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Adrenoleucodistrofia ligada ao X: diagnóstico e quantificação da progressão

A adrenoleucodistrofia (ADL) é uma doença da substância branca (SB) na qual o diagnóstico precoce permite a indicação do transplante de medula óssea (TMO) como opção terapêutica. Em virtude da grande sensibilidade da ressonância magnética (RM) para o diagnóstico das lesões da SB, o radiologista é frequentemente requisitado para opinar sobre a diferenciação entre um caso de sequela por hipóxia e lesões evolutivas, como as leucodistrofias. De modo geral, o clínico distingue estes dois grupos pela anamnese e exame neurológico evolutivo. Porém, nem sempre a apresentação é tão clara, branca ou preta, se apresentando mais frequentemente em diferentes tons de cinza, com história muito confusa de perda de habilidades, distúrbios de comportamento, involução neuropsicomotora questionável e diferentes graus de distúrbios potencialmente atribuíveis a doenças psiquiátricas atuando como confundidores. Nesta situação, a opinião do radiologista sobre um exame de RM de encéfalo é crucial para a condução clínica. Na apresentação típica da ADL ligada ao X, associada com sintomas de insuficiência adrenal, é de diagnóstico relativamente fácil para o radiologista experiente em doenças do sistema nervoso central (SNC), o que aumenta a responsabilidade da sua identificação. Recentemente, os bons resultados obtidos com o tratamento por TMO, quando o diagnóstico é feito precocemente, tornaram ainda mais importante o papel da imagem. Neste sentido, a leitura do excelente artigo publicado neste número da Radiologia Brasileira, utilizando tensor de difusão(1Ono SE, Carvalho Neto A, Gasparetto EL, et al. X-linked adrenoleukodystrophy: correlation between Loes score and diffusion tensor imaging parameters. Radiol Bras. 2014;47:342-9.), realizado pelo grupo do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná, se torna ainda mais interessante.

A ADL é uma doença genética classificada no grupo das doenças peroxissomais, cuja forma mais frequente é de doença recessiva ligada ao cromossomo X. Assim, as mulheres somente são acometidas de maneira incomum e como uma variante, sendo portadoras do gene que acomete fundamentalmente o sexo masculino. Embora existam formas, como a neonatal e a adulta, é a forma clássica ou infantil que é a mais grave e mais frequente. Esta forma foi notabilizada no filme “Óleo de Lorenzo” (Lorenzo’s Oil, EUA, 1992), dirigido por George Miller, no qual a doença foi exemplificada de forma primorosa. Neste filme foram muito enfatizados não somente o sofrimento do paciente, mas também a repercussão familiar da percepção de sua deterioração progressiva.

Além disto, é preciso considerar atualmente as possibilidades de acesso à informação pelos meios de comunicação, que permitem à família prever a grande possibilidade de uma deterioração inexorável na ausência de um tratamento efetivo.

A ADL ligada ao X é causada por uma deficiência na metabolização dos ácidos graxos de cadeia muito longa, que se acumulam no principalmente no SNC e nas adrenais. Com o acúmulo destes ácidos graxos no encéfalo, ocorre destruição da mielina e do axônio, com um componente inflamatório perivascular que se expressa na forma de uma quebra de barreira hematoencefálica na margem da área de desmielinização. Os sintomas se iniciam entre quatro e cinco anos de idade, com dificuldades de percepção auditiva e visual, sinais de insuficiência adrenal, perda de memória, dificuldades de fala e de marcha, irritabilidade crescente e dificuldades de relacionamento.

A imagem na RM é variável, porém, na apresentação típica, se inicia no esplênio do corpo caloso e na SB adjacente, na forma de três camadas. No centro ocorre uma área de necrose com hipossinal nas sequências ponderadas em T1 e hipersinal nas sequências ponderadas em T2, margeada por uma área intermediária de desmielinização com inflamação perivascular que é responsável por quebra de barreira e realce marginal pelo gadolínio, em geral bilateral e bosselado, com focos de descontinuidade junto ao córtex adjacente. Por fim, ao redor da área de realce existe outra zona de desmielinização não inflamatória e edema. A desmielinização envolve progressivamente diferentes tratos de mielina, incluindo vias ópticas, motoras e sensitivas, se espraiando para os lobos parietal e occipital anteriormente, tronco cerebral e cerebelo. A lesão visível na RM é progressiva e, em geral, precede os sintomas clínicos relacionados com o trato acometido. Apesar de existirem variantes, que inclui uma forma predominantemente frontal, o mais comum é a apresentação clássica acima descrita. A progressão dos sintomas mostra uma correlação muito clara com a progressão do acometimento de diferentes tratos de mielina, fazendo com que a análise criteriosa da RM seja extremamente útil para graduar a gravidade e a fase do acometimento do SNC. A forma hoje bem estabelecida de graduação da doença foi proposta por Loes em 1994(2Loes DJ, Hite S, Moser H, et al. Adrenoleukodystrophy: a scoring method for brain MR observations. AJNR Am J Neuroradiol. 1994;15:1761-6.) e hoje é conhecida como “escore de Loes”, conforme bem detalhado no artigo de Ono et al.(1Ono SE, Carvalho Neto A, Gasparetto EL, et al. X-linked adrenoleukodystrophy: correlation between Loes score and diffusion tensor imaging parameters. Radiol Bras. 2014;47:342-9.). Com o advento da proposta de indicação de TMO para tratar essas crianças(3Loes DJ, Fatemi A, Melhem ER, et al. Analysis of MRI patterns aids prediction of progression in X-linked adrenoleukodystrophy. Neurology. 2003;61:369-74.,4Peters C, Charnas LR, Tan Y, et al. Cerebral X-linked adrenoleukodystrophy: the international hematopoietic cell transplantation experience from 1982 to 1999. Blood. 2004;104:881-8.), o dilema fundamental é estabelecer um limite para a indicação do procedimento, porque, a partir de um certo ponto, sua eficácia deixa de existir. De modo geral, o procedimento é contraindicado quando o escore de Loes é igual ou maior que nove. Do ponto de vista social, é sempre difícil contraindicar o TMO, uma vez que esta é a forma de tratamento mais eficiente, sendo estimada uma sobrevida em torno do dobro daquela em que esta terapêutica não é utilizada, independentemente do uso de outras formas paliativas de tratamento, como o chamado “óleo de Lorenzo”.

Apesar de o diagnóstico da ADL e sua graduação serem fundamentalmente qualitativos, com base na identificação dos achados de desmielinização inflamatória na imagem estrutural, a utilização de ferramentas quantitativas, muitas vezes chamadas de técnicas avançadas, inclui a espectroscopia de prótons e a imagem de tensor de difusão (DTI). A utilização da DTI vem assumindo importância crescente em diferentes doenças desmielinizantes, conforme já amplamente conhecido em doenças mais comuns, como a neuromielite óptica(5Gasparetto EL, Rueda Lopes FC. Advances in neuromyellitis optica. Radiol Bras. 2012;45(6):ix.) e a esclerose múltipla(6Inglese M. Multiple sclerosis: new insights and trends. AJNR Am J Neuroradiol. 2006;27:954-7.). O artigo de Ono et al.(1Ono SE, Carvalho Neto A, Gasparetto EL, et al. X-linked adrenoleukodystrophy: correlation between Loes score and diffusion tensor imaging parameters. Radiol Bras. 2014;47:342-9.) é mais uma vez muito útil ao discutir parâmetros ideais para a utilização da DTI, como o número de direções, por exemplo. Assim, consideramos altamente recomendável a leitura cuidadosa deste interessante artigo.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Ono SE, Carvalho Neto A, Gasparetto EL, et al. X-linked adrenoleukodystrophy: correlation between Loes score and diffusion tensor imaging parameters. Radiol Bras. 2014;47:342-9.
  • 2
    Loes DJ, Hite S, Moser H, et al. Adrenoleukodystrophy: a scoring method for brain MR observations. AJNR Am J Neuroradiol. 1994;15:1761-6.
  • 3
    Loes DJ, Fatemi A, Melhem ER, et al. Analysis of MRI patterns aids prediction of progression in X-linked adrenoleukodystrophy. Neurology. 2003;61:369-74.
  • 4
    Peters C, Charnas LR, Tan Y, et al. Cerebral X-linked adrenoleukodystrophy: the international hematopoietic cell transplantation experience from 1982 to 1999. Blood. 2004;104:881-8.
  • 5
    Gasparetto EL, Rueda Lopes FC. Advances in neuromyellitis optica. Radiol Bras. 2012;45(6):ix.
  • 6
    Inglese M. Multiple sclerosis: new insights and trends. AJNR Am J Neuroradiol. 2006;27:954-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014
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