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Montagem de um conjunto experimental destinado à verificação do princípio da incerteza de Heisenberg

Assembly of an experimental system for the verification of Heisenberg's uncertain principle

Resumos

Neste trabalho é apresentada a montagem de um experimento destinado à verificação de forma simples do principio de incerteza de Heisenberg. Por meio da descrição da montagem experimental e pela fundamentação teórica pretende-se propiciar uma maior familiarização dos alunos com os conceitos envolvidos.

princípio da incerteza; princípio de Heisenberg


In this paper we present the an experimental setup to check the Heisenberg uncertainty principle. The description of the experimental setup and of the theoretical foundations is aimed at promoting the familiarization of the students with the involved concepts.

Heisenberg's uncertainty principle; uncertainty principle


ARTIGOS GERAIS

Montagem de um conjunto experimental destinado à verificação do princípio da incerteza de Heisenberg

Assembly of an experimental system for the verification of Heisenberg's uncertain principle

José Ramon Beltran Abrego1 1 E-mail: ramon@ibilce.unesp.br. ; Dan Alec Yamaguchi; Tarcisio Alves Liboni; Antonio Aparecido Barbosa; Marcelino Belusi; Paulo Roberto Salinas; Guilherme Volpe Bossa

Laboratório de Ensino de Física, Departamento de Física, Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", São José do Rio Preto, SP, Brasil

RESUMO

Neste trabalho é apresentada a montagem de um experimento destinado à verificação de forma simples do principio de incerteza de Heisenberg. Por meio da descrição da montagem experimental e pela fundamentação teórica pretende-se propiciar uma maior familiarização dos alunos com os conceitos envolvidos.

Palavras-chave: princípio da incerteza, princípio de Heisenberg.

ABSTRACT

In this paper we present the an experimental setup to check the Heisenberg uncertainty principle. The description of the experimental setup and of the theoretical foundations is aimed at promoting the familiarization of the students with the involved concepts.

Keywords: Heisenberg's uncertainty principle, uncertainty principle.

1. Introdução

É essencial que se entenda claramente a distinção entre ondas e partículas uma vez que estão relacionados com dois meios distintos de transmissão de energia. Uma partícula clássica é algo que é caracterizado por sua posição, momento, energia cinética, massa e carga elétrica. Uma onda, por outro lado, tem atributos de comprimento de onda, frequência, velocidade, amplitude e energia. A mais distinta diferença entre os dois é que a partícula clássica pode ser bem localizada, enquanto que a onda é espalhada e ocupa uma porção relativamente grande do espaço. Contudo, a mecânica quântica [1] nos mostra que ambas as características pertencem a um mesmo sistema físico como, por exemplo, o fóton e a onda eletromagnética ou então o elétron e a onda de matéria a ele associada. Como então reconciliar os conflitos que parecem surgir da natureza dual (onda-partícula) dessas entidades físicas.

Esta questão foi resolvida com o enunciado do princípio da incerteza por Heisenberg [2], em 1927. Segundo este princípio, sempre existirá um limite fundamental na precisão máxima com que se pode conhecer simultaneamente a posição de uma partícula (e.g. dada pela coordenada) x, e seu momento nesta direção, px. Esta precisão máxima é proporcional à constante de Planck. Em termos matemáticos, este princípio é escrito como

em que Δx é a incerteza na medida da posição da partícula e Δpx é a incerteza na componente x do momento da partícula, ħ é a constante de Planck dividida por 2π. O princípio da incerteza é válido tanto teoricamente quanto experimentalmente [3]. Assim, é possível diminuir arbitrariamente a incerteza numa das quantidades, mas apenas à custa de um aumento correspondente de incerteza da outra. Caso se exija que a incerteza no conhecimento da posição da partícula, num dado instante aproxime de zero, então, pela relação (1), a incerteza do momento da partícula naquele instante tenderá ao infinito.

Em mecânica clássica, conhecendo as interações e sabendo exatamente a posição e o momento de cada partícula, num sistema isolado e num certo instante, o comportamento exato das partículas do sistema pode ser previsto em qualquer instante futuro [4]. O princípio da incerteza mostra que é impossível conseguir isto para sistemas que envolvem pequenas distâncias e pequenos momentos já que é impossível conhecer, com a precisão requerida, as posições e momentos instantâneos das partículas envolvidas. Como resultado, é apenas possível fazer predições sobre o comportamento provável do sistema.

O princípio de incerteza determina que uma partícula confinada numa certa região do espaço sempre estará em movimento, possuindo assim uma quantidade mínima de energia chamada de energia de ponto zero [1]. Como exemplo desta situação, pode-se considerar uma partícula de massa m confinada numa caixa unidimensional de extensão L. Assim, pelo princípio da incerteza, a partícula possui uma incerteza em sua posição dada por Δx = L e uma incerteza correspondente no momento da ordem de pmin ~ Δpx ~ h / L. A energia total desta partícula é igual a sua energia cinética e, portanto, a energia mínima da partícula pode ser estimada

Portanto, ao contrário da física clássica, a partícula não pode estar em repouso dentro da caixa, possuindo sempre uma quantidade, mesmo que ínfima, de energia cinética.

2. Difração por fenda simples

O fenômeno da difração foi descoberto há pouco menos de quatro séculos, pelo cientista Francesco Maria Grimaldi (1618-1663). Mesmo sendo um fenômeno observado por Huygens e Newton, acreditava-se que a luz poderia somente se propagar em linha reta.

Define-se difração como sendo o fenômeno sofrido pela luz ao passar por um obstáculo qualquer, muito pequeno, seja ele um furo ou um objeto. Em ambos os casos, observa-se o mesmo padrão de difração (interferência) formado. A Fig. 1 mostra uma onda plana de comprimento de onda lambda λ incidindo numa fenda de largura b. No padrão de difração, a intensidade vs. θ , está esquematicamente representado pela Fig. 1.


Para achar a componente E do campo elétrico resultante em um ponto do anteparo, devemos somar as contribuições devidas aos feixes que passam pela fenda de largura b. Desta forma, realiza-se a seguinte integração no intervalo .

onde, o parâmetro ϕ, relacionado às diferenças de fase e trajetos dos feixes que passam pela fenda, é dado por

Após a integração da Eq. (3), o valor do campo elétrico E da onda eletromagnética que atinge um ponto da tela situado a uma distância L da fenda é dado [1, 5, 6] pela seguinte equação

onde E0 é a amplitude do campo elétrico no centro da tela, k é o número de onda (k = 2π/ λ), ω é a frequência angular (ω = 2π/T) e β = senθ.

Considerando que a intensidade é proporcional ao quadrado da amplitude do campo elétrico, podemos escrever a intensidade média (θ) para a difração de fenda única como

A dependência da intensidade em relação à posição angular está contida em β, e a função [(senβ) / (β)]2 é chamada de "fator de difração". Os mínimos no padrão de difração ocorrem quando (θ) = 0. Esta condição requer, portanto, que

Em que m é o número da ordem do padrão de difração, θ é o ângulo entre o meio do padrão e o mínimo de ordem m do padrão de difração.

A Fig. 2 mostra um gráfico de I vs. θ para dois casos em que a largura da fenda difere por um fator 2, mas o comprimento de onda e a intensidade do feixe incidente são os mesmos. Quando a largura da fenda é reduzida pela metade, a amplitude da onda no centro da tela é reduzida também pela metade, de modo que a intensidade no centro se torna quatro vezes menor.


3. Difração de Fraunhofer

A experiência da difração de Fraunhofer consiste em uma fonte luminosa distante necessária para garantir que as frentes de ondas sejam planas, ou seja, que tenha raios luminosos paralelos entre si e perpendiculares à fenda. A luz ao passar por essa fenda muito pequena sofrerá interferência tanto construtiva quanto destrutiva e irá formar no anteparo franjas de interferência, causadas pela difração [5].

4. Tratamento utilizando mecânica quântica

O princípio da incerteza de Heisenberg diz que duas quantidades conjugadas como posição e momento não podem ser determinadas exatamente ao mesmo tempo. De acordo com Heisenberg, a incerteza na posição y e no momento p é definida por

onde h = 6.6262 x10-34 J.s. O sinal de igualdade é aplicado à variáveis com uma distribuição Gaussiana [1, 2].

Para um feixe de fótons que viaja na direção (x) que atravessa uma fenda de largura b, posicionada no eixo (y), a incerteza na posição é dada por

Vamos considerar que os fótons, antes de atravessarem a fenda, tem movimento somente na direção perpendicular à fenda (direção x) e após atravessar a fenda eles adquirem também uma componente na direção y. Assim, a densidade de probabilidade para a componente da velocidade vy é determinada pela distribuição de intensidade no padrão da difração [7]. Usaremos o primeiro mínimo para definir a incerteza da velocidade que, com base na Fig. 1, é

onde θ é o ângulo do primeiro mínimo. Com m e c sendo, respectivamente, a massa e a velocidade da partícula, a incerteza no momento será dada por

Para o fóton, o momento e comprimento de onda da partícula estão relacionados pela relação de Broglie, ou melhor, por

Portanto, a Eq. (11) torna-se

Na Fig. 3 são mostrados os triângulos semelhantes para o fenômeno de difração e as componentes da velocidade da luz c.


Lembrando que a dependência da intensidade em relação a posição angular θ está contida em β = senθ o ângulo θ do primeiro mínimo é dado por

Substituindo a Eq. (14) na Eq. (13) e, depois, multiplicando pela expressão (9), obtém-se a relação de incerteza para uma fenda de dimensão b

Em nossa experiência o ângulo θ é obtido através da posição do primeiro mínimo (Fig. 1)

De maneira análoga, substituindo o ângulo da Eq. (16) na expressão da Eq. (13) chega-se a

Substituindo as expressões (17) e (9) na Eq. (15) e dividindo por h, chegamos a seguinte expressão que representa a equação experimental do principio de incerteza de Heisenberg para uma fenda simples

Portanto, conhecendo-se λ e os valores de b, a, e L pode-se confirmar a expressão 18 dentro dos limites de erro [8].

5. Materiais e métodos

5.1. Materiais e equipamentos

Para a realização do experimento foram utilizados os seguintes materiais e equipamentos:

  • Laser com comprimento de onda λ = 0,000650 mm;

  • Fendas simples de 0,04 e 0,08 mm de largura;

  • Amplificador de sinal em 10x;

  • Trilho de alumínio de 1,5 m de comprimento para montar o diodo, a fenda e o laser;

  • Fotodiodo tipo SLD 70;

  • Suporte do diodo com parafuso micrométrico.

O trilho de alumínio e o parafuso micrométrico foram confeccionados na oficina mecânica do Departamento de Física. O laser, as fendas, amplificador e fotodiodos foram adquiridos de empresas especializadas nacionais e estrangeiras.

5.2. Métodos

Antes de iniciar o experimento, calibramos o laser medindo a estabilidade do mesmo com o tempo. Em seguida procuramos as distâncias mais adequadas da fenda ao fotodetector. Logo após, iniciou-se o processo de medição da voltagem de resposta do detector em função da posição. A voltagem medida no amplificador é proporcional a intensidade da luz laser, as medições da voltagem são feitas com passo de 1mm, pois uma volta do parafuso micrométrico equivale a 1 mm da posição.

Os experimentos foram realizados para duas distintas fendas que, denotadas por f1 e f2, possuíam aberturas de 0,04 mm e 0,08 mm, respectivamente. O laser, amplificador e fotodiodo foram montados sobre um trilho de alumínio e a disposição final do aparelho utilizado é apresentada na Fig. 4.


6. Experimentos e discussões

Após a montagem do conjunto experimental mostrado na Fig. 4, os experimentos foram realizados. A descrição destes, bem como os resultados decorrentes são apresentados em três etapas, a saber:

1. Padrão de difração para fenda de espessura 0,04 mm,

2. Padrão de difração para fenda de espessura 0,08 mm e

3. superposição dos padrões de difração das fendas de espessura f1 = 0,04 mm e f2 = 0,08 mm. Cada etapa é detalhada a seguir.

(a) Na Fig. 5 é mostrado o padrão de difração medido para a fenda de largura f1 = 0,04 mm, este máximo de difração foi obtido fazendo uma varredura com o fotodiodo diante do feixe de luz proveniente da fenda com um passo de Δy = 1,0 mm.

(b) O mesmo procedimento utilizado acima para a fenda de f1 = 0,04 mm foi feito para a fenda f2 = 0,08 mm o resultado é mostrado na Fig. 6.

(c) Na Fig. 7 é mostrada a superposição dos padrões de difração das fendas de espessura f1 = 0,04 mm e f2 = 0,08 mm.




No padrão de difração mostrado na Fig. 5 observou-se nitidamente que a distância entre o mínimo esquerdo e o direito é de 30 mm. Aferiram-se as medidas apresentadas na Tabela 1.

Substituindo estes valores na Eq. (18), responsável por representar a expressão experimental do principio de Heisenberg, chega-se a um valor aproximado de 1,04, o qual está em concordância com o esperado por este princípio.

Usando o padrão de difração mostrado na Fig. 6 para uma fenda (f2) de largura 0,08 mm calculou-se o valor da expressão 18 de aproximadamente 1,10 o qual permite novamente concluir de uma maneira bem simples a verificação do princípio da incerteza de Heisenberg.

Observando a Fig. 7 percebe-se que quando a largura da fenda é reduzida aproximadamente pela metade, o pico central também decai por um fator 2. Assim, segundo a teoria da difração [5,8], espera-se que a voltagem medida no fotodiodo seja proporcional à amplitude da onda incidente.

7. Conclusões

Por este material ser indicado a atividades didáticas laboratoriais, a abordagem experimental aqui descrita permite ao aluno tomar contato e assimilar os conceitos que estão por trás do princípio da incerteza. Por meio de uma matemática acessível aos estudantes de graduação, a formulação teórica realizada propicia a rápida correlação entre resultados de medidas experimentais e resultados previstos pela teoria. Isto pode ser visto pela análise das Figs. 5, 6 e 7 em conjunto com a própria Eq. (18).

Tanto a realização da parte experimental quanto o desenvolvimento da teoria propiciam um melhor esclarecimento do tópico estudado e contribuem para o desenvolvimento da postura crítico científica do aluno.

Recebido em 7/3/2012

Aceito em 1/5/2013

Publicado em 26/9/2013

Copyright by the Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil.

  • [1] R. Eisberg e R. Resnick, Física Quântica: Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas (Elsevier, Rio de Janeiro, 1979).
  • [2] Elso Drigo Filho e Marco Antonio Ribeiro, Introdução à Física Moderna (Curso de Verão em Biofísica Molecular, IBILCE, 2002).
  • [3] C.A. Dartora, K.Z. Nobrega, V.F. Montagner, A. Heilmann e H.T.S. Filho, Revista Brasileira de Ensino de Física 31, 2303 (2009).
  • [4] S.T. Thornton and J.B. Marion, Classical Dynamics of Particles and Systems (Thomson - Brooks/Cole, Belmont, 2004).
  • [5] G.R. Fowles, Introduction to Moden Optics (Holt, Rinehard and Winston, New York, 1975), 2nd ed.
  • [6] F.J. Keller, W.E. Gettys and M.J. Skove, Física, vol. 2 (Makron Books, São Paulo, 1999).
  • [7] J.P. McKelvey and H. Grotch, Física 4. (Harper & Row do Brasil, São Paulo, 1981), cap. 26.
  • [8] M. Young, Optics and Lasers (Springer Verlag, Berlin, 1993), cap. 9.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      07 Mar 2012
    • Aceito
      01 Maio 2013
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