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Validade e confiabilidade da versão brasileira de um inventário de avaliação de relações objetais<A NAME="top"></A>

Validity and reliability of the Brazilian version of an inventory for the evaluation of object relations

Resumos

Introdução: Relação objetal tem sido um conceito fértil para a psicanálise e para a psiquiatria. O reconhecimento crescente do valor diagnóstico do conceito de relação objetal nos transtornos psiquiátricos tem levado ao desenvolvimento de várias escalas que pretendem mensurá-lo. O estudo teve o propósito de produzir os índices de validade e confiabilidade da versão em português de um instrumento amplamente usado, planejado para avaliar relações objetais, o Bell Object Relations and Reality Testing Inventory (BORRTI - Form O). Métodos: A amostra foi composta de 218 estudantes de graduação de psicologia. Uma análise fatorial exploratória obteve, com sucesso, as quatro dimensões descritas nos estudos originais. Resultados: Estas dimensões demonstraram boa correlação dos escores quando comparadas às respectivas dimensões da versão em inglês do BORRTI - Forma O (0,62 para alienação, 0,82 para vinculação insegura, 0,83 para egocentrismo e 0,78 para incapacidade social). Os escores de confiabilidade também foram aceitáveis, com um valor alpha de Cronbach para todos os itens de 0,59 e confiabilidade split-half Spearman-Brown de 0,63. Conclusões: Tornando estes índices disponíveis, o estudo pode contribuir para a escolha adequada de escalas que investiguem relações objetais no Brasil.

Relações objetais; Psicanálise; Confiabilidade e validade; Análise fatorial


Introduction: Object relation has been a fertile concept in psychoanalysis and psychiatry. The growing recognition of the diagnostic value of the object relation concept in psychiatric disorders has led to the development of several scales for its measurement. The study aimed to produce validity and reliability indices in the Portuguese version of a widely used instrument designed to measure object relations, the Bell Object Relations and Reality Testing Inventory (BORRTI - Form O). Methods: Data was collected from 218 psychology graduate students. Exploratory factorial analysis allowed obtaining successfully the 4 dimensions described in previous studies. Results: These dimensions showed good correlation scores when compared to their respective dimensions in the English version of the BORRTI - Form O (0.62 for alienation, 0.82 for insecure attachment, 0.83 for egocentricity and 0.78 for social incompetence). Reliability scores were also acceptable with Cronbach's alpha for all items at 0.59, and split-half Spearman-Brown at 0.63. Conclusions: By making these indices available, the study can contribute to the rational choice of scales to investigate object relation in Brazil.

Object relations; Psychoanalysis; Reliability and validity; Factorial analysis


Validade e confiabilidade da versão brasileira de um inventário de avaliação de relações objetais

* * Baseado na dissertação de mestrado em Saúde Mental apresentada em janeiro de 1998 na Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica.

Validity and reliability of the Brazilian version of an inventory for the evaluation of object relations

Wilze L Bruscatoa e Eduardo Iacoponib

aDepartamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. bDepartamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Resumo

Introdução: Relação objetal tem sido um conceito fértil para a psicanálise e para a psiquiatria. O reconhecimento crescente do valor diagnóstico do conceito de relação objetal nos transtornos psiquiátricos tem levado ao desenvolvimento de várias escalas que pretendem mensurá-lo. O estudo teve o propósito de produzir os índices de validade e confiabilidade da versão em português de um instrumento amplamente usado, planejado para avaliar relações objetais, o Bell Object Relations and Reality Testing Inventory (BORRTI - Form O).

Métodos: A amostra foi composta de 218 estudantes de graduação de psicologia. Uma análise fatorial exploratória obteve, com sucesso, as quatro dimensões descritas nos estudos originais.

Resultados: Estas dimensões demonstraram boa correlação dos escores quando comparadas às respectivas dimensões da versão em inglês do BORRTI - Forma O (0,62 para alienação, 0,82 para vinculação insegura, 0,83 para egocentrismo e 0,78 para incapacidade social). Os escores de confiabilidade também foram aceitáveis, com um valor alpha de Cronbach para todos os itens de 0,59 e confiabilidade split-half Spearman-Brown de 0,63.

Conclusões: Tornando estes índices disponíveis, o estudo pode contribuir para a escolha adequada de escalas que investiguem relações objetais no Brasil.

Descritores

Relações objetais. Psicanálise. Confiabilidade e validade. Análise fatorial.

Abstract

Introduction: Object relation has been a fertile concept in psychoanalysis and psychiatry. The growing recognition of the diagnostic value of the object relation concept in psychiatric disorders has led to the development of several scales for its measurement. The study aimed to produce validity and reliability indices in the Portuguese version of a widely used instrument designed to measure object relations, the Bell Object Relations and Reality Testing Inventory (BORRTI - Form O).

Methods: Data was collected from 218 psychology graduate students. Exploratory factorial analysis allowed obtaining successfully the 4 dimensions described in previous studies.

Results: These dimensions showed good correlation scores when compared to their respective dimensions in the English version of the BORRTI - Form O (0.62 for alienation, 0.82 for insecure attachment, 0.83 for egocentricity and 0.78 for social incompetence). Reliability scores were also acceptable with Cronbach's alpha for all items at 0.59, and split-half Spearman-Brown at 0.63.

Conclusions: By making these indices available, the study can contribute to the rational choice of scales to investigate object relation in Brazil.

Keywords

Object relations. Psychoanalysis. Reliability and validity. Factorial analysis.

Introdução

A investigação em psiquiatria vem manifestando um interesse crescente na capacidade dos indivíduos para os relacionamentos humanos. Esta capacidade de se relacionar com os outros, que a psicanálise designa como a função egóica da relação objetal, é vista como fundamental para a vida psicológica saudável, tendo como objetivo preservar o ego ao mediar os processos internos e as demandas da realidade. Assim sendo, pode-se presumir que várias condições patológicas sejam o resultado de déficits nesta função, déficits estes que estariam implicados na predisposição e na manutenção dos transtornos psiquiátricos.

Há uma vasta literatura estabelecendo uma ligação entre adversidades crônicas na infância, padrões patológicos de relações objetais e transtornos psiquiátricos na vida adulta.1-5 Esses estudos envolvem indivíduos com diagnósticos de esquizofrenia, de transtorno borderline de personalidade, de depressão e de transtorno de pânico, entre outros. Todos eles apontam para uma associação entre distúrbios nas relações objetais e aumento de risco para os transtornos psiquiátricos de um modo geral.

Essa importância diagnóstica das qualidades do repertório de relações de objeto do indivíduo tem levado os pesquisadores a tentativas empíricas de avaliar os problemas decorrentes de falhas no desenvolvimento, através de medidas de relações de objeto. Um número crescente de teóricos, clínicos e pesquisadores descreve várias maneiras de avaliar a capacidade do indivíduo para os relacionamentos humanos, em geral tentando integrar o estudo psicanalítico de relações objetais com os testes psicológicos projetivos, com a interpretação de sonhos, com as lembranças primitivas ou obtendo os dados através de entrevistas.6-9 Na realidade, poucos são os instrumentos desenvolvidos com esta finalidade específica. Desta forma, relação objetal, apesar de ser tida como uma função central do ego e um construto com vigor teórico, tem tido sua pesquisa bastante limitada pela ausência de instrumentos de avaliação padronizados.

Uma das propostas para avaliar a qualidade das relações objetais é a que pode ser feita pelo "Bell Object Relations and Reality Testing Inventory" ¾ BORRTI ¾ Forma O.10,11

O objetivo do presente estudo foi a exploração das características psicométricas (validade de construto e de confiabilidade) da versão do BORRTI ¾ Forma O em português.

Instrumento: BORRTI ¾ Forma O

Esse instrumento é baseado em pressupostos psicanalíticos e em recursos contemporâneos da avaliação psicológica empírica. Ele foi concebido como um instrumento de testagem, que levaria em conta tanto a profundidade conceitual da psicologia psicanalítica do ego quanto o avanço em teoria e método de construção de testes.

O BORRTI ¾ Forma O originou-se a partir do modelo de funcionamento de relações objetais desenvolvido por Bellak, Hurvich e Gediman.12,13 Esses psicólogos descreveram a multidimensionalidade das relações objetais ao longo de um continuum, desde a ausência patológica de relacionamento até relações boas relativamente livres de distorções e gratificantes do ponto de vista das necessidades egóicas. Uma avaliação das relações objetais como definidas por esses autores pode ser feita pelo BORRTI ¾ Forma O, que abrange todo o espectro de funcionamento de relações objetais.

Ele foi elaborado com itens adaptados de descrições de pacientes sobre suas experiências de relacionamento e seus padrões característicos de relações. Constituiu-se num inventário auto-administrável, com lápis e papel, consistindo de 45 declarações descritivas que o sujeito marca como "verdadeiro" ou "falso", de acordo com sua experiência mais recente. Esses itens foram submetidos a duas análises fatoriais (uma exploratória e uma confirmatória), das quais emergiram quatro dimensões que representam a estrutura empírica subjacente do funcionamento das relações objetais e que, portanto, garantiram a sua validade de construto.10

Ele se compõe de quatro subescalas para os quatro fatores: alienação, vinculação insegura, egocentrismo e incapacidade social. A escala de alienação mede a habilidade de estabelecer confiança básica e alcançar relacionamentos estáveis e satisfatórios. A escala de vinculação insegura mede a sensibilidade à rejeição, o desejo de proximidade e a capacidade de tolerar perda. A escala de egocentrismo mede a tendência a desconfiar da motivação do outro, a ver os outros como existindo apenas em relação a si mesmo e a manipular o outro para seus próprios propósitos. A escala de incapacidade social mede timidez e a experiência pessoal de ser socialmente inapto.

O BORRTI ¾ Forma O, que é objeto de estudo do presente trabalho, foi traduzido e adaptado para o português,14 tarefa esta que adotou os procedimentos de retrotradução15,16 e o método bilíngüe.17 Ele pode ser solicitado diretamente ao primeiro autor.

Método

Amostragem

Foram convidados a participar do estudo todos os alunos do 1º ano da Faculdade de Psicologia da PUC de São Paulo, ano 1996. Esses alunos estavam divididos em quatro turmas, sendo que duas delas foram utilizadas no estudo de confiabilidade.

Procedimento

Após contato com a diretoria da Faculdade de Psicologia para explanação do projeto, os dias e horários para a aplicação do inventário foram acertados. Em contato posterior com os professores que estariam em classe nos horários combinados, para explicações sobre o estudo, foi solicitado que não antecipassem nenhum tipo de informação a respeito da pesquisa para os alunos. A pesquisadora se apresentava e explicava que a pesquisa tinha por objetivo a validação de um instrumento de pesquisa que se propunha a avaliar as características do relacionamento entre pessoas.

Era então solicitado aos sujeitos que lessem atentamente as instruções e que respondessem como melhor entendessem, uma vez que nenhuma pergunta poderia ser respondida pela pesquisadora durante a realização da tarefa. Pediu-se a eles que não se identificassem na folha de respostas, como garantia de que era o instrumento que estava sendo avaliado e não cada um deles. Foram reservados 30 minutos para a aplicação do inventário.

O reteste, que foi realizado em duas das quatro turmas da mesma amostra de estudantes universitários, foi efetuado pela pesquisadora quatro dias após a primeira aplicação. Este procedimento também foi realizado sem o conhecimento prévio dos sujeitos, que na ocasião da reaplicação foram informados que o processo da avaliação da confiabilidade do instrumento implicava em duas aplicações seguidas, com um determinado intervalo entre elas.

Análise

Para a análise estatística, os dados obtidos foram codificados e transportados para o banco de dados eletrônico do pacote estatístico SPSS for Windows.18 Para tanto, com base no que é preconizado no trabalho original e de acordo com a Teoria das Relações Objetais, examinou-se qual a direção (se verdadeiro ou falso) que deveriam tomar as respostas para que se determinasse o sentido patológico das relações objetais. Às respostas nesta direção patológica, foi dado o número 2. Às demais, o número 1. Então, para obtenção dos índices de validade de construto, procedeu-se a uma análise fatorial com rotação oblíqua.19-21

Visando a derivação de normas para a amostra do estudo, foram computadas as médias dos escores totais de cada fator a partir das quais escores T foram produzidos, usando-se como critério de estandardização os escores z.18 Com o intuito de computar os coeficientes de correlação de Pearson entre as duas formas do inventário, a original e a presente, foram recalculadas as médias para os sujeitos usando-se, desta vez, as respostas dessa amostra aos itens que compunham os fatores no estudo original do instrumento.10,11

Após este processo, foram avaliadas as medidas de confiabilidade. Para a consistência interna, o coeficiente de correlação utilizado foi Kuder-Richardson 20 (KR 20),que é equivalente ao alpha de Cronbach18 quando os dados são dicotômicos. Para correlacionar os resultados de duas partes do inventário na confiabilidade split-half, foi usado o coeficiente de Spearman-Brown. Para a confiabilidade reteste, que avalia o grau em que o escore de um sujeito permanece estável através do tempo, foi utilizado o escore total do BORRTI ¾ Forma O obtido por esta amostra no teste e no reteste. Para a comparação destes escores, foi utilizado o teste "t pareado" para comparação 2x2 (t de Student para amostras relacionadas).

Resultados

De um total de 165 alunos matriculados, 159 (96%) estavam presentes para o teste. O reteste contou com a presença de 59 alunos, que correspondiam às duas turmas escolhidas para tal (37% do total). Os sujeitos demoraram entre 4 e 18 minutos para completar e devolver o inventário. Nenhum dos participantes relatou dificuldades no preenchimento e a maioria deles devolveu o inventário respondido em menos de 8 minutos. A idade dos sujeitos variou da mínima de 17 anos à máxima de 40, com média de 19,8 anos. A distribuição da amostra com relação ao sexo foi de 86,8% de mulheres (138) e 13,2% de homens (21).

Estudo de validade

Como primeiro passo, uma matriz de correlação para todas as variáveis foi computada para a obtenção dos coeficientes de correlação, que foram os indicadores mais precisos do relacionamento entre as variáveis. Extraindo-se os fatores, foram encontrados 15 fatores com eigenvalues > 1, com uma variância total de 29,02 ou 64,5%. Destes, cinco fatores tinham eigenvalues de 2 ou > que 2. Examinando-se a porcentagem de variância total ilustrada por cada fator, decidiu-se, no presente estudo, incluir apenas os fatores que somassem eigenvalues > 2.

O passo seguinte foi a transformação dos fatores para que eles ficassem mais interpretáveis. Foi feita uma rotação Varimax (ortogonal) para cinco fatores tentando minimizar o número de variáveis que tinham alta carga em um determinado fator e uma rotação oblíqua com quatro fatores (n=150). Optou-se pelo uso da rotação oblíqua, com parâmetro de obliqüidade Delta = 0 com quatro fatores.22 A rotação oblíqua para quatro fatores representou 28,2% do total de variância, sugerindo que um modelo com quatro fatores seria adequado para representar estes dados. A Tabela 1 mostra os cinco principais itens de carga mais alta para cada uma das quatro escalas (ou fatores) obtidas pela análise fatorial.

Os coeficientes de correlação de Pearson entre os fatores da versão original em inglês e os fatores obtidos no estudo atual em português, tiveram, respectivamente, os seguintes valores: escala de alienação (ALN) 0,62; vinculação insegura (IA) 0,82; egocentrismo (EGC) 0,63; e incapacidade social (SI) 0,78.

Em seguida, os escores brutos foram estandardizados e convertidos em escores z e, com base nestes escores, foi estabelecida a norma para esta amostra (no caso deste teste, estes escores normatizados foram denominados pelo autor de escores T). A Tabela 2 traz os escores médios normatizados para os dois grupos de estudantes universitários: o grupo de estudantes universitários usado no estudo americano e o grupo de estudantes brasileiros usado no estudo atual. Salientamos o fato de que, embora não tenha sido realizado nenhum teste estatístico, os escores médios normatizados dos estudantes brasileiros são menores do que aqueles dos estudantes americanos.

Estudo de confiabilidade

O estudo de confiabilidade foi realizado em apenas duas das quatro turmas. De um total de 159 alunos, 59 responderam ao BORRTI ¾ Forma O.

A consistência interna (coeficiente KR20) e a confiabilidade split-half (coeficiente Spearman-Brown) foram estimadas com base em 144 sujeitos (excluídos os inventários com respostas em branco). Estes valores podem ser observados na Tabela 3. A confiabilidade split-half foi considerada satisfatória em todos os fatores exceto em egocentrismo.

Em seguida, para a confiabilidade reteste, foi usado o teste t para comparação de médias dos escores totais (n=218). Para a confiabilidade de reteste, a comparação (teste t de Student) foi efetuada em relação à amostra como um todo e também considerando apenas as duas classes que repetiram o teste. Nas duas situações, as médias do teste e do reteste não diferiram entre si. Todos estes resultados estão na Tabela 4.

Discussão

O modelo da análise fatorial foi aqui utilizado como uma replicação, em outra amostra, do estudo original do BORRTI ¾ Forma O10,11 na tentativa de avaliar o quanto os dados do presente estudo se aproximavam dos dados originais. Tentou-se aqui reproduzir os mesmos passos dados no trabalho anterior.

Observou-se que a versão do BORRTI ¾ Forma O em português foi fácil de ser respondida. Os participantes não relataram dificuldades no preenchimento e a maioria deles respondeu o inventário em menos de 10 minutos. Talvez isto se deva ao fato de ser o BORRTI ¾ Forma O um inventário que consta de apenas 45 itens, na sua maioria questões curtas.

Do total dos alunos matriculados nas séries selecionadas, apenas 6 (4%) não realizaram o teste. Esta porcentagem é relativamente pequena, tendo provavelmente um pequeno impacto nos resultados desta pesquisa.

Sendo esta uma amostra de estudantes universitários, e especificamente do curso de psicologia, estamos lidando diretamente com um viés induzido. Uma das desvantagens do uso desta amostra é que de alguma forma já é um grupo pré-selecionado com algumas características e interesses comuns e não representa nem de longe todo o espectro possível para o continuum das relações objetais. Desta forma, as conclusões tiradas daí são restritas a este grupo ou a grupos semelhantes a este e não se poderia generalizar os achados obtidos para outras populações. Pensamos que este instrumento poderia ser aplicado em outras populações, desde que contemplados os aspectos transculturais e desde que se mantivesse a exigência de escolaridade mínima de 8ª série e o formato auto-aplicável, para se garantir a equivalência técnica. A opção por este grupo amostral se deu em função da facilidade de colaboração dos sujeitos, que se interessam em realizar uma tarefa que lhes servirá de experiência profissional para o futuro já que, necessariamente, por força da profissão escolhida, estarão lidando com testes. É prática dos cursos de psicologia submeter os estudantes aos testes que estarão aprendendo a aplicar para que eles sintam as dificuldades inerentes ao processo de avaliação psicológica.

Optou-se neste estudo pelo uso da análise fatorial, como um meio de apurar a estrutura fatorial entre o conjunto de itens e obter a equivalência conceitual para estabelecer a validade do construto "relações objetais". A motivação por trás do uso da análise fatorial tinha como uma das finalidades explorar os dados, para que se tivesse uma idéia de quantas dimensões subjacentes de relações objetais estavam presentes na versão em português do BORRTI ¾ Forma O.

Freqüentemente tem sido colocada a questão da dificuldade de identificar uma estrutura fatorial estável e consistente, alegando-se que a estrutura fatorial depende da amostragem selecionada.23-25 Além disso, os itens de um inventário sempre trazem algumas propriedades indesejáveis, que incluem a baixa confiabilidade que produziria, correspondentemente, uma baixa comunalidade dos itens. No presente estudo não houve dificuldade em identificar uma estrutura fatorial, com uma correlação satisfatoriamente alta entre os itens.

O estudo atual mostrou considerável estabilidade na produção de fatores. Isto dá sustento à validade de construto e sugere que estes fatores representam características relativamente comuns da personalidade que não são idiossincráticas da amostra original. Um outro achado importante deste estudo, se ele for olhado como uma replicação da análise fatorial original, é que os mesmos quatro fatores foram mantidos. A maioria dos itens incluídos nestes fatores estão também incluídos nos fatores da escala original. O método usado de criar escores fatoriais para os sujeitos, primeiro com os fatores produzidos no estudo atual em português e então novamente usando a estrutura fatorial obtida no estudo original em inglês, permite uma análise da reprodutibilidade dos fatores já que testa a replicação dos mesmos. Se as duas estruturas fatoriais derivadas independentemente são de fato similares, então os dois conjuntos de escores deverão se correlacionar altamente, como ocorreu aqui. Foram obtidos bons índices de correlação entre cada um dos quatro fatores em ambos os estudos. Isto proporcionou uma boa correlação entre as duas formas do inventário, a original em inglês e a atual em português. Talvez um dos pontos mais marcantes deste estudo seja esta similaridade encontrada entre as soluções fatoriais de ambas as versões.

Devemos considerar que existem diferenças reais entre as amostras estudadas, visíveis nas diferenças entre os escores médios normatizados dos estudantes americanos e brasileiros. O estudo original usa sete subpopulações, uma amostra muito mais ampla e abrangente, que cobre uma extensão muito maior na qualidade das relações objetais, indo desde relacionamentos estáveis e saudáveis até patologias graves com quase ausência de relacionamento interpessoal. A amostra do estudo atual é uma amostra normal, que representa apenas uma destas sete subpopulações usadas no estudo original ¾ a de estudantes universitários. Na realidade, esta amostra atual se localiza num ponto do continuum de relações objetais. Para ela, alguns itens não têm mesmo tanto peso, portanto, os mesmos não aparecem como importantes na constituição dos fatores.

Com relação ao estudo de confiabilidade, foi identificada uma estrutura estável e consistente da composição dos itens dentro de três dos quatro fatores, tanto na consistência interna como no método split-half. A correlação significativa entre os itens componentes de três das quatro subescalas, dão apoio à hipótese de que há uma consistência entre todos eles, consistência esta que reflete um aspecto duradouro da capacidade dos indivíduos para os relacionamentos através de uma série de mensurações.

Na confiabilidade teste-reteste, a comparação entre os escores nos dois conjuntos de itens mostrou ser altamente semelhante, tanto usando-se a amostra toda como usando-se apenas aqueles indivíduos que efetivamente repetiram o teste. As diferenças entre as médias no teste-reteste não foram significativas. Isto se assemelha aos estudos originais em inglês,10,11 nos quais a consistência interna, a confiabilidade split-half e a confiabilidade teste-reteste foram altamente satisfatórias para as quatro subescalas.

O uso deste instrumento pode contribuir não só para o esclarecimento dos fatores predisponentes e comórbidos aos diversos transtornos mentais. Na medida em que esse esclarecimento acontece, abre-se a possibilidade para a criação de intervenções psicoterapêuticas adequadas e surgem aspectos a serem considerados no planejamento de um tratamento. Além de fornecer avaliações clínicas dos indivíduos, recomendações para o tratamento e informações prognósticas, sobretudo ele possibilita o seu uso em pesquisas. Com esta finalidade específica, um grande número de sujeitos pode ser facilmente testado, tornando possíveis estudos que estavam além dos limites práticos dos outros métodos. O seu formato auto-aplicável também elimina parte dos problemas de confiabilidade dos outros métodos, que dependem da aplicação individual de testes projetivos ou do julgamento de juizes.

O objetivo deste estudo foi, principalmente, validar o instrumento. Futuras pesquisas podem explorar déficits de relações objetais entre aspectos não bem representados nesta amostra ou talvez possam revelar outros perfis padrões das quatro subescalas com um significado específico e distinto para cada transtorno estudado.

Agradecimentos

Agradecemos a Itiro Shirakawa e Jair de Jesus Mari, pelo estímulo ao trabalho. Agradecemos também a Neury J. Botega e Maria Lúcia O. Souza Formigoni, pelos comentários e sugestões apresentadas. Agradecemos ainda à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), cujo apoio viabilizou a realização deste trabalho.

Correspondência:

Wilze Laura Bruscato

Av. Rouxinol, 780 apt. 11, Moema

04516-001 São Paulo, SP, Brasil

Tel./fax: (0xx11) 5573-4133

E-mail: wbruscato@originet.com.br

Última versão recebida em 21/6/2000. Aceito em 4/7/2000.

Trabalho realizado com patrocínio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processo no 96/2933-7.

Conflito de interesses inexistente.

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  • *
    Baseado na dissertação de mestrado em Saúde Mental apresentada em janeiro de 1998 na Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Dez 2000

    Histórico

    • Recebido
      21 Jun 2000
    • Aceito
      04 Jul 2000
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