A neologia no português do Brasil: resultados de pesquisas sistemáticas e tendências para o futuro da área

Luís Henrique Serra,
Pâmela Teixeira Ribeiro,
Ariane Vicente Mota

Resumo

Este texto é uma revisão crítica da conferência apresentada pela professora Ieda Maria Alves no evento Abralin ao VivoLinguists Online. A conferência ocorreu em 19 de julho de 2020 e foi intitulada O que os estudos sobre a neologia do português do Brasil (PB) nos ensinam?. Na exposição, a pesquisadora propôs uma reflexão sobre o que pode ser estabelecido por meio da observação sistemática dos neologismos do PB e, para isso, dividiu sua apresentação em três partes, a saber: conceito de neologia e neologismo, neologia e aspectos culturais, e neologia e lexicografia. Ao longo da apresentação, a professora demonstrou que a pesquisa em neologia contribui para os estudos do léxico do português, bem como para os estudos de morfologia, sintaxe, semântica, entre muitos outros aspectos observáveis que podem ser analisados em uma língua, além de possibilitar a compreensão dos aspectos sociais, históricos e culturais do Brasil.

Texto

Esta resenha crítica é um resumo e uma análise da conferência feita pela professora Dra. Ieda Maria Alves no evento online promovido pela Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN) e outras associações internacionais de linguística. A apresentação intitulada O que nos ensinam os estudos sobre a neologia do português brasileiro?[1] aconteceu no dia 19 de julho no canal do YouTube da ABRALIN, no âmbito do evento Abralin ao Vivo - Linguists Online.

Ieda Maria Alves é professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Ela é uma pesquisadora brasileira de expressiva relevância na área do léxico e dirige um observatório de neologismos do Português Brasileiro contemporâneo (TermNeo) na USP. Em sua conferência, apresentou resultados de anos de pesquisa sobre neologismos e expôs seus pensamentos sobre essa temática no Português do Brasil (PB). Ela também demonstrou como esse fenômeno é importante para caracterizar o PB, pois, por meio da observação sistemática dos neologismos, é possível compreender alguns padrões e tendências para formações neológicas no PB. Segundo a professora, esses neologismos ilustram como os eventos sociais influenciam a linguagem e sua transformação. Ieda Maria Alves organizou sua apresentação em três momentos: (1) o conceito de neologia e neologismo; (2) neologia e aspectos culturais; e (3) neologia e lexicografia.

No primeiro momento, neologia e neologismo foram definidos. Segundo Alves (2007, p.5[2]), “ao processo de criação lexical dá-se o nome de neologia. O elemento resultante, a nova palavra, é denominado neologismo”. A professora também expôs que a palavra neologismo ocorreu, pela primeira vez, no português, no século XVIII, enquanto o nome do processo, neologia, teve sua aparição primeira no ano de 1868. A pesquisadora alerta que um neologismo pode ser caracterizado como uma nova formação lexical no léxico de uma língua bem como um novo significado adquirido por uma palavra já existente. De acordo com Alves (2007[2]), o neologismo pode acontecer quando a sociedade sente necessidade de nomear um novo fenômeno social, que pode ser vinculado às áreas tecnológica, cultural, política, entre outras.

Com base em Sablayrolles (2017[3]), Alves explicou que há uma dificuldade para definir o que é um neologismo devido ao conceito de novidade de uma palavra, uma vez que ela pode ser um neologismo para um falante, e não para outro. Para solucionar esse problema, a conferencista seguiu alguns critérios definidos por Cabré (1993[4]) para identificação de neologismos terminológicos, que também podem ser aplicados para análise de palavras de língua geral, a saber: a diacronia, a lexicografia, a instabilidade sistemática e os parâmetros psicológicos. Considerando esses fatores, uma unidade lexical é considerada neológica se: tiver aparecido na sociedade em um momento recente (diacronia); se não estiver registrada nos dicionários gerais (lexicografia); se apresentar instabilidade morfológica, semântica ou sintática em seus registros, portanto, a nova palavra ou significado ainda não possui características estabelecidas (instabilidade sistemática); e se for percebida pelos falantes como sem precedentes (parâmetro psicológico).

Além desses critérios, Alves também considera os aspectos pragmáticos da comunicação para categorizar uma palavra como neologismo. Com base em uma discussão de Guerrero Ramos (2017[5]), Alves tratou do neologismo do emissor e do receptor, ou seja, quando o sentido de uma palavra é percebido como neológico pelo receptor, mas não pelo emissor.

Outro critério importante considerado pela pesquisadora é a ideia de que um neologismo não existe em si mesmo, mas sempre em relação a um grupo de usos arbitrariamente definidos (REY, 1976[6]). Contudo, ela alerta que, com relação ao aspecto da arbitrariedade, é importante ser o mais coerente possível. Para isso, Alves se baseia no conceito de corpus de exclusão proposto por Boulanger (1979[7]), que pode ser definido como um compilado de textos reais de uma língua. Esses textos podem ser impressos, digitalizados ou orais e devem conter um número significante de palavras. Nesse sentido, outro critério adotado é conferir se a palavra em análise consta neste corpus de exclusão. Se a palavra não for encontrada em nenhum desses textos, ela será considerada neológica.

Para terminar a primeira parte de sua palestra, Alves apresentou seu projeto do observatório de neologismos do português brasileiro contemporâneo (TermNeo), criado em 1993. O corpus do observatório é jornalístico, o que significa que é composto por jornais, revistas, blogs e páginas da Internet. A conferencista relatou que seu grupo já encontrou 70 mil neologismos ao longo dos anos em um corpus composto por textos recentes em PB de diferentes áreas, como: literatura, agricultura, política e economia. No corpus, Alves e seu grupo de pesquisa mapearam muitos processos recorrentes nas novas formações no PB, tais como a prefixação, a sufixação, a composição, os empréstimos estrangeiros, a truncação, entre outros. Com base em pesquisas sistemáticas, a professora afirmou que a prefixação é o processo morfológico que mais contribuiu para novas formações em PB, sendo os prefixos e os sufixos de carga semântica negativa ou intensiva os mais produtivos no corpus TermNeo.

Na segunda parte da apresentação, Alves retomou o que já havia sido afirmado sobre a relação entre os aspectos linguísticos e culturais. De acordo com ela, um corpus analisado sob o ponto de vista de neologia pode estimular estudos sobre a sociedade contemporânea por meio do léxico. Para ela, as mudanças na língua, tais como novas formações e novos significados atribuídos a uma palavra já existente, são motivadas por eventos socioculturais. Para exemplificar essa afirmação, a pesquisadora traz o prefixo ciclo-, que teve sua frequência aumentada nas novas formações lexicais considerando o incentivo cultural ao uso das bicicletas como meio de transporte. Esse fato social motivou a criação de neologismos no PB, tais como cicloativismo, cicloviajante, ciclofaixa e ciclorrota.

Outro grupo de palavras novas é formado por estrangeirismos, ou seja, palavras de outras línguas - principalmente do inglês - importadas para o PB. Como exemplo, Alves apresentou as palavras delivery e watai. No entanto, ela reforçou que quando uma palavra é importada o seu conceito também o é, o que significa que essa palavra nova também carrega consigo aspectos culturais.

Alves demonstrou como os recursos utilizados para expressar intensidade no PB mudaram ao longo dos anos. Ela exemplificou dizendo que os sufixos -íssimo e -érrimo eram bastante utilizados, mas foram sendo substituídos pelos prefixos hiper-, super- e mega- devido às mudanças no final dos anos 70 e 80 impulsionadas pelos usos da tecnologia. Para ilustrar, ela apresentou as formações como hipercantor, super compositor, megaestrela e super-ultra-megaexagerado. Ela reforçou que os falantes possuem o conhecimento do nível de gradação entre esses prefixos, tal como no nome de uma comunidade da internet estou sendo super hiper mega feliz.

A professora apresentou também que o aspecto intensivo desses prefixos pode ser reforçado pelo uso de sufixos, tal como em microcachorrinho e superjipões. Alves continuou sua palestra ilustrando como os afixos que expressam multifuncionalidade, compartilhamento e distanciamento refletem as recentes mudanças na organização social. Como exemplos, há a produtividade do prefixo multi-, como em multimercado e multinacional, os usos de co- em co-sofrimento e co-terapeuta e os usos de tele- em teletrabalho e telemedicina.

Na última parte de sua palestra, Alves discutiu os neologismos nos dicionários de língua geral, analisando suas inclusões nos dois maiores dicionários do Brasil - o Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (versão online) e o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa - Caldas Aulete. Em colaboração com o Prof. Dr. Bruno Maronezzi, a conferencista observou como esses dicionários registraram as inovações lexicais no PB, e notou que elas são atualizadas de acordo com certas tendências da linguagem. Os dois pesquisadores investigaram os afixos e as palavras que podem formar outras unidades no PB, como anti- em anti-roubo e fantasma como em empresa-fantasma. Eles também observaram que o neologismo chutômetro já consta no Dicionário de Caldas Aulete, no entanto, o dicionário não apresenta nenhuma informação gramatical ou morfológica dessa unidade lexical.

Para finalizar, Alves expôs sua consideração pessoal sobre a formação de palavras no PB, afirmando que novas palavras raramente são criadas, pois os falantes tendem a juntar elementos que já existem em uma língua para formar outra unidade lexical. Para ela, as palavras em PB são recicladas e criadas de modo a tornar a linguagem atualizada e funcional, atendendo, portanto, às demandas comunicativas.

A apresentação feita pela professora Ieda Maria Alves trouxe uma visão resumida de seus estudos e pesquisas nas ciências do léxico, além de tratar de algumas tendências do PB em relação à criação de palavras. Ela expôs diferentes perspectivas dos estudos de neologismos e mostrou como esses estudos colaboram para o conhecimento da língua portuguesa no Brasil. Os exemplos utilizados pela professora e o caráter atual e sistemático de seu corpus reforçam a importância dos estudos de Alves. Seu trabalho vai além do estudo das palavras, pois também permeia a cultura e a política. As explicações dadas pela pesquisadora são uma grande oportunidade para entender profundamente a importância do léxico para melhor compreender uma cultura e a maneira como as pessoas concebem o mundo.

Referências

ALVES, Ieda Maria. Neologismo: criação lexical. São Paulo: Ática, 2007.

BOULANGER, J.-C. Néologie et terminologie. Neólogie en Marche, v. 4, p. 5-128, 1979. Série b: langues de spécialités.

CABRÉ, M. T. La terminología. Teoría, metodología, aplicaciones. Barcelona: Universitat Pompeu Fabra, 1993.

GUERRERO RAMOS, G. Nuevas orientaciones de la terminología y de la neología en el ámbito de la semántica léxica. Revista de Filo-logía Hispánica, v.33, n.3, p. 1385-1415, 2017.

O que nos ensinam os estudos sobre a neologia do português brasileiro? Conferência apresentada por Ieda Maria Alves [s.l., s.n], 2020. 1 vídeo (1h 41m 45s). Publicado pelo canal da Associação Brasileira de Linguística. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KzC6yyJ_PYg&t=4444s. Acesso em: 21 de julho 2020.

REY, A. Néologisme: um pseudo-concept? Cathiers de Lexicologie, n.28, v.1, p.1-20, 1976.

SABLAYROLLES, J-F. Les néologismes. Créer des mots français aujourd´hui. Paris: editor Garnier, 2017.