Resumos

DOSSIÊ - PSICOLOGIA E ADOLESCÊNCIA

Adolescência, sexualidade e mídia: uma breve revisão da literatura nacional e internacional

Adolescence, sexuality and media: a brief revision of national and international literature

Adolescencia, sexualidad y medios de comunicación: una breve revisión de la literatura nacional e internacional

Raquel de Barros Pinto Miguel^I; Maria Juracy Filgueiras Toneli^II

^IMestre em Psicologia. Doutoranda no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC

^IIDoutora em Psicologia. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFSC

^{Endereço para correspondência} Endereço para correspondência: Raquel de Barros Pinto Miguel Av. Mauro Ramos, 1206/603 Centro, 88020-302, Florianópolis-SC. E-mail: raquelbarros@hotmail.com

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo identificar a produção existente acerca dos temas adolescência, sexualidade e mídia. Para tanto foram realizados levantamentos em bases de dados internacionais e nacionais, utilizando termos descritores relacionados ao assunto. Nas referências encontradas foram identificados os temas mais investigados por seus autores, estando entre eles: papel informativo da mídia, o conteúdo sexual veiculado pela mídia, sua influência na sexualidade do adolescente e relação entre mídia e a preservação do paradigma dominante. Os veículos midiáticos mais explorados nos estudos são a televisão e as revistas. Foi possível também identificar autores de relevância, tanto no âmbito nacional quanto internacional, bem como livros e periódicos de referência na área. Constatou-se a exígua produção acerca desta temática, principalmente quando comparado ao número de trabalhos abordando os temas adolescência e sexualidade, em especial em âmbito nacional.

Palavras-chave: adolescência, sexualidade, mídia.

ABSTRACT

This study had as objective identify to the existing production concerning the subjects adolescence, sexuality and media. To carry it out, surveys in international and national databases had been done, using related describing terms to the subject. In the joined references the subjects more investigated by its authors had been identified, being between them: informative rule of the media, the sexual content propagated by the media, its influence in the sexuality of the adolescent and relation between media and the preservation of the dominant paradigm. The media vehicles more explored in the studies are the television and the magazines. It was possible also to identify authors of relevance, as much in international as the national scope, as well as books and periodics that are reference in the area. It was evidenced the lack of production about of this thematic one, mainly when compared with the number of works approaching the subjects adolescence and sexuality, in special in national scope.

Key words: Adolescence, sexuality, media.

RESUMEN

Este trabajo tuvo como objetivo identificar la producción existente respecto a los temas adolescencia, sexualidad y medios de comunicación. Para ello, fueron realizados levantamientos en bases de datos internacionales y nacionales, utilizando términos descriptivos relacionados al asunto. En las referencias encontradas fueron identificados los temas más investigados por sus autores. Entre ellos están: rol informativo de los medios, el contenido sexual transmitido por los medios, su influencia en la sexualidad del adolescente y la relación entre los medios y la preservación del paradigma dominante. Los medios más explorados en los estudios fueron la televisión y las revistas. Fue posible también identificar autores de relevancia, tanto en el ámbito nacional como en el internacional, bien como libros y revistas de referencia en el área. Se constató la escasa producción sobre esta temática, principalmente cuando comparada al número de trabajos que abordan los temas adolescencia y sexualidad, en especial en el ámbito nacional.

Palabras-clave: adolescencia, sexualidad, medios de comunicación.

A presente revisão de literatura teve como objetivo identificar a produção nacional e internacional existente sobre os temas adolescência, sexualidade e mídia.

De ante mão é possível destacar que os levantamentos efetuados para esta revisão apontam para um exígua produção, tanto em âmbito nacional quanto internacional, a respeito da temática em questão. Tal constatação pode ser vista como um contra-senso quando diante dos dados de teorias e estudos realizados na área de adolescência, sexualidade e mídia. Como exemplo da importância do papel desempenhado pela mídia no cotidiano das pessoas, como produtora e difusora de idéias e valores na sociedade contemporânea, pode-se citar Medrado (1999), onde este afirma que:

Afonso (2001) desenvolveu uma pesquisa sobre adolescência e sexualidade onde entrevistas com adolescentes revelaram que, no que diz respeito a fontes de informação sobre sexualidade, as três fontes utilizadas com maior freqüência pelos jovens são: livros, amigos e revistas. Tal dado revela a representatividade dos meios de comunicação diante da transmissão de informações sobre sexualidade aos adolescentes. Cabe ressaltar que ao mesmo tempo em que informam, os veículos midiáticos constituem sujeitos através de seu discurso, sua ideologia, seus interesses e valores.

Tais dados corroboram o contra-senso, anteriormente citado, entre a importância e urgência da relação mídia, adolescência e sexualidade e o pequeno número de estudos científicos sobre essa temática. Com relação a esta exígua produção, é importante ressaltar que a produção nacional apresentou um número ainda menor de estudos quando comparada à produção internacional.

A realização de revisões de literatura possibilita a exibição de um panorama acerca de determinado assunto no que concerne à produção científica. Dessa forma, torna possível o conhecimento, pelos demais pesquisadores, do cenário científico, apontando os temas mais desenvolvidos, os periódicos de maior relevância, os autores de renome. O acesso a tais informações suscita contribuições ao meio acadêmico.

MÉTODO

O procedimento adotado para a obtenção dos dados necessários para os fins desta pesquisa compreendeu a realização de levantamentos em bases de dados nacionais e internacionais. O acesso às bases de dados consultadas foi via internet¹ 1 Psyclit e Banco de teses da Capes: www.periodicos.capes.org.br, Biblioteca Ana Maria Poppovic: www.fcc.org.br, Lilacs e Scielo: www.bvs-psi.org.br . Com relação à produção internacional, consultou-se a base PSYCLIT.

Para a realização destes levantamentos foram utilizadas as seguintes combinações de termos descritores: adolescent and sexuality and media, adolescence and sexuality and media, teenager and sexuality and media (e seus correspondentes na língua portuguesa). Em todas as bases de dados examinou-se o acervo completo até o ano de 2003, desta forma a pesquisa abrangeu todas as referências indexadas nessas bases de dados.

O primeiro passo foi a verificação do número de referências advindas das diferentes combinações de descritores. É importante esclarecer que durante esse processo de busca com diferentes descritores é freqüente a repetição de referências, sendo estas descartadas após um exame inicial.

As publicações capturadas foram registradas pela autora destacando: título da referência, tipo de trabalho (artigo, capítulo de livro, livro ou dissertação), país de origem do trabalho, autor, ano da publicação, periódico (quando artigo). Através do resumo dos trabalhos, foi possível verificar e registrar também os temas estudados, alguns aspectos metodológicos e os veículos midiáticos citados no estudo. Além disso, com o exame dos resumos pôde-se verificar que nem todas as referências diziam realmente respeito à temática em questão, tendo sido estas descartadas, assim como será possível verificar na seção destinada aos resultados e discussão.

Com relação à categorização dos temas, o procedimento adotado consistiu de uma primeira leitura dos resumos, por meio da qual pôde-se levantar os temas neles abordados. Em seguida, agrupou-se ao diversos temas em grandes categorias temáticas para, posteriormente, através de uma leitura mais aprofundada dos resumos, poder alocar cada referência nas respectivas categorias. No que diz respeito aos aspectos metodológicos, procedimento semelhante foi adotado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados serão apresentados em dois momentos: primeiramente os resultados concernentes à produção internacional, em um segundo momento os resultados a respeito da produção nacional.

Produção Internacional – Base de dados PSYCLIT (1872 – 2003)

Número de referências

A fim de proporcionar um panorama da produção de trabalhos sobre adolescência, sexualidade e mídia encontrados na base de dados PSYCLIT, será apresentada a relação da incidência de referências sobre esta temática com o número de referências encontradas sobre sexualidade e adolescência, mídia e adolescência.

Ao lançar unicamente a palavra adolescence na base dados PSYCLIT, visando o resgate dos trabalhos relacionados a esse assunto, 51207 referências foram elencadas. Quando utilizados os descritores adolescence and sexuality, foi encontrado um total de 1265 referências. Ao utilizar os descritores adolescence and media, 632 referências foram capturadas. Finalmente, lançando a seguinte combinação de palavras: adolescence and sexuality and media, encontraram-se 58 referências² 2 Este levantamento foi realizado no dia 11 de outubro de 2003, abrangendo os trabalhos indexados à base PSYCLIT até esta data. , sendo que nesta contagem já foram excluídas as referências que se repetiram dentro dos diferentes descritores.

Baseando-se nestes dados, chama atenção a escassez de referências sobre a temática em questão. Principalmente quando comparado ao universo de estudos sobre adolescência e sexualidade. Pode-se dizer que estudos sobre adolescência, sexualidade e mídia representam 0,11% dos estudos sobre adolescência e sexualidade.

No que diz respeito às 58 referências encontradas, foi possível identificar que, entre elas, 48 dizem realmente respeito à temática em questão, sendo estas as que serviram de base para a análise aqui apresentada.

Categorização das 48 referências

Das 48 referências analisadas, 23 são artigos, 14 são livros, 5 compreendem capítulos de livros e 6 são dissertações. Com relação ao país de origem dos trabalhos, os Estados Unidos da América são o país de origem em 42 das 48 referências. Dois trabalhos foram realizados no Canadá e a Índia, Israel, Holanda e Uganda aparecem com um trabalho cada.

Examinando os resumos, pôde-se identificar três autoras de destaque com relação à produção de conhecimento sobre adolescência, sexualidade e mídia. Tal relevância advém do número de estudos por elas realizados e por serem citadas em estudos de outros autores. As autoras são: Jane D. Brown, Laura W. Carpenter, Jeanne Rogge Steele. Todas possuem vinculação à Universidade da Carolina do Norte – EUA, o que destaca esta instituição dentre as demais.

No que concerne a periódicos de relevância na área encontrou-se, com significativa freqüência, artigos ou referências relacionados aos seguintes periódicos: Journal of Sex Research, Adolescence, Journal of Sex Education and Therapy, Journal of Youth & Adolescent e Youth and Society, sendo todos estadunidenses.

Foi possível, outrossim, identificar um livro como sendo de referência na área em questão: Sexual teens, sexual media: investigating media's influence on adolescent sexuality. Tendo como organizadoras Jane D. Brown, Jeanne R. Steele e Kim Walsh Childers, 2002, perfazendo um total de 14 capítulos distribuídos em 308 páginas.

Classificação das referências quanto ao tema de interesse e ao método

Por meio da análise dos resumos identificou-se que das 48 referências, 23 têm a temática adolescência, sexualidade e mídia como tema central de seu trabalho. As outras 25 referências abordam esta temática, mas não como tema de investigação central.

No que se refere às 23 referências que dedicam seu trabalho à temática em questão, foi possível identificar cinco categorias temáticas nas quais os trabalhos podem ser inseridos. As categorias temáticas identificadas serão apresentadas na seqüência, destacando alguns dos trabalhos pertencentes a cada uma delas.

Com relação ao método utilizado pelas pesquisas, foi possível levantar algumas questões apesar de, na maioria das vezes, este não ficar claro nos resumos dos trabalhos. Entretanto, o que será exposto permite uma noção da maneira como esta temática vem sendo abordada. A apresentação dos métodos utilizados por alguns trabalhos dar-se-á concomitantemente à apresentação das categorias temáticas.

Categorias temáticas e aspectos metodológicos

Este corresponde ao tema de maior interesse, enfatizando a influência da mídia em questões como: comportamento sexual, identidade sexual, atitudes, valores e crenças e questões de gênero.

Entre as referências enquadradas nesta categoria, é possível citar o artigo Mass media influences on sexuality (Brown, 2002), que através de uma revisão de literatura investiga a influência da mídia na sexualidade do adolescente, abordando o aumento do conteúdo sexual nas diversas mídias. A dissertação de Jeanne Rogge Steele, intitulada Adolescente sexuality: negotiating the influences os family, friends, school and the mass media, de 2000, discute como a mídia pode influenciar na formação da identidade sexual dos adolescentes, em seus valores e crenças sobre sexo e relacionamentos. Como método, a pesquisadora fez uso de grupos focais de discussão, entrevistas e reportagens de jornal. A autora menciona sua preocupação em considerar o contexto sócio-histórico-cultural em sua discussão.

No artigo Teenage sexuality and media practice: factoring in the influences of family, friends and school (Steele, 1999), assinado também por Jeanne Rogge Steele, propõem-se a discussão a respeito da relação entre as informações advindas de veículos midiáticos sobre amor, sexo e relacionamento e as informações sobre sexualidade aprendidas pelo adolescente em casa e com amigos. Esta pesquisa baseou-se em grupos focais e entrevistas com adolescentes entre 11 e 19 anos.

Podem ser encontrados também trabalhos que enfatizam uma influência extremamente negativa da mídia como, por exemplo, sua relação com o aumento de casos de violência sexual entre adolescentes, relatado no artigo Sexual violence among dates and acquaintances: trends and their implications for mariage and family, publicado em 1987 por Edward M Levine e Eugene J. Kanin. Assim como o artigo Suicidal tendencies in children and adolescentes, de 1986 que traz a entrevista com o professor de psiquiatria clínica C. R. Pfeffer, onde este aponta a violência veiculada pela mídia como um dos fatores de peso no aumento de casos de suicídio entre crianças e adolescentes.

Chama atenção em alguns trabalhos um discurso de cunho moralista utilizado pelos pesquisadores. É o caso, por exemplo, do artigo de Le Roy G. Schultz (1986), sob o título Enhancing adolescents' sexual development and feeling of self worth. Este consiste em um estudo teórico onde o autor conclama educadores sexuais e pais a combaterem as distorções que afetam o desenvolvimento sexual de adolescentes, devendo reconhecer o poder da mídia como uma influência negativa neste desenvolvimento. Defende que os profissionais devem colocar os valores pró-família à frente, tendo consciência de que a família é a fonte condutora do aprendizado sexual, cabendo à educação sexual um papel suplementar, onde é necessário tirar a ênfase na discussão sobre gravidez na adolescência e concentrar-se em ensinar formas de proteção a doenças sexualmente transmissíveis, ao abuso sexual e noções sobre planejamento familiar.

Este é o segundo tema mais freqüente. Os trabalhos relacionados a esta categoria discutem a importância e responsabilidade da mídia na transmissão de conhecimento sobre relacionamento, saúde reprodutiva, DST, HIV/AIDS, iniciação sexual, etc.

Com relação à mídia como fonte de informação a jovens, já em 1971, Gary Kelly escreveu o artigo Group guindance on Sex education, onde, através de discussões com grupos de adolescentes de camadas populares, pôde concluir que os estudantes obtêm a maioria das informações sobre sexualidade na mídia.

Dixie W. Banda (2000), em sua dissertação Adolescent sexuality and HIV/AIDS in Malawi: knowledge, attitudes and behavior of secundary school students, constatou, por meio de questionários e grupos de discussão com adolescentes, que a mídia, mais especificamente o rádio e a mídia impressa, é utilizada com freqüência pelos adolescentes como fonte de informação sobre sexualidade. Nesta mesma direção, podem ser citados outros dois trabalhos. O primeiro, o artigo Lessons learned: european approaches to adolescent sexual behavior and responsability, de Linda A. Berne e Barbara K. Huberman, publicado em 2000, apresenta um estudo onde são discutidos os fatores que contribuem para números menores de jovens grávidas e de DST entre adolescentes da França, Alemanha e Holanda, quando comparado aos números dentre os jovens estadunidenses. As campanhas publicitárias exibidas em veículos de comunicação e as estratégias de marketing utilizadas estavam entre as variáveis analisadas, destacando o papel da mídia como fonte de informação. Como método para esta pesquisa, as autoras contaram com especialistas em saúde do adolescente, estudantes de graduação e jovens jornalistas examinando os fatores que contribuem para estas baixas taxas, incluindo o exame das campanhas veiculadas pela mídia.

O segundo trabalho refere-se ao artigo escrito por Patrícia A. Flowers-Coulson, Mikhel A. Kushner e Susan Banhowski, de 2000: The information is out there, but is anyone getting it? Adolescent misconcepcions about sexuality education and reproductive health and the use of internet to get answers. Este artigo explorou o uso, por parte dos adolescentes, da intenet com o fim de solucionar suas dúvidas sobre sexualidade. Visando este objetivo, o método utilizado foi a visita ao site Campaign for our Children, que defende a abstinência sexual entre os 9 e os 14 anos, examinando as perguntas enviadas pelos adolescentes à seção Ask the expert, sobre sexualidade e saúde reprodutiva.

As referências aqui elencadas enfatizam questões relacionadas ao uso da mídia reforçando o paradigma dominante, perpetuando as diferenças e desigualdades de gênero, preservando o status quo, reproduzindo valores e crenças. Tratam também do aumento de conteúdo sexual na mídia, o erotismo e a pornografia.

O artigo From girls into women: scripts for sexuality and romance in Seventeen magazine, 1974 - 1994, (1998), de Laura W. Carpenter, através da análise de conteúdo, examina como uma revista teen aborda questões relacionadas à romance e sexualidade no decorrer de 20 anos. A autora destaca ainda o poder do discurso midiático reforçando normas sexuais e noções dominantes de gênero. A mesma pesquisadora, seguindo nesta mesma direção, publica outro artigo em 2001: The first time / das erstes mal: approaches to virginity loss in U.S. and German teen magazines. Neste, utilizando a análise de conteúdo etnográfica, Carpenter avalia histórias sobre a perda da virgindade em duas revistas teen: uma alemã e uma estadunidense. Segundo a autora, os editores de ambas revistas fazem recomendações similares a respeito do assunto porém, o editor alemão expõe os conselhos de maneira mais simpática e viável que o editor dos E.U.A.

Utilizando a televisão como veículo midiático para sua pesquisa, Monique L. Ward (1995), em seu artigo Talking about Sex: common themes about sexuality in the prim-time television programs children and adolescents view most, analisa o conteúdo de 12 programas de televisão preferidos pelas crianças e adolescentes. Com esta pesquisa, a autora tinha como intenção averiguar o que tais programas veiculam sobre sexualidade.

No tocante ao papel da mídia na preservação do paradigma dominante e no destaque dos papéis tradicionais de gênero, é possível citar, dentre outras, duas referências, sendo uma delas a dissertação de Bonnie Lee Macdondal (1999): Here's to you Mrs. Robinson: representations of sexual iniciation coming of age films and how they limit the imaginary domain of youth. Em seu trabalho a autora analisou filmes destinados a adolescentes que abordem a iniciação sexual, o que a possibilitou concluir que a maneira como a mídia aborda este tema reflete seu papel como mantenedora do paradigma dominante, desconsiderando a compreensão de igualdade sexual e de gênero. A outra referência em questão consiste no artigo Becoming a heterossexual adult: the expiriences of young women, de Janet S. Hyde e Sara R. Joffee (2000), onde, por meio de uma revisão de literatura, as autoras abordam a influência dos pares, pais, mídia e escola na transição da adolescência para a heterossexualidade adulta, destacando a função da mídia como encorajadora dos papéis tradicionais de gênero.

Esta categoria abrange as referências que destacam o freqüente uso da mídia pelos adolescentes na busca de informações sobre sexualidade, assim como a maneira como o adolescente aplica este conhecimento.

Neste sentido apresenta-se o texto Mass media and adolescent female sexuality, de Jane D. Brown e Susannah R. Stern (2002)³ 3 Este texto é um dos capítulos do livro Gina M. Wingood & Ralph J. Diclemente (Eds.) (2002). Handbook os women's sexual and reproductive health. Issues in women health. , no qual as autoras examinam o que os pesquisadores falam a respeito do conteúdo sexual veiculado pela mídia destinada a adolescentes do sexo feminino e sobre como tal conteúdo pode interferir no conhecimento sobre sexualidade das adolescentes, em suas atitudes e comportamentos. Da mesma forma, as pesquisadoras revisitam autores que discutem como tal conteúdo é interpretado e aplicado pelas jovens.

The sounds of Sex: Sex in teens' music and music videos, texto de Jeffrey J. Arnett (2002)⁴ 4 Compreende um dos capítulos do livro Jane D. Brown, Jeanne R. Steele & Kim Walsh Childers (Eds.) (2002). Sexual teens, sexual media: investigating media's influence on adolescent sexuality. , através de um levantamento bibliográfico, aborda o uso feito pelos adolescentes de vídeos e músicas teens, encontrando, dentre os mais citados, o uso para diversão, formação de identidade e enfrentamento.

Elaine Bell-Kaplan e Leslie Cole (2003), no artigo "I want to read stuff on boys": white, latina and black girls reading Seventeen magazine and encountering adolescence, avaliaram o que meninas, divididas em grupos de discussão e pertencentes a diferentes raças e condições sócio-econômicas, percebem sobre sua sexualidade e feminilidade através de uma revista destinada a adolescentes do sexo feminino. As autoras colocaram à disposição dos grupos de adolescentes (meninas entre 13 e 16 anos) diversas edições da Seventeen (revista estadunidense para adolescentes), para que as meninas, à medida que as folheassem, fizessem comentários a respeito do conteúdo da revista, estimuladas por perguntas realizadas pelas pesquisadoras. Como uma das conclusões, as pesquisadoras destacam a responsabilidade dos adultos com relação à necessidade de mudanças no que concerne ao conteúdo distorcido sobre a adolescência e a sexualidade das adolescentes veiculado pela mídia.

Apesar de alguns trabalhos terem utilizado como método o levantamento bibliográfico, destacar-se-á, nesta categoria, dois trabalhos que tiveram como objetivo principal a realização do estado da arte da relação entre mídia e adolescência.

Em 1986 foi publicado o artigo Discussion of media influences and other selected issues in adolescent psychology texts, de Lorry E. Greeson. Este teve como objetivo examinar o conteúdo presente em livros sobre psicologia do adolescente, verificando que dos 25 livros analisados, em apenas 12 foi encontrada a discussão sobre os efeitos da música e da mídia na adolescência. Concluiu-se, dessa forma, o quanto a relação entre mídia e adolescência era um assunto negligenciado pela psicologia na época.

Com o intuito talvez de preencher esta lacuna, o pediatra Victor C. Strasburger (1995) escreveu o livro Adolescents and the media: medical and psychological impact, onde, no decorrer dos sete capítulos, faz um estado da arte sobre os efeitos dos meios de comunicação sobre o comportamento e a psicologia dos adolescentes.

Produção nacional – Bases de dados: Biblioteca Ana Maria Poppovic (Fundação Carlos Chagas), LILACS, SCIELO e Banco de teses da CAPES

Número de referências

Em pesquisa à base de dados da biblioteca Ana Maria Poppovic, ao inserir os descritores adolescência, sexualidade e mídia, foram encontradas três referências, já com os descritores adolescência e mídia, seis e com adolescência e sexualidade, 168 referências foram citadas.

Consultando a base de dados LILACS, duas referências foram apresentadas diante dos descritores adolescência, sexualidade e mídia. Com adolescência e mídia, encontraram-se 16 e com os descritores adolescência e sexualidade apareceram 365 referências.

Na base de dados SCIELO foram encontradas seis referências sob os descritores adolescência e sexualidade, uma sobre adolescência e mídia e nenhuma com relação à adolescência, mídia e sexualidade.

No Banco de teses da CAPES, por sua vez, estavam registradas 80 referências sobre adolescência e sexualidade, 46 sobre adolescência e mídia e sete sob os descritores adolescência sexualidade e mídia⁵ 5 O levantamento nestas bases de dados aconteceu no dia 12 de outubro de 2003. .

Tais dados refletem a mesma questão discutida quando se expôs os resultados encontrados na PSYCLIT, ou seja, a negligência com relação ao tema adolescência, sexualidade e mídia, principalmente quando comparado ao número de estudos sobre adolescência e sexualidade.

Apresentação das referências

Das 12 referências encontradas, cinco têm relação direta com a temática em pauta. Destas, duas foram capturadas através do levantamento na base de dados da biblioteca Ana Maria Poppovic e as outras três no Banco de teses da CAPES. A apresentação das cinco referências encontradas nas duas bases de dados analisadas no momento, proceder-se-á de maneira distinta da realizada no levantamento da PSYCINFO. Tal fato justifica-se diante do pequeno número de referências sobre a temática em questão capturadas nestas bases e também devido à escassez de informações fornecidas pelos resumos, quando estes existiam, destes trabalhos.

A primeira, encontrada na biblioteca Ana Maria Poppovic, é uma produção da ECOS - Estudos e Comunicação em Sexualidade e Reprodução Humana - de1991, intitulada "Sexualidade na adolescência: educação e mídia", perfazendo 195 páginas. Esta consiste numa compilação de trabalhos apresentados no seminário de mesmo nome.

Ainda com relação a esta referência, seria importante destacar que Calazans (1999), através de uma análise da bibliografia brasileira sobre saúde sexual e reprodutiva do adolescente produzida e publicada no período entre os anos de 1990 e 1998, aponta a existência de cinco trabalhos sobre mídia, e todos eles fazem parte da produção da ECOS em questão. Destes cinco trabalhos, quatro examinam revistas nacionais destinadas ao público adolescente feminino, e um diz respeito a uma reflexão crítica sobre o papel "formatador" da mídia sobre a sexualidade dos adolescentes. Calazans (1999) observa que nenhuma das autoras dos trabalhos citados faz referências às outras.

A segunda referência que tem relação direta com a tríade adolescência, sexualidade e mídia é: "Anais Jovens na mídia: o desafio da AIDS" oriundo do Seminário os jovens na mídia: o desafio da AIDS, promovido pela organização não governamental ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância - em 2001, compreendendo 116 páginas.

As demais três referência, encontradas no Banco de teses da CAPES, compreendem duas dissertações e uma tese. A tese pertence à doutora Rosa Maria Bueno Fischer, da UFRS, defendida em 1996, sob o título: "Adolescência em discurso: mídia e produção de subjetividade." Esta trata dos discursos da mídia sobre adolescência, analisando os seguintes programas e veículos: Programa Livre, Confissões de Adolescente, revista Capricho e Folhateen. Tendo como fundamentação teórica o pensamento de Michel Foucault, a autora enfatiza o caráter pedagógico da mídia, afirmando que esta constrói o sujeito adolescente, uma vez que propõe regras, normas e práticas de constituição de si mesmo.

Na dissertação de Andréa Campos Padilha (2000), intitulada "Adolescência e mídia: processos de objetivação e subjetivação", é realizada uma análise da interação discursiva entre profissionais de saúde e adolescentes, efetuada através de uma análise de textos. A pesquisadora, utilizando também Michel Foucault como referencial teórico, analisa as seções de aconselhamento, onde são, segundo ela, apresentadas as possibilidades e restrições para a vida de um adolescente.

E por último, Cesar Augusto de Oliveira, em sua dissertação "Adolescentes reagentes, identificação e amor fanático – uma contribuição ao estudo da adolescência", defendida em 1989 na PUC-SP, analisa as reações psicológicas de adolescentes do sexo feminino com relação ao grupo musical Menudo. Segundo este autor, o trabalho da mídia para vender seus produtos fonográficos consiste em atingir o imaginário feminino adolescente através de sua falha constitucional ao mesmo tempo em que fortalece suas concepções, baseando-se nos ideais aprovados culturalmente.

Não é possível informar, com maior precisão, dados exatos com relação a aspectos metodológicos, nem mesmo com relação aos veículos midiáticos citados, uma vez que tais informação não estavam disponíveis na maior parte dos resumos.

Apesar de não estarem presentes nas bases de dados consultadas, além dos trabalhos citados acima, podem ser indicados outros pesquisadores e grupos brasileiros que se dedicam ao estudo, principalmente, do tema mídia, sendo possível em alguns de seus trabalhos encontrar a relação entre mídia, adolescência e sexualidade. Entre estes, encontram-se: o Grupo de Estudos e Representações Sociais do Instituto de Psicologia da PUC do Rio Grande do Sul, tendo como expoente o Prof. Pedrinho A Guareschi; a linha de pesquisa Mídia e Processos de Significação do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos no Rio Grande do Sul; o psicólogo Benedito Medrado, um dos coordenadores do Programa de Apoio ao Pai (PAPAI/UFPE).

Vale ressaltar também o papel da ONG ANDI na realização de pesquisas enfocando o papel da mídia e sua relação com a garantia dos direitos das crianças e adolescentes. Além da produção citada anteriormente, é possível destacar os livros: "A mídia como consultório? Uma análise técnica e jornalística das perguntas e respostas sobre saúde e comportamento veiculadas na mídia impressa", de 2002; e "Remoto controle: linguagem, conteúdo e participação nos programas de televisão para adolescentes", de 2004.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização desta pesquisa foi possível detectar a exígua produção, tanto nacional quanto internacional, de trabalhos sobre adolescência sexualidade e mídia. No Brasil esta disparidade parece ser ainda maior. Tal fato é um contra-senso por saber-se, inclusive por intermédio dos trabalhos analisados nesta pesquisa, da ampla participação da mídia destinada ao público adolescente.

Entretanto, este levantamento permitiu vislumbrar que o interesse por esta temática vem aumentando no decorrer dos anos. Das 12 referência nacionais encontradas, uma pertence ao final da década de 80, quatro à década de 90, as outras sete foram publicadas entre os anos 2000 e 2003. Com relação à produção internacional, a grande concentração de pesquisas ocorre entre 2000 e 2003, somando-se 29 trabalhos. Na década de 90 têm-se 15 estudos, na década de 80 são nove e na década de 70 apenas um. Tal fato pode apontar um crescimento no interesse de pesquisadores para com essa área até então negligenciada no meio acadêmico.

Outro fato curioso diz respeito à esmagadora maioria de pesquisadoras do sexo feminino quando se trata de temática em pauta. Nas referências analisadas na PSYCLIT é possível encontrar 42 autoras contra 21 autores, vale ressaltar que um mesmo estudo pode ser assinado por mais de um pesquisador. Nas bases nacionais também foi verificada a prevalência de pesquisadoras do sexo feminino. A princípio pode ser mera especulação, mas à guisa de reflexão pode ser interessante: temas negligenciados, talvez por serem considerados de menor importância, a cargo de pesquisadoras do sexo feminino. Contudo, outra reflexão pode ser feita, que seria o crescimento da participação das mulheres em pesquisas científicas, no meio acadêmico.

Trabalhos internacionais dão ênfase à influência da mídia sobre a sexualidade adolescente, bem como ao papel informativo dos veículos midiáticos, entretanto, pouco se discute sobre o uso que os adolescentes fazem da informação oriunda da mídia, a leitura que dela fazem e sua aplicação no cotidiano; evidência também encontrada em alguns dos trabalhos nacionais examinados. O fato de salientarem o termo "influência" denuncia o viés através do qual os pesquisadores conduzem seus estudos. A utilização imperiosa deste termo não abre espaço para uma discussão que abranja o outro lado da história, da mídia que ao mesmo tempo que participa da constituição de sujeitos é também por eles constituída.

Sentiu-se falta também de trabalhos voltados para a busca de aperfeiçoamento e da melhor utilização dos veículos midiáticos voltado para o público adolescente, visando uma produção qualificada e que contribua de maneira crítica na constituição do sujeito.

A realização desta pesquisa pôde ressaltar a relevância de estudos de revisão de literatura, mesmo que estes não sejam exaustivos, no sentido de promoverem um panorama da produção científica sobre determinado tema, bem como abrindo a visão para novas perspectivas dentro de um campo de trabalho.

Recebido em 14/10/2005

Aceito em 28/11/2006

Datas de Publicação

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