Acessibilidade / Reportar erro

Orientação familiar e comunitária segundo três modelos de atenção à saúde da criança

Resumo

Objetivo

Avaliar os atributos orientação familiar e orientação comunitária segundo três modelos de Atenção Primária à Saúde da criança.

Métodos

Estudo transversal, avaliativo e quantitativo, realizado com 1.484 familiares e/ou cuidadores de crianças menores de dez anos atendidas em diferentes modelos de atenção primária à saúde. Os atributos orientação familiar e comunitária foram avaliados utilizando-se o instrumento Primary Care Assessment Tool - Brasil, versão criança. Para análise comparativa, utilizaram-se os testes de Kruskal-Wallis e Dunnett.

Resultados

Isoladamente, todos os modelos de Atenção Primária à Saúde apresentaram escore insatisfatório para os atributos avaliados. Quanto comparados, houve diferença estatisticamente significativa para os atributos derivados em favor dos modelos que operam com a Estratégia Saúde da Família em relação ao modelo tradicional.

Conclusão

Os modelos com Estratégia Saúde da Família apresentaram maiores escores para orientação familiar e comunitária, cujos princípios podem contribuir para reorientação da atenção primária à saúde no modelo misto.

Enfermagem de atenção primária; Criança; Avaliação de serviços de saúde; Enfermagem em saúde pública; Atenção primária à saúde

Abstract

Objective

To assess the attributes family-centeredness and community orientation according to three Primary Health Care models for children.

Methods

Cross-sectional and quantitative assessment study, involving 1,484 family members and/or caregivers of children younger than ten years of age attended in different primary health care models. The attributes family-centeredness and community orientation were assessed using the Primary Care Assessment Tool - Brazil, child version. For comparative analysis, Kruskal-Wallis and Dunnett’s test were used.

Results

Separately, all Primary Health Care models scored unsatisfactorily for the attributes assessed. When compared, a statistically significant difference was found for the attributes derived, favoring the Family Health Strategy models over the traditional model.

Conclusion

The Family Health Strategy models scored higher for family-centeredness and community orientation. Their principles can contribute to reorient primary health care in the mixed model.

Primary care nursing; Child; Health services evaluation; Public health nursing; Primary health care

Introdução

A atenção à saúde da criança vem alcançando espaços nas políticas públicas, priorizando a integralidade do cuidado em prol de redução da morbimortalidade infantil por causas evitáveis e de sobrevivência com qualidade de vida, tendo em vista as singularidades e especificidades que envolvem o processo de crescimento e desenvolvimento deste ser, considerado único, dinâmico e complexo.11. Reichert AP, Almeida AB, Souza LC, Silva MEA, Collet N. [Surveillance to infant growth: knowledge and practice of nurses’ primary health care]. Rev Rene. 2012; 13(1):114-26. Portuguese.

Por isso, no cuidado à criança torna-se imprescindível a interação da equipe com a família e comunidade, no sentido de possibilitar o agir compartilhado perante o seguimento sistemático envolvendo ações de prevenção, cura, reabilitação e promoção da saúde,22. Sousa FG, Erdmann AL, Mochel EG. [Limiting Conditions for intregal care for a child in Brazilian Primary Health Care]. Texto Contexto Enferm. 2011; 20(Esp):263-71. Portuguese. para atenção efetiva e de qualidade à criança na Atenção Primária a Saúde (APS).

Na APS brasileira coexistem modelos distintos, cujos processos de trabalho apresentam particularidades que podem influenciar nos resultados da APS efetiva e de qualidade na atenção à criança. São eles: Unidades Básicas de Saúde tradicionais (UBS), com atenção centrada nas especialidades; Unidades de Saúde da Família (USF) com atenção integral centrada na família e comunidade;33. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian Health System: history, advances, and challenges. Lancet. 2011. 377(9779):1778-97. e modelos mistos,44. Junges JR; Zoboli EL; Patussi MP et al. [Construction and validation of the instrument” Inventory of ethical problems in primary health care”]. Brasília (DF). Rev. Bioét. 2014; 22(2): 309-17. Portuguese. que contemplam os modelos tradicionais atuando conjuntamente com a USF, sendo, portanto, aqui denominado de Unidade Básica de Saúde mista.

Apesar da implementação de diretrizes para garantia de assistência de qualidade no Sistema Único de Saúde (SUS), a saúde da criança na APS, comumente, está centrada na demanda espontânea e nas causas agudas, dificultando a atenção integral, fazendo familiares se mobilizarem a serviços de saúde como os de pronto atendimento. Isso foi evidenciado por estudo55. Vieira CS, Toso FS, Toso BR, Neves ET, Zamberlan KC, Maraschin. [Problem solving of children health in the health care network]. Cienc Cuid Saude. 2014; 13(4):705-713. Portuguese. que objetivou descrever a resolutividade da atenção à criança na APS em dois municípios do Sul do Brasil, no qual a APS é entendida como de baixa resolutividade aos problemas da criança, com limitações no acesso às unidade de saúde em relação aos serviços de urgência, que possibilitam acesso a exames e primeira dose de medicamento.

Para transformar a organização e as práticas de saúde na perspectiva da integralidade, de modo a superar o modelo curativista e centrado na doença,66. Furtado MC, Braz JC, Pina JC, Mello DF, Lima RA. Assessing the care of children under one year old in Primary Health Care. Rev Lat Am Enfermagem. 2013; 21(2):554-61.os modelos de atenção precisam estar estruturados em conformidade com os atributos da APS: acesso de primeiro contato, longitudinalidade, integralidade, coordenação, orientação familiar, orientação comunitária e competência cultural.77. Starfield B. Primary care: balancing health needs, services and technology. New York: Oxford University Press. 1998. Revised edition. p. 448 ISBN: 0 19 512543 6.

A orientação familiar caracteriza-se por considerar a família como o sujeito da atenção, com potencialidades para o cuidado, e a orientação comunitária; pelo reconhecimento das necessidades apresentadas pelas famílias em função do contexto geográfico e sócio-econômico-cultural em que vive, além da sua importância para avaliação dos serviços de saúde.77. Starfield B. Primary care: balancing health needs, services and technology. New York: Oxford University Press. 1998. Revised edition. p. 448 ISBN: 0 19 512543 6. Em cada atributo são avaliadas dimensões importantes para integralidade da atenção dispensada ao indivíduo, família e comunidade. Na orientação familiar os itens estão relacionados à preocupação dos profissionais com o que pensa a família da criança sobre o tratamento e cuidado dispensado a ela, preocupação com os problemas existentes na família, e em se reunir com outros membros caso o familiar considere necessário. Em relação à orientação comunitária, as dimensões abrangem a realização de visita domiciliar por algum membro da equipe, o envolvimento do serviço com os problemas de saúde da comunidade por meio de levantamento nos domicílios, e o convite de membros da família para participar do conselho de saúde.

Ante o exposto e considerando a importância da família para a integralidade do cuidado à criança, cujo projeto terapêutico se efetiva pela articulação das ações produzidas no trabalho em saúde, fragilidades no encontro entre profissionais e destes com a criança e sua família representam desafios para produção de novas formas de cuidado,88. Sousa FG, Erdmann AL. [Qualifyin child care in Primary Health Care]. Rev Bras Enferm. 2012; 65(5):795-802. Portuguese. visto que a família não está sendo considerada como foco prioritário em seu contexto, ou seja, na sua comunidade.99. Alencar MN, Coimbra LC, Morais AP, Silva AA, Pinheiro SR, Queiroz RC. [Evaluation of the Family focus and community orientation in the Family Health Strategy]. Cien Saúde Colet. 2014; 19(2):353-64. Portuguese. Isso pode ser reflexo da permanência de uma atenção balizada no modelo individual e curativo.

Assim, questiona-se: Qual modelo de APS apresenta maior orientação familiar e comunitária no cuidado à criança? Objetivou-se avaliar os atributos de orientação familiar e orientação comunitária segundo três modelos de APS da criança.

Métodos

Pesquisa quantitativa, transversal e avaliativa, que teve como referencial o Manual do Instrumento de Avaliação da Atenção Primária - Primary Care Assessment Tool ou PCATool - Brasil na versão criança.1010. Brasil. Ministério da Saúde. Manual de atenção primária à saúde: Ferramenta de Avaliação do Cuidado Primário PCATool-Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.80p. Portuguese. Foi realizada de outubro de 2012 a fevereiro de 2013, em 22 Unidades Básicas de Saúde tradicionais no município de Cascavel, e em 40 Unidades Básicas de Saúde mista em Londrina, todas no Paraná, Região Sul do Brasil; e 53 Unidades de Saúde da Família do Distrito Sanitário III no município de João Pessoa, Paraíba, na Região Nordeste. Apesar das desigualdades socioeconômicas existentes entre as Regiões Sul e Nordeste do Brasil, os três modelos de atenção estão direcionados para populações de baixa renda e com maior vulnerabilidade social, considerando indicadores como o (IDMH) Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (Cascavel: 0,782, e Londrina: 0,778, no Paraná, e João Pessoa: 0,763, na Paraíba) e Índice de Gini (Cascavel: 0,41, e Londrina: 0,42, no Paraná, e João Pessoa: 0,50, na Paraíba).1111. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 2016. [acesso em 30 jul 2016]. Estadosat. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat.
http://www.ibge.gov.br/estadosat...
Essas características são consideradas um indicador de homogeneização da amostra e controle de vieses para escolha dos cenários da pesquisa.

A população foi composta por familiares (pai e mãe) e/ou cuidadores (avós, tios, cuidadores legais) de crianças com idade inferior a 10 anos, com histórico de atendimento nas referidas unidades de saúde, num período de seis meses anteriores à coleta de dados, o que resultou em um total de 94.014 atendimentos. Esse limite de idade foi escolhido considerando que o seguimento do crescimento e desenvolvimento infantil preconizado pelo Ministério da Saúde envolve um calendário de consultas para crianças de zero a dez anos de idade. Ademais, as dimensões avaliadas no PCATool - Brasil, versão criança, contemplam a opinião do familiar em relação ao serviço ou profissional, independentemente da idade da criança, mas, sim, das ações ofertadas por eles.

Considerando a heterogeneidade no número de atendimentos registrados nos três diferentes municípios, para o cálculo da amostra foi adotada uma margem de erro de 2,51% e nível de confiança de 95% e utilizou-se o software ou aplicativo ‘Diman 1.0’, o que resultou em uma amostra total de 1.501 participantes. Essa amostra foi estratificada proporcionalmente por município com 548 em Cascavel; 609 em Londrina; e 344 em João Pessoa. No entanto, considerando que predominou em Cascavel a Unidade Básica de Saúde tradicional foram excluídos 17 familiares e/ou cuidadores adscritos nas Unidades de Saúde da Família, finalizando a amostra com 1.484 participantes. Para seleção dos participantes utilizou-se a amostragem por conveniência (não probabilística) na fila de espera para consulta médica ou de enfermagem nas referidas unidades de saúde.

Foram selecionados para responder ao questionário, familiares e/ou cuidadores residentes na área urbana dos municípios, que apresentaram capacidade de entendimento, expressão e compreensão dos documentos apresentados, além de conhecer a unidade que iria avaliar, tendo levado a criança para atendimento por, pelo menos, duas vezes, anteriores àquela na qual aguardava.

A coleta de dados foi realizada por alunos de graduação dos cursos de enfermagem e medicina, da pós-graduação lato sensu em saúde pública, e da pós-graduação stricto sensu, nível mestrado e doutorado, das respectivas instituições participantes da pesquisa, todos devidamente capacitados pelos professores coordenadores do estudo, por meio de entrevista nas salas de espera das unidades de saúde. Para tanto, utilizaram o instrumento Primary Care Assessment Tool ou Instrumento de Avaliação da Atenção Primária - PCATool na versão criança,1010. Brasil. Ministério da Saúde. Manual de atenção primária à saúde: Ferramenta de Avaliação do Cuidado Primário PCATool-Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.80p. Portuguese. validado no Brasil.1212. Harzheim E, Starfield B, Rajmil L, Álvarez-Dardet C, Stein AT. [Internal consistency and reliability of Primary Care Assessment Tool (PCATool-Brasil) for child health services]. Cad Saude Pública. 2006; 22(8):1649-59. Portuguese. No instrumento as respostas são enunciadas por meio da escala tipo Likert.1010. Brasil. Ministério da Saúde. Manual de atenção primária à saúde: Ferramenta de Avaliação do Cuidado Primário PCATool-Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.80p. Portuguese.

Para aferição dos atributos derivados nos modelos de APS da criança foram utilizados como variáveis os escores dos itens que compõem o atributo orientação familiar e o atributo orientação comunitária no PCATool-Brasil versão criança. A partir das médias dos valores atribuídos a cada item foram calculados os escores médios para os atributos de orientação familiar e orientação comunitária segundo o manual do instrumento PCATool-Brasil. Os escores obtidos para cada componente foram transformados em escore ajustado numa escala de 0 - 10, sendo definidos como valores elevados ou satisfatórios os escores ≥ 6,6 e baixo ou insatisfatório os escores < 6,6, indicando a extensão dos referidos atributos ou a oferta destes pelos modelos de APS pesquisados, como adequada ou não.1010. Brasil. Ministério da Saúde. Manual de atenção primária à saúde: Ferramenta de Avaliação do Cuidado Primário PCATool-Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.80p. Portuguese.

Para armazenamento, processamento e análise dos dados, utilizou-se o programa Excel, versão 7.0 da Microsoft® e o pacote estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 13.0. Para identificar a existência de diferenças estatisticamente significantes nos escores dos atributos derivados entre os modelos, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis (ANOVA one-way não paramétrica). Para se definir entre quais grupos estudados estavam as diferenças, foi aplicado o teste de comparações múltiplas (post hoc) de Dunnett, associado ao anterior ao nível de significância de 5% (p<0,05).

O estudo foi registrado no Comitê de Ética (CEP) 044/2012-CEP.

Resultados

Os resultados evidenciam que a oferta dos atributos derivados de orientação familiar e orientação comunitária na atenção à criança foi considerada insatisfatória nos três modelos, pois tiveram escore médio <6,6.

A tabela 1 apresenta as características demográficas e socioeconômicas da amostra, que foi constituída por 1.484 familiares e/ou cuidadores de crianças atendidas nos modelos de APS em três municípios brasileiros. A mãe foi a mais citada como principal cuidador nos três modelos (82,5%), cuja faixa de idade prevalente variou de 24 a 34 anos (41%). Independentemente do modelo de atenção, a maioria tem apenas um filho (42,3%). A união estável (48,5%) predominou entre os participantes adscritos no modelo Unidade de Saúde da Família em relação aos casados (31,4%), que apresentou porcentagem superior nos outros modelos. A renda familiar concentrou-se entre dois e três salários mínimos (53,0%), com exceção daqueles adscritos na Unidade de Saúde da Família que foi de até um salário (46,2%), tendo como provedores os pais (45,5%) e um total de quatro pessoas ou mais dependentes da renda (59,4%).

Tabela 1
Dados demográficos e socioeconômicos dos familiares e ou cuidadores nos modelos de atenção primária à saúde da criança

Em relação à aplicação do teste de associação de qui-quadrado para as variáveis demográficas e socioeconômicas segundo os modelos de Atenção Primária à Saúde (Unidade de Saúde da Família, Unidade Básica de Saúde tradicional e Unidade Básica de Saúde mista), com exceção à variável número de dependentes da renda familiar, todas as variáveis apresentaram resultados estatisticamente significativos, sendo significância p-value < 0,01.

Em relação aos atributos derivados de orientação familiar e orientação comunitária, na tabela 2 observa-se que, independente do modelo de APS, o escore médio obtido teve valor <6,6, considerado insatisfatório no que se refere ao cuidado à criança. Em comparação entre os mesmos, não houve diferença estatisticamente significativa entre Unidade de Saúde da Família e Unidade Básica de Saúde mista, mas identificou-se diferença estatisticamente significante entre estes e o modelo de Unidade Básica de Saúde (p<0,001), sendo a diferença superior para Unidade de Saúde da Família em relação à orientação familiar (escore 5,3) e Unidade Básica de Saúde mista no que se referiu à orientação comunitária (escore 5,9).

Tabela 2
Escores dos atributos orientação familiar e comunitária, dos modelos de atenção primária à saúde

Na tabela 3, observou-se que nos itens de orientação familiar houve diferença estatisticamente significativa no cuidado à criança entre os modelos de APS, sendo que, para a preocupação do profissional sobre as opiniões da família sobre o tratamento e cuidado dispensado à criança, a diferença significativa foi favorável ao modelo de Unidade Básica de Saúde, com escore médio 4,0, superior aos demais; enquanto que para a preocupação do profissional em saber sobre as doenças existentes na família da criança e em se reunir com outras familiares caso achasse necessário, apresentaram diferença estatisticamente significativa em favor do modelo de Unidade de Saúde da Família com escores médios 7,0 e 5,8, respectivamente, apesar de ter apresentado escore superior a 6,6 também no modelo de Unidade Básica de Saúde mista em se interessar em saber sobre os problemas existentes na família.

Tabela 3
Escores médios de 0-10 dos itens dos atributos derivados dos modelos de atenção primária à saúde

Quanto ao atributo orientação comunitária verificou-se que todos os itens apresentaram diferença estatisticamente significante entre os modelos de APS, tendo o modelo de Unidade de Saúde da Família apresentado maior escore médio para a realização de visita domiciliar por alguém do serviço (8,0) e o modelo de Unidade Básica de Saúde mista em relação ao serviço conhecer os problemas de saúde importantes de sua vizinhança (escore 6,1) e realizar levantamento e problemas de saúde da comunidade (escore 5,1), conforme tabela 3.

Discussão

Os dados permitem verificar na percepção de familiares e/ou cuidadores de crianças menores de 10 anos a qualidade da atenção ofertada pelos distintos modelos de APS. O estudo traz contribuições ao despertar para a necessidade de atendimento à criança e sua família de forma integral na APS, nas ações realizadas também pelo enfermeiro, com escuta qualificada, formação de vínculo e educação para a saúde, visando a autonomia do sujeito. Nesse sentido, tendo em vista a natureza dos cuidados de enfermagem e a capacidade para contribuir junto às famílias, esse profissional busca ajudá-las a encontrar estratégias e se fortalecerem diante das necessidades de saúde identificadas em todas as fases de suas vidas. Perante a isso, torna-se premente que o conhecimento científico construído sobre a atuação da enfermagem na família seja incluído no ensino de graduação e pós-graduação, de modo que possa ser incorporado à prática clínica nos serviços de atenção à saúde.1313. Barbieri-Figueiredo MC. Family-centered care: from discourse to practice. [editorial]. Acta Paul Enferm. 2015; 28(6):iii-iv.

Na análise dos escores dos atributos derivados dos três modelos de APS, verificaram-se resultados insatisfatórios frente a um cuidado efetivo e de qualidade à criança. Esses achados preocupam, tendo em vista que os atributos em análise representam características basilares para o planejamento e execução de ações de saúde pelas unidades, fortalecimento de vínculo entre profissionais-família-comunidade, e avanços nos indicadores de saúde, a exemplo da redução da morbimortalidade infantil por causas sensíveis à APS.1414. Araújo JP, Vieira CS, Toso BR, Collet N, Nassar PO. Assessment of atributes for Family and community guidance in the child health. Acta Paul Enferm. 2014; 27(5):440-6.

Estudo envolvendo usuários de Unidade Básica de Saúde tradicional aponta que a importância dada à família e à comunidade ainda ocorre de maneira incipiente no processo de trabalho da equipe de saúde.1515. Pereira MJ, Abrahão-curvo P, Fortuna CM, Coutinho SS, Queluz MC, Campos LV, et al. [Evaluation of organizational and performance features in a Basic Health Unit]. Rev Gaúcha Enferm. 2011; 32(1):48-55. Portuguese. Estudos internacionais realizados na China1616. Wang HH, Wong SY, Wong MC, Wang JJ, Wei XL, Li DK, et al. Attributes of primary care in community health centres in China and implications for equitable care: a cross-sectional measurement of patients’ experiences. QJM. 2015; 108(7):549-60.e em Santander1717. Rodriguez-Villamizar LA, Acosta-Ramirez N, Ruiz-Rodriguez M. [Evaluacion del desempeno de servicios de atencion primaria en salud: experiencia en municipios rurales en Santander, Colombia]. Rev Salud Publica (Bogota). 2013; 15(2):183-95. Spanish. e Bogotá1818. Mosquera PA, Hernández J, Vega R, Martínez J, Sebástian MS. Performance evaluation of the essential dimensions of the primary health care service in six localities of Bogotá-Colombia: a cross-sectional study. BMC Health Serv Res. 2013; 13:315. doi: 10.1186/1472-6963-13-315.
https://doi.org/10.1186/1472-6963-13-315...
na Colômbia evidenciam pontuação insatisfatória em relação aos atributo orientação familiar e orientação à comunidade em cuidados primários.

A baixa qualificação desses atributos é demonstrada em estudo internacional realizado com usuários, profissionais, coordenadores e gestores de serviços públicos de saúde, exigindo um olhar ampliado para a implementação de estratégias que enfoquem o indivíduo, junto à família e à comunidade no processo de cuidado.1919. Vega R, Román R, Martínez Collantes J, Ramírez NA. [Evaluación rápida del desempeño de la red pública de servicios de salud de Suba en el logro de los atributos de la atención primaria de salud - APS]. Rev Gerenc Políticas Salud. 2009; 8(16):165-90.

A partir desse contexto, constata-se um possível desconhecimento dos profissionais da APS quanto à situação de saúde da família. Fato instigante, pois apesar de a Estratégia Saúde da Família representar o modelo brasileiro de reorientação da APS, na prática tais princípios ainda não foram incorporados em sua totalidade, privilegiando modelos que priorizam em suas ações o indivíduo e a doença.1919. Vega R, Román R, Martínez Collantes J, Ramírez NA. [Evaluación rápida del desempeño de la red pública de servicios de salud de Suba en el logro de los atributos de la atención primaria de salud - APS]. Rev Gerenc Políticas Salud. 2009; 8(16):165-90.

Destarte, urge a necessidade de transformar o processo de trabalho das equipes que compõem os modelos de atenção à saúde, incluindo, em suas práticas, a abordagem da clínica ampliada, pautada em relação dialógica entre profissionais-criança-família, estabelecendo-se um encontro legítimo88. Sousa FG, Erdmann AL. [Qualifyin child care in Primary Health Care]. Rev Bras Enferm. 2012; 65(5):795-802. Portuguese. para a construção do projeto terapêutico singular ao usuário.2020. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (BR). Brasília (DF): Ministério da Saúde, 2009. 64p.

Para tanto, faz-se necessário refletir acerca do processo de trabalho implementado pelas equipes de saúde, no sentido de redirecionar e fortalecer a capacitação profissional, a partir de uma educação permanente em saúde capaz de despertar os profissionais para um pensar e um agir congruente à integralidade e interdisciplinaridade do cuidado aos sujeitos na APS.2121. Schmidt SM. Educação permanente em saúde e no trabalho de enfermagem: perspectiva de uma práxis transformadora. Rev Gaúcha Enferm. 2010; 31(3):557-61.

Este estudo destaca o fato de os modelos de Unidade de Saúde da Família e Unidade Básica de Saúde mista apresentarem os maiores valores para os atributos de orientação familiar e comunitária, quando comparados ao modelo tradicional, havendo concordância com outros estudos,44. Junges JR; Zoboli EL; Patussi MP et al. [Construction and validation of the instrument” Inventory of ethical problems in primary health care”]. Brasília (DF). Rev. Bioét. 2014; 22(2): 309-17. Portuguese.,2222. Sala A, Luppi CG, Simões O, Marsiglia RG. [Integrality and Primary Health Care: assessment in the perspective of health services users in the city of São Paulo]. Saude Soc. 2011; 20(4):948-60. Portuguese.,2323. Chomatas E, Vigo A, Marty I, Hauser L, Harzheim E. [Evaluation of the presence and extension of the attributes of primary care in Curitiba]. Rev Bras Med Fam Comun. 2013; 8(29):294-303. Portuguese. que demonstram superioridade da USF nesses atributos. Esses dois modelos diferem da Unidade Básica de Saúde tradicional por contemplarem, em seu processo de trabalho, princípios da Estratégia Saúde da Família.

Ao analisar individualmente os componentes dos atributos entre os modelos de APS investigados, constata-se que o modelo de Unidade de Saúde da Família teve melhor desempenho entre os modelos em relação à preocupação dos profissionais que acompanham a criança em identificar as doenças ou problemas existentes na família. Essa atitude é coerente com a proposta de compreensão dos processos de saúde e adoecimento a partir da articulação de diferentes saberes,2020. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (BR). Brasília (DF): Ministério da Saúde, 2009. 64p. na perspectiva de um agir sustentado no acolhimento e no vínculo, mas, também, na responsabilização e compromisso do profissional em integrar as ações, no esforço de desfragmentar a atenção e ofertar cuidado integral.88. Sousa FG, Erdmann AL. [Qualifyin child care in Primary Health Care]. Rev Bras Enferm. 2012; 65(5):795-802. Portuguese.

Ao comparar os escores dos componentes do atributo orientação comunitária, identificou-se diferença estatisticamente significante para os melhores resultados dos modelos que atuam com a Estratégia Saúde da Família. Isso pode refletir os passos dados, embora discretos, em direção aos princípios da Estratégia Saúde da Família nas práticas de cuidado à saúde da população, tendo o indivíduo, família e comunidade, sujeitos no processo de cuidado.

Uma ferramenta potente para o cuidado integral na APS é a visita domiciliar, apresentando-se como fundamental para a efetividade da relação de horizontalidade entre profissionais-família no processo de cuidar. No domicílio as mães podem ter seus esforços reconhecidos pelos profissionais frente à autonomia e responsabilidade diária no cuidado aos filhos. É também nesse contexto que os profissionais conhecem a realidade familiar, as condições de emprego, moradia e saneamento, bem como a dedicação materna para prevenção e promoção à saúde da criança.88. Sousa FG, Erdmann AL. [Qualifyin child care in Primary Health Care]. Rev Bras Enferm. 2012; 65(5):795-802. Portuguese.

O contato com a família no ambiente domiciliar permite aos profissionais vislumbrarem possibilidades de um novo cuidado, norteando sua prática pelos determinantes sociais de saúde da população. Por meio da escuta qualificada poderão planejar intervenções para atender às necessidades singulares das famílias, não se atendo ao saber puramente técnico.2424. Nogueira JA, Trigueiro DR, Sá LD, Silva CA, Oliveira LCS, Villa TCS, et al. Family focus and community orientation in tuberculosis control. Rev Bras Epidemiol. 2011; 14(2):207-16.

Conclusão

Evidenciou-se que os modelos apresentaram diferença significativa em favor da Unidade de Saúde da Família e da Unidade Básica de Saúde mista. Isso demonstra que apesar das limitações, os modelos que operam com a ESF apresentam maiores escores para orientação familiar e comunitária na APS. Nesse sentido, o melhor escore alcançado pela UBS mista indica que a presença dos princípios da ESF nas práticas de cuidado pode estar contribuindo para melhorar o escore desse modelo em direção à reorientação da Atenção Primária à Saúde da criança. Cabe ressaltar que o Ministério da Saúde adota o conceito de atenção à saúde centrada na família como sinônimo de orientação familiar na avaliação da APS. No entanto, para que de fato haja mudança no processo de cuidar da criança e da família no cenário da APS, é preciso sensibilizar os profissionais para que suas ações sejam ampliadas e sustentadas em um referencial teórico com foco familiar, não se restringindo apenas às diretrizes governamentais. Pode-se apontar como limitação, o fato de o estudo não ter avaliado, também, a opinião dos profissionais da APS.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Edital universal 014/2011) e a bolsa produtividade a Neusa Collet; aos familiares e/ou cuidadores que concordaram em participar do estudo e contribuir com a investigação.

Referências

  • 1
    Reichert AP, Almeida AB, Souza LC, Silva MEA, Collet N. [Surveillance to infant growth: knowledge and practice of nurses’ primary health care]. Rev Rene. 2012; 13(1):114-26. Portuguese.
  • 2
    Sousa FG, Erdmann AL, Mochel EG. [Limiting Conditions for intregal care for a child in Brazilian Primary Health Care]. Texto Contexto Enferm. 2011; 20(Esp):263-71. Portuguese.
  • 3
    Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian Health System: history, advances, and challenges. Lancet. 2011. 377(9779):1778-97.
  • 4
    Junges JR; Zoboli EL; Patussi MP et al. [Construction and validation of the instrument” Inventory of ethical problems in primary health care”]. Brasília (DF). Rev. Bioét. 2014; 22(2): 309-17. Portuguese.
  • 5
    Vieira CS, Toso FS, Toso BR, Neves ET, Zamberlan KC, Maraschin. [Problem solving of children health in the health care network]. Cienc Cuid Saude. 2014; 13(4):705-713. Portuguese.
  • 6
    Furtado MC, Braz JC, Pina JC, Mello DF, Lima RA. Assessing the care of children under one year old in Primary Health Care. Rev Lat Am Enfermagem. 2013; 21(2):554-61.
  • 7
    Starfield B. Primary care: balancing health needs, services and technology. New York: Oxford University Press. 1998. Revised edition. p. 448 ISBN: 0 19 512543 6.
  • 8
    Sousa FG, Erdmann AL. [Qualifyin child care in Primary Health Care]. Rev Bras Enferm. 2012; 65(5):795-802. Portuguese.
  • 9
    Alencar MN, Coimbra LC, Morais AP, Silva AA, Pinheiro SR, Queiroz RC. [Evaluation of the Family focus and community orientation in the Family Health Strategy]. Cien Saúde Colet. 2014; 19(2):353-64. Portuguese.
  • 10
    Brasil. Ministério da Saúde. Manual de atenção primária à saúde: Ferramenta de Avaliação do Cuidado Primário PCATool-Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.80p. Portuguese.
  • 11
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 2016. [acesso em 30 jul 2016]. Estadosat. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat
    » http://www.ibge.gov.br/estadosat
  • 12
    Harzheim E, Starfield B, Rajmil L, Álvarez-Dardet C, Stein AT. [Internal consistency and reliability of Primary Care Assessment Tool (PCATool-Brasil) for child health services]. Cad Saude Pública. 2006; 22(8):1649-59. Portuguese.
  • 13
    Barbieri-Figueiredo MC. Family-centered care: from discourse to practice. [editorial]. Acta Paul Enferm. 2015; 28(6):iii-iv.
  • 14
    Araújo JP, Vieira CS, Toso BR, Collet N, Nassar PO. Assessment of atributes for Family and community guidance in the child health. Acta Paul Enferm. 2014; 27(5):440-6.
  • 15
    Pereira MJ, Abrahão-curvo P, Fortuna CM, Coutinho SS, Queluz MC, Campos LV, et al. [Evaluation of organizational and performance features in a Basic Health Unit]. Rev Gaúcha Enferm. 2011; 32(1):48-55. Portuguese.
  • 16
    Wang HH, Wong SY, Wong MC, Wang JJ, Wei XL, Li DK, et al. Attributes of primary care in community health centres in China and implications for equitable care: a cross-sectional measurement of patients’ experiences. QJM. 2015; 108(7):549-60.
  • 17
    Rodriguez-Villamizar LA, Acosta-Ramirez N, Ruiz-Rodriguez M. [Evaluacion del desempeno de servicios de atencion primaria en salud: experiencia en municipios rurales en Santander, Colombia]. Rev Salud Publica (Bogota). 2013; 15(2):183-95. Spanish.
  • 18
    Mosquera PA, Hernández J, Vega R, Martínez J, Sebástian MS. Performance evaluation of the essential dimensions of the primary health care service in six localities of Bogotá-Colombia: a cross-sectional study. BMC Health Serv Res. 2013; 13:315. doi: 10.1186/1472-6963-13-315.
    » https://doi.org/10.1186/1472-6963-13-315.
  • 19
    Vega R, Román R, Martínez Collantes J, Ramírez NA. [Evaluación rápida del desempeño de la red pública de servicios de salud de Suba en el logro de los atributos de la atención primaria de salud - APS]. Rev Gerenc Políticas Salud. 2009; 8(16):165-90.
  • 20
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (BR). Brasília (DF): Ministério da Saúde, 2009. 64p.
  • 21
    Schmidt SM. Educação permanente em saúde e no trabalho de enfermagem: perspectiva de uma práxis transformadora. Rev Gaúcha Enferm. 2010; 31(3):557-61.
  • 22
    Sala A, Luppi CG, Simões O, Marsiglia RG. [Integrality and Primary Health Care: assessment in the perspective of health services users in the city of São Paulo]. Saude Soc. 2011; 20(4):948-60. Portuguese.
  • 23
    Chomatas E, Vigo A, Marty I, Hauser L, Harzheim E. [Evaluation of the presence and extension of the attributes of primary care in Curitiba]. Rev Bras Med Fam Comun. 2013; 8(29):294-303. Portuguese.
  • 24
    Nogueira JA, Trigueiro DR, Sá LD, Silva CA, Oliveira LCS, Villa TCS, et al. Family focus and community orientation in tuberculosis control. Rev Bras Epidemiol. 2011; 14(2):207-16.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2016
  • Aceito
    12 Dez 2016
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: actapaulista@unifesp.br