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Complicações da cateterização arterial em crianças

Complications of arterial cathetherization in children

Resumos

A cateterização da artéria radial para fins de monitorização em crianças graves, vem sendo utilizado cada vez com maior freqüência em unidades de cuidados intensivos pediátricos e, muitas vezes, a sua presença é imprescindível, como nos casos de choque e pós-operatório de cirurgia cardíaca, entretanto há poucas publicações em nosso meio a respeito do assunto. OBJETIVO: Analisar as complicações da cateterização da artéria radial para fins de monitorização no pós-operatório de cirurgia cardíaca em crianças. MÉTODOS: Estudamos as complicações deste procedimento em 120 crianças em pós-operatório de cirurgia cardíaca, com idades entre um mês e dois anos. As crianças foram cateterizadas por punção percutânea (n = 67) e por dissecação (n = 63). Foram analisadas as seguintes complicações, em relação à técnica utilizada e ao tempo de permanência do cateter: infecção local, hemorragia, isquemia, obstrução do cateter e perda acidental do cateter. RESULTADOS: A presença de infecção, isquemia e hemorragia foram maiores e estatísticamente significantes nos pacientes submetidos à dissecção, enquanto que a obstrução e a perda acidental do cateter foram semelhantes em ambos os grupos. Todos os casos de infecção ocorreram após 72 horas da cateterização e a freqüência de hemorragia e isquemia foi maior nas primeiras 72 horas. CONCLUSÃO: As principais complicações deste procedimento estão relacionadas à técnica utilizada, ao tempo de permanência do cateter e às características do paciente.

Cateter arterial; Pressão arterial; Pós-operatório; Cirurgia cardíaca; Monitorização invasiva


The radial artery catheterization with the purpose of children's monitoring has been more and more used in Pediatric Intensive Care Units, and many times, is use is indispensable, like in cardiac surgery post-operative cases. However, there are only a few articles on the subject among us. PURPOSE: To analyse the complications of radial artery cathetherization in the post-operative of cardiac surgery in children. METHODS: We studied the complications of this procedure in 120 children in cardiac surgery post-operative range from 1 month to 2 years. The children were catheterized by pecutaneous technique (n = 67) and by cutdown technique (n = 53). The following complications were analysed in relation to the placement time of the catheter and the used technique: local infection, hemorrhagic complication, ischemia, catheter occlusion and accidental catheter displacement. RESULTS: Infection, ischemia and hemorrhage were more frequent and statistically significant in patients submitted to cutdown technique, while the catheter occlusion and accidental displacement were similar in both groups. The placement time of the catheter was an important variable in our study. All of the other infection cases occurred after 72 hours of the catheterization and the frequency of hemorrhage and ischemia was higher in the first 72 hours. CONCLUSION: The main complications of this proceeding are related to the technic utilazed , time of utilization of the catheter and to the characteristics of the patients.

Arterial catheter; Arterial pressure; Post operative; Cardiac surgery; invasive monitoring


Comunicação

Complicações da cateterização arterial em crianças

N. de Souza, A.C.C. Carvalho, W.B. de Carvalho, R.L. de Souza, N.F. de Oliveira

Unidade de cuidados intensivos pediátricos da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP.

RESUMO

A cateterização da artéria radial para fins de monitorização em crianças graves, vem sendo utilizado cada vez com maior freqüência em unidades de cuidados intensivos pediátricos e, muitas vezes, a sua presença é imprescindível, como nos casos de choque e pós-operatório de cirurgia cardíaca, entretanto há poucas publicações em nosso meio a respeito do assunto.

OBJETIVO: Analisar as complicações da cateterização da artéria radial para fins de monitorização no pós-operatório de cirurgia cardíaca em crianças.

MÉTODOS: Estudamos as complicações deste procedimento em 120 crianças em pós-operatório de cirurgia cardíaca, com idades entre um mês e dois anos. As crianças foram cateterizadas por punção percutânea (n = 67) e por dissecação (n = 63). Foram analisadas as seguintes complicações, em relação à técnica utilizada e ao tempo de permanência do cateter: infecção local, hemorragia, isquemia, obstrução do cateter e perda acidental do cateter.

RESULTADOS: A presença de infecção, isquemia e hemorragia foram maiores e estatísticamente significantes nos pacientes submetidos à dissecção, enquanto que a obstrução e a perda acidental do cateter foram semelhantes em ambos os grupos. Todos os casos de infecção ocorreram após 72 horas da cateterização e a freqüência de hemorragia e isquemia foi maior nas primeiras 72 horas.

CONCLUSÃO: As principais complicações deste procedimento estão relacionadas à técnica utilizada, ao tempo de permanência do cateter e às características do paciente.

UNITERMOS: Cateter arterial. Pressão arterial. Pós-operatório. Cirurgia cardíaca. Monitorização invasiva.

INTRODUÇÃO

A cateterização arterial periférica tem sido um procedimento utilizado com freqüência em pacientes graves, por se tratar de um método facilmente realizável pelo clínico, principalmente quando realizada por punção, e que permite a obtenção rápida, e com certa margem de segurança, da pressão arterial média, bem como facilita a coleta de amostras de sangue para exames laboratoriais (Bedford,1990)1. É um procedimento bastante difundido em serviços de cuidados intensivos de adultos e que vem sendo empregado cada vez com maior freqüência em crianças, podendo ser realizado mesmo em serviços de emergência, com um baixo índice de complicações (Saladino et al., 1990)2.

De modo geral, há duas indicações para cateterização arterial na unidade de cuidados intensivos:

1. A monitorização contínua da pressão arterial é muito importante naqueles pacientes cujo estado hemodinâmico está sujeito a sofrer rápidas mudanças ou que estejam recebendo terapia capaz de induzir a essas alterações. Esses pacientes muitas vezes necessitam de titulações de dosagens de drogas que alteram diretamente a pressão arterial. O cateterismo arterial pode proporcionar uma determinação mais precisa da pressão arterial central, particularmente em pacientes com vasoconstrição grave e naqueles com pseudo-hipertensão.

2. A gasometria arterial seriada freqüentemente é necessária em pacientes com insuficiência respiratória que necessitam de ventilação pulmonar mecânica e esperam-se rápidas alterações no estado pulmonar, que provavelmente irão exigir freqüentes modificações nos parâmetros ventilatórios. Em outras doenças também pode ser de fundamental importância a obtenção de gasometria arterial seriada, como, por exemplo, naquelas com disturbios ácido-básico graves. A incidência de complicações relacionadas com cateterização arterial periférica, de modo geral, varia de 0,3% a 51% (Figueiroa et al., 1990)3 sendo que as mais encontradas são: 1. vasculares: trombose, isquemia, embolização, acidente cerebrovascular (especialmente quando se utiliza a artéria temporal), fístula arteriovenosa, necrose de extremidades, hemorragias, hematomas; 2. complicações infecciosas que incluem colonização por microrganismos, celulite, bacteremia e sepse; 3. Outras como perda acidental do cateter, injeção intraarterial de substâncias.

A trombose relacionada à cateterização arterial periférica é a complicação mais comum relatada na literatura. As complicações relacionadas à infecção variam de 0,6% a 25%, sendo que a colonização bacteriana chega a 25%, enquanto que a sepse relacionada à cateterização arterial tem uma incidência de 0,6% a 4%. (Swanson et al.,1990)4 relatam que o risco de infecção local e bacteremia relacionada a cateteres arteriais varia de 0 a 9%.

A cateterização arterial por meio de dissecção está associada a um maior risco de infecção local (Hayes et al., 1973)5 e a combinação de dissecção com tempo de permanência do cateter maior que quatro dias aumenta mais ainda este risco (Baker et al., 1976)6.

OBJETIVOS

1. Determinar a freqüência das principais complicações associadas à cateterização de artéria radial para fins de monitorização de pressão arterial em crianças de um mês a dois anos, no pós-operatório de cirurgia cardíaca, na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos do Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina.

2. Determinar se existe relação de associação entre a freqüência das principais complicações e a técnica utilizada para a cateterização da artéria radial, punção percutânea ou dissecção.

3. Determinar se existe relação de associação entre a freqüência das principais complicações e o tempo de permanência do cateter no sítio.

4. Comparar as técnicas nas condições acima.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Este trabalho foi realizado no período de junho de 1989 a dezembro de 1992, na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP) do Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina.

No período do estudo, foram analisados os pacientes admitidos para cuidados intensivos em pós-operatório de cirurgia cardíaca na UCIP, sem infecção prévia, provenientes do Centro Cirúrgico do Hospital São Paulo, e que satisfizeram os seguintes critérios de inclusão:

A. Pacientes com cateter arterial em artéria radial, cujo procedimento tenha sido realizado no centro cirúrgico imediatamente antes da cirurgia, pelo anestesista, quando por punção percutânea, ou pelo cirurgião, no caso de dissecção.

A.1. Nos procedimentos realizados por punção percutânea, o cateter utilizado foi do tipo "cateter sobre agulha, calibre 22.

A.2. Nos procedimentos realizados por dissecação, o cateter foi do tipo "agulha sobre cateter, calibre 19.

B. Pacientes com idade superior a 28 dias, ou seja, fora do período neonatal, e menor ou igual a dois anos.

Os pacientes que não satisfizeram os critérios acima descritos foram excluídos do estudo.

Em todos os pacientes o cateter arterial é conectado a um dispositivo de fluxo contínuo com velocidade de infusão de 3 ml/hora de uma solução salina isotônica heparinizada, com concentração de uma unidade de heparina para cada mililitro de solução, sob pressão de 300 mm de Hg, mantida por meio de uma bolsa de alta pressão. Neste dispositivo, há ainda uma segunda conexão, ligada a um manômetro de coluna de mercúrio.

O curativo, realizado de forma oclusiva com gaze estéril, era trocado diariamente sendo que, durante as trocas, realizou-se inspeção cuidadosa do local seguida de limpeza da pele com PVPI tópico ou degermante. Todo o material em contato direto com o paciente (equipo, soro, etc), era trocado inicialmente após 48 horas de permanência e, posteriormente, a cada 24 horas.

A população selecionada para o estudo foi atendida desde a chegada do Centro Cirúrgico, conforme a rotina de atendimento em pós-operatório em cirurgia cardíaca, utilizada pela unidade. Durante a evolução do paciente na unidade, preencheu-se uma ficha de estudo para cada caso, onde constavam, além dos dados de identificação do paciente, dados referentes à técnica da cateterização arterial (punção ou dissecção), tipo e calibre do cateter, horário da realização do procedimento e da retirada do mesmo, bem como as causas dessa retirada.

A retirada do cateter foi realizada sempre que se verificou uma das ocorrências abaixo:

1. Ausência de necessidade do paciente para continuar com o mesmo;

2. Presença de complicações;

2.a. Obstrução do cateter: o cateter foi considerado obstruído sempre que não se conseguia observar oscilação da coluna de mercúrio e refluxo de sangue através do mesmo, seja espontaneamente ou por pressão negativa com auxílio de uma seringa.

2.b. Perda acidental do cateter: quando houve esta ocorrência, estudou-se a mudança de sítio. Foram considerados apenas os casos onde isso ocorreu já na unidade, sendo excluídos os casos de perda acidental durante o transporte da criança do centro cirúrgico para a UCIP.

2.c. Hemorragia: considerou-se como hemorragia o extravasamento de sangue no local de inserção do cateter ou a presença de formação de hematoma.

2.d. Isquemia: sinais clínicos evidentes de diminuição de fluxo sangüíneo para a mão, diminuição de temperatura, palidez ou cianose da extremidade distal ao cateter.

2.e. Infecção: o aspecto da pele no local de inserção do cateter foi tomado como indicativo de processo infeccioso. Na presença de sinais inflamatórios na região, o cateter foi retirado, sendo enviado para realização de exame de cultura a ponta do mesmo. Foram considerados infectados aqueles cuja cultura tenha sido positiva.

O modelo de estudo realizado foi o estudo clínico observacional. A análise dos casos selecionados foi feita com o preenchimento das fichas de estudo. A amostra foi dividida em dois grupos: o composto por pacientes cujo procedimento tenha sido realizado pela técnica de punção percutânea e outro por pacientes submetidos à dissecação. Esses procedimentos foram realizados aleatoriamente. Procedeu-se então a comparação quanto à freqüência das complicações acima citadas nos dois grupos. Cada grupo ainda foi subdividido em dois subgrupos, levando-se em consideração o tempo de permanência do cateter, se menor ou maior que 72 horas.

Para a análise dos resultados foram utilizados testes não-paramétricos, levando-se em consideração a natureza das variáveis estudadas. Aplicaram-se os seguintes testes:

1. Teste de MANN-WHITNEY para duas amostras independentes (Siegel, 1975), com o objetivo de comparar os grupos submetidos à punção e à dissecação em relação às idades dos pacientes e aos tempos de permanência dos cateteres. Levando em conta o tamanho das amostras na análise dos casos de obstrução de cateter, este teste foi aplicado em um caso com aproximação à curva normal (z calculado).

2. Teste do Quiquadrado para tabelas R x S (Siegel, 1975)7 com a finalidade de comparar os grupos submetidos à punção e à dissecção em relação às distribuições de casos sem complicações ou das diferentes complicações consideradas.

3. Teste do Quiquadrado para tabelas 2 x 2 (Siegel, 1975)7 com a finalidade de se comparar os grupos submetidos à punção e à dissecção em relação a cada uma das complicações estudadas. O mesmo teste foi aplicado para se comparar os subgrupos divididos quanto ao tempo de permanência do cateter (menor ou igual a 72 horas e maior que 72 horas). Analisaram-se ainda os subgrupos punção e dissecção separadamente.

Levando-se em consideração as restrições de Cochran, em alguns casos utilizou-se o Teste Exato de Fisher (Siegel, 1975)7.

Em todos os testes fixou-se em 0,05 ou 5% (alfa <= 0,05) o nível para rejeição da hipótese de nulidade, asinalando-se com um asterisco os valores significantes.

RESULTADOS

Os pacientes estudados foram divididos em dois grandes grupos: um em que o procedimento foi realizado por punção e outro por dissecção. Estes foram avaliados quanto à idade e o tempo de permanência do cateter pelo método de MannWhitney e não mostrou diferença significante. A partir disso, começou-se a avaliar as complicações e ou ausência delas e relação das mesmas com a técnica utilizada e com o tempo de permanência do cateter.

A ausência de complicações foi significantemente maior naqueles pacientes em que o cateter permaneceu por menos de 72 horas (n = 50) em relação ao grupo que permaneceu com o cateter por mais de 72 horas (n = 15). Houve ainda uma tendência a maior porcentagem de ausência de complicações nos pacientes em que foi realizada a punção percutânea (gráfico 1).


Em todo o grupo de crianças estudado, verificou-se seis casos de infecção (5%) sendo uma no grupo das crianças puncionadas e cinco nas submetidas à dissecação. Os germes encontrados foram Staphylococos aureus em dois casos e Streptococos epidermidis em quatro.

A presença de infecção foi significantemente maior nos pacientes que permaneceram com o cateter por mais de 72 horas, sendo que não houve nenhum caso antes deste período. Houve também uma forte tendência de que a infecção ocorra mais nos pacientes dissecados (gráfico 2).


A isquemia ocorreu em sete casos (5%) sendo dois em pacientes submetidos à punção e cinco os pacientes dissecados. A análise mostrou ainda uma tendência a ocorrer isquemia nos pacientes dissecados e principalmente nas primeiras 72 horas (gráfico 3).


As complicações hemorrágicas ocorreram em seis casos (5%), mostrando uma tendência a se observar um maior número nos pacientes submetidos a dissecção (cinco) em relação à punção (um).

É estatisticamente significante a ocorrência desta complicação nas primeiras 72 horas, e não houve nenhum caso após este período. (gráfico 4).


A obstrução do cateter não mostrou diferença significante tanto no que se refere a técnica como no tempo de permanência do cateter (gráfico 5).


A perda acidental do cateter esteve presente em nove pacientes (7,5%), sendo sete crianças submetidas à punção e duas por dissecção.

A análise desta ocorrência mostrou que há uma tendência a se observar um maior número de casos naqueles pacientes submetidos à punção nas primeiras 72 horas (gráfico 6).


Denominamos de complicações maiores o grupo das seguintes características: infecções, hemorragia e isquemia, enquanto as complicações menores compreendem obstrução e perda acidental do cateter.

Ao analisarmos estes dados, verificou-se que foi estatisticamente significante o maior número de ocorrências de complicações maiores nos pacientes submetidos a dissecação. Quanto as complicações menores, não houve diferença entre as técnicas (gráfico 7).


DISCUSSÃO

A monitorização hemodinâmica invasiva, particularmente a cateterização arterial periférica, é uma prática bastante difundida e sua utilização varia consideravelmente de acordo com as características de cada unidade de cuidados intensivos. Na Finlândia, em torno de 71,2% dos pacientes (excluindo cirurgia cardíaca em que a monitorização invasiva é padronizada) são submetidos à cateterização arterial em hospitais universitários considerados de ensino, enquanto que nos outros centros realizou-se canulação arterial em 38,5% dos pacientes (Saarela et al., 1991)8.

A utilização de monitorização hemodinâmica invasiva na UCIP do Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina é alta e, talvez, isto se deva aos seguintes motivos: o importante grau de gravidade dos pacientes admitidos na unidade, uma vez que a mesma atua como um centro de referência e recebe pacientes de vários outros serviços; o grande número de pacientes em pós-operatório de cirurgia cardíaca e ao fato de a unidade fazer parte de um hospital universitário.

A população escolhida para este estudo foi a de crianças em pós-operatório de cirurgia cardíaca, principalmente pelos seguintes fatos: 1. todos os pacientes se utilizam de monitorização invasiva da pressão arterial; 2. o procedimento é realizado por profissionais experientes, em condições ideais, no centro cirúrgico; 3. os pacientes são submetidos a exames pré-operatórios e não apresentam processo infeccioso prévio; 4. facilidade em tornar o grupo homogêneo.

A partir das análises efetuadas, podemos dizer que, independente da técnica utilizada para o procedimento, nas primeiras 72 horas a porcentagem de crianças que não apresentam nenhuma complicação é semelhante, e a ausência de complicações no grupo de crianças submetidas à dissecção é menor, quando o tempo de permanência do cateter excede a 72 horas.

Os pacientes internados em UCIP geralmente apresentam um risco maior de desenvolver infecção nosocomial comparados àqueles em outras áreas de um hospital geral, e isso é particularmente verdadeiro quando se trata de crianças (Milliken et al., 1988)9. Muitas dessas infecções são associadas a algum tipo de monitorização invasiva que esses pacientes geralmente necessitam.

Não há um critério padrão ou inquestionável de diagnóstico de infecção relacionada a cateteres e isso se deve principalmente a dois fatores: a natureza multifatorial da patogênese desse tipo de infecção e a imperfeição dos métodos diagnósticos. Este fato faz com que se torne difícil a comparação de dados de diferentes estudos.

A maioria das infecções são devidas à multiplicação de microrganismos no local de inserção, com subseqüente disseminação ao redor do cateter, tecido subcutâneo e corrente sangüínea. Alguns estudos têm mostrado a correlação entre o microrganismo encontrado na pele e o identificado no cateter ou em hemoculturas (Norwood et al., 1988)10 e que a cultura da pele pode ser utilizada como triagem para infecção relacionada a cateter e determinar a troca ou a retirada do mesmo. Há ainda outros mecanismos, como infusão de substâncias contaminadas, contaminação por via hematogênica da ponta e centro do cateter.(Falk et al. 1992)11.

Em nosso estudo, consideramos como infecção a presença de sinais clínicos de processo infeccioso no local de inserção do cateter. Na presença desses sinais, os cateteres foram retirados e enviados para cultura. Segundo Band & Maki12, em 1979, existe uma forte associação entre inflamação local e infecção relacionada a cateter arterial, se bem que a ausência de inflamação não exclui completamente a presença desta complicação.

Em todo o grupo de crianças estudadas foram verificados seis casos de infecção (5%), sendo um caso no grupo em que se realizou a punção percutânea e cinco naqueles em que foi feita dissecção. Não encontramos nenhum caso de infecção nas primeiras 72 horas.

A cultura da ponta do cateter desses casos identificou os seguintes microrganismos: Staphylococos aureus em dois deles, sendo um em uma criança puncionada que permaneceu com o cateter durante 120 horas e o outro em uma criança cateterizada por dissecação com tempo de permanência do cateter de 104 horas; Streptococos epidermidis em quatro crianças submetidas à dissecção que permaneceram com o cateter na artéria durante 96, 96, 98 e 100 horas.

Band & Maki12 (1979) afirmam que existem dois fatores que se relacionam fortemente com o aumento da taxa de infecção local: cateterização realizada por dissecção e tempo de permanência do cateter superior a quatro dias. O risco de infecção após 48 horas de cateterização é maior, porém não aumenta de forma cumulativa e, assim, não se justifica a conduta de troca de cateter como rotina periodicamente (Furfaro et al.,1991)13. Acredita-se que, em pacientes graves, a duração da cateterização arterial não deve ultrapassar de quatro a seis dias e, caso haja a necessidade de permanência por mais tempo, deverá ser trocada de sítio (Raad et al., 1993)14.

Em nosso estudo, podemos dizer que o tempo de permanência do cateter foi uma determinante importante da incidência de infecção, confirmando os relatos da literatura. Esta afirmação foi particularmente verdadeira nos pacientes submetidos à dissecção, onde obtivemos dados estatisticamente significantes.

Quanto a comparação das técnicas para a cateterização, houve uma tendência a um risco maior de se contrair infecção nos pacientes cateterizados por dissecação. Estes dados também estão de acordo com a literatura e, apesar de não ter sido estatisticamente significante, acreditamos que o risco realmente seja maior nesses pacientes.

A literatura mostra que a incidência de oclusão arterial pós-canulação é alta e bastante variável e, dependendo do estudo, oscila de 30 a 60%. Já os casos de isquemia severa são mais raros. (Russel et al., 1983)15 em um estudo prospectivo de cateteres arteriais, verificaram 3,4% de isquemia em cateterizações de artéria radial. É interessante conhecer ao sistema arterial dos dedos (Strauch et al., 1990)17.

Smith-Wright et al, em 1984, concluíram que são fatores predisponentes para oclusão arterial: a idade menor que cinco anos; inserção do cateter por dissecção; tempo de permanência do cateter maior que quatro a seis dias; hipotensão arterial e administração de drogas vasoconstritoras.

Em nosso estudo, verificaram-se sete casos de isquemia (5,8%), sendo dois em pacientes submetidos à punção e cinco nos pacientes dissecados, não sendo esta diferença estatisticamente significante. Apenas dois casos ocorreram após as primeiras 72 horas, um em uma criança puncionada que apresentou o quadro clínico com 76 horas de permanência do cateter e outro em uma criança submetida à dissecação e que desenvolveu isquemia com 78 horas de cateterização. No restante, verificou-se a isquemia mais precocemente: um caso de punção com dez horas e quatro casos de dissecação com 6, 12, 13 e 30 horas.

Todas as crianças reverteram o quadro clínico após a retirada do cateter e passaram a apresentar pulsos normais à palpação, porém esse fato não confirma a ausência de oclusão parcial da artéria.

Acreditamos que os casos verificados precocemente estão relacionados mais ao espasmo arterial do que com a oclusão pelo fato desta complicação não ser comum nas primeiras horas de cateterização. Nos mais tardios, o vasoespasmo provavelmente precipitou a insuficiência arterial de um vaso já parcialmente ocluído.

Para o nosso grupo de pacientes estudados, achamos que a técnica utilizada na cateterização foi um fator mais importante para determinar a ocorrência de isquemia do que o tempo de permanência do cateter no sítio.

As complicações hemorrágicas são mais comuns em idosos, em pacientes muito obesos e em pacientes com diátese hemorrágica ou que estejam em uso de anticoagulantes (Clark et al., 1992)18. Nesses casos, a hemorragia é observada geralmente durante a instalação do cateter ou logo após a sua inserção e resultam muitas vezes de laceração do vaso.

Em nossos pacientes, encontramos apenas seis casos de hemorragia (5%), sendo um deles em uma criança submetida à punção que estava com 48 horas de cateterização, enquanto que os outros cinco casos ocorreram em pacientes dissecados e com os seguintes tempos de permanência do cateter: 7, 21, 26, 30 e 44 horas.

Nas primeiras 72 horas, os pacientes submetidos à dissecação apresentaram mais hemorragia do que os submetidos à punção. Este dado é estatisticamente significante. Não se observou nenhum caso de hemorragia após a retirada do cateter ou por problemas no sistema.

Acreditamos que a ocorrência precoce dos nossos casos se deve às próprias características dos nossos pacientes. Toda a população de crianças estudadas se encontrava no período pós-operatório de cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea. Geralmente esses pacientes apresentam algum distúrbio de coagulação, o que facilitaria a ocorrência da hemorragia precocemente.

Estamos certos de que a técnica de dissecação, devido a sua maior necessidade de manipulação, aumenta o risco desta complicação em crianças com as características estudadas por nós.

A definição de obstrução de cateter que utilizamos é semelhante à adotada por (HEULITT et al.1993)19 em um estudo randomizado, controlado, para avaliar o efeito da infusão contínua de papaverina como prevenção de obstrução de cateter em pacientes pediátricos. Encontrou-se 7% de obstrução nos pacientes que receberam papaverina, enquanto que naqueles em que se utilizou solução fisiológica contendo 1,0 U/ml de heparina, foi observada em 22%.

Os autores destacam uma série de fatores de risco associados à obstrução do cateter: idade; estado clínico do paciente (choque, por exemplo); solução infundida para manutenção do sistema e taxa de infusão da mesma (Clifton et al., 199120 e Kulkarni et al. 1994)21; utilização de drogas vasoativas (dobutamina diminui o risco); profissional que realizou o procedimento (aumenta o risco com médico residente); sítio escolhido para realização da cateterização.

Quanto aos fatores de risco mencionados anteriomente, podemos dizer que os nossos pacientes se comportaram como um grupo homogêneo, uma vez que todos foram cateterizados por profissionais experientes, num mesmo sítio, se apresentavam em situação clínica semelhante e se utilizaram da mesma solução e taxa de infusão para manutenção do sistema.

Em nosso estudo,a obstrução do cateter esteve presente em 27 pacientes (22,5%), sendo 16 casos de crianças submetidas à punção e 11 casos em que o procedimento foi realizado por dissecação.

Para nossa população, acreditamos que os pacientes cateterizados por punção apresentam tanta obstrução quanto os submetidos à dissecação, e que o intervalo de tempo entre o procedimento e a ocorrência da complicação é semelhante nos dois grupos, ou seja, a técnica utilizada não ficou caracterizada como um fator de risco.

A perda acidental do cateter foi uma intercorrência que nós verificamos em nove casos (7,5% de toda a população), sendo sete (10,4%) em pacientes puncionados e dois (3,7%) em dissecados. Não houve diferença significante do ponto de vista estatístico entre as técnicas, mas uma tendência maior para o risco desta complicação nos pacientes puncionados.

Esta intercorrência, na maioria das vezes, aconteceu nas primeiras 72 horas (sete casos) e sempre relacionada a movimentacão excessiva do paciente ou durante à manipulação do mesmo pelos profissionais da unidade. Em nenhum caso houve qualquer conseqüência mais grave para o paciente.

Segundo Figueiroa & Yeakel (1990)2, é interessante que o cateter seja fixado à pele por meio de sutura e que o curativo seja apenas o suficiente para ajudar na fixação, permitindo a vizualização do sítio de inserção.

Na nossa população estudada, a perda foi mais comum nos pacientes puncionados, provavelmente devido às próprias características da fixação do cateter à pele. A técnica utilizada por nós para a realização da cateterização por punção não previa a sutura do cateter na pele e a fixação foi realizada fundamentalmente pelo próprio curativo.

Algumas das complicações descritas anteriormente não trazem conseqüências importantes para os nossos pacientes, enquanto outras podem ser potencialmente graves. Denominamos, então, estes dois grupos de complicações menores e maiores respectivamente. O grupo das complicações maiores compreendeu a soma dos casos de infecção, hemorragia e isquemia, enquanto que os casos de obstrução e perda acidental do cateter formaram o outro grupo.

Assim, para a nossa população estudada, podemos dizer que, quando a cateterização arterial é realizada por dissecação, o risco do paciente apresentar complicações maiores aumenta. Quanto às complicações menores, foi semelhante a sua ocorrência nas duas técnicas.

SUMMARY

Complications of arterial cathetherization in children

The radial artery catheterization with the purpose of children's monitoring has been more and more used in Pediatric Intensive Care Units, and many times, is use is indispensable, like in cardiac surgery post-operative cases. However, there are only a few articles on the subject among us.

PURPOSE: To analyse the complications of radial artery cathetherization in the post-operative of cardiac surgery in children.

METHODS: We studied the complications of this procedure in 120 children in cardiac surgery post-operative range from 1 month to 2 years. The children were catheterized by pecutaneous technique (n = 67) and by cutdown technique (n = 53). The following complications were analysed in relation to the placement time of the catheter and the used technique: local infection, hemorrhagic complication, ischemia, catheter occlusion and accidental catheter displacement.

RESULTS: Infection, ischemia and hemorrhage were more frequent and statistically significant in patients submitted to cutdown technique, while the catheter occlusion and accidental displacement were similar in both groups. The placement time of the catheter was an important variable in our study.

All of the other infection cases occurred after 72 hours of the catheterization and the frequency of hemorrhage and ischemia was higher in the first 72 hours.

CONCLUSION: The main complications of this proceeding are related to the technic utilazed , time of utilization of the catheter and to the characteristics of the patients. [Rev Ass Med Bras 2000; 46(1): 39-46]

KEY WORDS: Arterial catheter. Arterial pressure. Post operative. Cardiac surgery and invasive monitoring.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2000
  • Data do Fascículo
    Mar 2000
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