Acessibilidade / Reportar erro

Tumor primitivo ectodérmico pancreático: relato de caso

CARTA AO EDITOR

Tumor primitivo ectodérmico pancreático: relato de caso

Pancreatic primitive neuroectodermal tumor: case report

Andre Roncon Dias; Thatyana Arantes; Renato Catojo Sampaio; Ricardo Jureidini; Jose Eduardo Monteiro da Cunha; Ivan Cecconello

Trabalho realizado na Divisão de Cirurgia Pancreática, Departamento de Gastroenterologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: André Roncon Dias Email: roncon86@hotmail.com

INTRODUÇÃO

Os tumores neuroectodérmicos primitivos (PNETs) são pequenas células redondas de tumores malignos classificadas como parte da família do sarcoma de Ewing e representa aproximadamente 1% de todos as sarcomas1. Predominantemente ocorrendo em tecidos moles, ao longo das extremidades, eles também têm sido relatados em uma variedade de órgãos, tais como rim, bexiga, testículo, ovário, útero, coração e pulmão2,3. PNETs pancreáticos (PPNET) são extremamente raros e precisam ser distinguidos de carcinomas neuroendócrinos, carcinoma indiferenciado de células pequenas, pancreatoblastomas e tumores pancreáticos. O conhecimento sobre PPNET é escasso; apenas 17 relatos podem ser encontrados na literatura. Aqui é descrito o caso de uma mulher de 25 anos com uma massa sólida-cística na cabeça do pâncreas, que mais tarde revelou ser PPNET.

RELATO DO CASO

Mulher branca de 25 anos, epiléptica em uso de fenobarbital durante um ano, foi internada com dor abdominal superior nos últimos doze meses. Não havia nenhuma outra queixa; o exame físico e laboratoriais eram normais exceto por antígeno carcinoembriônico (CEA) de 64,1 ηg / ml. A tomografia computadorizada do abdome revelou uma massa sólida-cística na porção cefálica do pâncreas, com parênquima restante normal (Figura 1). O ducto pancreático principal não estava dilatado. A massa media 4,2 x 4,0 cm e era ligeiramente deslocada da artéria mesentérica superior anteriormente. A hipótese principal era um tumor pseudopapilar sólido-cístico do pâncreas (tumor de Frantz) e a paciente foi então submetida à pancreaticoduodenectomia.


A análise macroscópica do espécime apresentou segmento de pâncreas de 5,0 x 5,0 x 3,0 cm infiltrado por massa cinzenta nodular e firme com focos de material semi-sólido amarelado sem áreas císticas macroscópicas (Figura 2). A lesão media 4,0 x 3,0 x 2,5 cm. O tecido pancreático adjacente era preservado. As margens estavam livres. O tumor era composto por pequenas células redondas uniformes, com cromatina fina e citoplasma escasso. Algumas das células mostravam pequenos nucléolos. As zonas amareladas eram identificadas como sendo de tecido necrosado predominantemente localizado longe dos vasos sanguíneos. Não havia nenhuma evidência de doença em dez gânglios dissecados. Invasão vascular e neural estavam ausentes. O perfil imunoistoquímico foi compatível com tumor neuroectodérmico primitivo do pâncreas, fortemente positivo para CD99 e negativo tanto para marcadores neuroendócrinos (sinaptofisina e cromogranina) e marcadores linfóides (CD20, CD3 e TDT). A lesão também expressava citoqueratina 8 (35BH1) e foi negativa para a desmina (Figura 3). A hibridação in situ (FISH) confirmou translocação em (11, 22) (q24, q12).



No pós-operatório, infecção do trato urinário foi tratada com antibióticos intravenosos. Não ocorreram complicações cirúrgicas. Após a alta, a paciente recebeu três ciclos de quimioterapia; a primeira consistiu de vincristina (1,5 mg / m²), dactinomicine (1,25 mg / m²) e ifosfamida (1,8 g / m²), seguida por dois ciclos de vincristina (1,5 mg / m²), doxorrubicina (40 mg / m²) e ciclofosfamida (1,2 g / m²).

A paciente permaneceu livre da doença por seis meses, e após este período ela abandonou o follow-up e voltou para sua cidade natal em uma área rural remota no Brasil. Morreu dois meses depois de um evento cardíaco súbito. Não apresentou insuficiência pancreática durante o seguimento.

DISCUSSÃO

Tumores neuroectodérmicos primitivos são pouco diferenciados, pequenos, de células redondas que surgem a partir de células-tronco gliais primitivas, mostrando evidência histológica, morfológica, imunoistoquímica e ultra-estrutural de diferenciação neuroectodérmica2. A família ES / PNET inclui várias entidades neoplásicas, tais como o tumor de pequenas células malignas da região toracopulmonar (tumor de Askin), tumor de pequenas células ES paravertebral atípica, PNET do osso e sarcoma de Ewing ósseo adicional. PNETs ocorrem na população adulta, pediátrica, adolescente e jovem, e embora eles possam se desenvolver em quase qualquer tecido ósseo ou mole, são geralmente periféricos.

O diagnóstico é geralmente problemático; dor e tumoração são os sintomas mais comuns e não há nenhuma imagem radiológica específica. Na análise histológica, essas lesões têm espectro variado de aparências, refletindo o grau de diferenciação neuroectodérmico. Geralmente existe pouco ou nenhum estroma, as células são pouco diferenciadas com núcleos redondos ou ovais, sem qualquer citoplasma2. Adicionalmente, imunoistoquímica pode ser ferramenta útil de diagnóstico revelando expressão elevada de CD99. Quando a dúvida persistir, hibridação in situ (FISH) ou a análise de RT-PCR pode ser executada exibindo translocação t(11, 22) ou rearranjo de (21,22), os quais estão associados com as transcrições do gene híbrido EWS e FLI1 ou gene ERG . Equilibrada translocação t(11, 22) (q24, q12) do cromossoma ocorre em cerca de 83% dos casos de sarcoma de Ewing e é um marcador genotípico4. No momento do diagnóstico, aproximadamente 25% dos pacientes com ES / PNET foram detectáveis para doença metastática óssea, pulmão ou da medula óssea, e quase todos tinham micrometástases não detectadas; terapia local, por si só, não deve ser estimulada. Com base nisso, o tratamento padrão é a cirurgia ou radioterapia para o controle local combinado com a quimioterapia sistêmica5,6. Também não há evidência concreta sobre o melhor momento para a terapia sistêmica. Por exemplo, a ela tem sido utilizada no pré-operatório por PNETs pancreáticas permitindo regressão de massa inoperável e ter ressecção R07. Perek et al.2 relataram um homem que foi submetido a três procedimentos cirúrgicos associados com primeira, segunda e terceira linhas de quimioterapia para PPNET metastático; obteve uma das maiores sobrevida globais conhecidas (50 meses). Há relato de uma paciente somente tratada com sucesso com Vincristina, Doxorrubicina e Ciclofosfamide, e ter ausência de doença após 43 meses3. O melhor esquema quimioterápico está ainda para ser definido e, apesar de todos os avanços no conhecimento e tratamento da doença, as taxas de sobrevida em cinco anos ainda se situam em torno de 50%5,6.

PNETs pancreáticas são particularmente raros. Apenas 17 relatos podem ser encontrados na literatura. Estas lesões devem ser diferenciadas dos tumores de pequenas células redondas pouco diferenciados do pâncreas, tumores endócrinos pancreáticos e tumor de Frantz. Devido à sua raridade, a melhor estratégia terapêutica para PPNETs ainda está para ser definida. Neste momento, recomendações são baseadas nos sarcomas da família Ewing. Um grande problema neste caso é o fato de que ela abandonou o seguimento. Autópsia não foi realizada e sua morte a partir de parada cardíaca súbita permanece um mistério. Seus últimos exames (dois meses antes) não mostraram sinais de insuficiência pancreática ou paraneoplásica ou produção hormonal ectópica. Também é pouco provável que tenha ocorrido grave cardiotoxicidade induzida pela doxorrubicina, uma vez que a dose cumulativa foi baixa e não havia evidência de doença cardíaca prévia13.

Recebido para publicação: 19/07/2011

Aceito para publicação: 13/11/2012

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

  • 1. Schutte WP, Knight PJ. Precocious puberty because of a pancreatic neuroectodermal tumor. J Pediatr Surg. 2006 Nov;41(11):1916-8.
  • 2. Perek S, Perek A, Sarman K, Tuzun H, Buyukunal E. Primitive neuroectodermal tumor of the pancreas. A case report of an extremely rare tumor. Pancreatology. 2003;3(4):352-6.
  • 3. Movahedi-Lankarani S, Hruban RH, Westra WH, Klimstra DS. Primitive neuroectodermal tumors of the pancreas; a report of seven cases of a rare neoplasm. Am J Surg Pathol. 2002 Aug;26(8):1040-7.
  • 4. Delattre O, Zucman J, Melot T, et al. The Ewing family of tumors -- a subgroup of small-round-cell tumors defined by specific chimeric transcripts. N Engl J Med. 1994 Aug 4;331(5):294-9.
  • 5. de Alava E, Gerald WL. Molecular biology of the Ewing's sarcoma/primitive neuroectodermal tumor family. J Clin Oncol. 2000 Jan;18(1):204-13.
  • 6. Terrier P, Llombart-Bosch A, Contesso G. Small round blue cell tumors in bone: prognostic factors correlated to Ewing's sarcoma and neuroectodermal tumors. Semin Diagn Pathol. 1996 Aug;13(3):250-7.
  • 7. Haq MM, Legha SS, Choksi J, et al. Doxorubicin-Induced Congestive Heart Failure in Adults. Cancer 56:1361-5. 1985.
  • 8. Luttges J, Pierre E, Zamboni G, et al. [Malignant non-epithelial tumors of the pancreas]. Pathologe. 1997 May;18(3):233-7. [Article in German]
  • 9. Shorter NA, Glick RD, Klimstra DS, Brennan MF, Laquaglia MP. Malignant pancreatic tumors in childhood and adolescence: The Memorial Sloan-Kettering experience, 1967 to present. J Pediatr Surg. 2002 Jun;37(6):887-92.
  • 10. Bulchmann G, Schuster T, Haas RJ, Joppich I. Primitive neuroectodermal tumor of the pancreas. An extremely rare tumor. Case report and review of the literature. Klin Padiatr. 2000 Jul-Aug;212(4):185-8.
  • 11. Takeuchi M, Kuwae Y, Hamana K, et al. Primitive neuroectodermal tumor of the pancreas. Arch Histopathol D D. 2003 10: 23-26.
  • 12. Welsch T, Mechtersheimer G, Aulmann S, et al. Huge primitive neuroectodermal tumor of the pancreas: report of a case and review of the literature. World J Gastroenterol. 2006 Oct 7;12(37):6070-3.
  • 13. Doi H, Ichikawa S, Hiraoka A, et al. Primitive neuroectodermal tumor of the pancreas. Intern Med. 2009;48(5):329-33.
  • 14. Bristow M R, Mason J W, Billingham M E, Daniels J R. Dose effect and structure function relationships in doxorubicin cardiomyopathy. Am Heart J. 1981; 102(4): 709-18.
  • Endereço para correspondência:
    André Roncon Dias
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
    Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistaabcd@gmail.com