Acessibilidade / Reportar erro

Bioética no acolhimento a dependentes de drogas psicoativas em comunidades terapêuticas

Resumo

O abuso de substâncias psicoativas é problema mundial e extremamente difícil em todos os seus aspectos, requerendo a oferta de serviços para grandes contingentes de dependentes, nem sempre atendidos pelos setores públicos responsáveis. Isso exige a participação complementar de instituições privadas sem fins lucrativos, como as comunidades terapêuticas. Essas comunidades são instituições de diferentes origens, adotam metodologias distintas e recebem pessoas hipervulneráveis, o que exige dos voluntários e profissionais de saúde acolhimento ético e torna essa área campo em que a bioética pode contribuir para solucionar conflitos durante a atenção residencial transitória. Pela escassa abordagem ética de comunidades terapêuticas na literatura mundial, em especial na brasileira, este artigo enfatiza alguns princípios e referenciais bioéticos, como autonomia, sigilo e confidencialidade, alteridade, espiritualidade, solidariedade e cuidado respeitoso. Por fim, estimula a comunidade acadêmica a contribuir para enriquecer a reflexão bioética sobre o cuidado às pessoas nessas instituições.

Bioética; Ética; Comunidade terapêutica; Transtornos relacionados ao uso de substâncias; Usuários de drogas

Abstract

The abuse of psychoactive substances is an extremely difficult problem in all its aspects and of worldwide importance, requiring the provision of services to large number of dependents, not always provided by the responsible public sectors. This requires the complementary participation of private non-profit institutions, such as that offered by therapeutic communities. These communities are institutions of different origins, adopt different methodologies and receive hypervulnerable people. This requires that volunteers and health professionals receive an ethical reception during transient residential care, which makes this area a field for the contribution of Bioethics to solve ethical conflicts during admissions. By poor ethical approach there is in literature, especially in Brazil, this article highlights some principles and bioethical references, such as autonomy, secret and confidentiality, alterity, spirituality, solidarity and respectful care and encourages the academic community to contribute to the enrichment of bioethical reflection on care in these institutions.

Bioethics; Ethics; Therapeutic community; Substance-related disorders; Drug users

Resumen

El abuso de sustancias psicoactivas es un problema mundial extremadamente difícil en todos sus aspectos, por lo que requiere la prestación de servicios a un gran número de personas dependientes, quienes no siempre son atendidas por los sectores públicos responsables. Esto requiere la participación adicional de instituciones privadas sin fines de lucro, como las comunidades terapéuticas. Dichas comunidades son instituciones de diferentes orígenes, adoptan diferentes metodologías y acogen a personas altamente vulnerables, lo cual les exige a los voluntarios y a los profesionales de la salud un amparo ético y convierte esta área en un campo en que la bioética puede contribuir para solucionar conflictos durante la atención residencial transitoria. Por el escaso abordaje ético de comunidades en la literatura mundial, especialmente en Brasil, este artículo enfatiza algunos principios y referenciales bioéticos, como autonomía, sigilo y confidencialidad, alteridad, espiritualidad, solidaridad y cuidado respetuoso. Finalmente, invita a la comunidad académica a contribuir en el enriquecimiento de la reflexión bioética sobre el cuidado de las personas en estas instituciones.

Bioética; Ética; Comunidad Terapéutica; Trastornos relacionados con sustancias; Consumidores de drogas

Este artigo dá continuidade ao publicado no número anterior da Revista Bioética 11. Schlemper Junior BR. Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos: referência para vigilância sanitária em comunidades terapêuticas. Rev. bioét. (Impr.). 2017;25(3):462-72., no qual, além de recomendações para a Vigilância Sanitária, foram retratadas as diferentes características das comunidades terapêuticas (CT), em especial sua participação na atenção à saúde mental no Brasil.

Neste trabalho é discutida a dependência química, considerada problema mundial que tem grande impacto negativo e permanente na vida de pessoas, famílias e nas próprias comunidades. De introdução recente no Brasil, o crack tem tido uma difusão e consumo crescentes, levando rapidamente a estado de dependência e atingindo níveis muito elevados – por exemplo, 70% entre os dependentes dos derivados da cocaína que buscavam tratamento 22. Trzcinski C, Cetolin SF. Crack: um fenômeno em evidência. In: Cetolin SF, Trzcinski C, organizadoras. A onda das pedras: crack e outras drogas. Porto Alegre: EdiPUCRS; 2013. p. 47-60..

A Organização Mundial da Saúde (OMS) 33. España. Ministerio de Sanidad y Consumo, Organización Mundial de la Salud. Glosario de términos de alcohol y drogas [Internet]. Madrid: Ministerio de Sanidad y Consumo; 1994 [acesso 28 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/PwhfbG
http://bit.ly/PwhfbG...
identifica que, em linguagem coloquial, o termo “droga”, em geral, refere-se especificamente a substâncias psicoativas e, frequentemente, a drogas ilegais. Por sua vez, as chamadas drogas psicoativas são as que têm princípio ativo capaz de estimular, deprimir ou perturbar a mente humana, desorganizando o sistema nervoso central e provocando desorientações das funções cerebrais. Assim, neste artigo, a utilização do termo “droga” tem o significado de toda substância que, introduzida no organismo, por qualquer via de administração, altera de algum modo o sistema nervoso central e pode criar dependência física, psicológica ou ambas 44. Argudo EG, coordinadora. Abordaje de las adicciones en red [Internet]. Bilbao: Osakidetza; 2016 [acesso 28 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/2jOhznF
http://bit.ly/2jOhznF...
.

Por sua vez, o conceito de dependência (distúrbio de dependência – isto é, vício) é confuso e muitas vezes criticado tanto dentro quanto fora do ambiente especializado das doenças mentais 55. Goodman A. Addiction: definition and implications. Br J Addict. 1990;85(11):1403-8.. Baseado em critérios diagnósticos, Goodman 55. Goodman A. Addiction: definition and implications. Br J Addict. 1990;85(11):1403-8. refere, de forma resumida, que a dependência é o processo no qual um comportamento, que possa produzir prazer e proporcionar alívio de desconforto interno é empregado em padrão caracterizado por 1) falha recorrente em controlar o comportamento (falta de poder) e 2) continuação do comportamento apesar de significativas consequências negativas (ingovernabilidade) por problema social, financeiro, psicológico ou físico.

As definições de dependência mencionam a perda de controle, a falta de poder e a ingovernabilidade 66. Caplan A. Denying autonomy in order to create it: the paradox of forcing treatment upon addicts. Addiction. 2008;103(12):1919-21.. Segundo orientação da OMS, a dependência é definida como um conjunto de sintomas cognitivos, fisiológicos e comportamentais que indicam que uma pessoa tem dificuldade de controlar o consumo de substância psicoativa e continua a usá-la apesar das consequências adversas. Esse termo substituiu a designação de vício (adição) e habituação. Portanto, a dependência é doença complexa que pode ser tratada e afeta a função do cérebro e o comportamento, causando alterações que persistem após a cessação da droga 33. España. Ministerio de Sanidad y Consumo, Organización Mundial de la Salud. Glosario de términos de alcohol y drogas [Internet]. Madrid: Ministerio de Sanidad y Consumo; 1994 [acesso 28 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/PwhfbG
http://bit.ly/PwhfbG...
.

Em razão disso e das poucas oportunidades do setor público de atender a demanda por tratamento em regime de residência de longa duração, as comunidades terapêuticas (CT) vêm sendo consideradas suporte importante na atenção ao usuário 77. Damas FB. Comunidades terapêuticas no Brasil: expansão, institucionalização e relevância social. Rev Saúde Pública. 2013;6(1):50-65.,88. Gomes RM. Comunidade terapêutica e (re)educação. Rev Segur Urbana Juventude. 2010;3(2):1-18., como ocorre no Brasil 99. Carvalho T, Melo SIL, Oliveira RJA. Comunidades terapêuticas em Santa Catarina: produção científica e controvérsias. In: Souza ML, Scarduelli P, organizadores. Comunidades terapêuticas: cenário de inovação em Santa Catarina. Florianópolis: Insular; 2015. p. 49-56.,1010. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia. Perfil das comunidades terapêuticas brasileiras. Nota Técnica nº 21 [Internet]. mar 2017 [acesso 3 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2xhZW8f
http://bit.ly/2xhZW8f...
e em diversos países 1111. Pozas JEM. Comunidades terapéuticas en España: evolución histórica, situación actual y perspectivas [Internet]. jun 1998 [acesso 22 jan 2017]. Disponível: http://bit.ly/2ybbwNX
http://bit.ly/2ybbwNX...
. Nesse sentido, documento da ONU 1212. Organización de las Naciones Unidas. Oficina contra la Droga y el Delito. Abuso de drogas: tratamiento y rehabilitación: guía práctica de planificación y aplicación [Internet]. New York: ONU; 2003 [acesso 28 jun 2017]. p. IV.5. Disponível: http://bit.ly/2jf7GSH
http://bit.ly/2jf7GSH...
descreve que o modelo mais comum de reabilitação residencial de longo prazo são as CT.

Na literatura mundial e, principalmente, na brasileira, há escassa produção de abordagem bioética nas CT 1313. Schlemper Junior BR. Contribuição da bioética ao acolhimento nas comunidades terapêuticas. In: Souza ML, Scarduelli P, organizadores. Op. cit. p. 102-20.. Assim, este artigo objetiva contribuir ao debate ético sobre a vivência dos dependentes de drogas psicoativas nessas unidades, selecionando alguns princípios e referenciais bioéticos relevantes na vida comunitária das CT, como autonomia, privacidade e confidencialidade, alteridade, espiritualidade, solidariedade e cuidado respeitoso. Pretende-se também estimular a comunidade acadêmica quanto ao enriquecimento dessa reflexão bioética tão necessária para solucionar conflitos diários em instituições com características tão diferenciadas como são as CT.

Importância da bioética ao acolhimento nas comunidades terapêuticas

As questões éticas envolvidas no acolhimento dos dependentes de substâncias psicoativas nas CT estão presentes, diariamente, no contexto da internação, seja no indivíduo, em sua família ou nas atividades dos responsáveis por esse trabalho. Os referenciais bioéticos podem funcionar como suporte para refletir sobre a busca de soluções éticas, razão de poderem ser muito úteis no debate dos conflitos que surgem no cotidiano das CT.

Trata-se de um sistema aberto que pode contribuir para que a bioética se desenvolva de forma mais produtiva, incluindo abordagens inter, multi e transdisciplinares para o trato de situações complexas 1414. Hossne WS, Pessini L, Barchifontaine CP, organizadores. Bioética no século XXI: anseios, receios e devaneios. São Paulo: Loyola; 2017., como as vivenciadas nas CT. A bioética não decorre apenas da reflexão dos cientistas, filósofos ou teólogos, mas também da visão de mundo da sociedade. Pensar que apenas especialistas podem discutir bioética é grande equívoco, pois é um campo de aplicação prática que pode orientar a decisão que cada um fizer dos problemas morais.

Recomenda-se que as CT tenham dispositivos éticos capazes de nortear as relações pessoais, orientando ação e reflexão das pessoas perante a realidade social em que estão inseridas 88. Gomes RM. Comunidade terapêutica e (re)educação. Rev Segur Urbana Juventude. 2010;3(2):1-18., sobretudo pela fragilidade e vulnerabilidade dos acolhidos. Gomes 88. Gomes RM. Comunidade terapêutica e (re)educação. Rev Segur Urbana Juventude. 2010;3(2):1-18. conclui que a CT é microssociedade na qual a rotina diária é causa de conflitos e contradições, o que exige padrão ético de convivência coletiva baseado nos princípios do compartilhamento, honestidade, horizontalização das relações entre equipe de apoio, residentes e espiritualidade, com o objetivo de superar o uso de drogas.

Portanto, é fundamental que os responsáveis possuam valores e atitudes condignas com o ponto de vista ético das relações entre acolhedores e acolhidos, capazes de entender a fragilidade do dependente e dar a proteção e ter o respeito necessário à sua condição humana. Pesquisa conduzida com dirigentes de um CT de Santa Catarina revelou, espontaneamente, um conjunto de 18 valores com absoluto predomínio das palavras respeito, ética, valorização humana e espiritualidade, as quais se sobrepuseram aos valores de transparência, compromisso social, sustentabilidade, integridade, respeito à individualidade, profissionalismo, responsabilidade e solidariedade, entre outros 1515. Souza ML, Schlemper Junior BR. Valores na perspectiva dos dirigentes das comunidades terapêuticas. In: Souza ML, Scarduelli P, organizadores. Op. cit. p. 94-101..

Pesquisa recente evidenciou que cerca de 50% dos dirigentes das CT brasileiras têm nível superior, 36,6%, nível médio, e 7,7%, ensino fundamental 1010. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia. Perfil das comunidades terapêuticas brasileiras. Nota Técnica nº 21 [Internet]. mar 2017 [acesso 3 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2xhZW8f
http://bit.ly/2xhZW8f...
. Visando suprir possível deficiência ética na formação dos técnicos dos serviços de saúde, pois são eles que estão em contato direto com pacientes e seus familiares, recomenda-se que deveriam ser qualificados para esta ação 1414. Hossne WS, Pessini L, Barchifontaine CP, organizadores. Bioética no século XXI: anseios, receios e devaneios. São Paulo: Loyola; 2017. e, para tanto, resgata-se a proposta de criação dos comitês intermunicipais de bioética 1616. Petry P, Conte K, Bonamigo EL, Schlemper Junior BR. Comitê de bioética: uma proposta para a atenção básica à saúde. Bioethikos. 2010;4(3):258-68..

Bioética: alguns princípios e referenciais

A autonomia do acolhido

A autonomia, um dos quatro princípios fundamentais da corrente anglo-saxônica da bioética, pode ser compreendida como a capacidade de o indivíduo tomar decisões que afetem sua vida, sua autodeterminação, seu autogoverno. Ou seja, é o poder de decidir o que é bom, ter liberdade de expressão, de optar diante dos dilemas de sua vida. Em outras palavras, o respeito à autonomia traduz-se no respeito à dignidade do ser humano que, por sua vez, está diretamente ligado ao livre consentimento, uma vez que ele deve ser sempre informado. O respeito às pessoas inclui, pelo menos, duas convicções éticas: todos devem ser tratados como agentes autônomos e, se houver, por alguma razão, redução da autonomia, todos têm o direito de ser protegidos. Por sua vez, esses enunciados teóricos encontram sua aplicação prática no consentimento informado 1717. Hooft L. Diálogos y contrapuntos bioéticos: 18 prestigiosos bioeticistas de Iberoamérica y Estados Unidos debaten sobre temas clave de la actualidad. Buenos Aires: Biblos; 2012., que representa a expressão materializada da autonomia 1818. Junges JR. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Ed. Unisinos; 2005..

O uso do termo “consentimento” é questionado por não refletir de forma adequada a questão, preferindo-se outras expressões mais condizentes, como “direito de decisão informada” ou “escolha esclarecida” 1919. Sánchez González MA. Bioética en ciencias de la salud. Barcelona: Masson; 2013. p. 214.. Deve ser lembrado que a bioética contemporânea e o consentimento informado nasceram ao mesmo tempo, pois a bioética do pós-guerra surgiu como disciplina que contemplava a autonomia do paciente e seu direito de escolher ou rechaçar intervenções em seu corpo 2020. Drane JF. Prólogo. In: Hooft L. Diálogos y contrapuntos bioéticos: 18 prestigiosos bioeticistas de Iberoamérica y Estados Unidos debaten sobre temas clave de la actualidad. Op. cit. p. 15..

Entretanto, só existe autonomia se o indivíduo tiver direito a mais de uma opção, para que ele possa exercer seu direito de escolha. Além da liberdade de optar, a autonomia pressupõe também a liberdade de ação, ou seja, que a pessoa seja capaz de agir conforme sua decisão, independentemente de seu grau de conhecimento.

Assim, para que o acolhido possa exercer adequadamente sua autonomia, são necessárias bases mais sólidas, asseguradas na noção do consentimento livre, esclarecido, renovável e revogável. O consentimento não pressupõe práticas de coação física, psíquica ou moral, simulações ou engodos, e só é moralmente aceito quando contém os seguintes elementos: informação, competência, entendimento e voluntariedade 2121. Fortes PAC. Reflexões sobre a bioética e o consentimento esclarecido. Bioética. 1994;2(2):129-35..

Sobre o exercício da autonomia, pode-se acrescentar, ao menos, duas situações éticas importantes nas CT: 1) aqueles que são capazes de deliberar sobre seus objetivos pessoais e agir sob a orientação dessa deliberação; 2) aqueles que têm sua autonomia diminuída ou forem incapazes de decidir por si próprios (hipervulneráveis) e que deverão ter ampliada sua proteção.

Sobre essas situações-limite, Caplan 66. Caplan A. Denying autonomy in order to create it: the paradox of forcing treatment upon addicts. Addiction. 2008;103(12):1919-21. orienta que dependentes não são, em princípio, incompetentes, desde que sejam capazes de raciocinar, lembrar de informações complexas, definir metas e serem orientados quanto a tempo, lugar e identidade pessoal. Porém, se uma droga é capaz de bloquear a capacidade para restaurar ou restabelecer sua autonomia, levando a perda de controle, falta de poder e ingovernabilidade, então a obrigatoriedade do tratamento pode ser eticamente justificável para tirá-los dessas situações.

O autor afirma que a restauração da autonomia é o fim de qualquer argumento moral para tratamento obrigatório, concluindo que o tratamento obrigatório que alivia os efeitos coercitivos do vício e permite a volta ou reemergência de uma verdadeira autonomia do paciente, pode ser a coisa certa a fazer 6. Enfim, infringir a autonomia para recriar a autonomia é atitude ética, desde que, após o tratamento coercitivo, se restabeleça a capacidade autônoma do dependente para que, no curto prazo, eles possam voltar a ter mais autonomia para decidir por si próprios2222. Caplan AL. Ethical issues surrounding forced, mandated, or coerced treatment. J Subst Abuse Treat. 2006;31(2):117-20..

Para outros, no entanto, o tratamento compulsório é grave restrição ética 2323. Segre M, Seibel SD. Aspectos éticos das atenções de saúde com relação ao dependente de drogas. In: Segre M. A questão ética e a saúde humana. São Paulo: Atheneu; 2006. p. 213-22.. Childress 2424. Childress J. Entrevista. Rev Ser Médico. 2013;64:4-9. situa a proteção de pessoas com autonomia reduzida dentro dos princípios da beneficência e justiça, e Beauchamp e Childress 2525. Beauchamp TL, Childress JF. Princípios de ética biomédica. São Paulo: Loyola; 2002. destacam que: 1) se não houver entendimento da situação, não haverá autonomia; 2) a incapacidade mental limita a autonomia dos portadores de deficiência; 3) a institucionalização coercitiva restringe a autonomia dos internados.

Complementando, Durand 2626. Durand G. Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos. 2ª ed. São Paulo: Loyola; 2007. p. 176. refere como elementos essenciais para o exercício da autonomia o direito de ser informado, de decidir e de escolher, mas exigindo-se aptidão do indivíduo para exercer: 1) a capacidade de compreender as explicações fornecidas e as implicações do ato; 2) a capacidade de deliberar sobre escolhas possíveis de acordo com seus valores e metas que persegue; 3) a capacidade de expressar claramente a própria escolha. O fundamento ético do consentimento informado, além da autonomia e da beneficência, baseia-se também nos valores de lealdade, veracidade e respeito 1919. Sánchez González MA. Bioética en ciencias de la salud. Barcelona: Masson; 2013. p. 214..

Dessa forma, tendo em conta que as internações nas CT não são coercitivas, mas relacionadas à própria vontade dos dependentes e, portanto, considerando que são capazes de ter consciência e governabilidade sobre suas decisões, espera-se que se tenha respeito à autonomia dos acolhidos na perspectiva das condutas éticas referidas. Cabe reportar aqui ao valor “respeito” como o mais citado pelos dirigentes das CT catarinenses 1515. Souza ML, Schlemper Junior BR. Valores na perspectiva dos dirigentes das comunidades terapêuticas. In: Souza ML, Scarduelli P, organizadores. Op. cit. p. 94-101., pois vai ao encontro da responsabilidade moral dessas instituições de preservar a dignidade, a autonomia e respeitar os valores do acolhido. Estando presente este valor na prática diária das CT, será possível conquistar a confiança dos acolhidos para estabelecer o cuidado necessário.

A privacidade e a confidencialidade

A garantia da preservação de informações, relacionada ao diagnóstico, exame complementar ou ao tratamento é dever prima facie (uma obrigação que se deve cumprir) de todos os profissionais e também das instituições 2727. Francisconi CF, Goldim JR. Aspectos bioéticos da confidencialidade e privacidade. In: Costa SLF, Oselka G, Garrafa V, coordenadores. Iniciação à bioética. Brasília: CFM; 1998. p. 269-84. p. 270.. Por sua vez, esse aspecto pode ser abordado tanto pela questão da privacidade quanto pela da confidencialidade.

A privacidade é a limitação do acesso às informações de uma pessoa e a ela própria, à sua intimidade, e garante a preservação de seu anonimato. Isso é particularmente importante, pois nas CT essa visão do respeito à privacidade é mais complexa, já que se vive coletiva e diariamente em espaço limitado durante alguns meses. Portanto, as informações sobre os dependentes devem se limitar às funções próprias de cada acolhedor e regidas pelo princípio da responsabilidade ética sobre as consequências de cada ação 2727. Francisconi CF, Goldim JR. Aspectos bioéticos da confidencialidade e privacidade. In: Costa SLF, Oselka G, Garrafa V, coordenadores. Iniciação à bioética. Brasília: CFM; 1998. p. 269-84. p. 270., mesmo no caso daqueles cujas profissões não sejam subordinadas a códigos deontológicos 2828. Fortes PAC. Ética e saúde: questões éticas, deontológicas e legais, tomada de decisões, autonomia e direitos do paciente, estudo de casos. São Paulo: EPU; 1998..

Por sua vez, a confidencialidade, como pilar ético da relação entre acolhedor e acolhido, é a garantia do resguardo das informações dadas pessoalmente em confiança e a proteção contra a sua revelação não autorizada. Os pacientes ou os dependentes são os proprietários de suas informações, enquanto os profissionais e as instituições são apenas seus fiéis depositários – todos que entram em contato com as informações por necessidade profissional têm apenas autorização para acessá-las, mas não o direito de usá-las livremente 2626. Durand G. Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos. 2ª ed. São Paulo: Loyola; 2007. p. 176..

Francisconi e Goldim 2727. Francisconi CF, Goldim JR. Aspectos bioéticos da confidencialidade e privacidade. In: Costa SLF, Oselka G, Garrafa V, coordenadores. Iniciação à bioética. Brasília: CFM; 1998. p. 269-84. p. 270. lembram ainda que essa relação de confiança se estabelece entre o profissional ou cuidador da instituição e o acolhido, devendo se estender, obrigatoriamente, a todos os demais que tenham qualquer informação sobre o dependente. Muito do vínculo entre acolhidos e acolhedores pode ser creditado a essa garantia. Mas, sobretudo, como acentua Gracia 2929. Gracia D. As drogas e seu mundo. In: Gracia D. Pensar a bioética: metas e desafios. São Paulo: Loyola; 2010. p. 370-7., nossos valores pessoais ressaltam nossa identidade, razão pela qual, quando não são respeitados, nos sentimos ultrajados e maltratados.

O referencial bioético da alteridade

Deve-se a Lévinas 3030. Lévinas E. Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes; 1993. a proposta de incluir a alteridade na reflexão ética, identificando-a como a face do Outro, a importância do Outro e que a cada um de nós cabe a tarefa de ser responsável pelo Outro, especialmente àqueles socialmente mais vulneráveis. O autor 3030. Lévinas E. Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes; 1993. acrescenta que esse movimento de encontro ao Outro exige generosidade radical que deve ser oferecida sem se esperar qualquer recompensa ou gratidão, pois essa ação deve ser encarada como um ato altruísta de mão única 3131. Siqueira JE. Reflexão bioética sobre a responsabilidade cidadã e o ato de cuidar. In: Siqueira JE, Zoboli E, Sanches M, Pessini L, organizadores. Bioética clínica: memórias do XI Congresso Brasileiro de Bioética, III Congresso Brasileiro de Bioética Clínica e III Conferência Internacional sobre o Ensino da Ética. Brasília: CFM; 2016. p. 177-206.. Se o altruísta é aquele que pensa nos outros antes de pensar em si próprio, o exercício de se encontrar ou se relacionar com a alteridade seria a representação mais cabal da própria ética3232. Siqueira JE. Op. cit. p. 193.. No mesmo sentido, Cortella afirma que a visão da alteridade é a capacidade de ver o outro como outro, e não como estranho3333. Cortella MS. Qual é a tua obra? Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. 4ª ed. Petrópolis: Vozes Nobilis; 2008. p. 117.. Ou seja, alteridade é o Outro, aquele que não sou eu.

Pela perfeita adequação ao ambiente das CT e sua aplicação nas relações entre o acolhedor (eu) e o acolhido (Outro), reproduzem-se as palavras de Hossne e Segre: o Outro, como foi dito, precisa ser conhecido, reconhecido e entendido. Por isso o Outro tem todo o direito de falar e exigir que seja ouvido e escutado, e Eu, Tu, ou Nós, temos o dever de ouvir e escutar o Outro. Da mesma forma, o Outro tem todo o direito de ser visto, ser enxergado em sua totalidade e Eu, Tu ou Nós temos o dever de enxergar e ver, ver e enxergar o Outro. Decorre daí, também, a necessidade de assegurar suficiente “foco de luz” sobre o Outro – em outras palavras, deve-se assegurar o mínimo de “claridade” para que se possa olhar, ver e enxergar o Outro3434. Hossne WS, Segre M. Dos referenciais da bioética: a alteridade. Bioethikos. 2011;5(1):35-40. p. 40.. Espera-se que os profissionais da saúde contemplem o outro, não como paciente (um ser passivo e sofredor, incapaz), mas como um semelhante numa relação simétrica (ou o mais próximo que possa ser). Por isso, Hossne e Segre concluem:

Conhecer o Outro implica levar em conta sua “biografia” de forma abrangente, incluindo sua espiritualidade e sua vulnerabilidade (como outro referencial). Respeitar o Outro, isto é, a alteridade, implica respeitar a autodeterminação, vale dizer, o referencial da autonomia. (…) No conhecer o rosto do Outro, com o objetivo bioético da melhor opção de valores para o Outro, entram em jogo a phronesis e a sophrosynê, isto é, entra em jogo o referencial da prudência 3434. Hossne WS, Segre M. Dos referenciais da bioética: a alteridade. Bioethikos. 2011;5(1):35-40. p. 40..

Nesta visão de atuar na interação com o Outro, resgata-se o pioneirismo do movimento de apoio aos dependentes químicos em Florianópolis, o Centro de Interação e Integração Humana, mais conhecido como Movimento Porta Aberta 3535. Movimento Porta Aberta. Centro de Interação e Integração Humana de Santa Catarina. Recuperação e valorização do homem [mimeografado]. Florianópolis; 1987.. Esse projeto busca valorizar o dependente como ser humano e visa sua integração ao ambiente de recuperação e seu retorno à sociedade. Como divulgado pela própria instituição, leva-se em conta que a pessoa humana é vista e se constitui no valor fundamental da convivência humana e onde os mais necessitados encontrem nossa ajuda, amparo e carinho3636. Movimento Porta Aberta. Op. cit. p. 3..

Esse sentimento humanitário claramente expresso nas ações do Porta Aberta vem ao encontro do que os acolhidos mais desejam e esperam: ter oportunidade de expressar livremente seus sentimentos e emoções, e receber afeto, cortesia, atenção e respeito como seres humanos 3737. Magalhães DEF, Silva MRS. Cuidados requeridos por usuários de crack internados em uma instituição hospitalar. Reme. 2010;14(3):408-15.. Em outras palavras, a alteridade estimula a reflexão pessoal para conscientizar as pessoas em relação a questões éticas 1313. Schlemper Junior BR. Contribuição da bioética ao acolhimento nas comunidades terapêuticas. In: Souza ML, Scarduelli P, organizadores. Op. cit. p. 102-20..

Nesse sentido, a partir do pensamento de Lévinas, mostra-se que a “sensibilidade” do face a face inicia um modo eminentemente ético de humanizar o pensar e o agir do profissional da saúde em razão do cuidado do Outro vulnerável 3838. Almeida DV, Ribeiro Júnior N. Ética, alteridade e saúde: o cuidado como compaixão solidária. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, organizadores. Bioética, cuidado e humanização. São Paulo: Loyola; 2014. v. 2. p. 237-46.. Estar junto não é apenas estar ao lado, é preciso ver e sentir do Outro, com a necessária identificação do eu e do Outro, o que vale dizer que a alteridade é mais do que amizade, ultrapassa o conceito da solidariedade e está mais próxima da empatia, ou seja, da capacidade de sentir junto com o Outro 3939. Hossne WS, Segre M. Op. cit. p.38..

O que hoje chamamos de empatia ainda é confundido com simpatia, confusão que data de meados do século passado 3838. Almeida DV, Ribeiro Júnior N. Ética, alteridade e saúde: o cuidado como compaixão solidária. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, organizadores. Bioética, cuidado e humanização. São Paulo: Loyola; 2014. v. 2. p. 237-46.. Assim, cabe destacar a importância da empatia no contexto das relações humanas nas CT, uma vez que representa uma experiência emocional vivenciada entre um observador (acolhedor) e um indivíduo (acolhido). O primeiro, baseado em percepções visuais e auditivas, identifica e entende os sentimentos do segundo, de modo que para ser percebido como empático, o observador deve transmitir esse entendimento ao paciente 4040. Gauer GJC, Giovelli G, Rosa CT, Wagner HL, Calvetti PU. A relação profissional de saúde e paciente. In: Loch JÁ, Gauer GJC, Casado M, organizadores. Bioética, interdisciplinaridade e prática clínica. Porto Alegre: EdiPUCRS; 2008. p. 63-82..

A empatia é também elemento importante da capacidade de uma pessoa entender outras pessoas, razão pela qual pacientes tratados por profissionais empáticos relatam maior satisfação com o tratamento e são mais propensos a seguir as orientações do que aqueles tratados por profissionais menos empáticos 4141. Hirsch EM. The role of empathy in medicine: a medical student’s perspective. Virtual Mentor. 2007;9(6):423-7.,4242. Hardee JT. An overview of empathy. Perm J. 2003;7(4):51-4.. Ou seja, os benefícios da comunicação empática melhorada são tangíveis tanto para o observador quanto para o observado 4242. Hardee JT. An overview of empathy. Perm J. 2003;7(4):51-4.. Essa compreensão pode ser entendida como a troca de sensibilidade entre acolhedores e acolhidos, e é fundamental para a qualidade do atendimento 4040. Gauer GJC, Giovelli G, Rosa CT, Wagner HL, Calvetti PU. A relação profissional de saúde e paciente. In: Loch JÁ, Gauer GJC, Casado M, organizadores. Bioética, interdisciplinaridade e prática clínica. Porto Alegre: EdiPUCRS; 2008. p. 63-82.,4141. Hirsch EM. The role of empathy in medicine: a medical student’s perspective. Virtual Mentor. 2007;9(6):423-7., principalmente no acolhimento contínuo durante alguns meses, como se observa nas CT. Ten Have e Gordjin 4343. Ten Have H, Gordijn B. Empathy and violence. Med Health Care Philos. 2016;19(4):499-500. sintetizam que a relação entre profissional e paciente deve ser embasada na empatia, razão pela qual é considerada conceito central na ética da saúde.

Quanto aos modelos da relação médico-paciente, Emanuel e Emanuel 4444. Emanuel EJ, Emanuel LL. Cuatro modelos de la relación médico-paciente. In: Couceiro A, editora. Bioética para clínicos. Madrid: Triacastela; 1999. p. 109-26. (Coleção Humanidades Médicas nº 3). identificaram quatro tipos, classificados como paternalista, informativo, interpretativo e deliberativo, sendo o último considerado ideal. O método deliberativo preserva mais a autonomia do paciente para que possa desenvolver atitudes críticas sobre seus valores, e o profissional de saúde busca dialogar mais com ele, promovendo outros princípios relacionados à situação de saúde vivenciada. Esse modelo pode também ser aplicado para as relações com outros profissionais de saúde 4040. Gauer GJC, Giovelli G, Rosa CT, Wagner HL, Calvetti PU. A relação profissional de saúde e paciente. In: Loch JÁ, Gauer GJC, Casado M, organizadores. Bioética, interdisciplinaridade e prática clínica. Porto Alegre: EdiPUCRS; 2008. p. 63-82..

Pelas circunstâncias diferenciadas das CT, cada membro da equipe acaba por se complementar com o outro nessa “mágica” relação humana, na qual a participação ativa do acolhido é essencial para o sucesso pretendido 4545. Jardim PCBV. A relação médico-paciente-equipe de saúde. In: Branco RFGR. A relação com o paciente: teoria, ensino e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p. 253-6.. Desse modo, a resolução dos problemas morais que os pacientes apresentam ou propõem deve resultar de processo compartilhado entre acolhedor e residente, cabendo ao primeiro a utilização de seu conhecimento para sugerir alternativas de abordagens terapêuticas e, ao segundo, a exposição de seus legítimos valores e necessidades para garantir decisão prudente e segura 4646. Marques Filho J. Bioética clínica: cuidando de pessoas. Rev Bras Reumatol. 2008;48(1):31-3..

Entende-se, portanto, que nas CT, diariamente, o processo deliberativo está presente, pois ocorrem reuniões grupais, seminários, reuniões da casa e, quando necessário, reuniões gerais, sempre com a participação dos residentes e dos responsáveis que discutem e decidem conjuntamente 4747. De Leon G. A comunidade terapêutica: teoria, modelo e método. São Paulo: Loyola; 2003.. Acrescente-se ainda a organização diária de grupos clínicos, educacionais e de encontro, peças fundamentais do processo de despertar a consciência de cada um sobre o Outro quanto a atitudes e padrões comportamentais que devem ser modificados. Nesses grupos os acolhidos ajudam diretamente uns aos outros, no difícil processo de deliberação para mudança pessoal 4747. De Leon G. A comunidade terapêutica: teoria, modelo e método. São Paulo: Loyola; 2003..

A espiritualidade como referencial da bioética

Reconhece-se o crescente interesse sobre o conhecimento das relações entre espiritualidade e saúde, tanto por parte de pesquisadores e profissionais da saúde como da população em geral. Hossne e Pessini 4848. Hossne WS, Pessini L. Dos referenciais da bioética: a espiritualidade. Bioethikos. 2014;8(1):11-30. consideram a espiritualidade como novo referencial da bioética. Souza 4949. Souza VCT. Bioética e espiritualidade na sociedade pós-moderna: desafios éticos para uma medicina mais humana. Bioethikos. 2010;4(1):86-91. esclarece que, assim como ocorre com ética e moral, espiritualidade e religiosidade não são sinônimos, sendo a primeira forma implícita de tratar dimensões profundas da subjetividade sem incluir necessariamente crenças.

Por sua vez, Boff 5050. Boff L. Tempo de transcendência: o ser humano como um projeto infinito. Rio de Janeiro: Sextante; 2000. ressalta a importância da espiritualidade na transformação e preparação do ser humano para os enfrentamentos de nosso século. O filósofo norte-americano Sam Harris admite que a espiritualidade deve ser desconectada da religião 5151. Loiola R. A espiritualidade sem Deus: entrevista com Sam Harris. Rev Veja [Internet]. 14 dez 2014 [atualizado 9 maio 2016; acesso 25 jan 2017]. Disponível: http://abr.ai/2ArFMu0
http://abr.ai/2ArFMu0...
. Na mesma linha de entendimento, Souza 4949. Souza VCT. Bioética e espiritualidade na sociedade pós-moderna: desafios éticos para uma medicina mais humana. Bioethikos. 2010;4(1):86-91. refere que a busca da dimensão interior do ser humano, na essência, é a espiritualidade que, quando visa o bem-estar do outro em sua alteridade, reflete a ética.

Souza, Pessini e Hossne 5252. Souza VCT, Pessini L, Hossne WS. Bioética, religião, espiritualidade e a arte do cuidar na relação médico-paciente. Bioethikos. 2012;6(2):181-90. concluem que essa responsabilidade pelo Outro (o acolhido) é o desafio espiritual da bioética, e é nesse cenário, no ambiente das CT, que a espiritualidade deve aflorar como referencial importante da bioética, como foi mencionado pelos responsáveis das CT em Santa Catarina 1515. Souza ML, Schlemper Junior BR. Valores na perspectiva dos dirigentes das comunidades terapêuticas. In: Souza ML, Scarduelli P, organizadores. Op. cit. p. 94-101.. Nos programas de tratamento das CT, admite-se que a espiritualidade é elemento fundamental para recuperar o dependente 4747. De Leon G. A comunidade terapêutica: teoria, modelo e método. São Paulo: Loyola; 2003., estando presente em mais de 90% das unidades pesquisadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) como um dos “métodos basilares” de tratamento 1010. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia. Perfil das comunidades terapêuticas brasileiras. Nota Técnica nº 21 [Internet]. mar 2017 [acesso 3 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2xhZW8f
http://bit.ly/2xhZW8f...
.

Assim, a espiritualidade constitui uma força para a transformação dos dependentes, uma vez que pode levá-los a reconhecer e atribuir sentido à própria vida. Conforme observado em uma das CT pesquisadas: a espiritualidade entra não exatamente como “o tratamento”, mas parte dele: algo que dará um tipo de sustentação ética para que as pessoas se recuperem tanto no interior da CT quanto em sua vida posterior5353. Santos MPG. Comunidades terapêuticas: unidades de privação de liberdade? Ipea, Boletim de Análise Político-Institucional. 2016;(10):39-46. p. 41.. Fica claro, portanto, que a dimensão da espiritualidade é fator de bem-estar, conforto, esperança e saúde, sendo preciso que as instituições de saúde se organizem para incluir esse aspecto da necessidade humana 5454. Pessini L, Bertachini L. Espiritualidade e cuidados paliativos. In: Bertachini L, Pessini L, organizadores. Encanto e responsabilidade no cuidado da vida: lidando com desafios éticos em situações críticas e de final da vida. São Paulo: Paulinas; 2011. p. 267-96..

Quanto à saúde mental dos dependentes químicos, a espiritualidade vem sendo cada vez mais trabalhada em situação clínica, como ressaltada em documentos internacionais que valorizam essa dimensão no âmbito dos cuidados e da assistência à saúde (Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, Declaração de Lisboa sobre os Direitos dos Pacientes5555. World Medical Association. Declaration of Lisbon on the Rights of the Patient. 1981. Reaffirmed by the 200th WMA Council Session, Oslo, Norway [Internet]. 2015 [acesso 16 dez 2017]. Disponível: https://bit.ly/2AUpy89
https://bit.ly/2AUpy89...
) e a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde no Brasil, que reconhecem a importância do cuidado espiritual o direito à assistência religiosa do usuário 5454. Pessini L, Bertachini L. Espiritualidade e cuidados paliativos. In: Bertachini L, Pessini L, organizadores. Encanto e responsabilidade no cuidado da vida: lidando com desafios éticos em situações críticas e de final da vida. São Paulo: Paulinas; 2011. p. 267-96..

Revisão da literatura 5656. Saad M, Masiero D, Battistella LR. Espiritualidade baseada em evidências. Acta Fisiátrica. 2001;8(3):107-12. conclui que profissionais da saúde já contam com indicações científicas sobre o benefício da abordagem espiritual na terapêutica de qualquer doença em potencial, razão pela qual esperam que, num futuro próximo, seja reconhecida a importância desse tipo de apoio em instituições de saúde.

Panzini e colaboradores 5757. Panzini, RG, Rocha NS, Bandeira DR, Fleck MPA. Qualidade de vida e espiritualidade. Rev Psiq Clín. 2007;34(1 Suppl):105-15. enfatizam que há indícios consistentes da associação entre qualidade de vida e religiosidade, com base em estudos de razoável rigor metodológico e diversas variáveis para avaliar esse aspecto. Outro estudo de revisão dá orientações práticas para a avaliação espiritual e sua integração no tratamento de saúde mental, além de sugestões para pesquisas sobre o tema 5858. Moreira-Almeida A, Koenig HG, Lucchetti G. Clinical implications of spirituality to mental health: review of evidence and practical guidelines. Rev Bras Psiquiatr. 2014;36(2):176-82.. No mesmo sentido, Lucchetti e colaboradores 5959. Lucchetti G, Granero AL, Bassi RM, Latorraca R, Nacif SAP. Espiritualidade na prática clínica: o que o clínico deve saber? Rev Bras Clín Med. 2010;8(2):154-8. reconhecem a importância dessa associação e fazem recomendações sobre o que o clínico deve saber a respeito das questões espirituais do paciente para proporcionar atendimento mais humano e integral, inclusive a pacientes pediátricos 6060. Garanito MP, Cury MRG. A espiritualidade na prática pediátrica. Rev. bioét. (Impr.). 2016;24(1):49-53..

A literatura científica deixa clara a importância da espiritualidade na saúde mental, uma vez que as evidências têm mostrado a relação geralmente positiva entre ambas, o que, per se, justifica ser este referencial importante instrumento de reflexão bioética no âmbito das CT 1313. Schlemper Junior BR. Contribuição da bioética ao acolhimento nas comunidades terapêuticas. In: Souza ML, Scarduelli P, organizadores. Op. cit. p. 102-20.. Outra pesquisa sobre o tema indica que aproximadamente 80% dos estudos sobre religião/espiritualidade e saúde são sobre saúde mental e que a maioria deles apresenta relações significativas entre essas esferas e para a melhora da saúde 6161. Koenig HG. Religion, spirituality, and health: the research and clinical implications. ISRN Psychiatry. 2012;2012:278730.. Ao enfatizar o papel da educação espiritual, foi constatado que 100 das 141 faculdades de medicina dos EUA e Canadá têm cursos sobre este tema e que 70% deles são curriculares 6161. Koenig HG. Religion, spirituality, and health: the research and clinical implications. ISRN Psychiatry. 2012;2012:278730..

Levantamento bibliográfico feito por Leite e Seminotti 6262. Leite IS, Seminotti EP. A influência da espiritualidade na prática clínica em saúde mental: uma revisão sistemática. Rev Bras Ciênc Saúde. 2013;17(2):189-96. também sugere relações positivas entre espiritualidade e saúde mental, embora tenham sido encontrados aspectos negativos quanto à recuperação da saúde. Resultados semelhantes foram encontrados em estudos ambulatoriais de pacientes com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo 6363. Mohr S, Borras L, Nolan J, Gillieron C, Brandt PY, Eytan A et al. Spirituality and religion in outpatients with schizophrenia: a multi-site comparative study of Switzerland, Canada, and the United States. Int J Psychiatry Med. 2012;44(1):29-52.. Em estudo sobre morbidade psiquiátrica na Inglaterra, verificou-se que as pessoas que tinham compreensão espiritual da vida tinham pior saúde mental do que aquelas com sem esse tipo de entendimento 6464. King M, Marston L, McManus S, Brugha T, Meltzer H, Bebbington P. Religion, spirituality and mental health: results from a national study of English households. Br J Psychiatry. 2013;202(1):68-73..

Gomes 88. Gomes RM. Comunidade terapêutica e (re)educação. Rev Segur Urbana Juventude. 2010;3(2):1-18. afirma que a espiritualidade nas CT é essencialmente prática e está ao alcance dos residentes, independentemente de concepções religiosas anteriores ou mesmo da ausência delas, e Boff refere que o decisivo não são as religiões, mas a espiritualidade subjacente a elas. É a espiritualidade que une, liga e re-liga e integra. Ela e não a religião ajuda a compor as alternativas de um novo paradigma civilizatório6565. Boff L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 15ª ed. Petrópolis: Vozes; 2008. p. 21..

Por sua vez, como acentua De Leon 4747. De Leon G. A comunidade terapêutica: teoria, modelo e método. São Paulo: Loyola; 2003., os dependentes não estão apenas tratando sua doença ou mudando seus comportamentos e atitudes, mas sendo forjados para mudar a si mesmos. A CT, além de contemplar o residente em sua integralidade de espírito, alma e corpo, é, por natureza, um modelo (re)educativo por preparar o residente para o regresso à vida social 88. Gomes RM. Comunidade terapêutica e (re)educação. Rev Segur Urbana Juventude. 2010;3(2):1-18.. Dessa forma, cabe concluir que estudar cientificamente a espiritualidade é uma empreitada muito entusiasmante e perigosa. Essa é uma área repleta de preconceitos, a favor e contra a espiritualidade (…) necessitamos explorar a relação entre espiritualidade e saúde para aprimorar nosso conhecimento sobre o ser humano e nossas abordagens terapêuticas6666. Moreira-Almeida A. Espiritualidade e saúde: passado e futuro de uma relação controversa e desafiadora. Rev Psiquiatr Clín. 2007;34(1 Suppl):3-4. p. 4..

A solidariedade como referencial bioético

Do ponto de vista humano, a solidariedade assume valor social que nos une uns aos outros, formando uma comunidade que deve defender os mesmos interesses, e sua inclusão como referencial da bioética visa utilizá-la nas deliberações acerca de valores 6767. Hossne WS, Silva FL. Dos referenciais da bioética: a solidariedade. Bioethikos. 2013;7(2):150-6.. Hossne e Silva 6767. Hossne WS, Silva FL. Dos referenciais da bioética: a solidariedade. Bioethikos. 2013;7(2):150-6. explicam que a solidariedade poderia subsidiar as resoluções bioéticas, pois seu objetivo principal é permitir a caracterização do referencial tendo em vista ações éticas mais adequadas.

O conceito de solidariedade pode ser visto como conjunto de laços que une os indivíduos na constituição de um grupo social 6868. Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, Hossne WS. Os novos referenciais da bioética global: a solidariedade, a vulnerabilidade e a precaução. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, Hossne WS. Bioética em tempos de globalização. São Paulo: Loyola; 2015. p. 17-30., que tem como função primordial manter a coesão do grupo e conservar a vida 6969. Boff L. Op. cit. 2008., expressões que nos permitem entender sua adequação às vivências nas CT. A solidariedade foi ignorada até início deste século diante do predomínio da visão individualista e autonômica. No entanto, com o surgimento de abordagens sociais e políticas, passou a ser mais valorizada na perspectiva bioética 6868. Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, Hossne WS. Os novos referenciais da bioética global: a solidariedade, a vulnerabilidade e a precaução. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, Hossne WS. Bioética em tempos de globalização. São Paulo: Loyola; 2015. p. 17-30..

A solidariedade transmite, entre outras, a seguinte mensagem: você não está só, afaste a solidão, estamos juntos com você7070. Hossne WS, Silva FL. Op. cit. p. 155.. Assim, trata-se não apenas de noção ou conceito, mas principalmente de prática ou modo de vida, o que permite que passe de marca ética das relações humanas no sentido universal para o nível da conduta individual, nos vários aspectos da existência 6767. Hossne WS, Silva FL. Dos referenciais da bioética: a solidariedade. Bioethikos. 2013;7(2):150-6..

Por causa do crescente interesse e aplicações, o sentido universal da solidariedade foca os interesses das comunidades como um todo, tendo em vista que, nos últimos tempos, seu conceito tem sido ligado a quatro novas áreas de reflexão da bioética: 1) o âmbito da saúde pública; 2) o contexto de justiça e equidade dos sistemas de saúde; 3) o paradigma da saúde global (bioética global); 4) a ligação com os processos que levam ao bem-estar da sociedade 6868. Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, Hossne WS. Os novos referenciais da bioética global: a solidariedade, a vulnerabilidade e a precaução. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, Hossne WS. Bioética em tempos de globalização. São Paulo: Loyola; 2015. p. 17-30.. Os autores enfatizam, ainda, que, no campo da bioética, a solidariedade tem relevância especial na assistência à saúde, como nos cuidados de longa duração e nas questões ligadas à assistência social 6868. Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, Hossne WS. Os novos referenciais da bioética global: a solidariedade, a vulnerabilidade e a precaução. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, Hossne WS. Bioética em tempos de globalização. São Paulo: Loyola; 2015. p. 17-30., situações estas vivenciadas nas CT.

Os voluntários entendem a solidariedade como processo embasado em responsabilidade social, e têm consciência de que suas ações são importantes para a sociedade 7171. Penteado FG, Silva LES, Rodrigues RDC, Prado MM, Bugarin Junior JG. Análise bioética da percepção da solidariedade na ação do voluntariado. Bioética. 2005;13(1):65-78.. De Leon 4747. De Leon G. A comunidade terapêutica: teoria, modelo e método. São Paulo: Loyola; 2003. explica que viver e trabalhar em CT ajuda a promover a solidariedade com os companheiros e a agregar pessoas por meio do relacionamento interpessoal, imprescindível no dia a dia. Esses voluntários são os principais agentes de mudança, uma vez que são responsáveis por si próprios e pela ajuda a seus companheiros.

Da mesma forma, Selli e Garrafa 7272. Selli L, Garrafa V. Bioética, solidariedade crítica e voluntariado orgânico. Rev Saúde Pública. 2005;39(3):473-8. avaliam que, entre os novos princípios e valores ligados à sociabilidade contemporânea, aquele que melhor representa as relações interpessoais é a solidariedade. Por sua vez, Junges 1818. Junges JR. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Ed. Unisinos; 2005. enfatiza que ela deve ser usada como forma de diminuir a enorme desigualdade de classes e de orientar eticamente relações sociais assimétricas.

Tendo isso em conta, a solidariedade deve ser entendida como a capacidade de o agente discernir as dimensões sociais e políticas que estão indissociavelmente presentes na ação solidária 7272. Selli L, Garrafa V. Bioética, solidariedade crítica e voluntariado orgânico. Rev Saúde Pública. 2005;39(3):473-8.. A isto Selli e Garrafa denominam solidariedade crítica, sugerindo sua inclusão como valor a ser incorporado na agenda bioética do século XXI para guiar pessoas na prática voluntária 7272. Selli L, Garrafa V. Bioética, solidariedade crítica e voluntariado orgânico. Rev Saúde Pública. 2005;39(3):473-8.. Além disso, introduzem a expressão voluntariado orgânico, conceito definido como participação politizada, comprometida, ativa e beneficente das pessoas que desenvolvem serviço voluntário em busca de condições necessárias à democratização efetiva do Estado e não apenas como dedicação a determinada causa ou a alguém pelo sentimento de solidariedade pessoal. Dessa maneira, a solidariedade crítica centra-se no comprometimento do sujeito com suas intervenções e ações, e o voluntariado orgânico torna-se espaço para o exercício da liberdade individual e coletiva 7272. Selli L, Garrafa V. Bioética, solidariedade crítica e voluntariado orgânico. Rev Saúde Pública. 2005;39(3):473-8..

Finalmente, enfatiza-se que nas CT a solidariedade induz obrigações mútuas, razão de estar incorporada no método de tratamento, pois todos são parceiros e dependem uns dos outros. Ressalta-se, portanto, que ajudar os demais é algo profundamente enraizado no dever natural da solidariedade existente no coletivo humano, como ocorre nas CT, local onde os residentes permanecem juntos por alguns meses. Além disso, está presente também nas ações de muitos que concluíram o programa de recuperação na CT e que passaram a atuar, voluntariamente, como “padrinhos” de novos acolhidos 4747. De Leon G. A comunidade terapêutica: teoria, modelo e método. São Paulo: Loyola; 2003.. No Brasil, 32,6% dos dirigentes de CT se declararam beneficiários de tratamentos em CT 1010. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia. Perfil das comunidades terapêuticas brasileiras. Nota Técnica nº 21 [Internet]. mar 2017 [acesso 3 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2xhZW8f
http://bit.ly/2xhZW8f...
.

O cuidado respeitoso – novo referencial bioético

Os dicionários identificam “cuidado” como atenção, zelo, dedicação, carinho e, sobretudo, empatia gratuita e prazerosa. Fenomenologicamente, “cuidado” é um modo de ser, maneira de existir das pessoas que gera comportamentos e atitudes permanentes, que se tornam a base de uma nova ética geral, a ética da atenção especial com os mais fracos (vulnerados) 7373. Pegoraro O. A existência humana é existência cuidadosa. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, organizadores. Op. cit. p. 225-36.. Concluindo esta conceituação e apoiando-se em Heidegger, Pegoraro define o ente que nós somos como ser-cuidadoso7474. Pegoraro O. Op. cit. p. 229..

Dall’Agnol 7575. Dall’Agnol D. Cuidar e respeitar: atitudes fundamentais na bioética. Bioethikos. 2012;6(2):133-46. introduz nessa discussão, considerando os fundamentos da bioética, novo e importante conceito, o cuidado respeitoso: trata-se de um novo olhar para o cuidado, que se refere a uma atitude considerada fundamental para a bioética atual. Para muitos eticistas e filósofos morais contemporâneos, tanto cuidar quanto respeitar são atitudes que expressam formas de valorizar indivíduos vulneráveis, como ocorre, por exemplo, nas CT.

O cuidado, em geral, é entendido como forma de preservar ou incrementar o bem-estar do indivíduo vulnerável. Porém, pode se transformar em paternalismo quando o cuidador deseja impor valores, algum procedimento específico ou certa concepção de bem que não é partilhada pelo indivíduo vulnerável 7575. Dall’Agnol D. Cuidar e respeitar: atitudes fundamentais na bioética. Bioethikos. 2012;6(2):133-46., algo que deve ser evitado nessa relação.

Segundo Dall’Agnol 7575. Dall’Agnol D. Cuidar e respeitar: atitudes fundamentais na bioética. Bioethikos. 2012;6(2):133-46., o devido respeito é capaz de limitar o cuidado e evitar que degenere em ações paternalistas. Porém, de acordo com o autor, o próprio respeito pode se tornar atitude negativa se não for adequadamente dosado, o que permite concluir que o respeito sem o cuidado pode levar à indiferença e ao individualismo, ou seja, reforçando a teoria do cuidar respeitoso.

Nesse aspecto, a simpatia seria ingrediente fundamental, entendida como a capacidade de compartilhar alegrias ou tristezas, dores e sofrimentos dos outros. Deve-se dizer ainda que a ética do cuidado se baseia numa relação individual, única, entre cuidador e indivíduo vulnerável e, desse modo, o primeiro deveria preservar ou aumentar o bem-estar do indivíduo vulnerável, expandindo a situação para uma relação mais ampla e coletiva como ocorre nas CT, por exemplo.

Em síntese, o cuidado é entendido como forma de cuidar e incrementar o bem-estar de indivíduos vulneráveis. Nesse sentido, um princípio bioético fundamental deve ser o do respeito pela pessoa e não simplesmente o respeito pela autonomia da pessoa consciente, tendo em conta que o respeito é um dos valores mais importantes do ser humano e muito relevante nas relações sociais. Cabe recordar que, nesse mesmo diapasão, o respeito foi o valor humano espontaneamente mais referido pelos dirigentes e técnicos de CT de Santa Catarina no 1º Seminário Estadual do Projeto Reviver, em 2014 1515. Souza ML, Schlemper Junior BR. Valores na perspectiva dos dirigentes das comunidades terapêuticas. In: Souza ML, Scarduelli P, organizadores. Op. cit. p. 94-101..

Pode-se entender que essa forma de cuidado se concretiza plenamente quando se estabelece laço de confiança e respeito entre as partes. Para conquistar essa confiança, o cuidador deve demonstrar responsabilidade, competência, respeito e sensibilidade, exteriorizados nas relações pessoais. Deve-se relembrar que o acolhido, por sua condição clínica, encontra-se sempre em situação de vulnerabilidade, mas, não obstante, deve ser respeitado em sua condição de ser humano digno e detentor de direitos fundamentais.

Portanto, deve-se voltar a atenção para a necessidade de repensar e reanalisar o cuidado e o respeito no contexto mais amplo da bioética geral, de maneira digna, ética e humana (a importância da escuta nas relações), já que são direitos fundamentais do vulnerável. Por último, enfatiza-se que o cuidado respeitoso é novo conceito bioético e sua aplicação ética nas relações interpessoais das CT é muito significante, razão para se concluir que somente o cuidado respeitoso constitui-se numa atitude verdadeiramente moral e, por conseguinte, é absolutamente necessário para a bioética atual7676. Dall’Agnol D. Op. cit. p. 145..

Considerações finais

Os que se preocupam com o futuro da bioética ressaltam a necessidade de este campo sair do espaço acadêmico e ganhar ampla difusão na sociedade para ser atuante, por meio de seus princípios e referenciais, na busca das melhores soluções nos conflitos concretos da realidade. Sánchez González e Moreno sugerem que futuramente a bioética deveria ser instrumento de educación moral para una nueva democracia deliberativa y participativa, (…) constituir el núcleo de la ética civil que necesitan las sociedade7777. Sánchez González MA, Moreno B. El futuro de la bioética. In: Ruiz-Valdepeñas BH, Moya FB, coordenadores. Historia ilustrada de la bioética. Madrid: Fundación Tejerina; 2015. p. 241-54. p. 251.. Assim, com base nessa visão, foram incorporadas considerações bioéticas pouco analisadas no processo de cuidar nas CT, como autonomia, privacidade, confidencialidade, alteridade, espiritualidade, solidariedade e cuidado respeitoso.

Apesar de as CT realizarem atividades permeadas por profundas divergências e sofrerem críticas por receber recursos públicos, assim como por sua discutida eficácia e métodos de tratamento restringirem alguns direitos fundamentais dos dependentes, é imperativo compreender que negar sua existência ou voltar-lhes às costas é atitude incoerente, é fugir da realidade social vivenciada por milhares de acolhidos.

Entende-se, assim, a importância de discutir suas perspectivas futuras para torná-las mais efetivas e com acolhimento compatível com os padrões bioéticos contemporâneos. Por essa razão, os desafios para as CT no país devem ser a aproximação com a pesquisa científica, a avaliação continuada e a criação de processos educacionais baseados nos princípios e referenciais bioéticos, para aprimorar as equipes das CT. Para tanto, sugere-se a instituição de Comitês Intermunicipais de Bioética como mecanismos compatíveis para atender a essas necessidades.

Referências

  • 1
    Schlemper Junior BR. Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos: referência para vigilância sanitária em comunidades terapêuticas. Rev. bioét. (Impr.). 2017;25(3):462-72.
  • 2
    Trzcinski C, Cetolin SF. Crack: um fenômeno em evidência. In: Cetolin SF, Trzcinski C, organizadoras. A onda das pedras: crack e outras drogas. Porto Alegre: EdiPUCRS; 2013. p. 47-60.
  • 3
    España. Ministerio de Sanidad y Consumo, Organización Mundial de la Salud. Glosario de términos de alcohol y drogas [Internet]. Madrid: Ministerio de Sanidad y Consumo; 1994 [acesso 28 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/PwhfbG
    » http://bit.ly/PwhfbG
  • 4
    Argudo EG, coordinadora. Abordaje de las adicciones en red [Internet]. Bilbao: Osakidetza; 2016 [acesso 28 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/2jOhznF
    » http://bit.ly/2jOhznF
  • 5
    Goodman A. Addiction: definition and implications. Br J Addict. 1990;85(11):1403-8.
  • 6
    Caplan A. Denying autonomy in order to create it: the paradox of forcing treatment upon addicts. Addiction. 2008;103(12):1919-21.
  • 7
    Damas FB. Comunidades terapêuticas no Brasil: expansão, institucionalização e relevância social. Rev Saúde Pública. 2013;6(1):50-65.
  • 8
    Gomes RM. Comunidade terapêutica e (re)educação. Rev Segur Urbana Juventude. 2010;3(2):1-18.
  • 9
    Carvalho T, Melo SIL, Oliveira RJA. Comunidades terapêuticas em Santa Catarina: produção científica e controvérsias. In: Souza ML, Scarduelli P, organizadores. Comunidades terapêuticas: cenário de inovação em Santa Catarina. Florianópolis: Insular; 2015. p. 49-56.
  • 10
    Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia. Perfil das comunidades terapêuticas brasileiras. Nota Técnica nº 21 [Internet]. mar 2017 [acesso 3 jul 2017]. Disponível: http://bit.ly/2xhZW8f
    » http://bit.ly/2xhZW8f
  • 11
    Pozas JEM. Comunidades terapéuticas en España: evolución histórica, situación actual y perspectivas [Internet]. jun 1998 [acesso 22 jan 2017]. Disponível: http://bit.ly/2ybbwNX
    » http://bit.ly/2ybbwNX
  • 12
    Organización de las Naciones Unidas. Oficina contra la Droga y el Delito. Abuso de drogas: tratamiento y rehabilitación: guía práctica de planificación y aplicación [Internet]. New York: ONU; 2003 [acesso 28 jun 2017]. p. IV.5. Disponível: http://bit.ly/2jf7GSH
    » http://bit.ly/2jf7GSH
  • 13
    Schlemper Junior BR. Contribuição da bioética ao acolhimento nas comunidades terapêuticas. In: Souza ML, Scarduelli P, organizadores. Op. cit. p. 102-20.
  • 14
    Hossne WS, Pessini L, Barchifontaine CP, organizadores. Bioética no século XXI: anseios, receios e devaneios. São Paulo: Loyola; 2017.
  • 15
    Souza ML, Schlemper Junior BR. Valores na perspectiva dos dirigentes das comunidades terapêuticas. In: Souza ML, Scarduelli P, organizadores. Op. cit. p. 94-101.
  • 16
    Petry P, Conte K, Bonamigo EL, Schlemper Junior BR. Comitê de bioética: uma proposta para a atenção básica à saúde. Bioethikos. 2010;4(3):258-68.
  • 17
    Hooft L. Diálogos y contrapuntos bioéticos: 18 prestigiosos bioeticistas de Iberoamérica y Estados Unidos debaten sobre temas clave de la actualidad. Buenos Aires: Biblos; 2012.
  • 18
    Junges JR. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Ed. Unisinos; 2005.
  • 19
    Sánchez González MA. Bioética en ciencias de la salud. Barcelona: Masson; 2013. p. 214.
  • 20
    Drane JF. Prólogo. In: Hooft L. Diálogos y contrapuntos bioéticos: 18 prestigiosos bioeticistas de Iberoamérica y Estados Unidos debaten sobre temas clave de la actualidad. Op. cit. p. 15.
  • 21
    Fortes PAC. Reflexões sobre a bioética e o consentimento esclarecido. Bioética. 1994;2(2):129-35.
  • 22
    Caplan AL. Ethical issues surrounding forced, mandated, or coerced treatment. J Subst Abuse Treat. 2006;31(2):117-20.
  • 23
    Segre M, Seibel SD. Aspectos éticos das atenções de saúde com relação ao dependente de drogas. In: Segre M. A questão ética e a saúde humana. São Paulo: Atheneu; 2006. p. 213-22.
  • 24
    Childress J. Entrevista. Rev Ser Médico. 2013;64:4-9.
  • 25
    Beauchamp TL, Childress JF. Princípios de ética biomédica. São Paulo: Loyola; 2002.
  • 26
    Durand G. Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos. 2ª ed. São Paulo: Loyola; 2007. p. 176.
  • 27
    Francisconi CF, Goldim JR. Aspectos bioéticos da confidencialidade e privacidade. In: Costa SLF, Oselka G, Garrafa V, coordenadores. Iniciação à bioética. Brasília: CFM; 1998. p. 269-84. p. 270.
  • 28
    Fortes PAC. Ética e saúde: questões éticas, deontológicas e legais, tomada de decisões, autonomia e direitos do paciente, estudo de casos. São Paulo: EPU; 1998.
  • 29
    Gracia D. As drogas e seu mundo. In: Gracia D. Pensar a bioética: metas e desafios. São Paulo: Loyola; 2010. p. 370-7.
  • 30
    Lévinas E. Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes; 1993.
  • 31
    Siqueira JE. Reflexão bioética sobre a responsabilidade cidadã e o ato de cuidar. In: Siqueira JE, Zoboli E, Sanches M, Pessini L, organizadores. Bioética clínica: memórias do XI Congresso Brasileiro de Bioética, III Congresso Brasileiro de Bioética Clínica e III Conferência Internacional sobre o Ensino da Ética. Brasília: CFM; 2016. p. 177-206.
  • 32
    Siqueira JE. Op. cit. p. 193.
  • 33
    Cortella MS. Qual é a tua obra? Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. 4ª ed. Petrópolis: Vozes Nobilis; 2008. p. 117.
  • 34
    Hossne WS, Segre M. Dos referenciais da bioética: a alteridade. Bioethikos. 2011;5(1):35-40. p. 40.
  • 35
    Movimento Porta Aberta. Centro de Interação e Integração Humana de Santa Catarina. Recuperação e valorização do homem [mimeografado]. Florianópolis; 1987.
  • 36
    Movimento Porta Aberta. Op. cit. p. 3.
  • 37
    Magalhães DEF, Silva MRS. Cuidados requeridos por usuários de crack internados em uma instituição hospitalar. Reme. 2010;14(3):408-15.
  • 38
    Almeida DV, Ribeiro Júnior N. Ética, alteridade e saúde: o cuidado como compaixão solidária. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, organizadores. Bioética, cuidado e humanização. São Paulo: Loyola; 2014. v. 2. p. 237-46.
  • 39
    Hossne WS, Segre M. Op. cit. p.38.
  • 40
    Gauer GJC, Giovelli G, Rosa CT, Wagner HL, Calvetti PU. A relação profissional de saúde e paciente. In: Loch JÁ, Gauer GJC, Casado M, organizadores. Bioética, interdisciplinaridade e prática clínica. Porto Alegre: EdiPUCRS; 2008. p. 63-82.
  • 41
    Hirsch EM. The role of empathy in medicine: a medical student’s perspective. Virtual Mentor. 2007;9(6):423-7.
  • 42
    Hardee JT. An overview of empathy. Perm J. 2003;7(4):51-4.
  • 43
    Ten Have H, Gordijn B. Empathy and violence. Med Health Care Philos. 2016;19(4):499-500.
  • 44
    Emanuel EJ, Emanuel LL. Cuatro modelos de la relación médico-paciente. In: Couceiro A, editora. Bioética para clínicos. Madrid: Triacastela; 1999. p. 109-26. (Coleção Humanidades Médicas nº 3).
  • 45
    Jardim PCBV. A relação médico-paciente-equipe de saúde. In: Branco RFGR. A relação com o paciente: teoria, ensino e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p. 253-6.
  • 46
    Marques Filho J. Bioética clínica: cuidando de pessoas. Rev Bras Reumatol. 2008;48(1):31-3.
  • 47
    De Leon G. A comunidade terapêutica: teoria, modelo e método. São Paulo: Loyola; 2003.
  • 48
    Hossne WS, Pessini L. Dos referenciais da bioética: a espiritualidade. Bioethikos. 2014;8(1):11-30.
  • 49
    Souza VCT. Bioética e espiritualidade na sociedade pós-moderna: desafios éticos para uma medicina mais humana. Bioethikos. 2010;4(1):86-91.
  • 50
    Boff L. Tempo de transcendência: o ser humano como um projeto infinito. Rio de Janeiro: Sextante; 2000.
  • 51
    Loiola R. A espiritualidade sem Deus: entrevista com Sam Harris. Rev Veja [Internet]. 14 dez 2014 [atualizado 9 maio 2016; acesso 25 jan 2017]. Disponível: http://abr.ai/2ArFMu0
    » http://abr.ai/2ArFMu0
  • 52
    Souza VCT, Pessini L, Hossne WS. Bioética, religião, espiritualidade e a arte do cuidar na relação médico-paciente. Bioethikos. 2012;6(2):181-90.
  • 53
    Santos MPG. Comunidades terapêuticas: unidades de privação de liberdade? Ipea, Boletim de Análise Político-Institucional. 2016;(10):39-46. p. 41.
  • 54
    Pessini L, Bertachini L. Espiritualidade e cuidados paliativos. In: Bertachini L, Pessini L, organizadores. Encanto e responsabilidade no cuidado da vida: lidando com desafios éticos em situações críticas e de final da vida. São Paulo: Paulinas; 2011. p. 267-96.
  • 55
    World Medical Association. Declaration of Lisbon on the Rights of the Patient. 1981. Reaffirmed by the 200th WMA Council Session, Oslo, Norway [Internet]. 2015 [acesso 16 dez 2017]. Disponível: https://bit.ly/2AUpy89
    » https://bit.ly/2AUpy89
  • 56
    Saad M, Masiero D, Battistella LR. Espiritualidade baseada em evidências. Acta Fisiátrica. 2001;8(3):107-12.
  • 57
    Panzini, RG, Rocha NS, Bandeira DR, Fleck MPA. Qualidade de vida e espiritualidade. Rev Psiq Clín. 2007;34(1 Suppl):105-15.
  • 58
    Moreira-Almeida A, Koenig HG, Lucchetti G. Clinical implications of spirituality to mental health: review of evidence and practical guidelines. Rev Bras Psiquiatr. 2014;36(2):176-82.
  • 59
    Lucchetti G, Granero AL, Bassi RM, Latorraca R, Nacif SAP. Espiritualidade na prática clínica: o que o clínico deve saber? Rev Bras Clín Med. 2010;8(2):154-8.
  • 60
    Garanito MP, Cury MRG. A espiritualidade na prática pediátrica. Rev. bioét. (Impr.). 2016;24(1):49-53.
  • 61
    Koenig HG. Religion, spirituality, and health: the research and clinical implications. ISRN Psychiatry. 2012;2012:278730.
  • 62
    Leite IS, Seminotti EP. A influência da espiritualidade na prática clínica em saúde mental: uma revisão sistemática. Rev Bras Ciênc Saúde. 2013;17(2):189-96.
  • 63
    Mohr S, Borras L, Nolan J, Gillieron C, Brandt PY, Eytan A et al. Spirituality and religion in outpatients with schizophrenia: a multi-site comparative study of Switzerland, Canada, and the United States. Int J Psychiatry Med. 2012;44(1):29-52.
  • 64
    King M, Marston L, McManus S, Brugha T, Meltzer H, Bebbington P. Religion, spirituality and mental health: results from a national study of English households. Br J Psychiatry. 2013;202(1):68-73.
  • 65
    Boff L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 15ª ed. Petrópolis: Vozes; 2008. p. 21.
  • 66
    Moreira-Almeida A. Espiritualidade e saúde: passado e futuro de uma relação controversa e desafiadora. Rev Psiquiatr Clín. 2007;34(1 Suppl):3-4. p. 4.
  • 67
    Hossne WS, Silva FL. Dos referenciais da bioética: a solidariedade. Bioethikos. 2013;7(2):150-6.
  • 68
    Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, Hossne WS. Os novos referenciais da bioética global: a solidariedade, a vulnerabilidade e a precaução. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, Hossne WS. Bioética em tempos de globalização. São Paulo: Loyola; 2015. p. 17-30.
  • 69
    Boff L. Op. cit. 2008.
  • 70
    Hossne WS, Silva FL. Op. cit. p. 155.
  • 71
    Penteado FG, Silva LES, Rodrigues RDC, Prado MM, Bugarin Junior JG. Análise bioética da percepção da solidariedade na ação do voluntariado. Bioética. 2005;13(1):65-78.
  • 72
    Selli L, Garrafa V. Bioética, solidariedade crítica e voluntariado orgânico. Rev Saúde Pública. 2005;39(3):473-8.
  • 73
    Pegoraro O. A existência humana é existência cuidadosa. In: Pessini L, Bertachini L, Barchifontaine CP, organizadores. Op. cit. p. 225-36.
  • 74
    Pegoraro O. Op. cit. p. 229.
  • 75
    Dall’Agnol D. Cuidar e respeitar: atitudes fundamentais na bioética. Bioethikos. 2012;6(2):133-46.
  • 76
    Dall’Agnol D. Op. cit. p. 145.
  • 77
    Sánchez González MA, Moreno B. El futuro de la bioética. In: Ruiz-Valdepeñas BH, Moya FB, coordenadores. Historia ilustrada de la bioética. Madrid: Fundación Tejerina; 2015. p. 241-54. p. 251.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2017
  • Revisado
    31 Maio 2017
  • Aceito
    29 Nov 2017
Conselho Federal de Medicina SGAS 915, lote 72, CEP 70390-150, Tel.: (55 61) 3445-5932, Fax: (55 61) 3346-7384 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: bioetica@portalmedico.org.br