Acessibilidade / Reportar erro

Estágio voluntário em pronto socorro: instrumento para a formação médica de qualidade

Resumos

OBJETIVO: Analisar a influência do estágio voluntário em Medicina no Pronto Socorro do Hospital do Trabalhador (PS-HT) na escolha da especialidade médica e sua importância na formação acadêmica. MÉTODOS: Análise do questionário aplicado a médicos e estudantes que estagiaram no Pronto Socorro por 500 horas ou mais, no período de março de 2000 a março de 2012. RESULTADOS: Dos 765 acadêmicos que realizaram mais de 500 horas de atividades práticas no PS-HT, 390 responderam ao questionário - 37,9% com inclinação para especialidade cirúrgica e 24,1% para clínica. O estágio foi determinante na escolha da carreira em 82,3% dos casos, sendo em 83,8% uma influência positiva. Quanto ao incremento das relações interpessoais, 61% dos participantes deu nota e" oito para o relacionamento com outros profissionais da área da saúde, por 71% para o relacionamento com colegas e por 63% no relacionamento com pacientes. O estágio possibilitou aumento da autoconfiança para 92% dos entrevistados e 75% afirmaram incremento no conhecimento técnico. O treinamento foi considerado útil e necessário para a formação acadêmica por 80% dos participantes. CONCLUSÃO: A contribuição do estágio em PS é inegável para a formação médica de qualidade e, na maioria das vezes, uma influência para a escolha da especialidade médica. As diversas situações a que os acadêmicos se deparam os fazem desenvolver inteligências em diversas áreas que não a puramente técnica e aplicada, o que se reflete na prática médica, independente da área ou especialidade.

Estágios; Serviços médicos de emergência; Educação Médica; Escolha da profissão; Especialização


OBJECTIVE: To analyze the influence of medical student's voluntary internship at the Emergency Room of the Workers Hospital (ER-HT) in the choice of medical specialty and its importance during graduation. METHODS: A questionnaire was given to doctors and medical students that performed internships at ER-HT for e" 500 hours, from March 2000 until March 2012. RESULTS: A total of 765 medical students and doctors performed e" 500 hours of practical activities at ER-HT and 390 answered the questionnaire - 37,9% chose surgical specialties and 24,1% clinical. Internship was crucial in choosing a career for 82,3%, and was a positive influence for 83,8%. Regarding the increment in interpersonal relationship, grade e" 8 was given by 61% of the participants for relationship with other professionals, 71% for relationship with colleagues and 63% for relationship with patients. The internship increased self-confidence for 92% and 75% reported an increase in technical knowledge. The training was considered useful and necessary for medical education to 80% of participants. CONCLUSION: Contribution provided by ER internships is undeniable for medical education and often influences students on choosing their medical specialties. The situations faced by students during these activities enable the development of intelligence in areas other than purely technical, which reflects in their medical practice.

Internships; Emergency medical services; Education, medical; Career choice; Specialization


ENSINO

Estágio voluntário em pronto socorro: instrumento para a formação médica de qualidade

Adonis Nasr- TCBC-PRI; Carolina TaliniII; Giana Carolina Strack NevesIII; João Guilherme Cavalcanti KriegerIII; Iwan Augusto Collaço, ACBC-PR IV; Micheli Fortunato DomingosIII

IProfessor de Cirurgia do Trauma, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

IIAcadêmico do Curso de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR), Curitiba, PR, Brasil

IIIAcadêmico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil

IVProfessor de Cirurgia, Universidade Federal do Paraná

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Adonis Nasr E-mail: adonis@ufpr.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a influência do estágio voluntário em Medicina no Pronto Socorro do Hospital do Trabalhador (PS-HT) na escolha da especialidade médica e sua importância na formação acadêmica.

MÉTODOS: Análise do questionário aplicado a médicos e estudantes que estagiaram no Pronto Socorro por 500 horas ou mais, no período de março de 2000 a março de 2012.

RESULTADOS: Dos 765 acadêmicos que realizaram mais de 500 horas de atividades práticas no PS-HT, 390 responderam ao questionário – 37,9% com inclinação para especialidade cirúrgica e 24,1% para clínica. O estágio foi determinante na escolha da carreira em 82,3% dos casos, sendo em 83,8% uma influência positiva. Quanto ao incremento das relações interpessoais, 61% dos participantes deu nota e" oito para o relacionamento com outros profissionais da área da saúde, por 71% para o relacionamento com colegas e por 63% no relacionamento com pacientes. O estágio possibilitou aumento da autoconfiança para 92% dos entrevistados e 75% afirmaram incremento no conhecimento técnico. O treinamento foi considerado útil e necessário para a formação acadêmica por 80% dos participantes.

CONCLUSÃO: A contribuição do estágio em PS é inegável para a formação médica de qualidade e, na maioria das vezes, uma influência para a escolha da especialidade médica. As diversas situações a que os acadêmicos se deparam os fazem desenvolver inteligências em diversas áreas que não a puramente técnica e aplicada, o que se reflete na prática médica, independente da área ou especialidade.

Descritores: Estágios. Serviços médicos de emergência. Educação Médica. Escolha da profissão. Especialização.

INTRODUÇÃO

Muitas atividades extracurriculares desenvolvem o importante papel de auxiliar o estudante em suas opções profissionais. Um estudo realizado com estagiários em medicina intensiva em Salvador demonstrou que o interesse por seguir na área após a graduação subiu de 32% para 65% após o término do estágio1. Além de o estágio extracurricular estar intimamente ligado a aprendizados práticos e sociais essenciais para uma boa prática profissional, ele proporciona uma vivência que extrapola o âmbito acadêmico, pois se reflete nas relações interpessoais e na autoconfiança2.

Dentro deste contexto, as Ligas Acadêmicas exercem um papel fundamental, pois participam de forma efetiva na educação médica, auxiliando na promoção de conhecimento e atuação em áreas específicas através dos estágios acadêmicos3,4. As Ligas, bem como, as demais atividades extracurriculares, podem de fato contribuir para ampliação da prática médica ao promover atuação do estudante junto à comunidade, como agente de promoção de saúde e transformação social5, veículo de incentivo à produção científica e projetos de extensão. Além disso, o estudante tem a possibilidade de vivenciar o trabalho multidisciplinar e multiprofissional, o que certamente contribuirá com seu desenvolvimento profissional e pessoal5.

Porém, a validade das atividades extracurriculares na formação dos alunos ainda é muito questionada e, apesar de ser considerada benéfica, alerta-se para a especialização precoce6 e reforço de vícios acadêmicos5 que podem ser induzidos. Além do equívoco que pode ser cometido pelo aluno ao preterir a formação tradicional, mais teórica, pela formação prática, mais dinâmica, das Ligas6.

Com o objetivo de analisar a influência do estágio voluntário em medicina no Pronto Socorro (PS) do Hospital do Trabalhador (HT) sobre a escolha da especialidade médica e sua necessidade para a formação acadêmica propusemos esta análise.

MÉTODOS

O estudo deu-se pela análise do questionário respondido por médicos e estudantes de medicina que realizaram estágios extracurriculares no Pronto Socorro do Hospital do Trabalhador. Foram selecionados apenas os estagiários que concluíram 500 horas ou mais de estágio voluntário para acadêmicos de medicina, realizados entre o sexto e o nono período do curso de medicina, de forma extracurricular, no período de março de 2000 a março de 2012. A opção do período de estágio deu-se por ser o formato também reconhecido pelas universidades como extensão universitária.

A seleção dos estagiários foi feita a partir dos registros do Centro de Estudos do HT, que contém nome completo, telefone e e-mail dos acadêmicos das quatro universidades de Curitiba.

O questionário online enviado por e-mail ou respondido por telefone abordou os seguintes aspectos: influência do estágio sobre a escolha da carreira e se esta foi positiva ou negativa; informação acerca da validade do estágio para a formação acadêmica; utilidade atual do que foi visto no estágio pelo entrevistado; utilidade do estágio no relacionamento com profissionais médicos, outros profissionais da área da saúde e com pacientes; contribuição para o conhecimento técnico; aquisição de autoconfiança; estímulo para estudos; e se o acadêmico foi membro efetivo da Liga Acadêmica do Trauma (LiAT) HT-UFPR.

RESULTADOS

Foram levantados dados de 765 acadêmicos que realizaram 500 horas ou mais de atividades práticas no pronto socorro. O contato telefônico ou via e-mail foi possível com 500 acadêmicos, os demais possuíam dados insuficientes ou desatualizados em seus cadastros. Destes, 390 efetivamente responderam ao questionário proposto.

Quando indagados sobre a especialidade que seguem atualmente ou pretendem seguir após a conclusão do curso, 37,9% dos participantes declararam a inclinação para carreira cirúrgica, 24,1% optaram a clínica em sua resposta, e o restante dos participantes referiu outra especialidade ou não especificou sua preferência (Tabela 1).

O estágio foi determinante na escolha da carreira em 82,3% (321 entrevistados) dos casos. Destes, 83,8% referem que tal influência foi positiva na decisão, até mesmo quando se optou por carreira não relacionada ao estágio em pronto socorro.

Em relação ao incremento em diversas escalas de relações interpessoais, bem como, na autoconfiança, decisão sobre a carreira e motivação para estudo, foram propostas escalas numéricas de um a dez, procurando quantificar o papel do estágio em cada quesito. Sessenta e um por cento dos participantes deu nota igual ou superior a oito em relação à experiência com relacionamento com outros profissionais da área da saúde, por 71% em relação ao relacionamento com colegas e por 63% no quesito relacionamento com pacientes. Em relação à influência direta na escolha da especialidade, 35% dos participantes assinalaram nota igual ou superior a oito. A autoconfiança foi aumentada graças ao treinamento prático do pronto socorro na opinião de 92% dos ex-estagiários, que assinalaram nota igual ou maior a oito nesta questão. Foram dadas notas iguais ou superiores a oito ao incremento no conhecimento técnico de 75% dos participantes.

O treinamento do PS foi considerado útil e necessário para a formação acadêmica por 80% dos participantes. Foram membros efetivos da Liga Acadêmica do Trauma da instituição 30% dos entrevistados.

DISCUSSÃO

A literatura mostra que até 93,7% dos estudantes de medicina realizam estágio extracurricular até o final dos seis anos de curso, sendo o estágio em emergência um dos mais realizados7.

Estes dados apontam para o fato de que os estudantes buscam nas atividades extracurriculares uma complementação para preencher lacunas curriculares8. Apesar da procura por um currículo mais completo, o acadêmico se depara com um estágio que se mostra como um campo para crescimento não somente profissional, mas também pessoal, pois como mostram os resultados deste trabalho, os acadêmicos adquirem autoconfiança, incremento nas relações interpessoais e motivação para estudar.

Da mesma forma agem as Ligas Acadêmicas, que representam a atividade extracurricular escolhida pela maioria dos estudantes de medicina, durante os quatro primeiros anos do curso, sendo ultrapassadas pelos plantões voluntários nos dois últimos anos da formação8. No Hospital do Trabalhador a Liga Acadêmica do Trauma coordena o estágio no PS e interpõe as atividades da liga com o estágio. A LiAT capacita os estudantes de medicina que ingressam no hospital e participam do atendimento inicial aos pacientes, da análise de exames complementares, da discussão do diagnóstico, bem como, da realização de suturas, curativos, imobilizações ortopédicas e acompanhamento de cirurgias da Ortopedia e Cirurgia Geral. Há também a possibilidade do acadêmico mais experiente participar no atendimento especializado do SAV – Suporte Avançado à Vida, como Voluntário do Trauma.

Os estudantes de medicina alegam que seu envolvimento com atividades extracurriculares são uma tentativa de preencher lacunas curriculares, integrar-se com colegas, suplementar o curso, obter bem-estar, atender à indagações profissionais, além de outras motivações8. Isso levanta uma discussão sobre a necessidade de adequação do currículo à crescente demanda do estudante de medicina e do próprio mercado de trabalho. A alta procura por estágios extracurriculares demonstra que as expectativas dos estudantes não são contempladas nos currículos formais, refletindo a crença dos alunos acerca da inadequação do currículo ao mercado que os receberá6. A dúvida fica em quais falhas, efetivamente preenchidas pelas atividades extracurriculares, poderiam ser supridas pelos cursos regulares e, por outro lado, quais falhas seriam reforçadas pelas atividades não curriculares. A subjetividade desta ação fica a cargo da estrutura didática potencial que é oferecida no estágio e do interesse individual que leva o estagiário a buscar conhecimento.

No presente trabalho, constatou-se que a experiência de um estágio extracurricular em PS desenvolve, através da ótica e do julgamento dos próprios estudantes, habilidades muito variadas e importantes à prática do médico generalista, não apenas atreladas a determinada especialidade, como mostra a variedade de opções profissionais. Além disso, os números encontrados sobre a influência para a escolha da especialidade mostram que o estágio também é uma importante forma de compreensão acerca da prática médica cotidiana e suas diversas nuances.

Segundo a avaliação deste estudo, o estágio foi considerado determinante na escolha da carreira para 82,3% dos entrevistados. Isso mostra que o estágio no PS contribui para a futura especialização dos médicos e que o estágio deve ser atrativo para fazer com que a maioria dos estudantes de medicina (93,7%) participe de estágios extracurriculares, como citam Taquette et al.7. Além disso, quando indagados a respeito da necessidade do estágio para a formação acadêmica, 80% consideram o estágio necessário, o que reforça a idéia de que o estágio em PS é preferido pelo estudante por ser um campo prático2 e dinâmico de atuação em que há aprendizagem profissional e pessoal5.

O presente estudo também revelou que a atuação no PS contribuiu para que o futuro médico adquirisse autoconfiança em 92% dos casos (nota igual ou superior a oito), além de ser de grande valia para um melhor relacionamento com profissionais da área da saúde e pacientes. Devido a dados insuficientes, não foi possível avaliar as influências negativas do estágio sobre as escolhas profissionais, mas algumas considerações podem ser inferidas, as quais vão desde situações críticas vivenciadas pelo estagiário e que marcam negativamente. Citamos aqui casos clínicos complicados, comportamentos repudiados pelo acadêmico e o impacto emocional do caos vivido em um pronto socorro de grande movimento.

Podemos, dessa forma, concluir que a contribuição do estágio em PS é inegável para a formação médica de qualidade e apresenta, na maioria das vezes, uma influência para a escolha da especialidade médica. As diversas situações a que os acadêmicos se deparam os fazem desenvolver inteligências em diversas áreas que não a puramente técnica e aplicada. Enfim, mesmo podendo revelar falhas na formação médica regular, o estágio extracurricular em pronto-socorro é um instrumento fundamental para a construção de conhecimento médico sólido, completo e de utilidade presente e futura para o estudante de medicina.

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhum

Recebido em 07/03/2011

Aceito para publicação em 15/04/2011

Trabalho realizado no Hospital do Trabalhador-Universidade Federal do Paraná - Curitiba, Paraná, Brasil.

  • 1. Nascimento DT, Dias MA, Mota RS, Barberino L, Durães L, Santos PAJ. Avaliação dos estágios extracurriculares de medicina em unidade de terapia intensiva adulto. Rev bras ter intensiva. 2008;20(4):355-61.
  • 2. Tavares CHF, Maia JA, Muniz MCH, Malta MV, Magalhães BRC, Thomaz ACP. O currículo paralelo dos estudantes da terceira série do curso médico da Universidade Federal de Alagoas. Rev bras educ méd. 2007;31(3):245-53.
  • 3. Monteiro LLM, Cunha MS, De Oliveira WLO, Bandeira NG, Menezes JV. Ligas acadêmicas: o que há de positivo? Experiência de implantação da Liga Baiana de Cirurgia Plástica. Rev bras cir plást. 2008;23(3):158-61.
  • 4. Hamamoto Filho PT, Villas-Bôas PJF, Corrêa FG, Muñoz GOC, Zaba M, Venditti VC, et al. Normatização da abertura de ligas acadêmicas: a experiência da Faculdade de Medicina de Botucatu. Rev bras educ méd. 2010;34(1):160-7.
  • 5. Hamamoto Filho PT. Ligas acadêmicas: motivações e críticas a propósito de um repensar necessário. Rev bras educ méd. 2011;35(4):535-43.
  • 6. Tavares AP, Ferreira RA, França EB, Fonseca Júnior CA, Lopes GC, Dantas NGT, et  al. O "currículo paralelo" dos estudantes de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Rev bras educ méd. 2007;31(3):254-65.
  • 7. Taquette SR, Costa-Macedo LM, Alvarenga FB. Currículo paralelo: uma realidade na formação dos estudantes de medicina da UERJ. Rev bras educ méd. 2003;27(3):171-6.
  • 8. Peres CM, Andrade AS, Garcia SB. Atividades extracurriculares: multiplicidade e diferenciação necessárias ao currículo. Rev bras educ méd. 2007;31(3):203-11.
  • Endereço para correspondência:

    Adonis Nasr
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      07 Mar 2011
    • Aceito
      15 Abr 2011
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br