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Fatores que influenciam a satisfação do paciente ambulatorial em uma população de baixa renda: um estudo de base populacional

Resumos

OBJETIVO:

Medir a prevalência de satisfação geral com a última consulta médica e seus fatores associados entre adultos com 20 anos ou mais, em uma cidade do Sul do país.

MÉTODOS:

Estudo transversal de base populacional realizado em Porto Alegre-RS, de julho a dezembro de 2009. Foi utilizada amostragem sistemática com probabilidade proporcional ao tamanho de cada um dos 121 setores censitários da região em estudo. A satisfação geral da última consulta foi avaliada por questionário padronizado. As variáveis independentes foram: sexo, idade, cor da pele, classe social, escolaridade, motivo e local da consulta. Na análise bruta empregou-se o teste qui-quadrado e na ajustada regressão de Poisson com variância robusta, com os resultados expressos em razões de prevalências.

RESULTADOS:

Dos 3.700 indivíduos elegíveis, 3.391 responderam a pesquisa. Desses, 64,8% consultaram nos três meses antecedentes a entrevista. Em relação à satisfação geral da última consulta, 63,7% referiram estar satisfeitos e 23,2% estar muito satisfeitos. Na análise ajustada, indivíduos que consultaram em locais conveniados/privados apresentaram uma probabilidade 1,15 vezes maior de estar satisfeitos comparados a locais públicos. A facilidade para conseguir a consulta, o fato de ter sido bem tratado pela recepcionista e pelo médico esteve diretamente relacionado com uma maior satisfação. O tempo de espera para ser atendido esteve inversamente associado à satisfação tanto na análise bruta quanto na ajustada.

CONCLUSÃO:

O presente estudo revelou elevada prevalência de satisfação com a consulta médica e uma associação significativamente positiva entre satisfação e consulta em locais conveniados ou privados.

Serviços de Saúde, utilização; Satisfação do paciente; Estudo Transversal


AIM:

To measure the prevalence of overall satisfaction with the previous medical consultation and their associated factors, among adults aged 20 years or more, in a city located in southern Brazil.

METHODS:

A cross-sectional population-based study was performed in Porto Alegre, RS, Brazil, from July to December 2009. Systematic sampling was used with a probability proportional to the size of each of the 121 census tracts in the area studied. Overall satisfaction with the previous consultation was evaluated with a standardized questionnaire. Crude analysis was performed using the chi-square test, while the adjusted analysis used Poisson regression with robust variance. Results were expressed as prevalence ratios.

RESULTS:

Among the 3,700 eligible individuals, 3,391 answered the survey. Of those, 64.8% (1677) reported having had their previous medical consultation in the three months prior to the interview. Regarding the overall satisfaction with the previous consultation, 63.7% reported being satisfied and 23.2% were very satisfied. Adjusted analysis showed that those who went to private/health plan-affiliated services were 1.15 times more likely to be satisfied than those going to public services. Easy consultation booking and being well treated by receptionist and physician were directly related with a higher level of satisfaction. The length of time waiting was inversely associated with satisfaction both in the crude and adjusted analyses.

CONCLUSION:

The present study revealed a high prevalence of satisfaction with medical consultations and a significant positive association between satisfaction and the location of consultation (health plan-affiliated or private services).

Health service, utilization; Patient satisfaction; Cross-sectional study


Introdução

A qualidade da consulta médica é um processo complexo e depende de diversos fatores tais como a facilidade do acesso, o tempo de duração, a qualidade do cuidado ofertado e a resolutividade. Avaliar os fatores relacionados a este processo que determinam o grau de satisfação é importante para direcionar o planejamento de melhorias das condições do atendimento ao usuário1. A avaliação dos serviços de saúde a partir da satisfação dos usuários é um método confiável e facilmente mensurável de assegurar a qualidade do atendimento prestado2.

Segundo Donabedian, a avaliação dos serviços de saúde deve ser baseada em duas dimensões: o desempenho técnico e o relacionamento com o paciente, visando reduzir os riscos e maximizar os benefícios aos usuários3.

Pesquisas direcionadas para o controle de qualidade valorizam cada vez mais o nível de satisfação do usuário como parâmetro definidor1. A partir da década de 70, essas pesquisas ganharam notoriedade, principalmente em países desenvolvidos, devido ao recrudescimento do consumo e à exigência da qualidade pelos consumidores4.

Alguns estudos tentaram buscar a relação de satisfação do usuário e as variáveis que a determinam; entretanto, ainda são escassos os resultados da natureza ou número desses fatores4,5.

A avaliação dos serviços de saúde fornece subsídios para as decisões e ações dos gestores em saúde. Os estudos epidemiológicos da área da saúde, principalmente os de base populacional, fornecem os dados necessários para o planejamento dos sistemas de saúde, mas ainda são poucos os estudos populacionais que avaliam a satisfação dos usuários em relação à qualidade do cuidado ofertada6.

A intenção real de se obter o nível de satisfação dos usuários é, principalmente, a de transformar essas informações em medidas que permitirão o aperfeiçoamento dos serviços. A satisfação dos usuários é uma meta a ser alcançada pelos serviços e dessa maneira deve ser pesquisada, visando o aperfeiçoamento do atendimento4.

O objetivo do presente estudo foi determinar o nível da satisfação de indivíduos adultos residentes em uma comunidade de baixa renda do Sul do país quanto à qualidade processo de agendamento e da consulta médica realizada, e identificar os fatores que contribuem para a satisfação.

Materiais e Métodos

Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, realizado no período de julho a dezembro de 2009. A população alvo foi constituída de indivíduos com 20 ou mais anos de idade moradores dos Distritos Sanitários da Restinga e Extremo Sul da cidade de Porto Alegre/RS. Essa região possuía aproximadamente 100 mil habitantes no momento das entrevistas e uma rede de serviços de saúde que contava com sete equipes de Estratégia Saúde da Família, duas Unidades Básicas de Saúde e um Pronto Atendimento com funcionamento 24 hs e que atendia em média 300 pessoas por dia. Os dados analisados fazem parte de um grande inquérito epidemiológico que servirá para fornecer subsídios para o planejamento e implantação de uma rede de serviços que será ofertada a comunidade local. Em virtude de uma possível desatualização dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística7, que datavam do ano de 2000, a primeira etapa da pesquisa consistiu na identificação do número de domicílios existentes nos 121 setores censitários da região. Ao todo foram identificados 32.067 domicílios, dos quais 29.929 estavam habitados. Para fins de cálculo de amostra utilizou-se uma prevalência de satisfação geral de 60%8, intervalo de confiança de 95% e um erro aceitável de três pontos percentuais. Acrescentando-se 10% para perdas e recusas e 15% para possíveis fatores de confusão, a amostra estimada foi de 1.295 indivíduos. Em função dos múltiplos objetivos do estudo maior, do qual o presente fez parte, o tamanho final estimado para a amostra foi de 1.750 domicílios, aproximadamente 3.500 indivíduos adultos. Apenas os indivíduos institucionalizados foram excluídos da amostra. A amostragem realizada foi do tipo sistemática, com probabilidade proporcional ao tamanho do setor censitário.

Os dados foram coletados por entrevistadores treinados, utilizando questionários estruturados aplicados aos indivíduos em suas residências. A população local foi informada sobre a pesquisa através da divulgação por cartas de apresentação, rádio, jornal local e cartazes. Para controle de qualidade, 10% da amostra foi entrevistada novamente através de ligações telefônicas respondendo a um questionário simplificado. Perdas e recusas foram definidas após a não realização da entrevista em, no mínimo, três visitas efetuadas em dias e horários distintos.

Para avaliação do desfecho - satisfação geral com o serviço de saúde - utilizou-se a seguinte pergunta: "Pensando na consulta como um todo, desde o seu agendamento, recepção na sala de espera, duração, exame médico e a maneira como o (a) Senhor (a) foi tratado (a), qual a sua satisfação geral com a consulta?". O entrevistador concedia as seguintes alternativas de resposta: 1) muito satisfeito, 2) satisfeito, 3) indiferente, 4) insatisfeito 5) muito insatisfeito. Com o objetivo de facilitar a análise, indivíduos com respostas de números 1 e 2 foram considerados satisfeitos, e aqueles que optaram pelas alternativas 3, 4 e 5 foram considerados não satisfeitos.

Antes do questionamento sobre a satisfação geral com a consulta médica foram aplicadas as seguintes perguntas: Foi fácil conseguir a consulta? Esperou muito para ser atendido? Foi bem atendido pela recepcionista? Foi bem tratado pelo médico? A consulta durou o tempo esperado?. Essas variáveis foram utilizadas como determinantes proximais do desfecho (Figura 1).

Figura 1
Modelo hierárquico de análise.

Além das variáveis independentes de satisfação foram analisados outros possíveis determinantes da satisfação: de gênero, idade (em anos completos), cor da pele (autorreferida), classe social classificada em A, B, C, D e E de acordo com as normas da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (ABEP)9 e escolaridade (em anos completos de estudo). A variável motivo da última consulta foi categorizada em: motivo preventivo, agudo, crônico ou administrativo. A variável local da última consulta foi categorizada de acordo com o tipo de financiamento em local público ou privado/conveniado.

A avaliação da satisfação para com os serviços de saúde considerou a utilização de serviços médicos nos três meses que precederam a entrevista a fim de evitar possível viés de memória.

Foi desenvolvido um questionário para leitura ótica e os dados foram posteriormente digitalizados utilizando-se o programa Office Remark (Gravic Inc, Philadelphia, Estados Unidos) e processados no software Stata 9.0.

As características gerais da amostra foram apresentadas por meio de distribuição de prevalências e seus respectivos intervalos de confiança IC95%. Para a identificação dos fatores associados à satisfação do individuo, foram seguidas as etapas:

  • Analise bruta: verificou-se a presença de associação entre cada variável independente e o desfecho, por meio de regressão de Poisson com variância robusta, com os resultados expressos em razões de prevalências10, considerando p < 20% para a seleção das variáveis possivelmente associadas ao desfecho.

  • Na analise múltipla os dados foram analisados hierarquicamente: no primeiro nível entraram as variáveis sexo, idade, cor da pele; no segundo, a classe social e a escolaridade; no terceiro o local e motivo da consulta; e no quarto a facilidade em conseguir a consulta, esperou muito, tempo de espera, tratamento pela recepcionista, tratamento pelo médico, duração da consulta (Figura 1).

  • No modelo hierarquizado, cada bloco de variáveis de um determinado nível, composto por aquelas que obtiveram na analise bruta p < 0,20, foi incluído na regressão. Aquelas que obtivessem no teste de razões de verossimilhança no bloco p < 0,05 eram selecionadas para permanecer no modelo.

  • As variáveis selecionadas no nível anterior seguiam nos modelos subseqüentes e foram consideradas como fatores associados à satisfação, mesmo que, com a inclusão de variáveis hierarquicamente inferiores, tivessem perdido a sua significância.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Moinhos de Vento sob número de protocolo 2009/28, e recebeu apoio do Ministério da Saúde. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento informado e os autores declaram não haver conflito de interesses.

Resultados

Do total de 3.700 indivíduos elegíveis 3.391 (91,6%) aceitaram fazer parte do estudo. Desses 76,2% (2.562) e 64,8% (1.677) consultaram no último ano e nos três meses que precederam a entrevista, respectivamente. A média de consultas no período de três meses foi de 1,38 (DP ± 1,8) consultas por indivíduo, e a mediana foi de 1.

Considerando o desfecho satisfação geral da consulta, verificou-se que 63,7% dos entrevistados consideraram estar satisfeitos, 23,2% do total, que reflete 389 indivíduos, consideraram estar muito satisfeitos e 6,6% referiram estar insatisfeitos. 4,4% dos entrevistados referiram indiferença em relação à satisfação com a última consulta e 2,1% declararam estar muito insatisfeitos. Quanto a características dos indivíduos avaliados nota-se que a maior parte era mulheres, brancas, com idade superior a 40 anos, com menos de nove anos de estudo e de médio a baixo nível socioeconômico (C e D/E) (Tabela 1) Com relação ao motivo da última consulta, verificou-se que 654 dos entrevistados procuraram atendimento por causas agudas, refletindo 39,1%. Número expressivo de indivíduos (31,5%) referiu motivos crônicos de acesso aos serviços de saúde e a maior parte das consultas médicas aconteceu no sistema público de saúde (64%) (Tabela 2).

Tabela 1
Distribuição da amostra segundo satisfação e variáveis sociodemográficas de pacientes adultos ambulatoriais. Restinga, 2009.
Tabela 2
Distribuição da amostra segundo satisfação e atendimento, local e motivo da consulta de pacientes adultos ambulatoriais. Restinga, 2009.

A Tabela 2 também expõe as variáveis de satisfação geral da última consulta. Entre os dados encontrados, é notável que 78,2% têm fácil acesso, 94% foram bem tratados pela recepcionista e 97% foram bem tratados pelo médico.

A Tabela 3 apresenta as análises bruta e ajustada para o desfecho "satisfação com a última consulta médica". Não foram observadas diferenças na satisfação entre o sexo masculino e feminino. Na análise bruta, a satisfação foi significativamente maior entre os indivíduos de maior idade (< 0,001), de cor da pele branca (p = 0,02), e pertencentes às classes sociais mais elevadas (< 0,001). Dessas, a única variável que perdeu significância após ajuste foi a variável cor da pele (p = 0,89). (Tabela 3). Indivíduos que consultaram em locais conveniados e privados apresentaram uma probabilidade 1,15 vezes maior de estar satisfeitos com a consulta quando comparados aos indivíduos que consultaram em locais públicos, tanto na análise bruta quanto na ajustada (< 0,001). (Tabela 3).

Tabela 3
Análises bruta e ajustada entre satisfação na última consulta e variáveis do estudo de pacientes adultos ambulatoriais. Restinga, 2009.

Discussão

A avaliação de serviços de saúde a partir da satisfação dos usuários é um método facilmente mensurável e extremamente importante para o desenvolvimento de medidas corretivas2. Indivíduos satisfeitos contribuem para melhorar resultados finais de ações de saúde, como a adesão a políticas preventivas e ao tratamento.

Recentemente foram publicados estudos que avaliaram a satisfação de pacientes internados11,12, porém a literatura acerca da satisfação para com consultas ambulatoriais ainda é escassa.

Nesse contexto, o presente estudo visou avaliar a satisfação dos usuários de serviços médicos de saúde quanto à qualidade e processo de agendamento da consulta realizada, e identificar os fatores que contribuem para o desfecho, em uma região da cidade de Porto Alegre. Uma das vantagens do presente estudo foi o fato de a coleta de dados ter sido realizada nos domicílios, pois avaliar a satisfação para com a consulta médica dentro dos serviços de saúde pode acarretar constrangimentos, enviesando os achados. Além disso, a amostragem sistemática com probabilidade proporcional ao tamanho de cada m dos setores também deve ser destacada como ponto positivo.

Por outro lado, por se tratar de um estudo transversal, de base populacional, os dados coletados e algumas associações observadas estão sujeitas a causalidade reversa e merecem cautela em sua interpretação. Ainda dentro das limitações do estudo, devemos ressaltar que desconhecemos os motivos de não consulta dos indivíduos que não foram atendidos nos período de três meses que antecedeu a entrevista. Pode ser que esses indivíduos não tenham consultado em virtude de dificuldade no agendando o que poderia levar a um possível viés de seleção. Essa hipótese é minimizada pelo fato da elevada prevalência de consulta nos três meses, 64,8%, ser corroborada por outro estudo recentemente publicado8.

Segundo autores brasileiros, mulheres consultam mais que homens 6,13,14. Apesar da diferença na prevalência de utilização de serviços conforme sexo, Esperidião et al não encontraram diferença na satisfação geral da consulta entre sexo feminino e masculino, entretanto sugerem que mulheres estão mais aptas a criticar os serviços de saúde porque consultam com maior freqüência4. O presente estudo também não evidenciou diferença na satisfação para com consulta médica entre homens e mulheres.

Em relação à satisfação por faixa etária, o mesmo autor encontrou associação entre indivíduos de mais de 50 anos e satisfação, e referiu que tal fato pode estar relacionado com o maior carisma e menor expectativa desta parcela da população4. Em estudo realizado em Cuba para avaliação da resolutividade de serviços de saúde, foi encontrado maior grau de satisfação nos grupos etários de 20-29, 30-39 e 40-49 anos quando comparados com indivíduos acima de 49 anos15. Contrariando autores cubanos, evidenciamos maior grau de satisfação entre indivíduos com idades de 50-59 e maiores de 60 anos, dado que corrobora a teoria de que quanto maior a idade, mais indivíduos referem estar satisfeitos4.

Em relação à associação entre a variável independente de escolaridade e satisfação, observamos que a mesma ficou no limiar de significância, tanto na análise bruta quanto na ajustada. Ao avaliarmos a prevalência da satisfação nas diferentes classes sociais observamos que os mais ricos estavam mais satisfeitos com a consulta médica e o seu processo de agendamento. Estudo executado nos países da União Européia observou que quanto maior o grau de escolaridade menor o grau de satisfação do paciente16. Essa diferença nos achados pode ser atribuída às diversidades entre o Brasil e os países europeus, principalmente devido à melhor distribuição de renda e a sistemas de saúde bem estruturados nesses últimos. Além disso, análises complementares evidenciaram que indivíduos com maior renda buscaram com maior frequência serviços particulares ou privados, nos quais se observou maior índice de satisfação. A maior prevalência de consultas em locais públicos (64,0%) reflete a dependência da maioria dos indivíduos aos serviços de saúde com financiamento governamental ou filantrópico. Tal fato pode estar relacionado com a expressiva parcela da amostra (55,4%) pertencente à classe C. Esses indivíduos utilizam serviços vinculados ao Sistema Único de Saúde, que, ao lado dos serviços filantrópicos, apresentam menor grau de satisfação.

Em relação ao tempo de espera, este pode variar conforme o tipo de financiamento, ou seja, hospitais e ambulatórios-escola geralmente despendem maior tempo de atendimento, pois o professor deve assessorar os estudantes e médicos residentes17. Os indivíduos entrevistados referiram intervalo de menos de 5 minutos até mais de 1 hora de espera, porém esse dado não esteve associado negativamente com satisfação no presente estudo, o que nos faz pensar que se a gentileza no agendamento e a qualidade do cuidado ofertado durante a consulta médica forem adequadas, na percepção do paciente, esse não modifica a sua satisfação pelo fato de ter aguardado mais ou menos tempo na sala de espera. Essa hipótese é corroborada por Anderson et al., que avaliaram a satisfação dos usuários para com a consulta médica em Atenção Primária à Saúde e concluíram que a duração da consulta com o médico é um preditor mais forte da satisfação do paciente do que o tempo despendido na sala de espera18.

Serviços de saúde bem estruturados, com recepções organizadas, sistema de marcação de consultas efetivo e rápido, geram boas expectativas em relação ao atendimento que será prestado16. Outro aspecto importante e que também gera expectativas positivas é o bom tratamento por parte dos recepcionistas e dos médicos responsáveis19. Em recente comentário publicado no JAMA, sobre o que os pacientes realmente desejam de um serviço de saúde, o autor relata que os pacientes querem ser tratados com gentileza, empatia e respeito pela sua privacidade20.

O conceito de ser bem tratado foi definido pela OMS: ser tratado com respeito e consideração, ser bem recebido nas unidades de saúde, tratado respeitosamente em qualquer circunstância, ser examinado e tratado tendo respeitados a privacidade e o direito de sigilo das informações sobre a sua doença21. Como ilustração desse dado, e apesar de este ser um estudo quantitativo, encontramos que ser bem tratado pela recepcionista e pelo médico representou probabilidade 1,19 e 5 vezes maior de estar satisfeito, respectivamente.

Em nossa pesquisa observamos que indivíduos com facilidade na marcação de consultas referiram estar mais satisfeitos. Tais dados não fazem distinção entre serviços públicos ou privados, pois, apesar de diferentes expectativas entre cada grupo de usuários, há pequena probabilidade de um paciente se sentir satisfeito quando não é tratado de forma gentil, independentemente do local e do financiamento da consulta.

O tempo ideal de duração da consulta representa maior resolubilidade e, consequentemente, também contribui para a satisfação geral da consulta. Estudos verificaram que um maior tempo de consulta está associado a uma melhor qualidade do atendimento: como uma melhor anamnese, uma melhor explicação do problema e dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos, assim como a verificação do médico sobre a compreensão do paciente e a participação do paciente na consulta22,23.

Dessa forma, os resultados apresentados no presente artigo evidenciaram que diversos fatores relacionados ao processo de agendamento das consultas levaram a uma maior satisfação por parte do usuário dos serviços de saúde. Além disso, há também de ser ressaltado que os adultos que consultaram em locais conveniados ou privados tiveram um grau de satisfação maior quando comparados com os que consultaram no sistema público de saúde.

Esses achados podem contribuir para que os gestores invistam no desenvolvimento de competências relacionadas ao atendimento ao público. Destacamos também a necessidade de novos estudos que avaliem a influência das expectativas dos pacientes para com a consulta e a qualidade do cuidado que está sendo ofertado em relação à satisfação geral com a consulta médica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2013

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2011
  • Revisado
    12 Jan 2012
  • Aceito
    16 Fev 2012
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