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Influência da circulação extracorpórea sobre as concentrações plasmáticas de atenolol

Resumos

FUNDAMENTO: Os betabloqueadores são usados no tratamento da angina pectoris e outras doenças coronarianas isquêmicas, reduzindo mortalidade e eventos cardiovasculares. O atenolol é um betabloqueador hidrofílico, de absorção gastrointestinal, extensão de distribuição pequena e eliminação função renal-dependente. OBJETIVO: O objetivo deste estudo é o de determinar a variabilidade inter-individual do atenolol em pacientes coronarianos. MÉTODOS: Quantificou-se o atenolol plasmático em 6 amostras sangüíneas coletadas no pré-operatório de sete indivíduos portadores de insuficiência coronariana e indicação cirúrgica de revascularização do miocárdio, tratados cronicamente com atenolol, com doses diárias variando entre 25 a 100 mg PO. Todos os pacientes apresentavam função renal dentro da normalidade ou levemente reduzida. RESULTADOS: As concentrações plasmáticas obtidas evidenciaram decaimento monoexponencial, confirmando que o atenolol apresenta farmacocinética de primeira ordem nas doses empregadas para o controle da insuficiência coronariana grave (médias ± DP): 123 ± 56, 329 ± 96, 288 ± 898, 258 ± 85, 228 ± 79 e 182 ± 73 ng/mL, nos tempos zero, 2, 4, 6, 8 e 12 horas após a administração da dose. Registrou-se pequena variabilidade inter-pacientes nas concentrações plasmáticas de atenolol no grupo investigado tratado em regime de doses múltiplas, devido à característica hidrofílica do fármaco. Registrou-se ainda, maior persistência do atenolol nos pacientes coronarianos investigados, comparado a indivíduos saudáveis. CONCLUSÃO: Em virtude da sua cardioseletividade e baixa variabilidade, sugere-se que o atenolol deve ser empregado como fármaco de primeira escolha para o tratamento da síndrome coronariana aguda e outras doenças cardiovasculares.

Atenolol; variabilidade inter-pacientes; concentração plasmática; insuficiência coronariana


BACKGROUND: Betablockers are used in the treatment of angina pectoris and others ischemic coronary diseases, reducing mortality and cardiovascular events. Atenolol is a hydrophilic betablocker which is characterized by gastrointestinal absorption, small extent of distribution and renal function-dependent elimination. OBJECTIVE: The study objective was to determine the inter-individual variability of atenolol in coronary patients. METHODS: Plasma atenolol was quantified in six blood samples collected during the preoperative period from seven patients with coronary insufficiency and surgical indication, chronically treated with atenolol PO 25 to 100 mg/day. All patients presented a normal or slightly reduced renal function. RESULTS: All enrolled patients presented normal or slightly reduced renal function as a result of age and underlying disease. Atenolol plasma concentrations showed a monoexponential decline, confirming the first-order pharmacokinetics at the doses employed for the control of coronary insufficiency (mean ± SD): 123 ± 56, 329 ± 96, 288 ± 898, 258 ± 85, 228 ± 79 and 182 ± 73 ng/ml at times zero, 2, 4, 6, 8 and 12h after dose administration. The investigated group showed a small inter-patient variability of atenolol administrated at multiple regimens due to the hydrophilic characteristic of the drug. Furthermore, accumulation of atenolol administered chronically was greater in coronary patients, compared to healthy subjects. CONCLUSION: In view of its cardio-selectivity and low-variability, atenolol should be used as the first-choice drug for the treatment of acute coronary syndrome and other cardiovascular diseases.

Atenolol; inter-patient variability; plasma concentration; coronary insufficiency


ARTIGO ORIGINAL

Influência da circulação extracorpórea sobre as concentrações plasmáticas de atenolol

Fátima da Silva Leite; Luciana Moraes dos Santos; Wanderley Wesley Bonafé; Andréia Zago Chignalia; Maria José Carvalho Carmona; Mariana Junqueira Suyama; Luiz Marcelo Sá Malbouisson; José Otavio Costa Auler Jr; Silvia Regina Cavani Jorge Santos

Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP – São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Silvia Regina Cavani Jorge Santos Rua Perucaia, 63 05578-070 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: pharther@usp.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Os betabloqueadores são usados no tratamento da angina pectoris e outras doenças coronarianas isquêmicas, reduzindo mortalidade e eventos cardiovasculares. O atenolol é um betabloqueador hidrofílico, de absorção gastrointestinal, extensão de distribuição pequena e eliminação função renal-dependente.

OBJETIVO: O objetivo deste estudo é o de determinar a variabilidade inter-individual do atenolol em pacientes coronarianos.

MÉTODOS: Quantificou-se o atenolol plasmático em 6 amostras sangüíneas coletadas no pré-operatório de sete indivíduos portadores de insuficiência coronariana e indicação cirúrgica de revascularização do miocárdio, tratados cronicamente com atenolol, com doses diárias variando entre 25 a 100 mg PO. Todos os pacientes apresentavam função renal dentro da normalidade ou levemente reduzida.

RESULTADOS: As concentrações plasmáticas obtidas evidenciaram decaimento monoexponencial, confirmando que o atenolol apresenta farmacocinética de primeira ordem nas doses empregadas para o controle da insuficiência coronariana grave (médias ± DP): 123 ± 56, 329 ± 96, 288 ± 898, 258 ± 85, 228 ± 79 e 182 ± 73 ng/mL, nos tempos zero, 2, 4, 6, 8 e 12 horas após a administração da dose. Registrou-se pequena variabilidade inter-pacientes nas concentrações plasmáticas de atenolol no grupo investigado tratado em regime de doses múltiplas, devido à característica hidrofílica do fármaco. Registrou-se ainda, maior persistência do atenolol nos pacientes coronarianos investigados, comparado a indivíduos saudáveis.

CONCLUSÃO: Em virtude da sua cardioseletividade e baixa variabilidade, sugere-se que o atenolol deve ser empregado como fármaco de primeira escolha para o tratamento da síndrome coronariana aguda e outras doenças cardiovasculares.

Palavras-chave: Atenolol, variabilidade inter-pacientes, concentração plasmática, insuficiência coronariana.

Introdução

A circulação extracorpórea (CEC), usada na maioria das cirurgias cardíacas com cardioplegia, pode causar mudanças importantes nas concentrações plasmáticas e na cinética de muitos fármacos, além de alterar seus efeitos terapêuticos. Durante esse procedimento, muitas alterações ocorrem na fisiologia normal do paciente, como o uso de hipotermia, fluxo sangüíneo não pulsátil, hemodiluição e anticoagulação. Portanto, ocorrem alterações hemodinâmicas relevantes em resposta a essas importantes modificações causadas pela redistribuição do fluxo sangüíneo central, alterações dos eletrólitos e líquidos corporais e liberação de substâncias endógenas em razão do estresse cirúrgico1,2.

As características individuais de cada fármaco são fundamentais para a determinação da concentração plasmática final. Os fármacos lipofílicos com grande volume de distribuição podem ser rapidamente seqüestrados pelo equipamento de CEC, e levar à queda abrupta nas concentrações plasmáticas no início da CEC, com reversão do quadro quando o fármaco retorna ao plasma3. No caso do propranolol, um betabloqueador lipofílico, há relatos do prolongamento de sua meia-vida biológica em 2,5 vezes e um aumento de duas vezes no seu volume de distribuição, além da manutenção de altos níveis plasmáticos imediatamente após a revascularização miocárdica com CEC e hipotermia. Assim, a dose de propranolol administrada durante o período pós-operatório deve ser reduzida quando comparada à dose pré-operatória, devido ao risco de depressão miocárdica causada pelo efeito do procedimento cirúrgico com CEC nas concentrações plasmáticas e na farmacocinética4.

Por outro lado, o atenolol é um betabloqueador hidrossolúvel e seletivo, usado no período pré-operatório para o controle da angina pectoris, diminuição do consumo de oxigênio5 e redução da mortalidade e dos eventos cardiovasculares após o procedimento cirúrgico6-8. Quanto às propriedades farmacocinéticas, o atenolol é absorvido de forma incompleta pelo trato gastrintestinal (aproximadamente 50%), possui um volume de distribuição relativamente pequeno e excreção dependente da função renal5,9.

Considerando que não existem investigações na literatura a respeito dos níveis plasmáticos desse betabloqueador hidrofílico sob influência de procedimento cirúrgico com CEC, o objetivo desse estudo foi avaliar o efeito da CEC nas concentrações plasmáticas de atenolol para determinar se essa droga pode ser re-introduzida de maneira segura após a cirurgia cardíaca, com ou sem a circulação extracorpórea.

Métodos

Protocolo clínico - O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética das instituições participantes. Todos pacientes incluídos no estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido após receberem informações detalhadas sobre os procedimentos a serem realizados.

Foram investigados dezenove pacientes adultos, de ambos os sexos, com insuficiência coronariana, cronicamente tratados com 25 a 100 mg de atenolol/dia, por via oral, e com indicação cirúrgica para revascularização miocárdica.

Os pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio foram divididos em dois grupos denominados grupos CEC e SEM CEC, de acordo com a indicação do cirurgião ou não para o uso de circulação extracorpórea. O grupo CEC foi composto por 11 pacientes adultos submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdico com CEC, enquanto o grupo de pacientes sem a circulação extracorpórea foi composto por 8 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca sem CEC.

As características demográficas do grupo que usou a CEC, expressas em valores mínimos e máximos, são as seguintes: 45-74 anos (idade), 62-118 kg (peso corporal), 155-177 cm (altura), 1,68-2,36 m2 (ASC), 22,23-40,83 kg/m2 (IMC). As características demográficas dos pacientes incluídos no grupo sem CEC estão resumidas abaixo: 54-69 anos (idade), 50-84 kg (peso corporal), 147-175 cm (altura), 1,49-1,98 m2 (ASC), 19,78-30,12 kg/m2 (IMC).

Os pacientes incluídos em ambos os grupos apresentaram função renal dentro dos limites da normalidade ou insuficiência renal leve como resultado da doença de base e da idade (pacientes > 65 anos de idade). Os pacientes incluídos também apresentaram funções endócrina e hepática normais. Foram excluídos do estudo os pacientes com mais de 80 anos de idade, com creatinina sérica acima de 1,4 mg/dl, com fração de ejeção ventricular esquerda inferior a 35%, com sorologia positiva para hepatite, pacientes nefrectomizados e os pacientes com qualquer contra-indicação para o tratamento com betabloqueador.

No dia anterior à cirurgia, os pacientes incluídos no estudo foram submetidos aos exames físico e laboratoriais pré-operatórios de rotina e o risco cirúrgico também foi avaliado. Após a avaliação inicial, a última dose de atenolol foi administrada no dia anterior ao procedimento cirúrgico. Foram colhidas duas amostras de sangue (5 ml cada) dos pacientes incluídos nos dois grupos de estudo, por meio de um cateter arterial, na admissão ao centro cirúrgico e ao final da intervenção. Duas amostras de sangue adicionais foram coletadas no início e ao final do procedimento nos pacientes submetidos à CEC.

Durante o procedimento cirúrgico foram monitorados hematócrito, temperatura e diurese. No dia após o procedimento cirúrgico os pacientes foram submetidos aos exames físico e laboratoriais de rotina, com avaliação da função renal.

Método analítico - O atenolol foi quantificado nas amostras coletadas por meio de um microméto do utilizando apenas 200 µl de plasma. As amostras foram purificadas por precipitação de proteínas plasmáticas com acetonitrila, seguida por centrifugação a 6000g. O extrato orgânico foi concentrado em fluxo de nitrogênio, o resíduo dissolvido com 200 mcl, e as amostras de atenolol foram determinadas através de cromatografia líquida de alta eficiência com detecção de fluorescência usando uma coluna analítica C18 e uma fase móvel binária com baixo fluxo. A validação deste método analítico revelou uma boa correlação linear (8 a 2000 ng/ml), alta sensibilidade (limite de quantificação: 8 ng/ml e limite de detecção: 4 ng/ml), exatidão de 99,3%, e precisão intra-e inter-dia iguais a 5,3 e 6,9%, respectivamente. A recuperação absoluta foi igual a 93,7% e o método foi considerado robusto e com estabilidade aceitável10.

Análise estatística - As concentrações plasmáticas de atenolol obtidas durante o período intra-operatório foram comparadas entre os grupos CEC e sem CEC por meio do teste de Mann-Whitney. Já a comparação entre as concentrações plasmáticas no início e final da cirurgia foram analisadas em cada grupo por meio do teste de Wilcoxon pareado não paramétrico. Finalmente, um teste não paramétrico para as medidas repetidas (teste de Friedman) foi usado para analisar os níveis plasmáticos medidos em diferentes tempos de amostragem no grupo que utilizou a CEC.

Toda as análises estatísticas foram realizadas como software GraphPad InstatTM (GraphPad Software Incorporated, San Diego, USA). Os resultados são relatados como mediana e limite superior e inferior do intervalo de confiança de 95%.

Resultados

Os dados demográficos dos pacientes incluídos nos dois grupos estão resumidos na tabela 1.

Todos os pacientes incluídos estavam em tratamento antes da cirurgia com o betabloqueador hidrofílico atenolol em regime de doses múltiplas para o controle da insuficiência coronariana. Os esquemas de doses usados nos dois grupos de estudo foram baseados na resposta clínica de cada paciente, sendo cada indivíduo tratado com a menor dose do fármaco capaz de reduzir a freqüência e gravidade dos ataques isquêmicos. Além disso, o atenolol foi suspenso no dia anterior à cirurgia de revascularização do miocárdio para evitar a depressão cardíaca. Portanto, o intervalo de tempo entre a administração da última dose antes da cirurgia cardíaca e o início do procedimento cirúrgico também foi diferente entre cada indivíduo investigado (tab. 2). Entretanto, a análise estatística (teste de Mann-Whitney) mostrou que os dois grupos eram comparáveis em termos da dose pré-operatória de atenolol (p = 0,4421) e o tempo entre a última dose e o início da cirurgia de revascularização (p = 0,7780).

Além disso, foi verificado que ambos os grupos eram comparáveis quanto à função renal pré-operatória dos pacientes investigados uma vez que não foi observada diferença estatística entre os dois grupos (depuração de creatinina: p = 0,3511). Adicionalmente, a função renal dos pacientes permaneceu estatisticamente inalterada ao serem comparados os períodos pré-operatório e pós-operatório em ambos os grupos do estudo (p > 0,05).

A Figura 1 compara as concentrações plasmáticas de atenolol, expressas em medianas, medidas durante a cirurgia de revascularização do miocárdio em ambos os grupos estudados (CEC e SEM CEC). Esta figura também mostra as concentrações plasmáticas de atenolol normalizadas para a dose pré-operatória administrada. Uma redução mais acentuada das concentrações plasmáticas de atenolol foi observada em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca sem CEC em comparação com o grupo CEC. Além disso, foi verificado que os dados obtidos para as concentrações plasmáticas de atenolol normalizadas para a dose pré operatória foram semelhantes às concentrações obtidas.


Além disso, os resultados descritivos das concentrações plasmáticas obtidas em ambos os grupos são apresentados na tabela 3. A análise estatística das concentrações plasmáticas de atenolol confirma que ambos os grupos são comparáveis no início da cirurgia cardíaca (p=0,2375), uma vez que não há diferença estatística entre as concentrações obtidas. Entretanto, ambos os grupos apresentaram comportamentos distintos durante o período intra-operatório, pois, ao final do procedimento cirúrgico, as concentrações plasmáticas de atenolol foram estatisticamente significantes (p=0,0068).

Ademais, os pacientes submetidos à cirurgia com circulação extra corpórea apresentam uma diminuição menos pronunciada e não significativa nos níveis plasmáticos de atenolol (p=0,2754) quando comparados ao grupo sem CEC (p=0,0156) em razão dos efeitos da CEC nas concentrações plasmáticas do fármaco.

Finalmente, como demonstrado na tabela 4, não foi observada diferença estatística (teste de Friedman) para as concentrações plasmáticas de atenolol obtidas no grupo CEC por comparação nos diferentes tempos de amostragem (início da cirurgia, início da CEC, final da CEC e final da cirurgia).

Discussão

Nesse estudo, os autores investigaram os efeitos da CEC nas concentrações plasmáticas intra-operatórias de atenolol durante a cirurgia cardíaca devido à falta de estudos na literatura sobre essas possíveis mudanças. Assim, os níveis plasmáticos desse betabloqueador foram monitorados durante a cirurgia de revascularização com e sem uso da circulação extracorpórea (grupos CEC e sem CEC, respectivamente).

Em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com CEC os níveis circulantes de atenolol apresentavam uma tendência a diminuir (de maneira não significativa) no início da CEC como resultado da hemodiluição, que ocorre quando o sangue do paciente é misturado abruptamente com o perfusato durante a instalação da CEC. Esta diminuição foi seguida por um discreto aumento nas concentrações plasmáticas de atenolol ao final da CEC (p > 0,05, NS), que pode ser explicado pela redistribuição do fármaco dos tecidos para o compartimento central que ocorre para minimizar os efeitos causados pela hemodiluição. Foi observada uma diminuição não significativa nos níveis plasmáticos de atenolol durante o período entre o final da CEC até o final da cirurgia em razão da contínua depuração do fármaco pelo organismo por meio de excreção renal.

Quando ambos os grupos foram comparados, a redução nas concentrações plasmáticas de atenolol foi não significativa apenas no grupo que utilizou a CEC. Este achado pode ser explicado pela redução da perfusão periférica durantea CEC, com conseqüente redução da perfusão renal e pela redução da depuração plasmática do fármaco.

Outro fator importante durante a CEC é o isolamento dos pulmões da circulação em razão da interrupção do fluxo arterial pulmonar. Dessa maneira, o pulmão pode funcionar como um reservatório para fármacos lipofílicos básicos, como o propranolol e lidocaína, que não podem ser eliminados ou distribuídos rapidamente em razão da alta ligação protéica. Contudo, há relatos de que ocorre um aumento da concentração plasmática desses fármacos ao final da CEC devido ao restabelecimento da circulação pulmonar2. Assim, as concentrações plasmáticas mais elevadas observadas ao final da cirurgia no grupo com utilização da CEC também podem ser explicadas por um possível retorno do atenolol depositado nos pulmões para a circulação ao final da CEC. Entretanto, no caso do atenolol, acredita-se que esse efeito não seja muito significativo, pois a ligação desta molécula hidrofílica às proteínas plasmáticas é baixa e o seu volume de distribuição é relativamente pequeno.

Além disso, quando os grupos com CEC e sem CEC foram comparados em termos das concentrações plasmáticas de atenolol no início e no final da revascularização, a diferença significativa foi observada apenas entre os níveis obtidos ao final da cirurgia. Este fato nos leva a concluir que os níveis plasmáticos de atenolol foram comparáveis nos dois grupos no início da cirurgia cardíaca, mas apresentaram uma diferença significativa ao final da cirurgia para revascularização do miocárdio em razão dos efeitos da CEC nas concentrações plasmáticas do fármaco, o que sugere que a CEC altera os níveis circulantes de atenolol durante o procedimento cirúrgico.

Quanto ao betabloqueador lipofílico propranolol, McAllister e cols.11 observaram a redução de 50% nas concentrações plasmáticas de propranolol no início da CEC. Após a instalação da CEC, os níveis plasmáticos desse fármaco permaneceram inalterados ou apresentaram um discreto aumento durante o procedimento de CEC. Após o término da CEC e reaquecimento do paciente, as concentrações de propranolol aumentaram e alcançaram valores semelhantes àqueles observados no início da cirurgia. De acordo com esses autores, as concentrações plasmáticas de propranolol continuaram sendo mais elevadas que aquelas observadas ao final da CEC até 4 horas após a CEC. Os autores também sugeriram que a hipotermia aplicada durante a CEC altera a distribuição e a depuração plasmática do propranolol responsável pelo aumento acentuado nas concentrações plasmáticas do fármaco, sendo contrabalançado pelo efeito da hemodiluição4,11. Neste sentido, a literatura relata que a dose de propranolol necessária para alcançar o beta-bloqueio durante o período pós-operatório deveria ser menor que a dose administrada antes da cirurgia4.

Os resultados deste estudo demonstram que o comportamento do atenolol difere daquele do betabloqueador lipofílico propranolol, uma vez que não se observa acúmulo significativo do fármaco ao final da cirurgia cardíaca em razão de sua característica hidrofílica, baixa ligação às proteínas plasmáticas e o relativamente pequeno volume de distribuição. Portanto, o atenolol deve ser adotado como o fármaco de primeira escolha antes e depois da cirurgia para a prevenção de eventos cardiovasculares resultantes dos procedimentos cirúrgicos realizados com CEC. Além disso, apesar da eliminação do atenolol dependente da função renal, os resultados atuais sugerem que este betabloqueador hidrofílico também pode ser usado de maneira segura em pacientes com função renal apenas discretamente reduzida em razão da idade e insuficiência coronariana ou mesmo como resultado da cirurgia.

Conclusão

Com base nos resultados desse estudo, é possível sugerir que a cirurgia cardíaca com CEC causa mudanças nas concentrações plasmáticas do atenolol sem relevância clínica. Assim, apesar da menor redução nos níveis plasmáticos de atenolol observada em pacientes submetidos à CEC, este betabloqueador hidrofílico pode ser usado de maneira segura em ambos os grupos, uma vez que o procedimento cirúrgico, incluindo a CEC, não causa o acúmulo clinicamente relevante do fármaco.

Agradecimento

A duas instituições brasileiras de pesquisa (CNPq e FAPESP) pela ajuda financeira.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 16/11/06; revisado recebido em 05/02/07; aceito em 05/02/07.

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  • Correspondência:

    Silvia Regina Cavani Jorge Santos
    Rua Perucaia, 63
    05578-070 - São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      05 Fev 2007
    • Revisado
      05 Fev 2007
    • Recebido
      16 Nov 2006
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