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Influência da intensidade de precipitação na geração de escoamento em telhados cerâmicos: experimentos em laboratório sob chuva simulada

Influence of rainfall intensity on the production of runoff on ceramic tile roofs: laboratory experiments under simulated rainfall

RESUMO

Os sistemas de aproveitamento de água de chuva baseiam-se na coleta do escoamento de superfícies pouco permeáveis, como telhados e ruas. Esses sistemas são projetados, muitas vezes, com dados de pluviômetros, e não de pluviógrafos, e podem desconsiderar informações importantes da quantidade precipitada disponível para aproveitamento. Neste trabalho foram realizados experimentos em laboratório com simulação de chuvas de baixa, moderada e forte intensidades sobre um telhado cerâmico. As análises indicam que chuvas com intensidade entre 12,8 e 61,6 mm h-1 (moderada a forte) resultam em coeficiente de escoamento superior a 0,9, enquanto em chuvas com baixa intensidade (inferior a 1,2 mm h-1), o coeficiente de escoamento diminui drasticamente, aproximando-se a 0 para intensidades próximas a 0,25 mm h-1. Conclui-se que, para as condições dos experimentos realizados, a absorção de telhas cerâmicas influencia mais na redução do escoamento superficial para chuvas de baixa intensidade do que para chuvas de intensidade moderada ou forte.

Palavras-chave:
aproveitamento de águas pluviais; escoamento em telhados cerâmicos; chuva de baixa intensidade

ABSTRACT

Rainwater harvesting consists on the collection of runoff from low permeable surfaces, as roofs and streets. Designing these systems is often based on pluviometer data and not on pluviograph data, therefore they do not consider crucial data on the amount of rainwater available to harvesting. Laboratory experiments were conducted by simulating low, moderate and high intensity rainfall on a ceramic tile roof. Results shown that rainfall intensities between 12.8 and 61.6 mm h-1 (moderate to high intensity) lead to runoff coefficients greater than 0.9, while for rainfall low intensities (lower than 1.2 mm h-1), the runoff coefficient drastically decreased, reaching values of zero for rainfall intensities lower than 0.25 mm h-1. In conclusion, for the simulated experimental conditions, water absorption of the ceramic tiles is more significant on the runoff for very low rainfall intensities than the strong or moderate rainfall intensities.

Keywords:
rainwater harvesting; runoff in ceramic rooftops; low intensity rainfall

INTRODUÇÃO

O aproveitamento de água da chuva é uma técnica milenar e tem sido cada vez mais utilizado como fonte alternativa e/ou complementar aos sistemas públicos de abastecimento de água para fins não potáveis (SILVEIRA et al., 2016bSILVEIRA, A.; DE LIMA, J.L.M.P.; DE LIMA, M.I.P.; SILVA, G.C.O.; NASPOLINI, B.F. (2016b) Análise comparativa da qualidade da água da chuva precipitada e coletada em coberturas em dois locais no Brasil e em Portugal. Revista de Engenharia Civil, v. 52, p. 23-32.), contribuindo para a economia financeira e ambiental de água potável (EGODAWATTA; THOMAS; GOONETILLEKE, 2009EGODAWATTA, P.; THOMAS, E.; GOONETILLEKE, A. (2009) Understanding the physical processes of pollutant build-up and wash-off on roof surfaces. Science of the Total Environment, v. 407, n. 6, p. 1834-1841. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2008.12.027
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). Essa técnica permite também a diminuição do escoamento superficial em zonas urbanas e, consequentemente, a minimização dos problemas de cheias (LEUSBROCK et al., 2015LEUSBROCK, I.; NANNINGA, T.A.; LIEBERG, K.; AGUDELO-VERA, C.M.; KEESMAN, K.J.; ZEEMAN, G.; RIJNAARTS, H.H. (2015) The urban harvest approach as framework and planning tool for improved water and resource cycles. Water Science and Technology, v. 72 , n. 6, p. 998-1006.).

Os telhados representam grande parte das coberturas impermeáveis em zonas urbanas e são, geralmente, os primeiros elementos construtivos a entrar em contato com a água da chuva, possuindo assim grande potencial para seu aproveitamento (VILLARREAL & DIXON, 2005VILLARREAL, E.; DIXON, A. (2005) Analysis of a rainwater collection system for domestic water supply in Ringdansen, Norrköping, Sweden. Building and Environment, v. 40, n. 9, p. 1174-1184. https://doi.org/10.1016/j.buildenv.2004.10.018
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). Esse aproveitamento depende fortemente da capacidade de recolher a água das coberturas em quantidade e qualidade suficientes (FARRENY et al., 2011FARRENY, R.; MORALES-PINZÓN, T.; GUISASOLA, A.; TAYÀ, C.; RIERADEVALL, J.; GABARRELL, X. (2011) Roof selection for rainwater harvesting: quantity and quality assessments in Spain. Water Research, v. 45, n. 10, p. 3245-3254. https://doi.org/10.1016/j.watres.2011.03.036
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). No entanto, grande parte dos estudos restringe-se apenas aos aspectos qualitativos do escoamento em telhados (EGODAWATTA; THOMAS; GOONETILLEKE, 2007EGODAWATTA, P.; THOMAS, E.; GOONETILLEKE, A. (2007) Mathematical interpretation of pollutant wash-off from urban road surfaces using simulated rainfall. Water Research, v. 41, n. 13, p. 3025-3031.), em detrimento dos aspectos quantitativos (SILVEIRA et al., 2016bSILVEIRA, A.; DE LIMA, J.L.M.P.; DE LIMA, M.I.P.; SILVA, G.C.O.; NASPOLINI, B.F. (2016b) Análise comparativa da qualidade da água da chuva precipitada e coletada em coberturas em dois locais no Brasil e em Portugal. Revista de Engenharia Civil, v. 52, p. 23-32.). A eficiência dos sistemas de aproveitamento e a qualidade da água aproveitada dependem de diversos fatores, como as características da chuva (intensidade, duração, período seco antecedente), as características do telhado (material, inclinação, idade), as características do material depositado no telhado (toxicidade, dimensão das partículas) e o consumo final (tipo, quantidade) (YAZIZ et al., 1989YAZIZ, M.; GUNTING, H.; SAPARI, N.; GHAZALI, A. (1989) Variations in rainwater quality from roof catchments. Water Research, v. 23, n. 6, p. 761-765. https://doi.org/10.1016/0043-1354(89)90211-X
https://doi.org/10.1016/0043-1354(89)902...
; AKTER & AHMED, 2015AKTER, A.; AHMED, S. (2015) Potentiality of rainwater harvesting for an urban community in Bangladesh. Journal of Hydrology, v. 528, p. 84-93. http://dx.doi.org/10.1016%2Fj.jhydrol.2015.06.017
http://dx.doi.org/10.1016%2Fj.jhydrol.20...
; LEE; BAK; HAN, 2012LEE, J.; BAK, G.; HAN, M. (2012) Quality of roof-harvested rainwater: comparison of different roofing materials. Environmental Pollution, v. 162, p. 422-429. https://doi.org/10.1016/j.envpol.2011.12.005
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).

Apesar da grande quantidade de estudos, a modelação dos processos de precipitação-escoamento ainda envolve várias dificuldades, tendo em conta a alta variabilidade espacial e temporal das características da chuva (NOTARO et al., 2013NOTARO, V.; FONTANAZZA, C.M.; FRENI, G.; PULEO, V. (2013) Impact of rainfall data resolution in time and space on the urban flooding evaluation. Water Science & Technology, v. 68, n. 9, p. 1984-1993.). Em diversas regiões semiáridas são recorrentes eventos de baixas intensidades durante a época do inverno, como na África do Sul (HANKE et al., 2011HANKE, W.; GRÖNGRÖFT, A.; JÜRGENS, N.; SCHMIEDEL, U. (2011) Rehabilitation of arid rangelands: intensifying water pulses from low-intensity winter rainfall. Journal of Arid Environments, v. 75, n. 2, p. 185-193. https://doi.org/10.1016/j.jaridenv.2010.09.002
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). Ao sul de Madrid, foram registrados diversos eventos de cerca de 30 minutos de duração e com intensidades de precipitação inferiores a 10 mm h-1 (MARQUES et al., 2008MARQUES, M.; BIENES, R.; PÉREZ-RODRÍGUEZ, R.; JIMÉNEZ, L. (2008) Soil degradation in central Spain due to sheet water erosion by low-intensity rainfall events. Earth Surface Processes and Landforms, v. 33, n. 3, p. 414-423. https://doi.org/10.1002/esp.1564
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). Cerca de 90% dos eventos pluviosos que ocorrem na parte ocidental do estado do Oregon, Estados Unidos da América, têm uma intensidade máxima de precipitação de 5 mm h-1 (ISTOK & BOERSMA, 1986ISTOK, J.; BOERSMA, L. (1986) Effect of antecedent rainfall on runoff during low-intensity rainfall. Journal of Hydrology, v. 88, n. 3-4, p. 329-342. https://doi.org/10.1016/0022-1694(86)90098-3
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). Sala e Lauenroth (1982SALA, O.E.; LAURENROTH, W.K. (1982) Small rainfall events: an ecological role in Semiarid regions. Oecologia, v. 53, p. 301-304. https://doi.org/10.1007/BF00389004
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) destacam que a maioria das chuvas ocorridas durante 10 anos na região semiárida do norte de Colorado, Estados Unidos da América, é de baixa intensidade, aproximadamente 83% dos eventos possuem intensidade menor que 10 mm h-1.

A utilização de dados pluviométricos diários, muito comum no planejamento de sistemas de aproveitamento de água da chuva, não considera a intensidade e a duração das chuvas, ou seja, apenas totais precipitados.

Os telhados cerâmicos são o tipo de cobertura residencial mais utilizado (FARRENY et al., 2011FARRENY, R.; MORALES-PINZÓN, T.; GUISASOLA, A.; TAYÀ, C.; RIERADEVALL, J.; GABARRELL, X. (2011) Roof selection for rainwater harvesting: quantity and quality assessments in Spain. Water Research, v. 45, n. 10, p. 3245-3254. https://doi.org/10.1016/j.watres.2011.03.036
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). Além disso, de acordo com Zhang et al. (2009ZHANG, Y.; CHEN, D.; CHEN, L.; ASHBOLT, S. (2009) Potential for rainwater use in high-rise buildings in Australian cities. Journal of Environmental Management, v. 91, n. 1, p. 222-226. https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2009.08.008
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), os telhados cerâmicos são ótimas superfícies para captação de água da chuva, uma vez que o escoamento gerado apresenta elevado grau de qualidade. Por meio deste trabalho, objetivou-se avaliar o escoamento gerado em telhados cerâmicos sob chuva simulada em laboratório e investigar a relação entre o coeficiente de escoamento superficial e a intensidade da chuva, para determinar a intensidade a partir da qual se produz escoamento.

METODOLOGIA

Telhado cerâmico

O telhado cerâmico - usado em Silveira et al. (2016aSILVEIRA, A.; ABRANTES, J.R.C.B.; DE LIMA, J.L.M.P.; LIRA, L. (2016a) Modelling runoff on ceramic tile roofs using the kinematic wave equations. Water Science and Technology, v. 73, n. 11, p. 2824-2831. https://doi.org/10.2166/wst.2016.148
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) - é constituído por um conjunto de 6 linhas por 7 filas de telhas cerâmicas do tipo Lusa (UM Lusa da Umbelino Monteiro SA., Portugal), cobrindo uma área total de 3,6 m2 (1,5 × 2,4 m2), com inclinação de 10%. De acordo com o fabricante, as telhas possuem 0,455 × 0,254 m2, 3,15 kg e baixa capacidade de absorção. Neste estudo, apenas a fila central do telhado foi utilizada (Figura 1A), para evitar efeitos de fronteira.

Figura 1:
(A) Esquema do telhado cerâmico com identificação da linha central utilizada nos experimentos e fotografia de uma telha do tipo Lusa; (B) simulador de chuva com sistema de aspersão utilizado para intensidades mais altas; (C) Tubos gotejadores utilizados para produzir chuvas com intensidades mais baixas.

Simulação de chuva

Foram realizados experimentos com 11 intensidades de chuva diferentes, utilizando 2 sistemas de simulação de chuva, conforme esquema apresentado nas Figuras 1B e 1C: 1 intensidade forte de 61,12 mm h-1, 2 intensidades moderadas de 35,42 e 12,76 mm h-1 e 8 intensidades baixas de 1,21, 0,71, 0,61, 0,48, 0,36, 0,24, 0,20 e 0,13 mm h-1, apresentando, respectivamente, coeficientes de uniformidade de Christiansen de 66,5, 36,2 e 15,3, 88,3, 80,9, 85,5, 90,2, 73,3, 77,7, 64,3 e 79,6%. A intensidade de precipitação foi classificada de acordo com metodologia proposta pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET, 1999INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA (INMET). (1999) Manual de Observações Meteorológicas. 3. ed. Brasília: Ministério da Agricultura e do Abastecimento.; SILVA et al., 2011SILVA, B.F.P.; FEDOROVA, N.; LEVIT, V.; PERESETSKY, A.; BRITO, B.M. (2011) Sistemas sinóticos associados às precipitações intensas no estado de Alagoas. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 26, n. 3, p. 323-338.), Brasil, que sugere os seguintes limites: chuvas com intensidades iguais ou superiores a 60 mm h-1, entre 5 e 60 mm h-1 e inferior a 5 mm h-1 são consideradas, respectivamente, fortes, moderadas e baixas (fracas).

Para as três intensidades mais altas foi utilizado um simulador de chuva (usado em DE LIMA; CARVALHO; DE LIMA, 2013DE LIMA, J.L.M.P.; CARVALHO, S.C.P.; DE LIMA, M.I.P. (2013) Rainfall simulator experiments on the importance of when rainfall burst occurs during storm events on runoff and soil loss. Zeitschrift für Geomorphologie, v. 57, n. 1, p. 91-109. https://doi.org/10.1127/0372-8854/2012/S-00096
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; MONTENEGRO et al., 2013MONTENEGRO, A.A.A.,; ABRANTES, J.R.C.B.; DE LIMA, J.L.M.P.; SINGH, V.P.; SANTOS, T.E.M. (2013) Impact of mulching on soil and water dynamics under intermittent simulated rainfall. Catena, v. 109, p. 139-149. https://doi.org/10.1016/j.catena.2013.03.018
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; CARVALHO; DE LIMA; DE LIMA, 2014CARVALHO, S.C.P.; DE LIMA, J.L.M.P.; DE LIMA, M.I.P. (2014) Using meshes to change the characteristics of simulated rainfall produced by spray nozzles. International Soil and Water Conservation Research, v. 2, n. 2, p. 67-78. https://doi.org/10.1016/S2095-6339(15)30007-1
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; ISIDORO & DE LIMA, 2015ISIDORO, J.M.P.G.; DE LIMA, J.L.M.P. (2015) Hydraulic system to ensure constant rainfall intensity (over time) when using nozzle rainfall simulators. Hydrology Research, v. 46, n. 5, p. 705-710. https://doi.org/10.2166/nh.2015.087
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), que consiste em um sistema de aspersão a pressão constante, constituído por um aspersor de cone preenchido (3/8 HH-22FullJet da Spraying Systems Co., Estados Unidos da América) orientado para baixo e posicionado 2,2 m acima do centro geométrico do telhado. Esse sistema possibilitou uma pressão de funcionamento constante de 0,14 MPa no aspersor, produzindo uma vazão de 11,5 L min-1, com ângulo de pulverização de 90º, abrangendo todo o telhado cerâmico. O simulador de chuva está fixado a uma estrutura de suporte móvel, que permite o posicionamento do sistema de aspersão, possibilitando, assim, a obtenção de diferentes intensidades de precipitação sobre o telhado.

Para produzir chuvas com intensidades mais baixas foi utilizado um sistema de produção de gotas constituído por 6 mangueiras plásticas (uma para cada telha), com diâmetro de 3 mm, conectadas a um reservatório com nível constante posicionado a 1,3 m do telhado. As mangueiras possuem uma válvula para controle da vazão, que permite regular a quantidade de gotas na saída de cada mangueira e, dessa forma, simular as diferentes intensidades de precipitação. As saídas das mangueiras foram posicionadas 0,1 m acima do telhado.

Uma ventoinha, posicionada a uma distância de 1 m do telhado, foi utilizada para promover a evaporação da água contida no telhado entre assimulações de chuvas.

Procedimento experimental

Na Figura 2 é apresentado um esquema dos experimentos com 3 eventos de chuvas sucessivas de 10 min cada (tR), intercaladas com períodos de seca gemacionando a ventoinha durante 30 min (tD). Cada experimento, ou seja, cada conjunto de chuvas intercaladas por períodos de secagem teve uma duração total de 120 min. Previamente a cada experimento, as telhas cerâmicas foram secas em forno a 105ºC durante 24 h, resfriadas e colocadas na estrutura de suporte do telhado. A monitorização da vazão foi feita em contínuo a jusante da fila de telhas em estudo, fazendo uso de uma balança de precisão (0,01 g).

Figura 2:
Esquema da sequência cronológica dos experimentos, com representação dos períodos de chuva (tR) e de secagem (tD).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Figura 3 está apresentada a sequência de 3 hidrogramas obtidos para as 11 intensidades de chuva simuladas. Pode-se observar que a baixa capacidade de absorção das telhas leva a sua rápida saturação e a uma rápida obtenção da vazão de pico para as chuvas mais intensas. Assim, para intensidades superiores a 0,48 mm h-1 não se verificam diferenças na resposta hidrológica das telhas entre a primeira chuva em condição inicial seca e as chuvas restantes em condição inicial úmida. Para as chuvas de baixa intensidade, até 0,24 mm h-1, não foi verificado escoamento nas primeiras duas chuvas, devido à absorção de água pelas telhas (Tabela 1).

Figura 3:
Hidrogramas gerados pelos diversos eventos de chuvas.

Tabela 1:
Intensidade de precipitação, altura precipitada, altura escoada (por evento, média e desvio padrão dos três eventos) e coeficiente de escoamento (média e desvio padrão dos três eventos).

Observa-se que o coeficiente de escoamento é superior a 0,9 a partir da intensidade de 12,76 mm h-1, porém diminui significativamente para as intensidades mais baixas. A chuva de 0,71 mm h-1 de intensidade e altura total de 0,12 mm gerou uma altura de escoamento média de 0,04 mm (coeficiente de escoamento de 0,34). No entanto, 3 chuvas consecutivas de 0,24 mm h-1, e com a mesma altura total de 0,12 mm, geraram apenas 0,01 mm de escoamento (coeficiente de escoamento de 0,05).

Na Figura 4 é mostrada a relação entre a altura escoada e a altura precipitada para todos os experimentos, observando-se uma relação linear muito próxima a uma reta com inclinação de 45º.

Figura 4:
Representação da relação entre a altura precipitada e escoada para todas as intensidades simuladas (esquerda) e em detalhes para as intensidades mais baixas (direita).

É esperado que o coeficiente de escoamento em telhados seja afetado pela intensidade e duração da precipitação e pelas condições antecedentes à chuva (YAZIZ et al., 1989YAZIZ, M.; GUNTING, H.; SAPARI, N.; GHAZALI, A. (1989) Variations in rainwater quality from roof catchments. Water Research, v. 23, n. 6, p. 761-765. https://doi.org/10.1016/0043-1354(89)90211-X
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; AKTER & AHMED, 2015AKTER, A.; AHMED, S. (2015) Potentiality of rainwater harvesting for an urban community in Bangladesh. Journal of Hydrology, v. 528, p. 84-93. http://dx.doi.org/10.1016%2Fj.jhydrol.2015.06.017
http://dx.doi.org/10.1016%2Fj.jhydrol.20...
; LEE; BAK; HAN, 2012LEE, J.; BAK, G.; HAN, M. (2012) Quality of roof-harvested rainwater: comparison of different roofing materials. Environmental Pollution, v. 162, p. 422-429. https://doi.org/10.1016/j.envpol.2011.12.005
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). Depois de analisarem 25 eventos de chuva natural, com alturas (lâminas) precipitadas totais entre 1 e 14 mm, Farreny et al. (2011FARRENY, R.; MORALES-PINZÓN, T.; GUISASOLA, A.; TAYÀ, C.; RIERADEVALL, J.; GABARRELL, X. (2011) Roof selection for rainwater harvesting: quantity and quality assessments in Spain. Water Research, v. 45, n. 10, p. 3245-3254. https://doi.org/10.1016/j.watres.2011.03.036
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) encontraram um valor médio de 0,84 para o coeficiente de escoamento superficial em telhados cerâmicos. Esse valor variou entre 0,79, para chuvas com 5 mm, e 0,89, para chuvas com 15 mm.

Na Figura 5 é apresentada a relação entre o coeficiente de escoamento superficial e a intensidade de chuva. Observa-se que, para as chuvas de baixa intensidade, o valor do coeficiente de escoamento é muito pequeno, apresentando um aumento exponencial para chuvas moderadas e fortes, com valores se aproximando da unidade. O coeficiente de escoamento superficial é zero para as chuvas com intensidade até 0,20 mm h-1, e só 5% do volume precipitado escoa superficialmente pelo telhado cerâmico para chuva com 0,24 mm h-1. Somente para chuvas com intensidade superior a aproximadamente 0,50 mm h-1 o escoamento corresponde a mais de 40% do volume precipitado.

Figura 5:
Relação entre o coeficiente de escoamento superficial e a intensidade de precipitação (linha a tracejado - exponencial - é apenas indicativa de tendência).

CONCLUSÕES

Experimentos laboratoriais foram realizados a fim de investigar se chuva de baixa intensidade em telhados cerâmicos pode não gerar escoamento suficiente para o aproveitamento de água da chuva. De fato, observou-se que chuvas muito pouco intensas não geram escoamento superficial, pois a absorção de água pelas telhas e a evaporação são superiores.

Com base nos experimentos realizados com recurso da chuva simulada, pode-se concluir que:

  • para as intensidades de chuva moderada a forte (superior a 5 mm h-1), o coeficiente de escoamento superficial é próximo ao valor unitário, conforme reportado na extensa bibliografia sobre telhados cerâmicos;

  • para as chuvas de baixa intensidade (inferior a 5 mm h-1), o coeficiente de escoamento superficial tende a diminuir com a diminuição da intensidade de precipitação, e foi zero para intensidades próximas de 0,25 mm h-1. Essa evidência tem implicações nos sistemas de aproveitamento de água de chuva, pois ocorrem perdas por absorção - e posterior evaporação -, o que pode levar a projetos superdimensionados e com eficiência reduzida;

  • uma chuva única intensa pode gerar volume de escoamento. No entanto, o mesmo volume precipitado em chuvas consecutivas intercaladas com períodos secos podem não gerar qualquer escoamento;

  • a intensidade de precipitação mínima que gerou escoamentos no telhado cerâmico foi aproximadamente 0,25 mm h-1.

Experimentos futuros, realizados com outras intensidades e durações de chuva, períodos e métodos de secagem distintos, outros tipos de telhas e coberturas e outras inclinações, são necessários para obter resultados mais generalistas.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2017
  • Aceito
    04 Maio 2017
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