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Mucinose Folicular: revisão da literatura e relato de um caso

Resumos

A mucinose follicular (MuF), também chamada de alopecia mucinosa, é mucinose cutânea caracterizada pelo acúmulo de mucina no folículo pilossebáceo. As mucinoses têm duas formas de apresentação: uma idiopática ou primária, e outra sintomática ou associada a diversos processos benignos e malignos. Os autores apresentam um caso de mucinose folicular primária e fazem breve revisão do assunto. Trata-se de uma paciente de 26 anos de idade, com placa eritematosa recoberta por fina descamação, alopécica e localizada no supercílio direito. Após seis meses, sem qualquer tratamento, houve resolução espontânea da lesão. A paciente permaneceu durante 12 meses em controle ambulatorial sem que se evidenciasse qualquer sinal de recidiva.

linfoma; mucinose folicular; mucinoses


Follicular mucinosis, also known as alopecia mucinosa, is a cutaneous mucinosis characterized by mucin accumulation predominantly in the pilosebaceous follicle. Two forms are distinguished: an idiopathic, or primary form, which is benign and without associated disease, and a symptomatic form associated with lymphoproliferative disorder, most commonly the cutaneous T-cell lymphoma mycosis fungoides. The authors present a new case of the disease and a brief review of the literature. The patient was a 26-year-old female with an asymptomatic plaque of erythema and scaling with alopecia on her right eyebrow. The lesion resolved spontaneously six months later. We have followed the patient over twelve months without relapse.

lymphoma; mucinosis, follicular; mucinoses


CASO CLÍNICO

Mucinose Folicular: revisão da literatura e relato de um caso* Endereço para correspondência Antônio de Pádua Marques da Fonseca Rua Eliseu Martins N. 1482 Teresina - Piauí 64000-120 Tel.: (86) 221-6154

Antônio de Pádua Marques da Fonseca; Sebastião Honório Bona; Wanda Silveira M. da Fonseca; Francisco Soares Campelo; Prisco Medeiros de Melo Rego

Professor Adjunto da Disciplina de Dermatologia da Universidade Federal do Piauí

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Antônio de Pádua Marques da Fonseca Rua Eliseu Martins N. 1482 Teresina - Piauí 64000-120 Tel.: (86) 221-6154

RESUMO

A mucinose follicular (MuF), também chamada de alopecia mucinosa, é mucinose cutânea caracterizada pelo acúmulo de mucina no folículo pilossebáceo. As mucinoses têm duas formas de apresentação: uma idiopática ou primária, e outra sintomática ou associada a diversos processos benignos e malignos. Os autores apresentam um caso de mucinose folicular primária e fazem breve revisão do assunto. Trata-se de uma paciente de 26 anos de idade, com placa eritematosa recoberta por fina descamação, alopécica e localizada no supercílio direito. Após seis meses, sem qualquer tratamento, houve resolução espontânea da lesão. A paciente permaneceu durante 12 meses em controle ambulatorial sem que se evidenciasse qualquer sinal de recidiva.

Palavras-chave: linfoma; mucinose folicular; mucinoses.

INTRODUÇÃO

A mucinose folicular (MuF) é dermatose relativamente rara, pertencente ao grupo das mucinoses cutâneas, isto é, um conjunto de entidades clínicas de morfologia e etiopatogenia variadas, cujo denominador comum é representado por depósitos localizados ou difusos de mucina na pele ou nos folículos pilosos.1 Tem duas formas de apresentação: uma idiopática ou primária, e outra sintomática ou associada a diversos processos benignos e malignos.2

Relata-se, a seguir, um caso de MuF primária estudado no Serviço de Dermatologia da FUFPI, destacando sua clínica, histopatologia e tecendo algumas considerações sobre a entidade.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, faiodérmica, 26 anos de idade, sem antecedentes pessoais e familiares de interesse, procurou o ambulatório de dermatologia pelo aparecimento de lesão cutânea de seis meses de evolução, assintomática e localizada no terço interno do supercílio direito.

Ao exame dermatológico evidenciou-se placa eritematosa, levemente infiltrada, de configuração circular, muito bem delimitada e medindo aproximadamente três centímetros de diâmetro. A superfície da lesão mostrava-se recoberta por fina descamação e exibia poros foliculares dilatados e desprovidos de pêlos (Figura 1).


A exploração da sensibilidade no interior da placa demonstrou diminuição das sensibilidades tátil, dolorosa e ao frio, mas com sensibilidade aumentada ao calor.

O exame anatomopatológico da lesão cutânea corada pela hematoxilina-eosina (HE) mostrou discreta ortoceratose, espongiose, degeneração cística com vacuolização do epitélio folicular e moderado infiltrado inflamatório, constituído principalmente por linfócitos e histiócitos e, em menor número, por plasmócitos e eosinófilos, e de localização perifolicular predominante (Figura 2). Mediante coloração pelo alcian blue os espaços císticos adquiriram uma tonalidade azulada, confirmando a presença de mucina em seu interior (Figura 3) e, conseqüentemente o diagnóstico de MuF.



A evolução do quadro, sem realizar qualquer tipo de tratamento, foi para resolução progressiva da lesão, com desaparecimento completo da mesma seis meses após a consulta inicial.

DISCUSSÃO

Em 1957, Pinkus3 descreveu uma nova entidade dermatológica, sob a denominação de alopecia mucinosa, apresentando a observação de seis pacientes portadores da nova enfermidade. Porém, como a alopecia só é clinicamente evidente quando se encontram acometidas áreas cutâneas com pêlo terminal, parece ser mais adequada a designação MuF, proposta em 1959 por Jablonska Chorzelski e Lancucky,4 e adotada pela maioria dos autores que se ocuparam do assunto.1,5

A MuF tem sido observada em todas as raças, em todas as idades e igualmente em ambos os sexos.1

Sua causa permanece desconhecida,6 mas a tendência atual é considerá-la um padrão de reação do epitélio folicular a diversas noxas.5 Os estudos de microscopia eletrônica efetuados por Ishibashi7 parecem confirmar que a mucina presente no folículo e na glândula sebácea procede de células epiteliais alteradas dessas estruturas.

O aspecto objetivo é, na descrição de Rabello,8 o de "placas planas ou elevadas, de coloração rósea ou vermelho-violácea, por vezes escamosas ou ceratósicas, edematosas ou infiltradas, com ou sem prurido; sobre essas placas, poros pilossebáceos abertos, pequenas pápulas foliculares e áreas de alopecia". Entretanto, convém salientar que essa forma de apresentação clínica nem sempre é tão típica, ocorrendo variantes que compreendem desde formas nodulares9 a outras que simulam foliculites,10 alopecia areata,11 alopecia cicatricial,12 eczema crônico,13 lesões acneiformes,14 urticária15 e formas eritrodérmicas inclusive.16 Menção especial deve ser feita à chamada linfocitose de células T foliculotrópica, forma de mucinose folicular pobre em mucina que exibe infiltrado celular constituído por linfócitos T, comprometendo todos os folículos associados a hiperceratinização, espongiose e hiperplasia folicular na ausência de deposição de mucina. O achado de linfócitos típicos sem agredir o folículo piloso, bem como o estudo imuno-histoquímico, ajuda a distingui-la do linfoma de células T foliculotrópico. Tal entidade pode seguir curso indolente ou evoluir para linfoma de células T foliculotrópico, micose fungóide ou linfoma anaplásico.17 Dignos de consideração, também, são os freqüentes relatos de disestesias no nível das eflorescências consistentes em diminuição das sensibilidades tátil, dolorosa e ao frio, mas com sensibilidade aumentada ao calor.10,18,19,20 No caso relatado, os autores tiveram igualmente a oportunidade de observar esses fatos.

A classificação da MuF foi ampliada recentemente para incluir três formas:21

1. primária, de curta evolução;

2. primária, de curso prolongado;

3. secundária, associada a outros processos.

A primeira, mais comum e benigna, acomete crianças e adultos jovens com uma a duas lesões limitadas à cabeça e ao pescoço, que curam espontaneamente num período de tempo compreendido entre dois meses e dois anos, e que, em geral, não recidivam. Na segunda forma, que ocorre em pacientes de idade ligeiramente superior à do grupo precedente, as lesões são mais numerosas, algo disseminadas, tendo como sítios de predileção a face, o tronco e extremidades. A despeito do curso acentuadamente crônico com recidivas durante vários anos, o prognóstico é, invariavelmente, benigno. A terceira variedade, que habitualmente incide entre os 40 e os 70 anos de idade, apresenta-se como múltiplas placas generalizadas, infiltradas, associadas a linfomas de células T, especialmente micose fungóide. A freqüência com que surgem linfomas em pacientes com MuF é muito variável, uma vez que os critérios adotados nas distintas séries não são uniformes. Assim, Coskey e Mehregan21 detectaram linfoma em sete de 50 pacientes com MuF ou 14%; Emmerson,22 em oito de 47 ou 17%; Logan e Headington,23 em 21 de 80 ou 26%; Mehregan et al. cols.,24 em nove de 33 ou 27,2%; Gibson et al cols.,9 em 19 de 59 ou 32%. Por outro lado a frequência de MuF em pacientes com linfoma cutâneo não tem sido devidamente apreciada na literatura. Marti et al. cols.25 a encontraram em cinco de 43 pacientes ou 11%.

A imagem histopatológica é caracterizada por degeneração mucinosa na bainha externa do folículo piloso e da glândula sebácea.6 Notam-se depósito de mucina intercelular e alterações das células epiteliais, que se mostram fusiformes ou estreladas, assemelhando-se a células embrionárias ou fibroblastos. Isso pode ser seguido pela formação de espaços císticos parcialmente cobertos de mucina.10 O infiltrado inflamatório na forma primária de MuF é perivascular e perifolicular,1 possui intensidade variável e é constituído por linfócitos, histiócitos e eosinófilos.22

A diferenciação em bases puramente histológicas entre a MuF primária e a MuF associada com linfoma pode ser impossível. Geralmente, entretanto, a presença de um grande número de eosinófilos no infiltrado inflamatório e alterações mucinosas marcadas no epitélio folicular falam em favor de uma forma benigna, enquanto a presença de epidermotropismo linfocitário e de denso infiltrado perifolicular de células atípicas apontam para MuF associada a linfoma.1

Ante uma placa de alopecia com folículos proeminentes e alterações inflamatórias mínimas, deve-se pensar no diagnóstico de MuF.26 A alopecia, malgrado seu caráter inconstante, tem enorme valor diagnóstico e deve ser pesquisada sistematicamente, sobretudo no couro cabeludo e nos supercílios. Contudo, parece não existir nenhum achado clínico dermatológico que permita afirmar com segurança que um caso é de MuF primária ou de MuF associada com linfoma.9 Repetidos exames clínicos e histopatológicos são necessários para consecução desse objetivo.

Antes de instituir qualquer tratamento, é conveniente levar em consideração a possibilidade de regressão espontânea nas formas idiopáticas. Caso isso não aconteça, pode-se recorrer a uma das diversas modalidades terapêuticas empregadas por diferentes autores com resultados variáveis: corticóides tópicos, intralesionais ou sistêmicos,6 dapsona,26 Puva27 interferons,28 radioterapia superficial22,30 e minociclina.31 Nas formas secundárias, a terapêutica deverá ser orientada para doença subjacente.32 No caso relatado, como já referido, não foi prescrita qualquer medicação específica para a lesão cutânea, que apresentou regressão espontânea após seis meses.

CONCLUSÃO

A paciente em questão representa um caso típico de MuF primária, tanto em sua morfologia como em sua topografia, idade de apresentação e evolução. O diagnóstico diferencial fez-se num primeiro momento com a hanseníase tuberculóide, sobretudo pela presença de disestesias no nível da lesão e posteriormente com a sarcoidose e lúpus eritematoso, diagnósticos que foram descartados ao realizar-se o exame anatomopatológico, que mostrou-se característico de MuF.

Finalizando, os autores chamam atenção para a necessidade de avaliação dermatológica periódica dos pacientes com MuF, pela possibilidade de eles desenvolverem posteriormente um linfoma. Assim, a paciente aqui descrita está tendo seguimento ambulatorial mensal, encontrando-se no final do primeiro ano de acompanhamento, sem apresentar sinais dessa eventualidade.

Recebido em 25.05.2001.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 23.03.2002.

* Trabalho realizado na Disciplina de Dermatologia da Universidade Federal do Piauí.

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  • Endereço para correspondência
    Antônio de Pádua Marques da Fonseca
    Rua Eliseu Martins N. 1482
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    Tel.: (86) 221-6154
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Aceito
      23 Mar 2002
    • Recebido
      25 Maio 2001
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