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ARTIGO DE REVISÃO

Gestão na saúde ocupacional: importância da investigação de acidentes e incidentes de trabalho em serviços de saúde

Management in occupational health: relevance of investigation of work accidents and incidents in health services

Kedma de Magalhães Lima1; Kezla Glaciene dos Santos Canela2; Roxana Braga de Andrade Teles1; Danyella Evans Barros Melo1; Lucas Rafael Monteiro Belfort1; Victor Hugo da Silva Martins1

DOI: 10.5327/Z1679443520173016

RESUMO

CONTEXTO: Para provimento da saúde ocupacional, é necessária a promoção de condições laborais que garantam uma boa qualidade de vida no trabalho, promovendo o bem-estar físico, mental e social, prevenindo e controlando os acidentes e as doenças por meio da redução das condições de risco.
OBJETIVO: Identificar as práticas e principais dificuldades relacionadas à gestão ocupacional em empresas de saúde.
MÉTODOS: Foi realizada uma revisão de literatura por consulta na base de dados da Biblioteca Virtual de Saúde. Utilizou-se para a busca dos artigos a associação entre os termos: gestão em saúde ocupacional, saúde ocupacional, condições de risco e segurança de trabalho. Selecionaram-se artigos científicos no idioma português, com texto completo disponível, publicados de 2008 a 2016. A análise dos dados ocorreu de forma organizada e crítica.
RESULTADOS: Foi verificado que o acidente laboral é um problema de saúde social, sendo que o Brasil é o quarto país em número de óbitos relacionados ao trabalho no mundo. Os fatores que contribuem para o comprometimento da saúde do trabalhador são diversos, como os ligados a biotecnologias, a doenças crônicas, e até a novas doenças de várias origens. Atualmente, diversas medidas estão sendo tomadas para melhorar a saúde ocupacional, tais como a NR-32 e a capacitação de novos profissionais de saúde.
CONCLUSÕES: Percebe-se maior preocupação e inovação das empresas com a implantação de medidas preventivas e adoção de capacitações como instrumento para diminuição dos riscos ocupacionais, contribuindo para a redução dos acidentes de trabalho.

Palavras-chave: fatores de risco; saúde ocupacional; exposição ocupacional; serviços de saúde.

ABSTRACT

BACKGROUND: To ensure occupational health, promotion of working conditions likely to result in a satisfactory quality of life at work is necessary, with enhancement of the physical, mental and social well-being of workers and prevention and control of accidents and diseases by reducing risk conditions.
OBJECTIVE: To identify the practices and main difficulties related to occupational management in healthcare companies.
METHODS: A literature review was conducted in database Virtual Health Library. The search was based on the combination of keywords: occupational health management, occupational health, risk conditions and workplace safety. Scientific articles in the Portuguese language, with full text available and published from 2008 to 2016 were selected. The data were analyzed in an organized and critical manner.
RESULTS: Work accidents are a social health problem; Brazil ranks fourth in number of work-related deaths worldwide. Several factors contribute to impair the health of workers, such as the ones related to biotechnologies, chronic diseases and also new diseases of various origins. Several measures are currently being applied to improve occupational health, such as N-32 and training of new healthcare professionals.
CONCLUSIONS: There is greater concern and innovation among organizations, including implementation of preventive measures and training as instruments to reduce occupational risks, thus contributing to the reduction of work accidents.

Keywords: risk factors; occupational health; occupational exposure; health services.

INTRODUÇÃO

Em tempos remotos, o trabalho ou “tripaliari” era interpretado como tortura aos escravos e pobres que não tinham como pagar os seus impostos. Atualmente, representa a dignidade para o homem, indo além da remuneração e do respeito, culminando no crescimento como ser humano. Os trabalhadores são homens e mulheres que exercem atividades para o seu sustento e o de sua família no mercado de trabalho de setores formais e informais da economia. Na história mundial, também encontramos os primeiros relatos sobre as doenças ocupacionais, em situações em que os trabalhadores manipulavam substâncias tóxicas. Hipócrates (460-375 a.C.) descreve a intoxicação saturnina, Plínio (23-79 d.C.) relatou preocupação com a proteção no ambiente de trabalho, mostrando situações vivenciadas por escravos que protegiam o rosto com panos servindo de máscaras para evitar a inalação de poeiras nocivas1.

Na Revolução Industrial, período de exacerbação da relação entre o trabalho e o processo saúde/doença, o trabalhador passou a vender sua força de trabalho, porém tornou-se vítima da máquina. As exaustivas jornadas de trabalho em lugares inadequados, prejudiciais à saúde, eram incompatíveis com a vida. O agrupamento humano nesses locais inadequados acarretava a proliferação de doenças, e as máquinas eram responsáveis por mutilações e mortes1.

Após a Primeira Guerra Mundial, o movimento operário adquiriu bases sólidas e atingiu grande força política; assim, ocorreram as primeiras campanhas de melhoria das condições ambientais dos locais de trabalho e foram propostas as leis de seguridade social. A principal reivindicação foi a redução da jornada, que posteriormente culminou na busca pela melhoria das condições de trabalho, segurança, higiene e prevenção de doenças. A miséria operária, na luta pela sobrevivência, modifica seu foco em torno da saúde, favorecendo o surgimento da medicina do trabalho, da fisiologia do trabalho e da ergonomia laboral2.

A saúde humana, no Brasil e no mundo atual, tem uma das suas marcas na forma como o processo de globalização e reestruturação produtiva vem desenhando o modo de vida e definindo outros padrões de saúde-doença das populações3.

Grandes organizações de âmbito internacional, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), na década de 1950, apresentaram interesse pela saúde do trabalhador e formaram uma Comissão Conjunta OIT/OMS, que estabeleceu os objetivos da saúde ocupacional4.

Em 1953, a Conferência Internacional do Trabalho elaborou a Recomendação nº 97, documento relacionado à proteção e à saúde dos trabalhadores nos seus locais de trabalho. Assim, após várias conferências entre a OIT e a OMS, resultou a Recomendação nº 112, que estipulava as “Recomendações para os Serviços de Saúde Ocupacional”, na qual se destacavam a proteção dos trabalhadores contra qualquer risco à sua saúde decorrentes do seu trabalho ou das condições em que realiza o mesmo, o ajustamento físico e mental do trabalhador nos casos de adaptação de acordo com as aptidões e o estabelecimento e manutenção do mais alto grau possível de bem-estar físico4.

Como medida impactante no Brasil, em 1972 houve a criação da Portaria nº 3.237, que estabeleceu a obrigatoriedade dos serviços de segurança e medicina do trabalho em todas as empresas com mais de 100 empregados, iniciando a busca pela segurança do trabalhador. A Constituição Federal da República de 1988 contribuiu para a inclusão da saúde do trabalhador no ordenamento jurídico nacional, transformando-a em um direito social, garantindo aos trabalhadores a redução dos riscos provenientes do trabalho, por meio da instituição de normas de segurança e saúde5.

De acordo com Santos6, “o desempenho do ser humano na execução de suas atividades de trabalho está relacionado às condições de trabalho que lhe são impostas. Em particular, às condições organizacionais e às condições ambientais e técnicas, que determinam respectivamente sua motivação e satisfação no trabalho”.

Para o Ministério do Trabalho, a exposição ocupacional a materiais potencialmente infectantes contaminados com material biológico se enquadra na definição de acidente de trabalho, ou seja, todo incidente que ocorre durante o exercício da profissão, provocando lesões corporais ou alterações funcionais que possam levar à morte, à perda ou à diminuição passageira ou definitiva da produtividade do trabalhador no desempenho de suas funções profissionais7.

Em se tratando do ambiente hospitalar, os acidentes de trabalho que envolvem material biológico merecem uma posição de destaque, tanto pela sua frequência como pela sua gravidade. Tais argumentos caracterizam esse tipo de acidente ocupacional como caso de emergência médica, uma vez que as intervenções para a profilaxia da infecção pelos vírus do HIV e da hepatite B necessitam, para a sua maior eficácia, ser iniciadas nas primeiras horas após o contato8.

A preocupação em relação a esse tipo de exposição teve seu início na década de 1980, quando foi difundida a epidemia da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), causada pelo vírus HIV. Nessa ocasião, surgiram discussões em relação à criação de medidas profiláticas e ao acompanhamento clínico-laboratorial dos trabalhadores expostos a material biológico. A partir de então, foram aprimoradas as medidas de biossegurança, para que os trabalhadores envolvidos no cuidado a pacientes com HIV ficassem mais protegidos contra tal patologia9.

No caso dos serviços de saúde, os profissionais mais expostos a esse risco são aqueles envolvidos na atenção direta aos pacientes. Esse grupo é composto principalmente pelas equipes de enfermagem e médica, em virtude do contato direto e frequente com sangue e secreções. Todavia, no interior da instituição hospitalar existem outras categorias profissionais expostas a esse agravo, como os higienizadores, as copeiras, os laboratoristas, os trabalhadores da lavanderia, entre outros10.

Com as organizações colocando a saúde e a segurança de seus empregados como fator prioritário, várias estratégias, programas e processos têm sido desenvolvidos, com resultados positivos na redução dos acidentes de trabalho. Dois exemplos são o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e a Norma Regulamentadora 32 (NR-32), que estabelecem diretrizes básicas para a implementação de medidas para segurança e proteção à saúde dos trabalhadores dos serviços de saúde. A NR-32 passou posteriormente por alteração, instituindo por meio da Portaria nº 1.748 o “Plano de prevenção de riscos de acidentes com materiais perfurocortantes”.

Assim, os valores em segurança do trabalho estão cada vez mais alinhados à criação de um ambiente onde todos os funcionários estejam motivados, de modo a se atingir a excelência em segurança, desenvolvendo um conceito no qual prevalece a preocupação não só com as atitudes tomadas pelos colaboradores, mas também com as consequências dessas atitudes11.

Diante do exposto, este estudo tem como principal objetivo identificar as práticas e principais dificuldades relacionadas à gestão ocupacional em empresas de saúde, norteada pelo questionamento de quais práticas gerenciais podem ser adotadas pelas empresas da área de saúde para melhorar as características do seu ambiente de trabalho e minimizar os riscos e a ocorrência de acidentes e doenças ocupacionais.

 

MÉTODOS

Para a realização do trabalho, foi feita uma revisão da literatura com a finalidade de aprofundar os conhecimentos sobre o tema proposto e adquirir novas ideias. A revisão bibliográfica foi composta de: escolha do tema, levantamento bibliográfico, formulação da pergunta norteadora, busca dos artigos, leitura e redação final do trabalho.

A busca dos artigos foi realizada por consulta a base de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS). Utilizou-se a terminologia padronizada em Descritores em Ciência da Saúde (DeCS), a partir da associação entre os termos: gestão em saúde ocupacional, saúde ocupacional, condições de risco e segurança de trabalho.

Como critérios de inclusão, foram elencados: artigos científicos no idioma português, com texto completo disponível, publicados entre os anos 2008 e 2016, relacionados com a temática deste estudo.

A análise dos dados ocorreu de forma organizada e crítica, e a leitura aprofundada dos conteúdos foi realizada buscando-se esclarecimentos a respeito do tema e associações entre ideias e resultados dos artigos selecionados bem como de outros estudiosos.

 

RESULTADOS

A pesquisa realizada identificou 33 artigos nas bases de dados com a seguinte distribuição: 7 na Scientific Electronic Library Online (SCIELO); 17 na Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); 8 na Base de Dados de Enfermagem (BDENF); e 1 na base indexadora da literatura publicada em Periódicos Científicos Brasileiros em Psicologia (INDEX PSI Periódicos Técnico-científicos). Contabilizou-se apenas uma vez os artigos que foram indexados em 2 ou mais bancos de dados, resultando em 26 trabalhos. Após uma triagem dos títulos, resumos e texto completo, 18 artigos foram selecionados — como critério de escolha, foram incluídos aqueles que mais enfatizavam as práticas de medidas gerenciais relacionadas à saúde ocupacional (Quadro 1).

 

 

DISCUSSÃO

Uma leitura preliminar da abordagem dos trabalhos demonstrou que a temática mais comum foi a de práticas gerenciais adotadas pelas empresas na tentativa de diminuição dos riscos ocasionados no ambiente de trabalho. Houve menor ênfase em temas relacionados à identificação dos riscos biológicos e acidentes por material perfurocortantes. A proporção entre essas duas abordagens nos artigos selecionados foi de 56 versus 44%, respectivamente.

De acordo com a OMS, os maiores desafios para a saúde do trabalhador, iminentes e previsíveis, estão relacionados à saúde ocupacional e ligados com: novas tecnologias de informação; substâncias químicas e energias físicas; biotecnologias; envelhecimento da população trabalhadora; problemas especiais dos grupos vulneráveis (doenças crônicas e deficientes físicos); e com a ocorrência de novas doenças ocupacionais com várias origens12.

O acidente de trabalho está legalmente definido no art. 19 da Lei nº 8.213/91 que caracteriza o acidente de trabalho como “aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”13.

Observa-se que os acidentes de trabalho se tornaram um grande problema para a sociedade como um todo. Segundo a OIT, o número de feridos em acidentes de trabalho no mundo ultrapassa a 317 milhões por ano. O Brasil é o quarto país em número de óbitos anuais, com mais de 2.500 mortes em decorrência de acidentes de trabalho no ano de 201014.

Os acidentes de trabalho com exposição a material biológico, contaminados com fluidos corporais e sangue, são frequentes entre os trabalhadores de assistência à saúde devido às peculiaridades dos procedimentos realizados no cuidado à saúde das pessoas e às condições em que o trabalho é executado15.

A OMS afirma que, dentre todos os trabalhadores de saúde no mundo, anualmente cerca de 16 mil sofrem infecções pelo vírus da Hepatite C (HCV), 66 mil pelo vírus da Hepatite B (HBV), e 1 mil pelo HIV. Estes dados expressam a problemática de grande magnitude e transcendência que causa incapacidades e doenças comprometendo a qualidade de vida. Apesar de o risco estar bem documentado, muitos profissionais não adotam cotidianamente a utilização de equipamentos de proteção individual e coletiva e/ou os utilizam erroneamente, agravando sua vulnerabilidade e se expondo a riscos à saúde16.

Uma prática que está auxiliando a redução dos acidentes é a implantação da NR-32. Muitas medidas estabelecidas por essa norma estão ajudando na diminuição dos acidentes por materiais perfurocortantes: os empregadores devem promover a substituição dos materiais perfurocortantes por outros com dispositivo de segurança, fornecendo capacitação aos trabalhadores para seu uso. A NR-32 preconiza como manusear e utilizar materiais e utensílios de limpeza que preservem sua integridade física, destacando-se que essas medidas deverão alcançar inclusive os trabalhadores terceirizados17.

O estudo de Figueiredo e Maroldi18 abordou o internamento domiciliar, demonstrando que o atendimento realizado requer os mesmos cuidados do ambiente hospitalar em relação aos acidentes ocupacionais. Os autores constataram que os profissionais de enfermagem são os que mais se expõem aos riscos, corroborando com a literatura. Como principal justificativa para esse resultado, apontou-se a realização de curativos, principalmente de úlceras de pressão (UP), em que há exposição a fluidos biológicos, sangue e utilização de bisturi (no momento de utilização e descarte).

Análise semelhante realizada por Iwamoto e colaboradores19 teve em sua amostra o destaque percentual de 60,14% dos profissionais (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem) expostos a risco biológico, concentrados nos serviços de patologia clínica, cirurgia, anatomia entre outros. O menor grupo encontrado é composto pelos trabalhadores que apresentavam risco físico e químico (1,65%), abrangendo os farmacêuticos, pesquisadores e professores.

Os fatos apresentados ressaltam a importância da capacitação dos profissionais de saúde quanto aos riscos a que estão suscetíveis no local de trabalho, especialmente trabalhadores de enfermagem, por realizarem rotineiramente procedimentos invasivos e não adotarem medidas de biossegurança. Além disso, é necessário que as empresas realizem o estudo detalhado dos processos de trabalho que envolvem as ocorrências dos acidentes ocupacionais20,21.

A adesão às precauções nas atividades laborais é a principal estratégia de proteção ao trabalhador na exposição a patógenos transmissíveis, assim como na proteção ao paciente. Porém, a adesão encontra-se abaixo do recomendado. Estudos apontam que o treinamento e conhecimento sobre a temática influenciam positivamente no cumprimento de medidas de segurança; em contraponto, a adesão a elas se mostra maior em unidades de grande porte em relação às de pequeno porte. Essa percepção pode ser atribuída à atuação das comissões de controle de infecção hospitalar e/ ou investimento financeiro destinado a ações de prevenção das instituições22.

Nesse contexto, dados que ratificam a adesão a essa prática são encontrados na pesquisa realizada por Iwamoto e colaboradores19: os autores verificaram o aceite de práticas gerenciais adotadas pela pelas empresas no intuito de diminuir os acidentes ocupacionais. Segundo a pesquisa, 52,05% dos trabalhadores não realizaram as atividades estabelecidas pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO); também se verificou a baixa adesão dos trabalhadores aos programas que fazem acompanhamento vacinal, estimulam o uso de equipamentos de proteção individual, bem como orientações quanto a esterilização e desinfecção do material além de estabelecerem melhores condições do ambiente e da saúde ocupacional.

Destacando a temática de percepção de riscos biológicos pelos profissionais, a maioria se demonstra ciente dos riscos aos quais estão expostos, reconhecendo que a atenção para execução de suas atividades é primordial. Os acidentes são multicausais, também sendo consequência do comportamento individual23.

Muitas empresas já perceberam que um empregado saudável é mais produtivo e gera menos custo. Desta forma, certas organizações e governos se preocupam cada vez mais com a saúde dos trabalhadores, pois o bem-estar dos mesmos implica diretamente em vantagens competitivas para a empresa24.

Um dos trabalhos analisados demonstra uma maior preocupação por parte de um hospital com a qualidade de notificações uma vez que esse é um dos grandes problemas enfrentados pelos serviços de saúde. Segundo Marziale et al.17, se não houver a simples informação sobre o uso ou não de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) no momento do acidente, o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) e a instituição ficam incapacitados de direcionar suas ações de forma eficaz. Dessa maneira, implantou-se nesse hospital um instrumento completo de avaliação formal do acidente, mostrando uma iniciativa do serviço em melhorar a qualidade das notificações por meio de um instrumento de coleta de informações disponível no site. Sua utilização poderá contribuir para a avaliação completa do acidente e para a elaboração de medidas eficazes na promoção de saúde dos trabalhadores.

A fim de reunir informações de todo o país, foi criado no Brasil o SINAN, que contém uma ficha online específica para a notificação de acidentes de trabalho com material biológico. Outra iniciativa que também pode auxiliar na qualidade das notificações é a Rede de Prevenção de Acidentes de Trabalho com exposição a material biológico (REPAT), que possibilita aos serviços de segurança dos hospitais brasileiros cadastrarem-se na rede online, notificando os acidentes ocorridos nos serviços de saúde nos quais atuam17.

Relatos da literatura confirmam o investimento das empresas em capacitações dos funcionários. Um exemplo é o Projeto de Modernização da Gestão Científica do Instituto Oswaldo Cruz, que foi estruturado exatamente para atender essa necessidade (natural no atual cenário de competição crescente) das organizações de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), que buscam assegurar a disponibilização, a integração e a divulgação do conhecimento, utilizando como estratégia, principalmente, a capacitação25.

A partir de treinamento executados pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC), pode-se observar uma mudança no comportamento do profissional mesmo que indiretamente apontando algumas situações interessantes, como:

• aumento no consumo (21,46% em um período de seis meses) de equipamentos de proteção individual, como jalecos descartáveis, luvas de procedimento, luvas nitrílicas e máscaras;

• aumento no número de pedidos de credenciamento, em relação à biossegurança, dos laboratórios do IOC, visando à manipulação de organismos geneticamente modificados, em consonância com a Lei 11.105/05; e

• maior rapidez com que as vagas oferecidas nos cursos foram preenchidas26.

Para a prevenção, o fator humano é fundamental; o trabalhador precisa ter o sentimento de integrar a empresa e sentir que trabalha em um ambiente seguro e saudável. Caso a empresa desenvolva esses tipos de sentimentos nos indivíduos, certamente obterá a colaboração do trabalhador com mais facilidade e, consequentemente, irá diminuir o número de acidentes de trabalho. A prevenção pode ser considerada mais relacionada a um programa educativo de constância e de fixação de valores do que a um programa técnico14.

Atos inseguros caracterizados por negligência e imprudência, potencializados pela inobservância por parte profissionais, ou no cumprimento das normas da instituição e no obedecimento das instruções de manuseio e descarte de material são fatores que devem ser análisados e trabalhados27. Nesse contexto, a didática, utilizando-se da edução, torna-se uma ferramenta de extrema relevância para definir acidentes de trabalho e estratégias de prevenção nesse grupo de trabalhadores28.

Um programa de prevenção de acidentes deve estar amparado sob dois aspectos fundamentais: o aspecto humano, com a preocupação centrada no bem-estar e na preservação da vida do trabalhador; e o aspecto econômico, em observância aos custos decorrentes do absenteísmo causado por acidentes, que podem ser muito altos29.

Nessa perspectiva, é necessário que se reforcem as condições culturais e sociais, assim como as condições de trabalho encontradas nas organizações, através de medidas preventivas por meio da eliminação do ato ou da condição insegura de trabalho. A adoção de políticas preventivas deve ser sempre baseada no respeito ao indivíduo e implicar na eliminação dos efeitos nocivos sobre a sua saúde. As questões de saúde e segurança no trabalho devem incluir todos — gestão e o quadro de trabalhadores — na tentativa de diminuição dos riscos29.

 

CONCLUSÃO

É explícita a necessidade de investimento em sistemas de gestão de segurança e saúde ocupacional, considerando que o número de acidentes de trabalho nos estabelecimentos de saúde ainda são alarmantes e acarretam complicações que afetam a integridade física e psicológica dos trabalhadores. Destaca-se a alta prevalência de acidentes ocasionados por exposição a material biológico proveniente de fluidos, como sangue, e materiais perfurocortante..

Em uma parcela significativa dos trabalhos analisados, percebe-se uma maior preocupação das empresas com a implantação de medidas preventivas, como: a observação da NR-32; o estabelecimento de protocolos a serem utilizados pelos funcionários; a identificação de perigos e riscos a que o profissional está submetido nos ambientes dentro e fora do hospital; além do preenchimento de notificações. Essas práticas culminam com o investimento em capacitações que sem dúvida constitui a base para modificar o comportamento dos trabalhadores que, conhecendo os riscos ocupacionais, adotarão as medidas necessárias ao seu controle.

Ressalta-se que as questões relacionadas à segurança, à saúde ocupacional e à medicina do trabalho não se restringem mais à coleta de dados estatísticos, nem tampouco a ações reativas a acidentes de trabalho. Ocorreu uma inovação por parte das empresas, fazendo com que as mesmas assumam a sua parcela de responsabilidade na tentativa de diminuir os acidentes sofridos pelos seus trabalhadores.

 

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Recebido em 2 de Agosto de 2016.
Aceito em 27 de Julho de 2017.

Trabalho realizado na Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) – Petrolina (PE), Brasil.

Fonte de financiamento: nenhuma


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