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APRESENTAÇÃO: EXPANSÃO DAS FACÇÕES, MUTAÇÃO DOS MERCADOS ILEGAIS

Silenciosa e rapidamente pelo território nacional, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) passaram a ser atores conhecidos em cidades grandes, médias, pequenas, nas zonas rurais, nos presídios e nas cenas marginais de todo o país. Em alguns casos, grupos estabelecidos nos mercados ilegais locais foram forçados a se faccionalizar para resistir às investidas dos criminosos concorrentes. Mas, na grande maioria dos estados do Brasil, a pequena criminalidade das cidades médias e dos interiores, que a literatura costumava tratar nos termos da delinquência ou do desvio, foi de alguma forma transformada pelas redes faccionais.

Operadores inscritos nas posições baixas dos mercados ilegais, que transitaram por diferentes presídios e quebradas, levaram com eles a palavra das facções. Os raros dentre eles que prosperaram nesses mercados e assumiram posições de destaque nos negócios criminais, por vezes com responsabilidades também importantes nas facções, construíram carreiras ilegais que os levaram a zonas de fronteira, portos e aeroportos, pelos quais circulam hoje as grandes somas da atividade criminal. Essa expansão faccional produziu mudanças significativas no funcionamento de todos os mercados ilegais e dos modos como se organiza a dinâmica de sua governança, o que inclui relações estreitas com o mundo oficial, em todo o país.

Traficantes de drogas ilícitas, armas de fogo ou veículos roubados, contrabandistas e estelionatários hoje atuam nas mesmas redes faccionais e podem fazer parte dos mais diferentes mercados, da extração ilegal de minérios e madeira a circuitos armados de proteção, de distribuidoras de bebidas e transportadoras a eventos e hotelaria, do mercado imobiliário ou dos esportes de alto rendimento, do comércio local de automóveis aos fluxos financeiros de ativos globais. As mudanças propiciadas pela faccionalização e pelo aprendizado das facções à medida que suas redes se expandiam foram simultaneamente técnicas e políticas.

Tecnologias e saberes criminais, tanto organizacionais quanto operacionais, foram compartilhados nas longuíssimas horas passadas no fundo de celas escuras, durante as madrugadas do sistema prisional. Mas também foram testados, ao longo dos já quarenta anos de existência do CV e trinta do PCC, nas diferentes investidas e tentativas empresariais de seus integrantes. As redes faccionais nascidas dos fluxos entre prisão e quebrada ampliaram-se para além das singularidades megametropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. Ao projetarem seus poderes para outras regiões do país, as facções carioca e paulista tornaram-se pontos de referência para a formulação de compreensões evolutivas dos mercados ilegais e redes de proteção criminais em outras regiões do Brasil. Ao invés de serem tomadas como redes singulares, que possibilitaram uma concentração excepcional de poder através dos sistemas de encarceramento e conexões entre mercados legais e ilegais por diferentes estados, elas foram tacitamente consideradas padrões replicáveis de desenvolvimento criminal.1 1 A expansão faccional não é compreendida, em nossas experiências de pesquisa, como replicação de modelos criminais preexistentes, mas de ampliação das dependências mútuas entre ações e ideias marginais que produzem singularidades mercantis, fraternais, normativas e políticas progressivamente mais interdependentes ao longo do tempo.

Saberes e tecnologias compartilhados em rede, portanto, permitiram às facções - e em especial ao PCC, cuja estrutura favorece a expansão por meio de alianças locais - uma enorme ampliação da capacidade de conectar as pessoas certas para cada ação ou projeto de empreendimento criminal, mas também lavar e fazer render o dinheiro obtido nas atividades econômicas de seus membros. Reinvestido em mercados legais ou ilegais, criptomoedas ou cash, esse dinheiro ganho em atividades ilegais se tornou capital e, daí, em base material de um regime de poder conhecido como “o Crime”, com C maiúsculo. O Crime tem advogados, contadores e redes progressivamente mais presentes no cotidiano de mercados legais e ilegais, delegacias, postos fiscais e aduanas. Mas o que é esse Crime, governado no Brasil pelas facções? Consideramos que esse regime de poder é composto por ao menos quatro dimensões de baliza para as ações sociais de seus integrantes ou operadores:

  1. uma instância normativa difusa nos cotidianos populares que propaga valores acerca de como a vida dos mais pobres poderia ser próspera se o “sistema” for confrontado e que, por isso, se legitima em parcelas minoritárias dos estratos mais jovens e mais baixos da força de trabalho;

  2. uma articulação transnacional de saberes especializados e redes de operadores de mercados ilegais, que passam a ter capacidade de regular e/ou operar diretamente, de modo articulado, uma enorme acumulação de capital;

  3. uma estrutura de governança dessa normatividade e dessa acumulação centradas na lógica da sociedade secreta (PCC) e de empresas-rede (CV), ao mesmo tempo descentralizadas a ponto de permitir grande liberdade econômica e de decisão aos operadores, mas com forte capacidade de coordenação central para julgar e punir desvios internos e fragmentação potencial;

  4. uma estrutura política capaz de integrar ao governo desde interesses econômicos e ideologias até uma base material de acumulação que, em última instância, provém da posse de armamento pesado.

Foi por se constituir nessas quatro dimensões articuladas que o Crime, por intermédio de suas facções, ampliou sua escala de atuação em distintas regiões do Brasil. E é por isso que as facções têm se expandido para diferentes países, com efeitos sobre as redes de proteção e a agência de grupos populacionais inteiros, notadamente grupos mais jovens e mais pauperizados das periferias urbanas. Hoje, esses operadores baixos podem atuar no embarque da cocaína em portos e aeroportos, no roubo a bancos e na mineração, na destinação mercantil de veículos roubados ou em esquemas legalizados em postos de gasolina, sendo parte do Crime. As facções estão presentes, de maneira nunca antes vista, em pontos nodais de cadeias de valor nacionais e transnacionais. Esses circuitos e mercados passam, portanto, a ser atravessados por fronteiras porosas entre o legal e o ilegal.

Como sabemos, não há poder sem resistência. Sabemos também que o capital influencia decisões institucionais, inscrevendo seus atores em conflitos nada triviais. O Crime, expandindo-se dessa forma pelo Brasil, evidentemente ensejou forte reação dos seus opositores mais diretos: tanto operadores já há décadas instalados nas estruturas de Estado (que passa a endurecer legislações e ergue prisões de exceção contra o Crime) quanto operadores também há tempos instalados nos mercados ilegais ou privados de proteção, notadamente policiais e militares que usualmente achacavam os mercados ilegais e passam a se constituir como milícias privadas. Expandindo-se internacionalmente, as facções brasileiras também passaram a ser miradas pela Interpol, pelo Drug Enforcement Administration (DEA) e pelos militares de diferentes países do Norte.

Este dossiê tem como base trabalhos de campo realizados em São Paulo, Alagoas, Maranhão, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, no Brasil, além de Córdoba, na Argentina, e argumenta que a vida cotidiana dos mais pobres tem sido direta ou indiretamente governada por três conjuntos de atores armados: i) operadores de mercados ilegais, organizados nacional e internacionalmente em facções como PCC e CV, em conflito ou aliança com grupos criminais locais; ii) operadores de mercados de proteção, frequentemente policiais extraindo ilegalmente recursos de mercados ilegais (Misse, 2007Misse, Michel. “Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro”. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, 2007, pp. 139-57.); e iii) as forças da lei e da ordem estatal, como as polícias, o sistema de justiça etc. Cada um desses atores - facções, polícias ilegais e Estado - atua de acordo com sensos e performances de justiça diferentes, mas predominantemente veterotestamentárias, que se tornam formas plurais de governança material da vida, eventualmente manifestada em guerras nas margens do social.

Não se trata, ao contrário do que pode parecer, de uma pesquisa comparativa. Não comparamos São Paulo, Alagoas, Maranhão, Mato Grosso, Rio Grande do Sul ou Córdoba, mas tomamos cada caso como diferentes acessos ao estudo das mesmas cadeias de valor, hoje totalmente interestaduais e internacionais, e de suas formas de regulação compartilhadas e transversais. Caracterizando esses mercados e regulações empiricamente, com ênfase nas mobilidades transnacionais, transfronteiriças e interestaduais, discutimos os efeitos locais do crime nas economias, na política e na segurança, inferindo algumas hipóteses sobre os regimes de poder em disputa no Brasil contemporâneo.

Mortes e crimes ganham os noticiários, o cotidiano não. O longo trabalho cotidiano do tempo, no entanto, sintetiza essas lógicas plurais em torno de um efeito discernível: a emergência de regimes de poder calcados em mercados ilegais e governados por fraternidades masculinas, que exercem ameaça direta ou indireta do uso de armas de fogo. Formas básicas do exercício cotidiano do poder, essas fraternidades possuem seus códigos de honra e valores religiosos, suas normatividades informais (Feltran, 2018Feltran, Gabriel. Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.; Jara, 2021Jara, Simon Rodrigo da Costa. A cobrança: os sensos de justiça das facções do Maranhão. Dissertação (mestrado em sociologia). São Paulo: PPGS/Universidade Federal de São Carlos, 2021.; Carvalho, 2021 bCarvalho, Ada Rízia Barbosa de. “Experiências de fronteira: as interfaces entre ser do crime e ser evangélico/a”. Plura: Revista de Estudos de Religião, v. 12, n. 2, 2021b, pp. 13-37.), assim como instrumentos concretos de governança material da vida (Halpern; Lascoumes; Le Galès, 2014Halpern, Charlotte; Lascoumes, Pierre; Le Galès, Patrick. “L’Instrumentation et ses effets: débats et mises en perspective théoriques”. In: Halpern, Charlotte; Lascoumes, Pierre; Le Galès, Patrick (orgs.). L’Instrument de l’action publique: controverses, résistance, effets. Paris: Presses de Sciences Po, 2014, pp. 19-59.).

Os estudos sócio-históricos de Charles Tilly (1984Tilly, Charles. Big Structures, Large Processes, Huge Comparisons. Nova York: Russel Sage Foundation, 1984., 1996aTilly, Charles. As revoluções europeias, 1492-1992. Lisboa: Presença, 1996a., 1996bTilly, Charles. Coerção, capital e Estados europeus, 990-1992. São Paulo: Edusp, 1996b.) e Norbert Elias (1993Elias, Norbert. O processo civilizador, v. 2: Formação do Estado e da civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1993., 1997Elias, Norbert. Os alemães. Rio de Janeiro: Zahar , 1997., 2011Elias, Norbert. O processo civilizador, v. 1: História dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar , 2011.) são uma fonte de inspiração para este argumento, na medida em que sugerem uma conexão analítica entre a acumulação ilegal (saque, pirataria etc.), o uso da violência (guerreira) e a construção de ordens políticas plurais, no caso, a longa duração da construção dos diferentes tipos de Estado europeu. As tentativas dos atores organizados de monopolizar a violência, na opinião dos autores, são entendidas como uma condição de possibilidade de rotinas de atividades políticas e administrativas, bem como de normalização da economia monetária e de sua forma de vida por excelência, a vida urbana (Simmel, 2005Simmel, Georg. “As grandes cidades e a vida do espírito (1903)”. Mana, v. 11, n. 2, 2005, pp. 577-91.). Mais do que isso, a abordagem de Tilly e Elias também nos permite avançar em direção a explicações, ligadas a processos históricos e mecanismos causais, do presente vivido. A modelagem por vezes excessiva que marca algumas das obras dos autores não nos impede de verificar o potencial analítico que pode ser derivado de suas reflexões sobre o que chamamos aqui de regimes de poder, com ênfase particular nas formas de governo e dos afetos da vida cotidiana.

A literatura já destacou como a expansão dos mercados ilegais e das facções criminais se relacionou com o crescimento e a mutação do Estado (Biondi, 2018Biondi, Karina. Proibido roubar na quebrada: território, hierarquia e lei no PCC. São Paulo: Terceiro Nome, 2018.; Feltran, 2012Feltran, Gabriel. “Governo que produz crime, crime que produz governo: o dispositivo de gestão do homicídio em São Paulo (1992-2011)”. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 6, n. 2, 2012, pp. 232-55.; Dias, 2011Dias, Camila Caldeira Nunes. Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do primeiro comando da capital (PCC) no sistema carcerário paulista. Tese (doutorado em sociologia). São Paulo: FFLCH/Universidade de São Paulo, 2011.). No entanto, pouco foi dito sobre o espalhamento de parques prisionais, os melhoramentos na infraestrutura (como rodovias, portos e aeroportos), o barateamento de veículos (como motos, carros, caminhões, ônibus e aeronaves) etc. Soma-se a isso, ainda, a pouca atenção dada ao aumento de efetivos policiais (federais e estaduais) nas fronteiras externas e internas do Brasil. Tudo isso foi condição de produção mútua tanto do Estado quanto de mercados ilegais e facções.

Ao longo de nosso trabalho de campo, evidenciou-se que, em sua busca por crescimento, as facções optaram pela via da expansão das cadeias mercantis, e não do reforço a qualquer ideologia centralmente organizada. A expansão territorial ganhou a atenção pública apenas em 2016, a partir de dois eventos críticos: o que ficou conhecido como a “ruptura da aliança entre o PCC e o CV”, após o assassinato de Jorge Raffat em Pedro Juan Caballero, no Paraguai (Feltran, 2018Feltran, Gabriel. Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.; Manso; Dias, 2018Manso, Bruno Paes; Dias, Camila Nunes. A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Todavia, 2018.), e os massacres prisionais perpetrados no Norte e Nordeste do Brasil, na sequência desse primeiro evento (Rodrigues et al. 2022Rodrigues, Fernando de Jesus et al. “Políticas, mercados e violência no Norte e Nordeste do Brasil”. Revista TOMO, 40, 2022, pp. 8-39.). Foi apenas a partir desses episódios públicos que a amplitude das fronteiras internacionais e intranacionais de atuação das facções se tornaram conhecidas (Rodrigues, 2020Rodrigues, Fernando de Jesus. “‘Corro com o PCC’, ‘Corro com o CV’, ‘Sou do crime’: facções, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 103, 2020, pp. 1-21.; Paiva, 2019Paiva, Luiz Fábio Silva. “‘Aqui não tem gangue, tem facção’: as transformações sociais do crime em Fortaleza”. Caderno CRH, v. 32, n. 85, 2019, pp. 165-84.; Carvalho, 2021 aCarvalho, Ada Rízia Barbosa de. Cadeias de tensão: repertórios disciplinares de facções e do sistema em unidades de internação alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021a.). A expansão, no entanto, começou bem antes. Nossa rede de pesquisa vem acumulando conhecimento sobre o fenômeno desde o início dos anos 2010, por meio de singulares percursos de investigação e interlocução progressiva entre São Paulo e Alagoas que anos mais tarde gerariam o projeto “Conexões marginais: periferias, mercados ilegais e a expansão das facções criminais no Brasil”, financiado colaborativamente em edital Fapesp/Fapeal. Este dossiê é o primeiro resultado desse trabalho conjunto.

No primeiro artigo deste nosso dossiê, “Ordem e progresso: expansão do mundo do crime e projetos de mobilidade”, Adson Ney Amorim e Gabriel Feltran analisam a expansão faccional a partir do cotidiano de dois alagoanos de gerações distintas, um homem e uma mulher, que se deslocam entre o interior de seu estado natal e São Paulo. A reconstrução de trajetórias de deslocamentos territoriais e simbólicos mostra os valores e projetos de um mundo social - o dos trabalhadores mais baixos da pirâmide laboral - no qual crescem as facções. Os percursos de Raiane e Biu nos conduzem ao cotidiano dos conflitos afetivos, econômicos e familiares da vida nas margens e, assim, aos conflitos criminais. Estes, por sua vez, dinamizam a expansão territorial, econômica, normativa e política das facções.

Em “Navegar é preciso: as jornadas da cocaína e a expansão das facções pelo Brasil”, Isabela Vianna Pinho, Fernando de Jesus Rodrigues e Gregório Zambon abordam a expansão faccional a partir de jornadas de transportadores de cocaína. Valendo-se de pesquisa de campo móvel em ônibus de linha ou clandestinos pelos interiores do Brasil, além do Porto de Santos, os autores reconstroem duas jornadas típicas: a da pasta base de cocaína, que normalmente abastece o mercado interno de varejo, e a do cloridrato de cocaína, que usualmente é exportado pelos portos e aeroportos. Os autores propõem, a partir das perspectivas êmicas, novos usos analíticos para os termos navegação (perspectivas dos transportadores) e rota (perspectiva das forças de segurança).

Em “Família com estatuto: fraternidades criminais em Maceió (AL) e em São Luís (MA)”, Ada Rízia Barbosa de Carvalho, Simon Rodrigo da Costa Jara e Nido Farias dos Santos analisam a expansão faccional e o controle varejista de drogas a partir de conflitos e alianças entre as redes de proteção dos mercados ilegais. Partindo de compreensões êmicas de família e facção nas periferias de Maceió e São Luis, os autores propõem um olhar microscópico sobre as redes de poder pelas quais aumenta a dependência mútua entre grupos faccionados prisionais e redes criminais locais. Ao colocarem lado a lado suas experiências de campo, estabelecem uma comparação etnográfica direcionada para trajetórias e cenas disciplinares em quebradas que nos permite compreender a diversidade da expansão faccional no Brasil contemporâneo.

No artigo que fecha o dossiê, “Entre facções e clãs: a estruturação do mercado de drogas em Porto Alegre e Córdoba a partir das dinâmicas de suas coletividades criminais”, Marcelli Cipriani, Nicolas Santiago Lien e Alana Barros Santos reconstituem a história do tráfico de drogas em Córdoba (Argentina) e Porto Alegre (Brasil) e suas distintas formas de regulação. O contraste entre uma regulação familiar e local ainda existente em Córdoba, e já não mais na Porto Alegre pós-faccionalização, permite olhar para o mosaico de conflitos econômicos, políticos, culturais e armados que se instala quando a ordem faccional passa a regular os mercados. Os autores identificam, portanto, não apenas a força das respectivas particularidades locais, mas a incidência nelas de elementos transnacionais que engendram adaptações em cada um dos contextos, também impactando as dinâmicas de organização criminal mais ampla.

Resta ainda afirmar que a pesquisa na base deste dossiê deve muito a colegas pesquisadores de diferentes países, aos nossos interlocutores de campo em diferentes estados e aos estudantes de diferentes instituições públicas de ensino superior, do Brasil e da Argentina, com quem convivemos intensamente ao longo desse projeto de pesquisa. Nossa equipe agradece a cada uma delas e a cada um deles. Reconhecemos igualmente a fundamental relevância dos financiamentos oferecidos pela Fapesp (processo 2019/25686-9) e pela Fapeal (processo 2019041000071), sem os quais nossos trânsitos de pesquisa por favelas, bibliotecas, portos, rodoviárias, grandes empresas de logística, lojas de ônibus usados, fronteiras, delegacias de polícia, salas de aula e debates públicos não teriam sido possíveis. Seguimos acreditando na ciência brasileira e na capacidade de nossas ciências sociais nos ajudarem a compreender assuntos tão centrais para o nosso país como os desafios impostos pela expansão recente das facções criminais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    A expansão faccional não é compreendida, em nossas experiências de pesquisa, como replicação de modelos criminais preexistentes, mas de ampliação das dependências mútuas entre ações e ideias marginais que produzem singularidades mercantis, fraternais, normativas e políticas progressivamente mais interdependentes ao longo do tempo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023
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