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RAGO, O que é taylorismo

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Afrânio Mendes Catani

Professor no Departamento de Administração da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp)

Rago, Luzia Margareth & Moreira, Eduardo F.P. O que é taylorismo. 2. ed. São Paulo, Brasiliense, 1985. 105 p. (Coleção Primeiros Passos, 112).

Os estudiosos de ciências humanas em geral (e, mais especificamente, os de administração e sociologia do trabalho) acabam de ser presenteados com este estudo de Luzia Rago e Eduardo Moreira acerca da introdução das técnicas tayloristas de trabalho, concentradas inicialmente na esfera da produção industrial. Aos poucos, o taylorismo foi ganhando terreno e se estendendo a todas as atividades da vida social. "Método de racionalizar a produção, logo, se possibilitar o aumento da produtividade do trabalho 'economizando tempo', suprimindo gestos desnecessários e comportamentos supérfluos no interior do processo produtivo, o sistema Taylor aperfeiçoou a divisão social do trabalho introduzida pelo sistema de fábrica, assegurando definitivamente o controle do tempo do trabalhador pela classe dominante" (p.10). Além disso, em múltiplos campos da sociedade, como por exemplo nos esportes, no lazer e nos trabalhos domésticos, "(...) procura-se obter o máximo rendimento do tempo não raro obedecendo-se às regras e instruções ditadas por bulas e guias 'científicos' de racionalização do agir, do sentir e do pensar (...) A importância do taylorismo (...) advém fundamentalmente do fato de concretizar de forma exemplar a noção de 'tempo útil' que a sociedade do trabalho introjetou no coração de cada um de nós: há muito tempo guardamos um relógio moral que nos pressiona contra o ócio..." (p.11).

Após uma introdução muito bem escrita (iniciando-se com "Oração ao tempo", de Caetano Veloso), Luzia e Eduardo expõem, ao longo de sete capítulos e das "Indicações para leitura", os princípios fundamentais do taylorismo, a resistência operária à introdução desse processo de racionalização nos EUA e na França, bem como o relativo sucesso obtido na Itália fascista e na Alemanha nazista. Completa o livro um capítulo intitulado O herói do trabalho na URSS, onde se procura mostrar que "a grande penetração da ideologia da produtividade nas primeiras décadas do século XX, espalhando-se pelo continente europeu, acabou por contaminar também os líderes revolucionários soviéticos" (p. 84).

Nos anos mais recentes, as questões da organização e da divisão do trabalho têm sido objeto de preocupação de inúmeros pesquisadores e; em especial, dos franceses. Basta observar que em maio de 1983 realizou-se em Paris o Colóquio Internacional sobre o Taylorismo, tendo sido publicado um espesso volume com as principais teses e comunicações apresentadas; em 1978, a revista Recherches (n. 33/34, set.) divulgou excelentes artigos sobre a introdução do taylorismo na França, EUA, Alemanha, Itália e URSS; nesse mesmo ano, Le Mouvement Social e Les Temps Modernes também dedicaram trabalhos a esse respeito; além disso, alguns livros importantes, entre os quais se destacam o de Robert Linhart (Lênin, os camponeses, Taylor Marco Zero, 1983), o de Benjamin Coriat (L'atelier et le chronomètre, Bourgeois, 1979) e o de B.L. Doray (Le taylorisme, une folie rationnelle? Dunod, 1981), contribuíram com novas idéias para a discussão.

No Brasil encontramos poucos textos que abordam o tema de maneira crítica, a saber: a coletânea organizada por Afonso Fleury e Nilton Vargas (Organização do trabalho. Atlas, 1983), reunindo estudos de caso recolhidos junto a indústrias metalúrgicas e mecânicas, do vestuário e têxtil, junto à construção habitacional, ao trabalho em processamento de dados e a instituições bancárias, e a comunicação inédita do próprio Nilton Vargas (Gênese e difusão do taylorismo no Brasil: uma articuculação entre conhecimento operário e desenvolvimento tecnológico na industrialização brasileira), apresentada no Colóquio de Paris.

O livro de Luzia e Eduardo manipula a maior parte da bibliografia citada nos parágrafos anteriores, procurando, numa linguagem sintética e ágil, dar conta dessa temática que é, no mínimo, polêmica. Entretanto, aqui e ali, ao longo do trabalho, algumas dúvidas provavelmente assaltarão o leitor. Refiro-me, em especial, aos capítulos taylorismo e resistência operária , e O herói do trabalho na URSS. No primeiro, a classe operária daquele país é apresentada como sendo homogênea, ignorando-se as inúmeras facções em luta, bem como o caráter extremamente elitista e reacionário de boa parte dos operários qualificados. No segundo, há passagens que ficariam mais claras se, a exemplo do que faz R. Linhart na primeira parte de seu Lênin, os camponeses, Taylor, Luzia e Eduardo explorassem a ação dos movimentos camponeses no contexto da revolução russa de 1917. Porém, é necessário reconhecer, questões dessa natureza surgem, principalmente, em razão do número reduzido de páginas que os autores têm para escrever sobre o assunto, impedindo o aprofundamento de determinados pontos básicos.

Evitando a glorificação desse modo de organização do trabalho, O que é taylorismo constitui-se num dos pontos altos da coleção Primeiros Passos. Devido a sua excelente aceitação (a 2ª edição saiu em menos de um ano), é de se supor que o livro está sendo adotado nas universidades, principalmente nas disciplinas de administração e de sociologia do trabalho - o que, convenhamos, vem a ser um poderoso antídoto contra as dezenas de manuais de engenharia da produção e de teoria geral de administração que infestam os cursos de graduação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1985
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