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Amiloidose macular de localização atípica

Resumos

A amiloidose macular é uma forma cutânea primária de amiloidose, caracterizada tipicamente por máculas acastanhadas, acometendo predominantemente a região interescapular. O presente caso é o de uma mulher de 45 anos, há um ano com manchas hipercrômicas, rendilhadas e não pruriginosas, em membros superiores, região cervical, sacral e membros inferiores. No estudo histopatológico da biópsia de pele, foi evidenciada substância amiloide amorfa no topo das papilas dérmicas, que se tornou mais evidente após a coloração pelo vermelho Congo. Não havia alterações sistêmicas associadas. Além da localização atípica e extensa da amiloidose cutânea macular, o presente caso procura acrescentar dados para esclarecimento do tema

Amiloidose; Hiperpigmentação; Vermelho Congo


Macular amyloidosis is a form of cutaneous amyloidosis characterized by dusky-brown lesions usually located on the upper back between the shoulder blades. This report describes the case of a 45year-old female presenting with hyperpigmented macules and lace-like, non-pruritic erythema in the sacral and cervical region as well as on both arms and legs. Histology revealed amyloid deposits in the papillary dermis which exhibited apple-green birefringence after Congo red staining. There were no systemic findings. This is a case of macular amyloidosis with an unusual presentation. The literature on the subject is also reviewed

Amyloidosis; Congo Red; Hyperpigmentation


CASO CLÍNICO

Amiloidose macular de localização atípica* * Trabalho realizado no Centro de Dermatologia Dona Libânia - Fortaleza (CE), Brasil.

Bárbara Lima Araújo MeloI; Igor Santos CostaII; Clara de Assis Martins GoesIII; Celina Aguiar Frota TigreIII; Nara Frota AndréIV

IMédica dermatologista - Assistente do Centro de Dermatologia Dona Libânia - Fortaleza (CE), Brasil

IIMédico patologista - Preceptor da Residência em Dermatologia do Centro de Dermatologia Dona Libânia - Fortaleza (CE), Brasil

IIIMédicas-residentes de Dermatologia do Centro de Dermatologia Dona Libânia - Fortaleza (CE), Brasil

IVAcadêmica de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE) - Fortaleza (CE), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Nara Frota André Rua Pedro I, 1.033 Centro Fortaleza (CE) - Brasil 60035 101 E-mail: nara_frota@yahoo.com.br

RESUMO

A amiloidose macular é uma forma cutânea primária de amiloidose, caracterizada tipicamente por máculas acastanhadas, acometendo predominantemente a região interescapular. O presente caso é o de uma mulher de 45 anos, há um ano com manchas hipercrômicas, rendilhadas e não pruriginosas, em membros superiores, região cervical, sacral e membros inferiores. No estudo histopatológico da biópsia de pele, foi evidenciada substância amiloide amorfa no topo das papilas dérmicas, que se tornou mais evidente após a coloração pelo vermelho Congo. Não havia alterações sistêmicas associadas. Além da localização atípica e extensa da amiloidose cutânea macular, o presente caso procura acrescentar dados para esclarecimento do tema.

Palavras-chave: Amiloidose; Hiperpigmentação; Vermelho Congo

INTRODUÇÃO

A amiloidose macular (AM) foi descrita pela primeira vez em 1952 por Palitz e Peck1.1 A patogenia é desconhecida, mas muitos fatores de risco foram descritos, como UVB, Epstein-Barr vírus, raça, predisposição genética e atopia. O uso de toalha de nylon ou escova na pele também tem sido citado como fator de desenvolvimento da amiloidose macular.

Inicia-se, geralmente, na puberdade, com frequência igual entre os sexos.2 Além disso, também pode estar associada a esclerose progressiva sistêmica, lúpus eritematoso sistêmico, paquioníquia e outras doenças sistêmicas.2

As lesões caracterizam-se por manchas acastanhadas rendilhadas e a localização mais comum é o dorso superior, sendo rara nos braços, tórax e membros inferiores.3

A histopatologia típica apresenta depósito de material amorfo de substância amiloide na derme papilar entre os cones interpapilares e, frequentemente, também ocorrem focos de incontinência pigmentar nesta mesma localização. A substância amiloide, quando corada com o vermelho Congo e vista em luz polarizada, evidencia nítida birrefringência. A imunofluorescência direta pode mostrar depósitos de IgG, IgM e C3 na substância amiloide.4

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 45 anos, parda, dona de casa, iniciou acompanhamento dermatológico referindo lesões escuras não pruriginosas em membros superiores, região cervical, dorso inferior e membros inferiores há cerca de um ano. Ao exame dermatológico, constataram-se máculas acastanhadas rendilhadas e irregulares em face extensora de membros superiores, região cervical posterior, região sacral e membros inferiores. A paciente não apresentava queixas sistêmicas e seu exame físico não apresentava alterações além das descritas.

No estudo histopatológico da lesão cutânea, observou-se quantidade significativa de substância amiloide na derme papilar, que foi melhor evidenciada na coloração pelo vermelho Congo, além de focos de incontinência pigmentar, finalizando assim o diagnóstico. Foram solicitados os seguintes exames complementares com respectivos resultados: Hemoglobina: 13,8 Leucócitos: 4.380 (52%/ 1%/ 36%) Plaquetas: 201.000, Creatinina: 0,6 Fosfatase alcalina: 200 Ureia: 20 Glicemia: 105 TGO: 29 TGP: 43 Proteínas totais: 7,2 Relação albumina/globulina: 1,43 Eletroforese de proteínas com Albumina: 4,25 Alfa 1 globulina: 0,22 Alfa 2 globulina: 0,56 Beta 1 globulina: 0,40 Beta 2 globulina: 0,40 Gama globulina:1,37.

Comprovada a ausência de comprometimento sistêmico, foram instituídos fotoproteção tópica e acompanhamento clínico.

DISCUSSÃO

As amiloidoses podem ser sistêmicas e localizadas. As formas de maior interesse dermatológico são as amiloidoses localizadas cutâneas primárias, que compreendem a amiloidose macular (AM), o líquen amiloidótico e a amiloidose nodular.

Amiloidose macular é uma forma cutânea primária, que se caracteriza por manchas hiperpigmentadas com localização no dorso superior, principalmente na área interescapular.3 Este caso é um exemplo de uma forma atípica e extensa, de localização em membros superiores e inferiores simetricamente, além de acometimento da região sacral e cervical posterior (Figuras 1, 2, 3 e 4). No estudo histopatológico, a presença de depósito de material amiloide nas papilas dérmicas, próximo à camada basal da epiderme, completa o diagnóstico (Figura 5). Além disso, também há leve incontinência pigmentar, que resulta na hiperpigmentação observada clinicamente.6






Há diferenças étnicas marcantes na incidência da amiloidose cutânea primária (ACP). É mais comum na América do Sul e nos países asiáticos do que na América do Norte e em países europeus. Isso pode implicar fatores genéticos, ambientais e até mesmo culturais na prevalência da ACP.7 Existe predominância no sexo feminino para esse tipo de amiloidose, principalmente na faixa etária de 21 a 50 anos, sugerindo que fatores hormonais estariam envolvidos na etiopatogenia da ACP.2 A paciente estudada é sul-americana e encontra-se nesta faixa etária.

Existe uma forte associação entre amiloidose cutânea localizada e notalgia parestésica.8 A maioria dos casos de AM em região interescapular é atribuída a esta síndrome.9 A paciente em questão, no entanto, negava prurido nas lesões e exibia as máculas em localizações atípicas, como já descrito anteriormente. Além disso, o prurido, frequentemente comum nas ACP, pode não estar presente na forma macular, como demonstrado neste caso.

Ocasionalmente, a amiloidose macular e o líquen amiloide podem coexistir em um mesmo paciente, contribuindo para o conceito de amiloidose bifásica. Existem ainda relatos de raras formas maculares hipocrômicas e poiquilodérmicas.4

Ressalte-se ainda que, em casos de lesões cutâneas extensas ou nodulares, é importante a avaliação sistêmica que, na paciente citada, não evidenciou alterações significativas. Esta investigação é importante, principalmente pela associação da amiloidose com mieloma múltiplo.10

Geralmente, o tratamento das amiloidoses cutâneas é desapontador. A maioria dos casos pode ser tratada usando-se corticoides tópicos potentes, normalmente em curto tempo. Calcipotriol ou fototerapia são similares, de uso limitado.11, 12 Há relato de melhora da pigmentação com o uso tópico do dimetilsulfóxido, mas, com sua suspensão, retornou-se ao quadro inicial, mostrando não ser um tratamento efetivo na ACP.13

Resultados encorajadores foram reportados com o uso do Q-switched Nd:YAG laser (1064-532 nm), com redução significativa da pigmentação, que é, normalmente, considerada como o aspecto mais incômodo da amiloidose macular pelos pacientes. Não foram observados efeitos colaterais e os pacientes toleraram bem a dor da aplicação do laser. No entanto, o seguimento pós-tratamento foi de apenas 2 meses e o surgimento de possíveis efeitos colaterais, como hipopigmentação residual, não foram identificados, principalmente em pacientes com fototipo 5 ou 6, que necessitariam de seis meses de acompanhamento após as múltiplas sessões de laser. Além disso, estudos complementares com exames histológicos pós-tratamento seriam necessários.14 No presente caso, a conduta foi fotoproteção, hidratação e acompanhamento clínico.

Este estudo de caso mostra uma forma de apresentação atípica da amiloidose macular, pela localização e extensão das lesões. Além disso, por meio dele, pode-se observar a necessidade de estudos que contribuam para a elucidação da etiopatogenia da ACP, de modo que se possa encontrar um tratamento efetivo para este tipo de amiloidose cutânea.

Recebido em 18.11.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 21.12.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

  • 1
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  • 2
    Abbas R, Alireza K, Saeid MJ. Report Macular amyloidosis: An assessment of prevalence, sex, and age. Int J Dermatol. 2004;43:898-99.
  • 3
    Breathnach SM. Amyloidosis of the skin. In: Freedberg IM, Eisen AZ, Wolff K, Austen KF, Goldsmith LA, Katz SI, Fitzpatrick TB, editors. Fitzpatrick's Dermatology in General Medicine. 5th ed. New York: Mc Graw Hill Inc; 1999. p.1760-63.
  • 4
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  • 5
    Sampaio, SAP, Rivitti, EA. Dermatologia. 3rd ed. São Paulo: Artes Médicas; 2007. p.895-98.
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  • 7
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  • 9
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  • 10
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  • 11
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  • Endereço para correspondência:
    Nara Frota André
    Rua Pedro I, 1.033 Centro
    Fortaleza (CE) - Brasil 60035 101
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Centro de Dermatologia Dona Libânia - Fortaleza (CE), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Nov 2010
    • Aceito
      21 Dez 2010
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