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Armas, beleza, computadores: a cultura material em algumas observações introdutórias

Guns, beauty, computers: material culture in some introductory notes

Resumos

A partir de dois artefatos e um conceito bastante associado a artefatos, o artigo busca apresentar a disciplina 'cultura material'. A discussão é estruturada a partir do ponto de vista de alguns autores. Após uma contextualização histórica, a cultura material é apresentada não apenas como o conjunto de coisas e contextos materiais de que se serve o homem na sua vida social, mas, principalmente, como a dimensão marcada pela expansão das capacidades do corpo e da mente para as sociedades. O uso do termo 'cultura' ao longo do texto pressupõe a mediação de significados e valores. São apresentados os conceitos básicos que, na perspectiva do texto, permitem melhor compreensão da disciplina: sentido, corporalidade e analogia, como estruturadores da discussão e da abordagem científica do tema.

Cultura material; Antropologia; Corporalidade; Historicidade


Starting from two artifacts and a concept associated with artifacts, the article seeks to present the discipline 'material culture'. The discussion is structured from the point of view of some authors. After an historical contextualization, material culture is presented not only as a set of things and material contexts useful to man in his social life, but mainly as the dimension marked by the expansion of physical and intellectual capacities to the societies. The use of the term 'culture' throughout the text requires the mediation of meanings and values. The paper presents the basic concepts that, in its own perspective, enable a better understanding of the discipline: meaning, corporality, and analogy, as structuring the discussion and the scientific approach to the subject.

Material culture; Anthropology; Corporality; Historicity


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DOSSIÊ CULTURA MATERIAL

Armas, beleza, computadores: a cultura material em algumas observações introdutórias

Guns, beauty, computers: material culture in some introductory notes

José Neves Bittencourt

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência José Neves Bittencourt Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 13ª. Superintendência Regional Rua Januária, 130 – Floresta Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP 30110-055 ( bitten.jn@gmail.com)

RESUMO

A partir de dois artefatos e um conceito bastante associado a artefatos, o artigo busca apresentar a disciplina 'cultura material'. A discussão é estruturada a partir do ponto de vista de alguns autores. Após uma contextualização histórica, a cultura material é apresentada não apenas como o conjunto de coisas e contextos materiais de que se serve o homem na sua vida social, mas, principalmente, como a dimensão marcada pela expansão das capacidades do corpo e da mente para as sociedades. O uso do termo 'cultura' ao longo do texto pressupõe a mediação de significados e valores. São apresentados os conceitos básicos que, na perspectiva do texto, permitem melhor compreensão da disciplina: sentido, corporalidade e analogia, como estruturadores da discussão e da abordagem científica do tema.

Palavras-chave: Cultura material. Antropologia. Corporalidade. Historicidade.

ABSTRACT

Starting from two artifacts and a concept associated with artifacts, the article seeks to present the discipline 'material culture'. The discussion is structured from the point of view of some authors. After an historical contextualization, material culture is presented not only as a set of things and material contexts useful to man in his social life, but mainly as the dimension marked by the expansion of physical and intellectual capacities to the societies. The use of the term 'culture' throughout the text requires the mediation of meanings and values. The paper presents the basic concepts that, in its own perspective, enable a better understanding of the discipline: meaning, corporality, and analogy, as structuring the discussion and the scientific approach to the subject.

Key words: Material culture. Anthropology. Corporality. Historicity.

POR ABERTURA: A MATERIALIDADE EM TRÊS 'CASOS EXEMPLARES'

O primeiro deles: quando o rei D. João VI resolveu criar um museu em seus domínios americanos, em 1818, de uma vez só abriu diversas tradições no então Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Talvez, a mais importante dessas tradições tenha sido a criação da primeira instituição científica em terras da América portuguesa: o Museu Real e Nacional, ainda hoje em funcionamento.

Conforme se entende do decreto que criou o Museu Real, datado de 6 de junho de 1818, o objetivo do monarca era "propagar os conhecimentos e estudos das ciências naturais no Reino do Brasil, que encerra em si milhares de objetos dignos de observação e exame, e que podem ser empregados em benefício do Comércio, da Indústria e das Artes..." (apud Netto, 1870, p. 22). Entretanto, o real personagem, talvez consciente da própria magnanimidade, de imediato tomou a iniciativa de dotar de coleções sua nova instituição: ofereceu diversos objetos de sua propriedade, entre os quais se destacavam uma "arma de fogo marchetada de marfim da Idade Média e uma bela coleção de quadros a óleo" (Netto, 1870, p. 22).

Tanto a arma antiga quanto os quadros ainda podem ser examinados nos contemporâneos Museu Histórico Nacional e Museu Nacional de Belas Artes, ambos no Rio de Janeiro. Sobre os quadros, não falaremos muito, mas é provável que fossem parte da coleção do Tesouro Real, "coleção de tamanho hoje desconhecido, que tinha sido trazida de Portugal quando da transmigração [da Família Real portuguesa, em 1808]" (Bittencourt, 1997, p. 119). A arma merece um exame mais atento. Trata-se de um rifle (arma de cano raiado) de caça, de luxo, fabricado na Europa Central, provavelmente na segunda metade do século XV. Tem características tecnológicas extremamente interessantes, inclusive o estilo do raiamento1 1 Conjunto de sulcos cavados ('fresados') no interior ('alma') do cano da arma, destinado a induzir no projétil um movimento circular progressivo, de forma a aumentar-lhe a estabilidade. Não se sabe quando, exatamente, essa inovação começou a ser introduzida em armas de fogo, mas presume-se que tenha sido na primeira metade do século XV, por armeiros da Europa Central, onde era comum o uso de armas de fogo para caça esportiva, que demandava um tiro mais preciso do que as armas militares. , que indica um dos primeiros sistemas do gênero experimentados. Também chamam a atenção os detalhes exteriores: uma profusão de inserções de marfim (marcheteria), mostrando, em detalhes precisos, cenas militares e de caçada. Cuidadosamente aplicados sobre a madeira escura (provavelmente nogueira, devido à leveza), os detalhes tornam o objeto utilitário uma verdadeira joia, sem chegar a prejudicar-lhe a funcionalidade (Bittencourt, 1997, p. 91). É o que, em última análise, distingue as posses de um rei daquelas dos comuns mortais – a coisa não apenas funciona, mas é luxuosa até a ostentação.

O segundo caso vai de um extremo a outro. O engenheiro de sistemas norte-americano David Gelernter está interessado em beleza. Ele abre seu livro (Gelernter, 2000), um pequeno (e por que não dizer, bonito) volume, com um capítulo denominado "Beleza profunda". Sua declaração de adesão a essa qualidade não admite tergiversação: "Nossa sensibilidade à beleza funciona como um diapasão que vibra em nossos cérebros quando deparamos com alguma coisa bela" (Gelernter, 2000, p. 11). Possivelmente, o eterno Vinícius de Morais seria tomado de entusiasmo ao ler essas palavras. Mas a beleza que interessa ao engenheiro é aquela que serve como critério para a elaboração de sistemas de computador (Gelernter, 2000, p. 12). Ele pretende que:

[a] beleza (...) de um computador está no casamento harmonioso entre simplicidade e eficiência, onde eficiência significa capacidade de executar uma grande variedade de tarefas, de fazer muitas coisas. O critério da eficiência e simplicidade se aplica a canoas feitas com folhas de eucaliptos, pontes pênseis, linguagens de programação, teorias científicas e máquinas de todos os tipos. Chamo esse tipo de beleza de 'beleza da máquina'; sempre há um casal feliz em seu cerne.

Computadores são bonitos ou feios? Note-se que Gelernter não está falando da qualidade 'bonito' conforme costuma entendê-la o senso comum – uma qualidade que agrada aos sentidos, mas em 'belo', aquilo que tem formas, não apenas as imediatamente perceptíveis, mas também as intrínsecas, harmoniosas quase ao ponto ideal. É uma qualidade que ultrapassa a mera materialidade, e aí está a questão central que ele busca abordar.

O terceiro: a empresa norte-americana de tecnologia Apple costuma lançar produtos que acabam provocando terremotos no mercado. Em abril de 2010, provocou um deles. Na esteira de uma série de mudanças que se anunciavam na indústria editorial mundial (esta, abalada desde os anos 1990 pelo surgimento da internet), e que apontavam o ressurgimento dos computadores portáteis tipo 'tabuleta' no final da primeira década deste século, a meio mística empresa de Cupertino, Califórnia, apresentou ao mercado um novo produto. Este juntava às funcionalidades de alguns produtos lançados tempos antes, denominados e-readers2 2 Trata-se de um tipo de computador pessoal com o formato de uma prancheta (em inglês, tablet, ou 'tabuleta'), que, em vez de teclado, é operado por meio de toques na tela, seja por uma caneta especial ou pelos dedos. A ideia não é nova, remontando a 1968, quando surgiu o primeiro aparelho desse conceito. O nome tablet foi introduzido em 2001, quando a Microsoft Corporation, de Redmond, EUA, formalizou o conceito de 'Tablet PC': computadores portáteis, equipados com telas sensíveis ao toque, preparados para operar via caneta e capazes de reconhecimento da escrita caligráfica. A ideia não funcionou devido ao preço – custavam muito mais caro que os notebooks e faziam a mesma coisa que estes. Embora não tenha desaparecido (era funcional para determinadas tarefas especializadas), a ideia foi engavetada. Em 2007, a livraria virtual Amazon.com lançou um produto derivado do conceito. Trata-se de uma tabuleta simplificada, sem a tela sensível e com recursos limitados, destinada basicamente à leitura de publicações eletrônicas. O novo aparelho abriu um grande nicho de mercado e aproximou o grande público do conceito de 'Tablet PC', embora a estratégia de mercado não o caracterizasse como um computador, mas como leitor eletrônico ( e-reader). Essa foi a senha para que uma série de outros produtos do tipo surgisse, inclusive o da Apple. A empresa do 'tecnoguru' Steve Jobs, entretanto, tornou seu produto a integração de diversas tendências baseadas na internet e nas diversas transformações comportamentais que esta trouxe (Conheça..., 2010). , uma série de outras, que colocavam nas mãos dos consumidores um tipo de computador portátil basicamente diferente dos notebooks e palmtops até então disponíveis. Antes de completar 100 dias do seu lançamento, o produto, denominado iPad, vendeu mais de três milhões de unidades e forçou outras empresas que vinham estudando essa tendência a apressarem o lançamento de suas 'tabuletas'. Se conseguirão, pelo menos, diminuir o prejuízo, é outra história, mas é provável que, muito rapidamente, os atuais computadores portáteis venham a desaparecer, substituídos por 'tabuletas'. Todo mundo há de querer uma, se possível da Apple, se não, de outra marca qualquer.

Temos, então, três casos – armas, beleza, computadores – que poderiam dar início a um alfabeto completo, mas que são suficientes para exemplificar a complexidade do universo que tem sido chamado de 'cultura material'. Em torno de nossas vidas, giram apenas duas certezas: a primeira, a da mortalidade; a segunda, a vida se dá, do início ao fim, delimitada e potencializada por artefatos e, para estarmos no mundo, dependemos todos de uma infinidade deles, que, de diversas formas, nos expressam – tanto quanto nós a eles. O antropólogo Daniel Miller, um dos mais prolíficos e estimulantes autores em atividade, lidando com questões relativas à cultura material, afirmou, certa vez, que a "(...) instância da materialidade (...) continua sendo uma força propulsora por detrás das tentativas da humanidade em transformar o mundo de acordo com as próprias crenças sobre como ele deveria ser" (Miller, 2005, p. 2).

CULTURA MATERIAL: ALGUMAS DELIMITAÇÕES NECESSÁRIAS

Quando Miller se refere à "instância da materialidade", está se referindo a um amplo universo, o dos artefatos. Mas, desde logo, cabe esclarecer que o sentido do termo 'artefato' não pode ser restrito por sua materialidade, tanto quanto não pode restringir o alcance dos estudos da cultura material. Conforme coloca o teórico norteamericano Thomas Schlereth (1985, p. 3), "[a palavra] 'artefato', derivada do latim arte, significando habilidade, e factum, significando alguma coisa feita, pelo menos inclui uma referência indireta ao ser humano (um artífice) em seu significado". Schlereth discute a adequação dos termos 'coisas', 'objetos' e 'artefatos' para a definição do objeto de estudo da cultura material. Ele acaba por concluir que o uso, de modo mais ou menos indiscriminado, tanto profissional quanto na literatura popular, dos três termos, acaba por confinar o discurso acadêmico. Por outro lado, tanto Schlereth (1985) quanto outros autores se preocupam em atrelar a questão terminológica a um escopo mais amplo, que é a questão da cultura. Outros três especialistas, o antropólogo Miller (2005), o arqueólogo Deetz (1977) e o historiador do patrimônio e dos museus Meneses (2003), se preocupam em estabelecer laço não contornável entre 'cultura material' e 'cultura'. Deetz (1977, p. 24-25) se mostra enfático em marcar a relação entre as duas instâncias:

A cultura material é geralmente considerada como sinônimo tosco para artefatos, o vasto universo de objetos usados pela humanidade para lidar com o mundo físico, para facilitar as relações sociais e para melhorar nossa vida. Uma definição talvez mais ampla de cultura material seria útil para enfatizar que nosso mundo, como a parte do meio físico que modificamos através de nosso comportamento culturalmente determinado, é resultado de nossos pensamentos. Essa definição inclui todos os artefatos, dos mais simples, como um alfinete, até os mais complexos, como um veículo interplanetário. Mas o ambiente físico inclui mais do que a maioria das definições de cultura material reconhece. Podemos considerar as formas de cortar carne como cultura material, uma vez que existem muitos meios de descarnar um animal; da mesma forma, campos arados e mesmo os cavalos que puxam o arado, já que a criação científica de animais envolve modificações intencionais nas raças, de acordo com métodos definidos culturalmente.

Deetz, ao tentar demonstrar como a noção de 'artefato' ultrapassa a mera materialidade, tenta deixar clara a inexistência de autonomia por parte da cultura material, totalmente dependente da cultura. Entretanto, Meneses (2003, p. 11) parece ir bem mais longe, ao introduzir a questão do sentido como fiador dessa ligação:

Sem querer retomar aqui as infindáveis discussões sobre a distinção entre cultura e sociedade, penso que se se admite que a cultura não é um segmento à parte da vida social, mas uma qualificação (prática, potencial e diferencial), pelo sentido, de todos os segmentos dessa mesma vida, não há como escapar da articulação conceitual de ambas as opções apontadas (...). Da mesma forma, a cultura material – da qual, a rigor, a cultura visual poderia ser considerada uma subcategoria – teria que ser estudada não como o conjunto de coisas e contextos materiais de que se serve o homem na sua vida social, mas como a dimensão física, empírica, sensorial, corporal, da produção/reprodução social (o uso do termo "cultura" aqui também pressuporia mediação de significados e valores).

Meneses parece, com seu estabelecimento de princípios, mais bem sucedido em determinar que a expressão 'materialidade' de modo algum pode ser restrita ao mero material que objetiva os artefatos – aquilo que é designado por "propriedades físico-químicas". Sobre o assunto, diz ele que "(...) atributos intrínsecos dos artefatos, é bom que se lembre, incluem apenas propriedades de natureza físicoquímica: forma geométrica, peso, cor, textura, dureza etc. etc. Nenhum atributo de sentido é imanente" (Meneses, 1998, p. 91). Nada, que não sejam os dados, está inscrito na morfologia do artefato, nem mesmo sua função. O que significa que nada leva a que se deseje um artefato qualquer, seja ele qual for, exclusivamente por sua materialidade. Os artefatos se encaixam em cadeias de sentido que são produzidas historicamente, e só nessas cadeias se explicam os processos que criaram os artefatos citados acima e os levaram (ou levarão) a ser o que são (ou serão...).

Parece ser esta a direção da reflexão de Miller, quando propõe que "não podemos saber quem somos ou como nos tornamos o que somos a não ser caso olhemos num espelho material, que é o mundo histórico criado por aqueles que viveram antes de nós. Esse mundo nos confronta como cultura material e continua a evoluir por nosso intermédio" (Miller, 2005, p. 8). O 'mundo histórico' é, basicamente, produção e circulação de sentidos. Como tal produção não cessa, a mobilização do artefato como suporte de significados é contínua, o que faz com que camadas sobre camadas de sentido lhe sejam apostas.

A relação entre as duas instâncias, cultura e cultura material, tem fonte e trajetória que, de modo não paradoxal, se expressam num movimento que começou pelo olhar inquisidor sobre artefatos, cuja única característica era a rusticidade. Na primeira metade dos oitocentos, o interesse que a nascente arqueologia préhistórica despertava entre amadores, eruditos ou não, que a praticavam como hobby, acabou resultando nos fundamentos da moderna noção de pré-história. Essa gênese planta-se sobre o nexo que aqueles pesquisadores conseguiram estabelecer entre os artefatos e os estratos onde eram encontrados. Ao fazer essa ligação, perceberam como esses produtos humanos – machados, pontas de flecha, fragmentos cerâmicos –, meras lascas sem nada de excepcional, constituíam a porta de entrada para questões de fundo, bem no espírito da época. Os pequenos objetos abriram uma disputa de não poucas consequências com as arraigadas convicções de então, fossem científicas ou religiosas – frequentemente, misturadas.

Boucher de Perthes substituiu o objeto de arte excepcional pelo objeto material comum e anônimo, e em vez de lhe exigir uma emoção estética isolada do resto da civilização que o produziu, procura um laço material com a civilização que, por seu intermédio, quer entender; essas características embrionárias irão desenvolver-se quando a noção [de cultura material] se definir (Bucaille e Pesez, 1989, p. 14).

O caminho que se abriu produz resultados até nossos dias, embora tenha demorado até que a cultura material lograsse autonomia como tema de estudo. Esse processo teve de esperar a chegada do século XX para incorporar a "ruptura epistemológica" (Bucaille e Pesez, 1989, p. 14-15) e se assentar entre as ciências humanas e sociais. Para algumas dessas, a cultura material se tornou parceira incontornável, e é impossível ignorar a importância, para a identidade dela, que tiveram essas parcerias. Já foram citadas a arqueologia e os estudos de pré-história; a sociologia, no que aborda os aspectos materiais das civilizações e seus desdobramentos simbólicos; a antropologia, ao tentar determinar claramente o lugar dos objetos no conjunto de uma cultura; a história, ao procurar as expressões materiais da vida como estratégias políticas e técnicas, liberta-se das "preocupações nacionais já satisfeitas" (Bucaille e Pesez, 1989, p. 16). Na atualidade, tanto a história quanto as outras disciplinas não parecem mais dispostas a abandonar essa parceria lucrativa, se observarmos a profusão de títulos nos quais fica evidente a presença dos estudos de cultura material.

Pois então: a cultura material não pode ser pensada fora do escopo mais amplo da cultura e, portanto, da história. É certo que muitos pensadores tentam ultrapassar essa fronteira, buscando localizar fontes para a cultura e para o mundo histórico que lhes sejam anteriores. No caso dos artefatos, é clássica – tanto quanto controversa – a empresa do filósofo francês Jean Baudrillard (2000), ao buscar entender as relações profundas entre aqueles, e que resultou em obra clássica. O trabalho desse combativo pensador francês tem o grande mérito de lançar os objetos num contexto mais amplo, numa época em que estes eram necessariamente postos em discreto segundo plano.

O primeiro conceito ou Senha apresentado por Baudrillard aqui é 'O Objeto', que remete a sua primeira grande obra, "O Sistema dos Objetos", daí ser a senha por excelência. "A questão do objeto representava sua alternativa e permaneceu como meu horizonte de reflexão". A razão está no fato de que nos anos 60 a sociedade de consumo avançava a passos largos, e motivou Baudrillard a se interessar pelo que "diziam" os objetos uns aos outros, o sistema de signos e a sintaxe que elaboram ao seu redor (Barcellos, 2010, p. 24).

Baudrillard atribui ao artefato a autonomia que outros teóricos não veem no conceito. Em seu complexo sistema teórico, o objeto não é meramente produto do homem, e chega a tomar deste a posição de sujeito. Para o filósofo, o processo tecnológico é o mesmo da evolução estrutural objetiva, sendo, pois, essencial. A centralidade desse processo acaba por colocar em segundo plano suas relações com entes humanos, o âmbito psicológico ou sociológico das necessidades e das práticas. Embora afirme que somos continuamente remetidos, por meio do discurso psicológico sobre o objeto, a um nível mais coerente, que é a coerência do modelo técnico, o próprio Baudrillard pareceu, a certa altura, dar-se conta de que a "língua tecnológica" é insuficiente para dar conta dos sentidos que se apropriam dos artefatos conforme são inseridos na cadeia social (Baudrillard, 2000, p. 11-13). Boa parte de seu livro é tomado como tentativa de estabelecer o conjunto de lógicas que rege a inserção dos objetos na vida cotidiana. Talvez o problema seja o fato de que a noção de cultura material não esteja presente nesse autor.

As postulações de Baudrillard têm importância inegável para as ciências sociais contemporâneas, inclusive por apontar a problemática da sociedade de consumo. Por outro lado, sobre o campo de reflexão da cultura material, sua influência parece ser, claramente, de menor importância. De qualquer forma, a clareza do conceito 'objeto' e sua centralidade na obra do filósofo francês apontam a amplitude e o alcance desse universo – é possível pensá-lo a partir de praticamente todas as intervenções humanas sobre a esfera da natureza. Parece simples, então, explicar essa inserção, caso se aceite como premissa que não existem formas antecedentes ao humano, pois não se pode considerar os sujeitos e os artefatos que criaram como entidades separadas.

Essa possível amplidão acaba se tornando um problema, visto que seus limites são difíceis de estabelecer. Seria a cultura material um campo conexo a todas as outras disciplinas? Já foi visto como, na atualidade, essas outras disciplinas não abrem mão da parceria. Por outro lado, Meneses (2007, p. 297), ao problematizar a relação, leva a pensar que os limites talvez sejam mais vagos do que possa parecer em um primeiro exame:

Não é de hoje que se discute a cultura material no campo das ciências sociais: desde a segunda metade do século XIX ela vem sendo objeto de reflexão e práticas, principalmente na antropologia, na arqueologia (por força da natureza da documentação exclusiva ou predominante com que trabalha) e na sociologia. Já a história, ela própria, tem sido renitente, sobretudo por causa do viés marcadamente logocêntrico da formação do historiador, embora já não haja dúvidas, hoje em dia, sobre a legitimidade das fontes materiais. Muitas vezes, porém, ainda se pensa numa história da cultura material, mais uma entre as fatias em que se atomiza a disciplina, aqui com seu horizonte restrito ao estudo de artefatos e seus contextos, em vez de se preocupar com a dimensão sensorial (...).

Pelo que é possível extrair da reflexão que nos oferece o teórico, maior do que o alcance excessivo, que ele parece aceitar sem maiores problemas, é o perigo de se pensar a cultura material como restrita ao estudo de artefatos, "em vez de se preocupar com a dimensão sensorial" que é o suporte físico desses conteúdos, em vez de focar as relações que guardam com os corpos humanos que os geraram – outra maneira de falar sobre como são gerados os sentidos.

Estabelecer e traçar tais relações leva a uma série de outras possibilidades e problemas. Um deles é exatamente estabelecer o que é do campo da 'cultura' e o que é do campo da 'cultura material'. A antropologia parece, aqui, campo ideal para estabelecer essa distinção. A certa altura da introdução de um livro clássico sobre o tema, Stocking Jr. (1985, p. 4), falando sobre museus, observa que essas instituições

(...) são arquivos daquilo que os antropólogos têm chamado 'cultura material'. De modo característico, esses objetos da cultura material são objetos 'dos outros' – de seres humanos cujas similaridades ou diferenças são experimentadas por observadores externos como, de algum modo, bastante problemáticas.

Não pretendemos discutir o conceito de 'museu', instituição caracteristicamente ocidental que incorporou, em tempos recentes, uma multiplicidade de significados e interpretações possíveis, mas não se pode deixar de concordar com o autor em torno da analogia com 'arquivos'. Como os arquivos, os museus recolhem documentos, ainda que documentos de um caráter particular. Nos museus, o observador é colocado diante de um enorme arquivo sobre 'o outro', numa relação paradoxal entre distância-proximidade, que caracteriza a convivência de seres humanos (não importa se indivíduos ou coletividades). O que aproxima seres humanos e permite estabelecer distâncias estreitas ou largas é exatamente a cultura – que pode lhes ser comum ou diversa. Objetos recolhidos em museus são expressões materiais de outros indivíduos, embebidos em uma cultura, não importa se esta esteja mais próxima ou mais distante da do observador.

Se até este momento foi discutida a relação dos estudos de cultura material com os campos das ciências do homem, agora se torna necessária uma inversão de ponto de vista: o cientista envolvido com pesquisas de qualquer campo estará, de alguma forma, envolvendo-se com a cultura material, visto que se trata do "estudo dos aspectos materiais da cultura entendidos como causas explicativas e isso, em certa medida, em prejuízo de seus aspectos não materiais" (Bucaille e Pesez, 1989, p. 24). Segundo esses autores, trata-se de atentar para "os fenômenos culturais mais infraestruturais [o que demanda] que recorramos aos únicos documentos seguros onde podemos estudá-los: os objetos materiais" (Bucaille e Pesez, 1989, p. 24). A posição desses autores parece, entretanto, restritiva, mas é útil para que se pense o fato de que as ciências humanas têm, frequentemente, se lançado diretamente ao estudo dos aspectos simbólicos da cultura, deixando a questão da materialidade sobre a qual se planta o simbólico num constrangedor segundo plano – mesmo quando o laço é claro a ponto de se tornar evidente. Mas não seria esta outra versão da velha pergunta sobre a primazia do ovo ou da galinha? Talvez seja mais correto dizer que, no caso, 'ovo' (o objeto) e 'galinha' (o sistema simbólico) estão contidos um no outro, e um expressa o outro. Mais uma vez, parece atribuída ao objeto excessiva autonomia, mas aqui os dois autores apontam a relação daqueles com os "fenômenos infraestruturais", que eles parecem ver como os mais próximos da natureza.

O que seriam "fenômenos infraestruturais"? São muitos os teóricos que admitem, ainda que sob variações de interpretação, a metáfora construída por Marx e Engels para explicar que a estrutura econômica da sociedade (a 'base' ou 'infraestrutura') condiciona a existência e as formas, tanto do Estado quanto da consciência, de modo independente da vontade individual. A partir da 'base', se possibilita a reprodução da 'vida material', e se forma a 'superestrutura', as formas jurídicas e políticas e os sistemas simbólicos. Mas o próprio Marx admite que a superestrutura deve ser entendida como uma forma histórica definida, o que condicionaria os tipos de produção espiritual, e estes, por sua vez, exerceriam influência sobre a produção material. Nesse sentido, a superestrutura – e, por conseguinte, a cultura – não pode ser pensada como simples reflexo passivo, mecanicamente dualista, o que tornaria a relação meramente causal, e não dialética (Hall, 1977; Berger apud Manicas, 1992).

UMA BALIZA CONCEITUAL: A CORPORALIDADE COMO GERADORA DA CULTURA MATERIAL

O antropólogo Miller intervém nesse debate, insistindo na relação dialética entre cultura e cultura material, ou seja, em descobrir o lugar dos artefatos no universo de seus criadores. Reconhece que, na busca por ultrapassar a dualidade entre sujeito e objeto, a filosofia é colocada diante de problemática que, de tão ampla, por vezes parece afastar-se das injunções práticas (Miller, 2005, p. 14). E propõe que a solução seria, talvez, buscar um lugar de mediação entre filosofia e 'prática', apontando a antropologia como esse possível lugar: o do reconhecimento da ligação, temporal e espacial, com a materialidade, e das crenças que emergem dessa ligação. Por outro lado, já que é preciso buscar um lugar de 'praticidade' para essa mediação, talvez seja possível descer da vastidão da cultura (onde se daria, de fato, a mediação), e buscar um lugar específico. E esse lugar, talvez, possa ser a corporalidade.

Trata-se de condição humana primordial, que, para Meneses (2007, p. 298), abre a história: "(...) Henri de Lubac (jesuíta francês, um dos mais importantes teólogos do século XX) já observara que o Cristo ter assumido integralmente a condição corporal revelava a 'honestidade da Encarnação'". Segundo Meneses, o alcance da corporalidade na articulação da dimensão social-histórica da vida fica patente conforme se percebe que o divino, para sair de sua temporalidade imutável e se apresentar, de modo eficaz, no tempo humano, histórico, o faz assumindo a condição corporal. Vale acrescentar que a corporalidade se faz necessariamente acompanhar da cultura material como dimensão organizadora da dinâmica da vida social: corporalizado, o divino se comunica com a humanidade por meio de necessidades humanas, respondidas por artefatos (a comida e a mesa da Ceia, por exemplo, ou até mesmo a Cruz do Calvário).

Desse momento em diante, qualquer aproximação à cultura material terá por pressuposto essa característica fundamental do humano, que articula a vida biológica, psíquica e social e se apoia nos aspectos material, físicofisiológico e sensorial, que constituem o corpo como suporte não apenas da vida, mas da vida social.

Um exemplo abrangente e, por isso, bom para iniciar é o do historiador da Idade Média Massimo Montanari (2008), que se debruça sobre o tema 'comida como cultura'. Por trás de uma proposta atraente pela simplicidade – o estômago parece, no caso, não ser atalho apenas para o coração, mas também para o intelecto... –, Montanari abre um inventário em todos os aspectos envolvidos com a domesticação, a transformação, a reinterpretação da natureza. Ou seja, com a cultura, conforme embebida na corporalidade.

Comida é cultura 'quando produzida', porque o homem não utiliza apenas o que encontra na natureza (...), mas ambiciona também criar a própria comida, sobrepondo a atividade de produção à de predação. Comida é cultura 'quando preparada' porque uma vez adquiridos os produtos-base de sua alimentação, o homem os transforma mediante o uso do fogo e de uma elaborada tecnologia que se exprime nas práticas da cozinha (Montanari, 2008. p. 16).

Curiosamente, Montanari não remete, em momento algum, à cultura material. Mas afirma que "(...) modelos e (...) práticas alimentares são o ponto de encontro entre culturas diversas, fruto da circulação de homens, técnicas, gostos, de um lado para outro do mundo" (Montanari, 2008, p. 189). Estão aí, bastante claras, as postulações sobre não apenas a cultura material e a corporalidade, quanto sobre a cultura como lugar de mediação que se expressa na corporalidade.

Entretanto, em outras propostas, a questão colocada logo ao início deste ensaio é mais complexa. Ao abordar a questão da beleza como critério para a elaboração de sistemas de computador, Gelernter pretende que 'beleza' seja sinônimo de 'eficiência', a ponto de constituírem, quando encontradas juntas, um 'casal feliz'.

Pode-se dizer que a cultura material são todas as formas de respostas que o homem apresenta às demandas com que se defronta – e que demandas e respostas constituem, no conjunto, a cultura. Isso fica claro nas proposições de Montanari sobre a comida: é possível identificar a 'eficiência' das práticas destinadas não apenas a produzir e consumir comida, mas aos rituais que se desdobram dessa produção: em última análise, essa comida não existe na natureza. "Entre as plantas, foram selecionadas as mais produtivas, e sobretudo os cereais receberam atenção privilegiada" (Montanari, 2008, p. 24). Entretanto, o que Gelernter identifica como 'eficiência', ou seja, com a capacidade da máquina – do artefato – de cumprir bem sua função, ele coloca como elemento de 'beleza'. Mas até mesmo a eficiência (para, no momento, não falar da 'beleza') pode ser pensada como um sentido.

Anos atrás, o mágico norte-americano Ricky Jay3 3 Nome artístico de Richard Jay Potasch, mágico, ator e escritor norte-americano. O livro teve sua reimpressão proibida pelo próprio Jay, por motivos não bem esclarecidos. O título acabou por se tornar, pela raridade, peça de coleção. , especializado em truques com cartas, criou um método de lançar esses artefatos, que, segundo garantia, "provê um meio mortal, ainda que sem custo, de auto-defesa" (Jay, 1976). Apesar do próprio artista definir o livro em mordomo inglês (...). O modo de operação de um que descreve a técnica como uma 'piada', trata-se de um exemplo de como a funcionalidade, embora seja geralmente considerada como dado intrínseco ao artefato, pode ser mudada de forma absolutamente imprevisível para os usuários ou mesmo para quem o concebeu. Jay não fala sobre a beleza das cartas como artefatos, visto que ele não está, ao que parece, interessado nisso. Ele apenas pratica uma completa subversão de seu objeto. Já o professor Gelernter lida com um conceito de beleza aparentemente dotado de objetividade. Ele a vê como algo em si, autônoma. Diz, a certa altura: "Se eu acredito que nossa sensibilidade à beleza é uma mera construção social, sendo revirada para o lixo à mais leve brisa passageira da moda, sou forçado a negar que ela possa ter inspirado qualquer estrutura intelectual duradoura e coerente, tal como a ciência e a matemática" (Gelernter, 2000, p. 30).

Parece que, às voltas com um tema – a objetividade do conhecimento – de alto interesse para seu campo de atuação, Gelernter é posto diante do mesmo dilema que Miller aborda em seu livro: a objetificação. Trata-se da criação, inserida no processo histórico e a partir de formas, de sujeitos e objetos e das capacidades específicas de pessoas específicas. O problema é que esse processo produz e aciona o que parece ser sujeitos e objetos autônomos (Miller, 2005, p. 10). Aciona, por exemplo, uma "máquina virtual"4 4 Uma 'máquina virtual' ( virtual machine – VM) pode ser definida como uma forma específica de construção de software de computador, na qual um programa atua como se fosse um computador real, dedicado a executar programas que ajudam o operador a comandar o computador em que se encontra instalado. Para os especialistas em computação, a VM é uma máquina que, construída com base em conceitos matemáticos, 'não existe', mas parece 'existir'. capaz de interagir com seu operador "como um mordomo inglês".

A beleza determina quais máquinas virtuais triunfam e quais são rejeitadas, deixadas para enferrujar, como carros velhos abandonados em matagais. Máquinas virtuais feias desperdiçam o poder subjacente do computador e, muito mais importante, o tempo do usuário, mas um programa bonito "paira" no ambiente como um belo programa é tão semelhante ao modo como você age e pensa que uma simbiose criativa, um circuito de feedback que amplifica o pensamento, se estabelece. Você tem uma ideia e a máquina a aceita imediatamente – sem respostas insolentes, sem regatear. A transparência e boa vontade da máquina podem até adiantar seu pensamento (Gelernter, 2000, p. 39).

O problema colocado por Gelernter com relação à beleza é do campo da filosofia, muito próximo, talvez, daqueles abordados pela Estética5 5 Definida como a ciência que tem por objeto o juízo de apreciação enquanto se aplica à distinção entre o Belo e o Feio. . Mas, se é possível conceber uma máquina 'educada' e 'gentil' como um mordomo inglês, teríamos de aceitar – e isso seria, por princípio, impossível – que a máquina apropriou-se de atributos humanos. Menos impossível é aceitar que a máquina represente atributos humanos. A máquina virtual não faz nada além do que todos os outros artefatos não façam: expressa a corporalidade.

Este ensaio abriu-se com as primeiras letras de um 'a-b-c', com três artefatos que poderiam ser seguidos, infinitamente, por outros, mas eles, de fato, são meros indutores (tanto quanto a comida ou a 'máquina virtual') de uma ideia, em princípio, simples, e que é possível formular assim: a condição da corporalidade media a produção e a reapropriação dos artefatos.

Escrevendo sobre a delimitação do campo da arqueologia, John Robb (2005, p. 6) refere-se aos artefatos como "chaves para as relações sociais e para as estruturas da mente", mas também admite existir considerável debate entre os teóricos sobre se as coisas materiais poderiam ser posicionadas na mesma 'agência' que as pessoas. Explica o autor que falar em 'agência' significa falar, "em termos amplos, (...) em arqueologia [da] tentativa de estabelecer, explicitamente, nosso modelo do agente humano e traçar, sistematicamente, suas implicações para as sociedades passadas" (Robb, 2005, p. 2). A 'agência' constitui, enfim, uma rede de articulações sociais entre seres humanos. Em certos autores, pode ser vista como referência teórica para a explicação de comportamentos e valores profundamente enraizados na sociedade; em outros, adquire tal autonomia que, no limite, parece constituir uma espécie de 'mente distribuída'. Essa tradição, segundo esclarece Robb, deriva de outra, ao longo da qual tem sido postulado que a ação humana tem consequências e modela o comportamento daqueles que a praticam ou são objetos dela, contra o pano de fundo das relações sociais. Os indivíduos são levados a atuar de acordo com crenças e hábitos, atuação sobre a qual estão, pelo menos, minimamente conscientes.

Segundo Robb, trata-se de uma linha de pensamento pós-estruturalista, articulada à tradição do pensamento marxista sobre a ideia de praxis (grosso modo, em Marx, o que se refere à atividade livre, universal, criativa e autocriativa, por meio da qual o homem cria e transforma seu mundo humano e histórico e a si mesmo); em última análise, Miller a define como uma tentativa de crítica do dualismo de origem hegeliana entre natureza e cultura (Miller, 2005, p. 11-15). No escopo desse texto, tal debate é menos importante do que a autonomia que a noção de 'agência' atribui aos artefatos.

A pergunta de Robb sobre se os objetos podem ser considerados agentes tanto quanto os seres humanos que os produzem, aparentemente oculta a questão – bem mais complexa – de se os artefatos são conceitos produzidos na dinâmica das relações sociais, ou seja, historicamente. Existem outras possibilidades de abordar essa questão. Entretanto, em princípio, podem ser reconhecidos como ideias materializadas, sistemas de conhecimento social e elementos comunicativos. As três proposições não podem ser consideradas separadamente; ao ser postas simultaneamente, tomam forma numa espécie de 'corpo apropriado' – ou seja, em sentidos apostos ao corpo. É preciso também esclarecer que esse 'corpo ampliado' é o que está sendo chamado aqui de 'corporalidade'.

Essa noção é estimulante em função de oferecer uma possível explicação, de caráter geral, que alcança a totalidade dos artefatos criados pelo homem. Algum tempo atrás, Meneses (2000) a sublinhou como "atributo fundamental e irremovível da condição humana (...). Tudo o que somos e tudo o que fazemos, de mais reles e de mais espiritual e transcendente, passa por essa condição corporal e pelo mundo físico de que somos parte e em que estamos totalmente imersos".

A CORPORALIDADE E SUAS POSSÍVEIS ANALOGIAS

É um bom momento para se retornar à proposta de abertura deste ensaio, a apresentação de dois artefatos e um conceito que origina artefatos 'funcionais'. A arma de caça de luxo: não é imediatamente notável, mas ela possibilita estabelecer certas continuidades com o conjunto mão/braço.

Para entender essa proposta, é necessário recorrer ao 'princípio da analogia', postulado em meados do século XX, a partir da teoria dos sistemas6 6 Trata-se de uma teoria que surgiu com os trabalhos do biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy (Áustria, 1901 - EUA, 1972), apresentada a partir de 1950. A teoria dos sistemas busca formulações conceituais que se desdobram eficazmente na realidade empírica. Parte do pressuposto de que existe uma nítida tendência para a integração entre as várias ciências naturais e sociais, e que essa integração, ao ser formulada, constitui um sistema geral, o qual, no limite, formará uma teoria geral de sistemas. Alguns teóricos (Wieser, 1972; Kapra, 1975) afirmam que, por constituir uma abstração dotada de certa objetividade, essa teoria oferece vantagens para o estudo dos campos não físicos do conhecimento científico, especialmente as ciências sociais. Seu objetivo, em última análise, é atravessar verticalmente os campos específicos das diversas ciências, alcançando a unidade do campo científico. Os sistemas vivos, sejam indivíduos ou organizações – inclusive a cultura –, são analisados como "sistema abertos", mantendo um contínuo intercâmbio de matéria/energia/informação com o ambiente (Kapra, 1975, p. 41-48). A teoria dos sistemas permite reconceituar os fenômenos em uma abordagem global, permitindo a interrelação e integração de assuntos que são, na maioria das vezes, de natureza diferente. . Preocupados em entender como certas máquinas de processamento numérico (para nós, leigos, computadores) poderiam emular certos princípios simples dos organismos animais, que eles chamavam de 'controle', especialistas observaram que era possível estabelecer "a representação da mesma função em diversos materiais e por meio de princípios diversos" (Wieser, 1972, p. 9). Eles chamaram a isso de 'analogia', que se estabeleceu como um dos princípios da teoria.

Dado este postulado, se pode recorrer a artefatos mais simples, como um alicate ou um martelo, para entender a proposição, já que neles a forma indica, imediatamente, a contiguidade: alicates e martelos são emulações de capacidades da mão – bater, num martelo; pinçar, num alicate. O homem encontrou, de certa forma, nesses objetos um modo de 'melhorar' o próprio 'desenho' (a arquitetura corporal) e, por conseguinte, as próprias possibilidades – qualquer um que tente pregar um prego com a mão fechada entenderá essa proposta... Quanto mais se afasta a forma, menos evidente é a analogia, mas ela continua possível. Ainda assim, uma arma de fogo continua sendo a possibilidade de se estender, exponencialmente, certas capacidades do conjunto mão/braço. Um projétil disparado com uma arma de fogo, qualquer que seja ela, mobiliza certa quantidade de energia a partir da explosão de dada quantidade de propelente (em geral, pólvora, mas existem outros). Essa quantidade de energia é transmitida ao projétil por meio da expansão muito rápida do gás produzido pela reação física. O resultado da ação executada (o disparo do projétil) acaba sendo análogo a uma forte pancada desferida com a mão, só que exponencialmente potencializada. Assim, é possível entender, por meio dessa analogia, que aquele artefato constitui um sistema, compreensível por si ou a partir do conjunto que forma com o usuário humano. Mas é preciso assinalar que "a complexidade de um sistema não depende do número de seus elementos, mas da complexidade das relações entre eles e, conforme a complexidade do sistema, varia em qualidade a ação de suas partes" (Wieser, 1972, p. 23). Ainda que se possa fazer uma analogia entre arma de fogo e, por exemplo, arco e flecha, no que tange às partes do sistema, a complexidade das relações entre as partes (por exemplo, o modo como a energia é mobilizada e transmitida) faz variar em qualidade a ação das partes. E se pode acrescentar: quanto mais discreta a materialidade, maior tal variação.

Essa ideia parece servir para todos os artefatos: aqueles extremamente simples, que parecem não funcionar sem a presença de um operador; outros, bem mais complicados, aparentemente capazes de funcionar sem presença humana. Claro que se tem de levar em conta a advertência de Wylie (apud David e Kramer, 2002, p. 30), segundo a qual as "(...) inferências analógicas são todas, por definição, 'ampliativas', elas inevitavelmente afirmam a existência de similaridades mais amplas em suas conclusões do que foi ou poderia ser estabelecido em suas premissas, assim, elas são sempre passíveis de erro". Ainda assim, é menos passível de erro um aspecto que pode ser tomado como uma espécie de analogia universal: todo artefato mobiliza certa quantidade de matéria, energia e trabalho humano, e esses aspectos podem ser comparados de modo amplo.

A trajetória humana pode ser representada, grosso modo, como a mobilização de matéria e energia por meio da transformação da natureza pela via do trabalho. Mas esse processo não pode ser pensado fora de contextos sócio-históricos, sob pena de perder o sentido. Todo artefato contém, de certa forma, o processo sócio-histórico que o originou e que continua lhe juntando sentido. Mesmo que a perda de informação frequentemente torne o processo mais difícil de apreender, ainda assim, partes dele estarão contidas na matéria moldada pelas relações sociais. No caso da arma de caça de luxo, visto que o artefato encontrase perfeitamente contextualizado, é possível avançar, por intermédio de sua materialidade, até o processo social, pela via da analogia. Qualquer outro artefato caberia nesse exercício – inclusive a 'máquina virtual' que, aparentemente (apenas aparentemente...), não tem materialidade.

ARMAS DE LUXO E IPADS: CORPORALIDADE, MATERIALIDADE, MEMÓRIA

Por ora, é boa ideia recorrer a um artefato mais simples, visto que sua materialidade é explícita: o iPad. Trata-se também de um computador, artefato de alta complexidade, inclusive pelo fato de envolver variações em sua materialidade imediatamente apreensível. A questão é que nele juntam-se processos cuja materialidade pode ser, em certos aspectos, bastante sutil – mas encontrase lá. Quantidades extremamente discretas de energia, emulando operações matemáticas, combinando-se em comandos codificados, correndo por cabos de metal ou criando 'névoas de elétrons'. Ainda assim, o tablet pode ser resumido em matéria, energia e trabalho humano: a materialização de um processo social – corporalidade, enfim. Exatamente como a 'máquina virtual' apresentada como "elegante" por Gelernter. Por trás de suas linhas aparentemente despidas de ornamentos (outra vez, apenas aparentemente...), ele é similar à arma de caça de luxo. Um computador que dá tiros? Talvez, como plataforma de jogos digitais, mas não se trata disso. A similaridade é outra.

Ambos comunicam. Um artefato diz muito sobre seu possuidor, na medida em que a ambos – possuidor e artefato – são atribuídos significados que os ultrapassam. Essa 'comunicação' entre corpo e artefato, e entre corpo, artefato e sociedade, já tinha sido considerada, em meados dos anos 1930, em texto hoje clássico do sociólogo Marcel Mauss. Este buscou abrir uma abordagem antropológica do comportamento corporal e pretendia demonstrar que o próprio corpo é um 'instrumento a dominar', constituindo tal domínio marco da experiência material. Logo ao início do artigo, nos diz Mauss das "maneiras pelas quais os homens de sociedade em sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seus corpos" (Mauss, 2003, p. 401). Dizendo de outra forma, mas ainda seguindo o pensador francês, o homem sempre soube fazer uso de seu próprio corpo como produto de suas técnicas e de suas representações. Esse saber se traduz, de acordo com a época e o lugar, em modelos de comportamento que acabam por se inscrever na relação entre corpo e artefatos: estes podem ser iPads em um dado momento, livros em outro, armas, de luxo ou não, em outro. A arma de caça de luxo pertencia ao rei D. João VI havia muito tempo, mas ao ser exposta, passou a significar o modo como o monarca pretendia ser visto, tanto por seus contemporâneos quanto pelas gerações futuras. Os possuidores de tablets, tanto quanto de notebooks, não pretendem, talvez, ser lembrados pelo futuro, mas exclusivamente pelos contemporâneos, e pelos contemporâneos próximos.

Sobre outro contexto, mas aplicável a esta reflexão, a teórica de coleções Pearce (1989, p. 7) diz a respeito dos objetos acumulados em viagens, os souvenirs (lembranças, em nossa língua), que se juntam para formar o ponto de partida de uma narrativa pessoal, demonstrando a verdade dessas histórias: "(...) eles tornam inteligíveis e pessoais experiências as quais, numa visão mais ampla, estão adiante da simples compreensão individual". Ter um tablet debaixo do braço ou operá-lo num bar ou dentro de um avião faz com que a história pessoal, inatingível para outros indivíduos, se torne transparente. Para além de ter um tablet, ter um iPad lança essa narrativa em um outro patamar, que cria distinção mesmo entre iguais. Assim, a complexidade de um sistema pode ser entendida como se estendendo à sua materialidade, esta o suporte dos elementos comunicativos e de um conhecimento social. De certa forma, os visitantes do Museu Real e Nacional, no século XIX (que não deviam ser muitos), e os possuidores de tablets e iPads (que logo se contarão na escala de dezenas de milhões) se aproximam, pois, em suas épocas, souberam e sabem o que perguntar e responder a cada um dos artefatos. Sabiam e sabem como a beleza de cada um os afetará, pois ela – a beleza – foi cuidadosamente elaborada sobre a matéria bruta, com um objetivo ao mesmo tempo sutil e direto: dar trânsito aos sentidos que se incorporam aos artefatos.

Essa articulação entre corpo e cultura material é recuperada e enfatizada pelo antropólogo francês JeanPierre Warnier, representante daquilo que o assiriólogo brasileiro Marcelo Rede chamou "uma vertente francesa" dos estudos de cultura material. Explica Rede que a cultura material participa de uma síntese que faz interagir de forma, antes de tudo, dinâmica, corpo, objeto e espaço. O corpo é mediador da apropriação do universo material pela vida social (Rede, 2001, p. 281).

Por outro lado, armas de luxo e computadores, ao incorporarem e darem trânsito ao sentido, mobilizam em vários níveis um conhecimento social, que é a consciência da corporalidade. Essa é uma dimensão da cultura material que a coloca num patamar seguinte: o das relações com a memória. A consciência da corporalidade, ou seja, um 'saber fazer' aprendido e aperfeiçoado ao longo da vida e transmitido, muitas vezes, para além da duração da vida. Essa consciência torna corpos e artefatos sistemas bem articulados – articulação feita pela memória, como parece ter percebido a arquiteta norte-americana Susan Yee (2007, p. 34), ao narrar sua experiência com um arquivo digitalizado.

Em meu último dia nos arquivos, a curadora aproximou-se de mim com orgulho, "oh, você irá adorar o que estamos fazendo aqui! Você desejará não ter vindo aqui, e nunca ter olhado para esses desenhos! Nós os estamos migrando para uma base de dados digital!" Ela me levou a uma sala adjacente e mostrou-me os mesmos desenhos que eu tinha estado olhando, ao longo de dias. No computador dela, eles apareciam como pequenos ícones. Se você clicasse em um deles, o escolhido se tornava maior. Se eu tivesse acessado aqueles desenhos de casa, eu nunca teria percebido as dimensões deles, não teria sabido que eram armazenados separadamente, cuidadosamente enrolados, que continham manchas e impressões digitais. Olhando para as imagens digitalizadas da curadora, pensei respeitosamente sobre o consumo de massa, sobre possibilitar acesso amplo, sobre os problemas de como usar o cursor para se mover de desenho em desenho, através da tela, e como era diferente o entendimento sobre a imagem digital e sobre o desenho por trás dela.

Yee fala sobre a consciência da corporalidade em dois registros próximos, aquele que orienta a apropriação do desenho no papel e aquele que orienta a apropriação do desenho na tela do computador. Ao que parece, sua simpatia maior fica com os artefatos que o computador jamais lhe teria permitido conhecer, caso ela tivesse ido direto ao formato digital. Esse trajeto é, de fato, angustiante, até o momento em que o novo ambiente se torna conhecido – ou, dizendo de outra forma, até que o corpo se apropria dele, que aprende a 'navegar' pelos desenhos tornados virtuais, criando uma nova habilidade, a qual se traduzirá em desdobramentos que a autora considera dignos: o acesso descomplicado por setores mais amplos da população (o que ela chama de "consumo de massa"). Ainda assim, parte da angústia da arquiteta parece vir de imaginar o quanto teria sido perdido caso o acesso tivesse acontecido através da materialidade inatingível do computador, pois o contato direto com os artefatos lhe possibilitou uma articulação direta com o objeto de sua admiração, o grande arquiteto Le Corbusier, que, de certa forma, articulou tempos diversos.

Um dia, e esse foi o mais maravilhoso de todos, eu encontrei uma pequena sacola de pergaminho cheia de quadrados de papel, de várias cores e tamanhos. Eu estava lá com um grupo de arquitetos do MIT (...) tivemos todos a mesma ideia ao mesmo tempo: Le Corbusier [os] usava quando estava desenhando (...) para programar o grande projeto. Ele calculava o arranjo com os quadradinhos coloridos. (...) E eu imaginei como ele brincava com aqueles pedacinhos de papel até encontrar uma configuração que o agradasse; e eu brinquei com eles também (Yee, 2007, p. 35).

De fato, a memória altamente carregada de afeto fez isso, por apelar à corporalidade. É possível levantar a hipótese de que a arquiteta Yee e seus colegas compartilhavam um conhecimento social originado em uma 'tecnologia do corpo' que, de certa forma, programou a apropriação dos artefatos. Diante dos quadradinhos coloridos, os comandos certos foram mobilizados na memória coletiva, o 'corpo ampliado' que tem sido aqui chamado de 'corporalidade', e com o qual todos os artefatos podem se articular.

Que espécie de analogia se pode fazer nesses quadradinhos? Os dedos de Le Corbusier? Seus processos mentais? Não importa, no momento. Ao fim e ao cabo, todos os artefatos são desdobramentos da 'corporalidade'. Wieser (1972, p. 24-25) afirma que, em um organismo, cada elemento possui suas funções e parte das funções do sistema, uma vez que os diversos elementos estão vinculados uns aos outros. Então, cada artefato pode conter, potencialmente, o processo social como um todo. Ou, como explica Rede (2001, p. 283), seguindo Mauss, Warnier e a "vertente francesa": "em todos os casos, o corpo se impõe como um balizador maior da experiência material do homem (do indivíduo, como da sociedade) e, por consequência, como variante importante do estudo antropológico". Aqui, se pode acrescentar que essa qualidade não se encontra no artefato, mas na memória de quem se articula a ele. Foi o "momento maravilhoso" de Yee: a consciência da corporalidade, contida em memórias especializadas de longa duração, associadas a estados emocionais, que provocam respostas nas diversas áreas do cérebro que as disparam. É um tema por demais complicado e mais ainda fascinante, mas que permite pensar nos sentidos contidos nos objetos como indissoluvelmente associados à lembrança. É que acaba criando uma espécie de conteúdo distribuído, compartilhado, aquilo que costuma ser chamado de "memória coletiva" (Le Goff, 1983; Bosi, 1983; Lowenthal, 1985), rede que talvez fosse menos abrangente se os artefatos, conteúdos de sentidos, dela não fizessem parte.

POR CONCLUSÃO: DO PENSAMENTO À REALIDADE, SERES HUMANOS E ARTEFATOS

A esta altura, já deve ter ficado claro que este artigo tem como sua maior pretensão chamar atenção para a importância dos estudos de cultura material como via para se alcançar uma compreensão ampliada da condição humana, bem como apresentar algumas possíveis vias de entrada para o interessado. Mas urge concluí-lo, como diria alguém versado na boa norma de redação. Talvez seja o momento de retornar à questão colocada mais acima, a partir do arqueólogo Robb. E a resposta possivelmente seria que não: artefatos não podem ser considerados como 'agentes'. Se for possível falar de uma 'agência', esta mobilizaria exclusivamente seres humanos incorporando sentidos a artefatos. Parece ser esta a forma razoável de se conceber uns – os humanos – e outros – a cultura material que os cerca.

Por outro lado, se os seres humanos passam o tempo todo produzindo sentidos, e boa parte desses se expressam em artefatos, outra conclusão pode ser indicada: os artefatos, ou seja, a cultura material que expressa a corporalidade, é a interface que articula os homens à realidade. Richard Sennett, em dado momento de um livro recente, lembra um comentário 'despretensioso' do filósofo Immanuel Kant, que apontaria a mão humana como "a janela que dá par a mente" (Sennett, 2009, p. 170). É uma observação interessante. Se, por um lado, a mão é o membro do corpo que melhor expressa como se dá o complexo controle do corpo pela consciência, por outro, a mão dotada de artefatos expressa como tal controle transborda para a realidade e torna possível sua plena apropriação. Se os artefatos nascem no pensamento, têm por função a abordagem da realidade: constituem a interface possível entre essas duas dimensões. Por mais sutil que seja tal interface, ela tornou possível a trajetória do homem sobre a superfície da Terra.

Recebido em 09/10/2010

Aprovado em 15/02/2011

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  • Autor para correspondência

    José Neves Bittencourt
    Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
    13ª. Superintendência Regional
    Rua Januária, 130 – Floresta
    Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP 30110-055
    (
  • 1
    Conjunto de sulcos cavados ('fresados') no interior ('alma') do cano da arma, destinado a induzir no projétil um movimento circular progressivo, de forma a aumentar-lhe a estabilidade. Não se sabe quando, exatamente, essa inovação começou a ser introduzida em armas de fogo, mas presume-se que tenha sido na primeira metade do século XV, por armeiros da Europa Central, onde era comum o uso de armas de fogo para caça esportiva, que demandava um tiro mais preciso do que as armas militares.
  • 2
    Trata-se de um tipo de computador pessoal com o formato de uma prancheta (em inglês,
    tablet, ou 'tabuleta'), que, em vez de teclado, é operado por meio de toques na tela, seja por uma caneta especial ou pelos dedos. A ideia não é nova, remontando a 1968, quando surgiu o primeiro aparelho desse conceito. O nome
    tablet foi introduzido em 2001, quando a Microsoft Corporation, de Redmond, EUA, formalizou o conceito de 'Tablet PC': computadores portáteis, equipados com telas sensíveis ao toque, preparados para operar via caneta e capazes de reconhecimento da escrita caligráfica. A ideia não funcionou devido ao preço – custavam muito mais caro que os
    notebooks e faziam a mesma coisa que estes. Embora não tenha desaparecido (era funcional para determinadas tarefas especializadas), a ideia foi engavetada. Em 2007, a livraria virtual Amazon.com lançou um produto derivado do conceito. Trata-se de uma tabuleta simplificada, sem a tela sensível e com recursos limitados, destinada basicamente à leitura de publicações eletrônicas. O novo aparelho abriu um grande nicho de mercado e aproximou o grande público do conceito de 'Tablet PC', embora a estratégia de mercado não o caracterizasse como um computador, mas como leitor eletrônico (
    e-reader). Essa foi a senha para que uma série de outros produtos do tipo surgisse, inclusive o da Apple. A empresa do 'tecnoguru' Steve Jobs, entretanto, tornou seu produto a integração de diversas tendências baseadas na internet e nas diversas transformações comportamentais que esta trouxe (Conheça..., 2010).
  • 3
    Nome artístico de Richard Jay Potasch, mágico, ator e escritor norte-americano. O livro teve sua reimpressão proibida pelo próprio Jay, por motivos não bem esclarecidos. O título acabou por se tornar, pela raridade, peça de coleção.
  • 4
    Uma 'máquina virtual' (
    virtual machine – VM) pode ser definida como uma forma específica de construção de
    software de computador, na qual um programa atua como se fosse um computador real, dedicado a executar programas que ajudam o operador a comandar o computador em que se encontra instalado. Para os especialistas em computação, a VM é uma máquina que, construída com base em conceitos matemáticos, 'não existe', mas parece 'existir'.
  • 5
    Definida como a ciência que tem por objeto o juízo de apreciação enquanto se aplica à distinção entre o Belo e o Feio.
  • 6
    Trata-se de uma teoria que surgiu com os trabalhos do biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy (Áustria, 1901 - EUA, 1972), apresentada a partir de 1950. A teoria dos sistemas busca formulações conceituais que se desdobram eficazmente na realidade empírica. Parte do pressuposto de que existe uma nítida tendência para a integração entre as várias ciências naturais e sociais, e que essa integração, ao ser formulada, constitui um sistema geral, o qual, no limite, formará uma teoria geral de sistemas. Alguns teóricos (Wieser, 1972; Kapra, 1975) afirmam que, por constituir uma abstração dotada de certa objetividade, essa teoria oferece vantagens para o estudo dos campos não físicos do conhecimento científico, especialmente as ciências sociais. Seu objetivo, em última análise, é atravessar verticalmente os campos específicos das diversas ciências, alcançando a unidade do campo científico. Os sistemas vivos, sejam indivíduos ou organizações – inclusive a cultura –, são analisados como "sistema abertos", mantendo um contínuo intercâmbio de matéria/energia/informação com o ambiente (Kapra, 1975, p. 41-48). A teoria dos sistemas permite reconceituar os fenômenos em uma abordagem global, permitindo a interrelação e integração de assuntos que são, na maioria das vezes, de natureza diferente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      09 Out 2010
    • Aceito
      15 Fev 2011
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