmetros, como visto no diagrama de fluxo (Figura 1).

01 - figura_1Figura 1. Diagrama demonstrativo do processo de seleção dos artigos.
Fonte: o autor, 2017.

A distribuição dos 669 artigos excluídos por cada etapa do processo de seleção (após 35 artigos foram excluídos pela linguagem, é apresentado na Tabela 1). As línguas de publicação foram: Inglês (n = 30), Espanhol (n = 6) e Italiano (n = 1). Em relação ao cenário de estudo, todos os artigos publicaram sobre laboratórios hospitalares, com grande variação do tamanho das amostras.

02 - tabela_1

Todas as observações (N=37) seguiram o desenho da série de casos, e todos os estudos de intervenção adotaram a abordagem “antes e depois”. A avaliação da qualidade metodológica dos artigos foi realizada de acordo com uma adaptação da Quality Assessment Tool for Systematic Reviews of Observational Studies para Revisões Sistemáticas Estudos observacionais (QATSO),(13) foi aplicada para avaliar o estudo, categorizando a qualidade em bom (n = 9), satisfatório (N = 10) e ruim (n = 18).

O estudo relaciona o resumo dos parâmetros de erros pré-analíticos dos estudos incluídos, apresenta valores de frequência de nove artigos que avaliaram o total de erros, sendo que o indicador de porcentagem de erros pré-analíticos sobre o total de erros laboratoriais apresentou o valor de 40,98% (14) e outro estudo é representado por dois períodos em 2006 por um valor de 0,24%(15) e em 2007 por erros pré-analíticos com a incidência sobre o total de erros laboratoriais com valor maior de 0,38%.(15)

Em relação à incidência de erros pré-analíticos no total de exames laboratoriais, o estudo apresenta valores que variam entre 0,07%(16) a 44,89%.(14) Indicadores de erros pré-analíticos para alguns exames laboratoriais específicos, dois artigos apresentaram o percentual geral para os exames de hematologia obtendo, para este indicador, o menor valor de 0,24%(17) e o maior valor de 0,85%.(18) Pode-se ressaltar que os dois artigos apresentam o percentual geral de erros pré-analíticos especificamente para os exames de coagulação, obtendo o menor valor de 0,47%(17) e o maior valor de 12,84%.(18) E ainda para os erros totais em amostras de urina apresenta um percentual de valor menor de 0,16%(17) e valor maior de 4,90%.(18) Em 21 artigos que abordam de erros de informação, especificamente de identificação incorreta e nela se obtém a incidência deste erro pré-analítico, que varia do menor percentual de 0,0004%(19) em todas as amostras ao maior valor de 65,20%(20) em relação à identificação do profissional. E ainda dez artigos abrangeram parâmetros para o erro de informação especificamente relacionado à solicitação de exames incorreta, em que temos a incidência de menor valor igual a 0,02%(21) e a de maior valor, 28,80%.(22) A mostra de estudos que versam sobre os erros de informação do tipo solicitação sem amostra, em que se apresentam doze artigos, com incidência maior de 49,50%.(23)  (Tabela 2 – parte 1)

03 - tabela_2

E 22 artigos apresentaram o percentual de erros de coleta específicos de amostra hemolisada, com menor valor de 0,03%(19) e maior valor de 19,50%,(23) dados que foram observados os parâmetros erros pré-analíticos obtidos nos estudos incluídos na revisão. Foram identi­ficadas deficiências em variáveis pré-analíticas, a maioria causada por negligência e susceptível de correção. (Tabela 2 – parte 2)

04 - tabela_2_p2

Seis estudos tiveram o componente de intervenção. Algumas intervenções são prejudiciais como à hemólise, volume insuficiente e outros erros. Os riscos relativos estimados nesses estudos variaram de 0,09 a 1,98. Apenas para revisão, as intervenções foram: ações rotineiras de qualidade total, que obtiveram eficácia de 90,9% na redução do indicador de erro pré-analítico relacionado à identificação errada, seguido por pipetagem automatizado em sistema de semeadura com eficácia protetora na necessidade de reteste de 90,9%.(24)  (Tabela 3)

05 - tabela_3

A estrutura adotada para a extração dos parâmetros dos artigos produziu a organização de tipos de erros pré-analíticos por categorias e sub­categorias, como as observadas em alguns capítulos do CID-10, como o Capítulo XIX – Lesões, por envenenamento e algumas consequências de causas externas. Assim, a estrutura final da terminologia proposta categorizou os erros pré-analíticos em: I. Relativamente ao tipo de ensaio ou material de amostra. Geral: quando o tipo de teste ou material de amostra não é especificado. Específico: quando o tipo de teste ou material de amostra é especificado. II. Quanto ao tipo de erro pré-analítico. Erros de informação: relacionados com a gestão da informação sobre o paciente, a amostra, o pedido de teste e a relação entre eles. Erros de coleta: relacionados ao procedimento de extração da amostra de material. Erros de manuseio: referindo-se aos procedimentos realizados entre o tempo de extração da amostra e início da fase analítica. III. Outros erros não especificados. Outros Erros: Erros que não puderam ser classificados em categorias anteriores ou subcategorias erros não especificados: erros relatados sem informações suficientes sobre a natureza da amostra ou a tipologia do erro. Esta última categoria foi incluída, em alguns casos, como sub­categorias nas categorias anteriores. A terminologia resultante proposta pelo presente estudo pode ser vista no material suplementar.

Discussão

O presente estudo realizou uma revisão sistemática sobre erros pré-analíticos usando 37 artigos científicos de trabalhos científicos de nível primário obtidos de busca eletrônica, com a finalidade de propor uma terminologia de erro pré-analítico. Como os métodos de estudo foram considerados heterogêneos, os resultados da revisão foram apresentados de forma descritiva em tabela, em vez de realizar meta-análise. A variação extrema das taxas de incidência entre os estudos incluídos nesta revisão sistemática estão relacionados com vários fatores, como os diferentes modelos de estudo, a qualidade metodológica intermediária dos estudos, a variabilidade de complexidade do cuidado e controle de qualidade laboratorial. Contudo, uma vez que nenhum dos estudos teve um desenho adequado para identificar os fatores associados à incidência de erros, não é possível testar estas hipóteses com os estudos incluídos nesta revisão.

Além dos parâmetros obtidos nesta revisão sistemática, o indicador de porcentagem de erros pré-analíticos sobre o erro laboratorial total variou entre 40,98%(15) e 85%.(20) Isto confirma os dados sugeridos na literatura, mas ainda não comprovados por uma revisão sistemática, que a análise da fase pré-analítica é muitas das vezes responsável pela maioria dos erros laboratoriais.

Os estudos incluídos nesta revisão sistemática incluíram o período de 2000 a 2015. Isto demonstra que a investigação de análises pré-analíticas de erros é uma preocupação recente na comunidade científica global, que também é perceptível pela fragilidade dos desenhos de estudo dos artigos incluídos, principalmente estudos de série de casos e algumas tentativas incipientes de estudos de intervenção, sem evidências e sustentabilidade.

As revisões sistemáticas são muitas vezes baseadas em estudos publicados em Inglês. Os autores são mais propensos a ter resultados positivos publicados em revistas internacionais e escritos em inglês, enquanto que os resultados negativos provavelmente serão publicados em revistas locais. Em consequência, relatórios de pesquisa publicados exclusivamente em inglês são a maioria em revisões sistemáticas. Como também acontece com estudos inéditos, a baixa qualidade dos artigos publicados em línguas diferentes do Inglês podem, de fato, introduzir viés nos resultados das revisões sistemáticas, onde esses documentos são considerados. Assim, a decisão do grupo de pesquisa que realiza uma revisão sistemática deve considerar benefícios e riscos para expandir a revisão sistemática para o conjunto maior de linguagens.(25) Para reduzir o viés de linguagens incluímos a Lilacs e o IBECS, a base de dados, indexando a literatura latino-americana, muitas vezes excluída de revisões sistemáticas. Contudo, devido à subsequente exclusão de 35 artigos publicados em outras línguas que não o Inglês ou neolatina, não evitam completamente o viés de linguagem. A maioria desses estudos foi excluída por não ser acessível online ou em bibliotecas físicas dentro do alcance dos autores. Os artigos mostraram uma proporção considerável de informações faltantes. Como exemplo, em termos de tamanho da amostra, os dados sobre o número de amostras de material examinado foi maior do que o número de ordens médicas (que pode ter mais de uma amostra coletada) e o número de indivíduos (que pode ter mais de um exame necessário). Isto se deve provavelmente a limitações das fontes de dados dos artigos, que eram muitas vezes apenas para revisão de bases de dados de laboratórios de informação, que convencionalmente não identifica diferentes testes provenientes do mesmo paciente.(26) Esta é uma preocupação que buscamos superar propondo a terminologia atual. É importante notar a necessidade de inclusão de evidências com qualidade metodológica. Isto é evidente, segundo os critérios adotados nesta revisão sistemática, pois 18 trabalhos em 35 tinham baixa qualidade metodológica. Optou-se por não excluir os artigos com base em critérios metodológicos de qualidade, uma vez que esta revisão sistemática teve características exploratórias. Para mais estudos, especialmente quando há a necessidade de realização de meta-análise, recomenda-se a adoção de critérios metodológicos mais rigorosos. Alguns dos estudos incluídos nesta revisão sistemática, avaliações críticas devem ser utilizadas para detectar erros de problemas organizacionais fora do laboratório clínico.

Esta conclusão concorda com outros estudos,(26,27) que constataram a participação dos profissionais de saúde  como crucial para permitir a orientação correta dos pacientes durante o processo de diagnóstico. Assim, o profissional de saúde desempenha um papel na redução de erros pré-analíticos em medicina laboratorial. O principal resultado do presente estudo foi a elaboração de terminologia para a classificação de erros pré-analíticos. Esta terminologia pode ser utilizada para orientar a elaboração de resultados de estudos acadêmicos de nível primário sobre o tema com menor hetero­geneidade de indicadores (como visto nos parâmetros extraídos dos artigos) ou para implementação no LIS (Localizador de Informação em Saúde). A padronização de termos em conceitos na área de saúde é considerada importante passo para a modernização da assistência médica.(28) A terminologia proposta tem algumas limitações, sendo a principal delas o fato de que não foi elaborada por uma Organização de Desenvolvimento de Padrões (ODP), que são organismos acreditados na elaboração de terminologias, como a OMS no caso da CID-10 e da Organização Internacional de Saúde, Terminology Standards Development Organization (IHTSDO) no caso do SNOMED CT. Desenvolver uma terminologia específica de domínio requer consenso entre um número considerável de peritos, de modo que a produção dos termos não seja feito ad hoc.(29) No entanto, o processo de consenso é eventual, torna-se um obstáculo à adoção de terminologias na prática clínica e na pesquisa. Assim, o presente estudo propõe uma metodologia ágil, através da geração de termos derivados da extração de parâmetros de uma revisão sistemática, o que pode ser entendido neste caso como “consenso de especialistas” virtual e secundário, produzido a partir da pesquisa e seleção de artigos. Por último, é importante salientar que o uso dos termos geral e secundário que foram produzidos na terminologia, referindo-se ao tipo de exame e amostra biológica, corresponde a SNOMED CT..

Os autores do presente estudo estão cientes do problema semântico que afeta os atuais sistemas de informação de saúde, parte da qual é causada pela existência de múltiplas terminologias para definir o mesmo conceito.(30) No entanto, este estudo não propõe mapear os termos secundários existentes em outras terminologias. Portanto, esses termos secundários foram desenvolvidos apenas para fins de exposição, sendo essas características importantes para a qualificação do sistema pré-analítico para revisão de erros. Na prática, no entanto, a solução ideal seria incorporar os novos termos dessa terminologia em uma terminologia de referência, como SNOMED CT. O desenvolvimento de uma terminologia de erro pré-analítico, visa contribuir para a melhoria da área de Medicina de Laboratório. Os cuidados de saúde dependem dos avanços tecno­lógicos e gerenciamento de sistemas operacionais relacionados a eles, para melhorar a prestação de cuidados de saúde e qualidade a pacientes;(15) entre outras medidas, a redução dos erros laboratoriais pré-analíticos que podem ter um efeito sério sobre o atendimento causando erros pós-analíticos, com interpretações inadequadas como citadas em alguns estudos.(20)

Agradecimento

Os autores agradecem a Timothy Wayne Cook, CEO da Data Insights, Inc. ([email protected]), por sua contribuição na revisão do texto em inglês, e à Prof. Dra. Beatriz Rodrigues Lopes Vincent da Universidade Estadual do Rio de Janeiro pelo apoio à construção dos termos de pesquisa da literatura.

Abstract

Preanalytical errors are acknowledged as a major issue in laboratory medicine, accounting to a large proportion of its errors, with impact on the quality of care. Incorporating Information and Communication Technology (TIC) into the Laboratory Information Systems (LIS) are proposed to reduce this type of error, but that required a level of semantic interoperability across the LIS and Electronic Health Records (EHR) which is yet to be achieved. Terminologies are meant to facilitate health information interchange, but there is no formal terminology proposed for the preanalytical phase. Content: The systematic review methodology was adopted to support the elaboration of the terminology. The searches in the bibliographic databases resulted in a total of 1,527 manuscripts, with 37 articles included in the review. The typology of preanalytical errors included: Total Errors, Information Errors, Collection Errors, Handling Errors, Other Errors, Unspecified Errors and subcathegories. A pre-analytical error terminology was proposed based on these parameters. Summary: The study conducted a systematic review on preanalytical errors to propose a terminologigy that can be adopted for use in LIS or laboratory monitoring. Outlook: This study aimed to contribute to a systematization of existing scientific knowledge on preanalytical errors, in order to improve the quality of laboratory care.

Keywords

Preanalytical errors; Clinical laboratory; Sistematic review

 

REFERÊNCIAS

  1. Schleicher E. The clinical chemistry laboratory: current status, problems and diagnostic prospects. Anal Bioanal Chem 2006;384(1):124-31.
  2. Barth JH. Clinical quality indicators in laboratory medicine: a survey of current practice in the UK. Ann Clin Biochem 2011;48(Pt 3):238-240.
  3. Carraro P, Plebani M. Errors in a stat laboratory: types and frequencies 10 years later. Clin Chem 2007;53(7):1338-42.
  4. McClatchey KD, Saint Martin M. “Laboratory information systems”. In: McClatchey KD (ed.) Clinical Laboratory Medicine. Philadelphia: Lipincott Williams & Wilkins, 2002, 122-133.
  5. Connelly DP. Embedding expert systems in laboratory information systems. Am J Clin Pathol. 1990;94(4 Suppl 1):S7-14.
  6. Sarkozi L, Simson E, Ramanathan L. The effects of total laboratory automation on the management of a clinical chemistry laboratory. Retrospective analysis of 36 years. Clin Chim Acta. 2003;329(1-2):89-94.
  7. Da Rin G. Pre-analytical workstations: a tool for reducing laboratory errors. Clin Chim Acta. 2009;404(1):68-74.
  8. Braa J, Hanseth O, Heywood A, Mohammed W, Shaw V. Developing health information systems in developing countries: yflexible standards strategy. MIS Quarterly Vol. 31, No. 2 (Jun.,2007), pp. 381-402.
  9. International Standards Organization. ISO/TS 17117:2002. Health informatics — Controlled health terminology — Structure and high level indicators. Geneva: ISO, 2002.
  10. World Health Organization. International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems 10th Revision. Available: at: http://apps.who.int/classifications/icd10/browse/2010/en. Accessed: March 19 2017
  11. Donnelly K. SNOMED-CT: The advanced terminology and coding system for eHealth. Studies in health technology and informatics. 2006;121 279-90.
  12. Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG; PRISMA Group. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. PLoS Med. 2009;6(7):e1000097

13.Wong WCW, Cheung CSK, Hart GJ. Development of a quality assessment tool for systematic reviews of observational studies (QATSO) of HIV prevalence in men having sex with men and associated risk behaviours. Emerg Themes Epidemiol 2008; 5:23.

  1. Agarwal R, Chaturvedi S, Chhillar N, Goyal R, Pant I, Tripathi CB. Role of intervention on laboratory performance: evaluation of quality indicators in a tertiary care hospital. Indian J Clin Biochem. 2012;27(1):61-8.
  2. Bonini P, Ceriotti F, Mirandola G, Signori C. Misidentification and other preanalytical errors. JMB 2008;27(3):339-42.
  3. Szecsi PB, Ødum L. Error tracking in a clinical biochemistry laboratory. Clin Chem Lab Med. 2009;47(10):1253-7.
  4. Lai X, Yang P, Zhang Y, Cao J, Zhang L. Analysis of factors influencing the generation of unqualified clinical samples and measures to prevent this generation. Ann Lab Med 2012;32:216-219.
  5. Lillo R, Salinas M, López-Garrigósa M, Cruz L, López-Pérez J, Uris J. Variabilidad em los errores preanalíticos del laboratório entre centros periféricos de extracción: um reto para la seguridade del paciente. Enferm Clin. 2010;20(1):36-9.
  6. Sinici Lay I, Pinar A, Akbiyik F. Classification of reasons for rejection of biological specimens based on pre-preanalytical processes to identify quality indicators at a university hospital clinical laboratory in Turkey. Clin Biochem. 2014;47(12):1002-5
  7. Zemlin AE, Nutt L, Burgess LJ, Eiman F, Erasmus RT. Potential for medical error: incorrectly completed request forms for thyroid function tests limit pathologists’ advice to clinicians. S Afr Med J. 2009; 99(9):668-71.
  8. Sadiq F, Yasmeen F, Mumtaz A, Hussain W, Butt TA, Qureshi SA. Frequency of errors in clinical laboratory practice. Iranian Journal of Pathology. 2014;9(1):45-9.
  9. Ashakiran S, Sumati ME, Krishna Murthy N. A study of pre-analytical variables in clinical biochemistry laboratory. Clin Biochem. 2011;44(10-11):944-5.
  10. Salvagno GL, Lippi G, Bassi A, Poli G, Guidi GC. Prevalence and type of pre-analytical problems for inpatients samples in coagulation laboratory. J Eval Clin Pract. 2008;14(2):351-3.
  11. Bustamante V, Meza P, Román JC, García P. Evaluation of an automated streaking system of urine samples for urine cultures. Rev Chilena Infectol. 2014;31(6):670-5. [Article in Spanish]
  12. Grégoire G, Derderian F, Le Lorier J. Selecting the language of the publications included in a meta-analysis: is there a Tower of Babel bias? J Clin Epidemiol 1995;48(1):159-63.
  13. Shcolnik W, Mendes W. Laboratory errors, adverse events and research methodologies: a systematic review. J Bras Patol Med Laborat 2013;49(5):332-40.
  14. Signori C, Ceriotti F, Sanna A, Plebani M, Messeri G, Ottomano C, et al. Process and risk analysis for reduce errors in clinical laboratories. Clin Chem Lab Med. 2007;45(6):742-8.
  15. Sciacovelli L, O’Kane M, Skaik YA, Caciagli P, Pellegrini C, Da Rin G, et al; IFCC WG-LEPS. Quality Indicators in Laboratory Medicine: from theory to practice. Preliminary data from the IFCC Working Group Project “Laboratory Errors and Patient Safety”. Clin Chem Lab Med. 2011;49(5):835-44.
  16. Plebani M. Exploring the iceberg of errors in laboratory medicine. Clin Chem Acta 2009;404(1):16-23.
  17. AHIMA e-HIM Workgroup on EHR Data Content. “Data Standard Time: Data Content Standardization and the HIM Role.” Journal of AHIMA 77, no. 1 (2006):26-32.

Correspondência

Edmilson Garcia da Costa

  1. São Francisco Xavier, 524 – Maracanã

20550-900 – Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Discussão

O presente estudo realizou uma revisão sistemática sobre erros pré-analíticos usando 37 artigos científicos de trabalhos científicos de nível primário obtidos de busca eletrônica, com a finalidade de propor uma terminologia de erro pré-analítico. Como os métodos de estudo foram considerados heterogêneos, os resultados da revisão foram apresentados de forma descritiva em tabela, em vez de realizar meta-análise. A variação extrema das taxas de incidência entre os estudos incluídos nesta revisão sistemática estão relacionados com vários fatores, como os diferentes modelos de estudo, a qualidade metodológica intermediária dos estudos, a variabilidade de complexidade do cuidado e controle de qualidade laboratorial. Contudo, uma vez que nenhum dos estudos teve um desenho adequado para identificar os fatores associados à incidência de erros, não é possível testar estas hipóteses com os estudos incluídos nesta revisão.

Além dos parâmetros obtidos nesta revisão sistemática, o indicador de porcentagem de erros pré-analíticos sobre o erro laboratorial total variou entre 40,98%(15) e 85%.(20)