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Avaliação da esquistossomose e de outras parasitoses intestinais, em escolares do município de Bambuí, Minas Gerais, Brasil

Evaluation of the schistosomiasis and others intestinal parasitosis in the school children of Bambuí county, Minas Gerais, Brazil

Resumos

O objetivo desse trabalho foi determinar a prevalência das parasitoses em escolares de Bambuí, através de exames coprológicos (direto e Kato-Katz) e reavaliar os criadouros de moluscos descritos no município. Dos 2.901 escolares examinados, 20,1% estavam parasitados, sendo que Giardia lamblia, Entamoeba coli, Ascaris lumbricoides e ancilostomídeos foram os parasitas mais freqüentes, com prevalências de 6,2%, 6,2%, 4,8% e 1,4%, respectivamente. Os ancilostomídeos foram significativamente mais freqüentes na zona rural e nos alunos com mais de 14 anos, enquanto a prevalência da E. coli foi maior na zona urbana e a G. lamblia mais freqüente na faixa etária de 0-6 anos. Somente três crianças eliminavam ovos de Schistosoma mansoni. O único hospedeiro intermediário encontrado foi a Biomphalaria glabrata e nenhuma delas estava eliminando cercárias de S. mansoni . Comparando-se estes dados a de levantamentos realizados anteriormente no município, observou-se uma queda na prevalência de todos os parasitas. Algumas hipóteses para tentar explicar esta queda são discutidas tais como: processo intenso de urbanização e a melhoria das condições sócio-sanitárias do município.

Parasitoses intestinais; Inquérito parasitológico; Escolares; Biomphalaria; Schistosoma mansoni


This work was carried out with the purpose of determining the prevalence of intestinal parasitoses in the school children of Bambuí, through parasitological examinations (direct and Kato-Katz methods) and reevaluating the snails' breeding places described in the county. Of the 2,091 school children examined, 20.1% had at least one parasitic infection. Giardia lamblia, Entamoeba coli, Ascaris lumbricoides and hookworm are the most frequent parasites, with a prevalence of 6.2%, 6.2%, 4.8% and 1.4%, respectively. The hookworms were significantly more frequent among students from the rural area and in those aged over 14 years, while the prevalence of E. coli was greater in the urban area and the G. lamblia was more frequent in children under 6 years old. Only three children shed eggs of Schistosoma mansoni. The only intermediate host found was Biomphalaria glabrata and none of them was shedding cercariae of S. mansoni. When these data were compared with data from other surveys previously effected in the county, a decline was observed in the prevalence of all parasites. Some hypotheses which may explain this decline are discussed, such as: intense urbanization process and improvement of social-sanitary conditions of the county.

Intestinal parasites; Parasitological survey; School children; Biomphalaria; Schistosoma mansoni


ARTIGO

Avaliação da esquistossomose e de outras parasitoses intestinais, em escolares do município de Bambuí, Minas Gerais, Brasil

Evaluation of the schistosomiasis and others intestinal parasitosis in the school children of Bambuí county, Minas Gerais, Brazil

Roberto Sena Rocha1 1 . Laboratório de Esquistossomose, 2 . Laboratório de Helmintoses Instestinais, 3 . Laboratório de Epidemiologia e Antropologia Médica do Centro de Pesquisas René Rachou/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Belo Horizonte, MG, Brasil. Apoio financeiro: CNPq e FAPEMIG. Endereço para correspondência: Dr. Roberto Sena Rocha. CPqRR/FIOCRUZ. Av. Augusto de Lima 1715, Barro Preto, 30190-002 Belo Horizonte, MG, Brasil. Fax 55 31 295-3115. e-mail: rsrocha@cpqrr.fiocruz.br Recebido para publicação em 26/2/2000. , Janaína Guernica Silva1 1 . Laboratório de Esquistossomose, 2 . Laboratório de Helmintoses Instestinais, 3 . Laboratório de Epidemiologia e Antropologia Médica do Centro de Pesquisas René Rachou/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Belo Horizonte, MG, Brasil. Apoio financeiro: CNPq e FAPEMIG. Endereço para correspondência: Dr. Roberto Sena Rocha. CPqRR/FIOCRUZ. Av. Augusto de Lima 1715, Barro Preto, 30190-002 Belo Horizonte, MG, Brasil. Fax 55 31 295-3115. e-mail: rsrocha@cpqrr.fiocruz.br Recebido para publicação em 26/2/2000. , Sérgio Viana Peixoto1 1 . Laboratório de Esquistossomose, 2 . Laboratório de Helmintoses Instestinais, 3 . Laboratório de Epidemiologia e Antropologia Médica do Centro de Pesquisas René Rachou/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Belo Horizonte, MG, Brasil. Apoio financeiro: CNPq e FAPEMIG. Endereço para correspondência: Dr. Roberto Sena Rocha. CPqRR/FIOCRUZ. Av. Augusto de Lima 1715, Barro Preto, 30190-002 Belo Horizonte, MG, Brasil. Fax 55 31 295-3115. e-mail: rsrocha@cpqrr.fiocruz.br Recebido para publicação em 26/2/2000. , Roberta Lima Caldeira2 1 . Laboratório de Esquistossomose, 2 . Laboratório de Helmintoses Instestinais, 3 . Laboratório de Epidemiologia e Antropologia Médica do Centro de Pesquisas René Rachou/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Belo Horizonte, MG, Brasil. Apoio financeiro: CNPq e FAPEMIG. Endereço para correspondência: Dr. Roberto Sena Rocha. CPqRR/FIOCRUZ. Av. Augusto de Lima 1715, Barro Preto, 30190-002 Belo Horizonte, MG, Brasil. Fax 55 31 295-3115. e-mail: rsrocha@cpqrr.fiocruz.br Recebido para publicação em 26/2/2000. , Josélia Oliveira Araújo Firmo3 1 . Laboratório de Esquistossomose, 2 . Laboratório de Helmintoses Instestinais, 3 . Laboratório de Epidemiologia e Antropologia Médica do Centro de Pesquisas René Rachou/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Belo Horizonte, MG, Brasil. Apoio financeiro: CNPq e FAPEMIG. Endereço para correspondência: Dr. Roberto Sena Rocha. CPqRR/FIOCRUZ. Av. Augusto de Lima 1715, Barro Preto, 30190-002 Belo Horizonte, MG, Brasil. Fax 55 31 295-3115. e-mail: rsrocha@cpqrr.fiocruz.br Recebido para publicação em 26/2/2000. , Omar dos Santos Carvalho2 1 . Laboratório de Esquistossomose, 2 . Laboratório de Helmintoses Instestinais, 3 . Laboratório de Epidemiologia e Antropologia Médica do Centro de Pesquisas René Rachou/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Belo Horizonte, MG, Brasil. Apoio financeiro: CNPq e FAPEMIG. Endereço para correspondência: Dr. Roberto Sena Rocha. CPqRR/FIOCRUZ. Av. Augusto de Lima 1715, Barro Preto, 30190-002 Belo Horizonte, MG, Brasil. Fax 55 31 295-3115. e-mail: rsrocha@cpqrr.fiocruz.br Recebido para publicação em 26/2/2000. e Naftale Katz1 1 . Laboratório de Esquistossomose, 2 . Laboratório de Helmintoses Instestinais, 3 . Laboratório de Epidemiologia e Antropologia Médica do Centro de Pesquisas René Rachou/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Belo Horizonte, MG, Brasil. Apoio financeiro: CNPq e FAPEMIG. Endereço para correspondência: Dr. Roberto Sena Rocha. CPqRR/FIOCRUZ. Av. Augusto de Lima 1715, Barro Preto, 30190-002 Belo Horizonte, MG, Brasil. Fax 55 31 295-3115. e-mail: rsrocha@cpqrr.fiocruz.br Recebido para publicação em 26/2/2000.

RESUMO: O objetivo desse trabalho foi determinar a prevalência das parasitoses em escolares de Bambuí, através de exames coprológicos (direto e Kato-Katz) e reavaliar os criadouros de moluscos descritos no município. Dos 2.901 escolares examinados, 20,1% estavam parasitados, sendo que Giardia lamblia, Entamoeba coli, Ascaris lumbricoides e ancilostomídeos foram os parasitas mais freqüentes, com prevalências de 6,2%, 6,2%, 4,8% e 1,4%, respectivamente. Os ancilostomídeos foram significativamente mais freqüentes na zona rural e nos alunos com mais de 14 anos, enquanto a prevalência da E. coli foi maior na zona urbana e a G. lamblia mais freqüente na faixa etária de 0-6 anos. Somente três crianças eliminavam ovos de Schistosoma mansoni. O único hospedeiro intermediário encontrado foi a Biomphalaria glabrata e nenhuma delas estava eliminando cercárias de S. mansoni . Comparando-se estes dados a de levantamentos realizados anteriormente no município, observou-se uma queda na prevalência de todos os parasitas. Algumas hipóteses para tentar explicar esta queda são discutidas tais como: processo intenso de urbanização e a melhoria das condições sócio-sanitárias do município.

Palavras-chaves: Parasitoses intestinais. Inquérito parasitológico. Escolares. Biomphalaria. Schistosoma mansoni.

ABSTRACT: This work was carried out with the purpose of determining the prevalence of intestinal parasitoses in the school children of Bambuí, through parasitological examinations (direct and Kato-Katz methods) and reevaluating the snails' breeding places described in the county. Of the 2,091 school children examined, 20.1% had at least one parasitic infection. Giardia lamblia, Entamoeba coli, Ascaris lumbricoides and hookworm are the most frequent parasites, with a prevalence of 6.2%, 6.2%, 4.8% and 1.4%, respectively. The hookworms were significantly more frequent among students from the rural area and in those aged over 14 years, while the prevalence of E. coli was greater in the urban area and the G. lamblia was more frequent in children under 6 years old. Only three children shed eggs of Schistosoma mansoni. The only intermediate host found was Biomphalaria glabrata and none of them was shedding cercariae of S. mansoni. When these data were compared with data from other surveys previously effected in the county, a decline was observed in the prevalence of all parasites. Some hypotheses which may explain this decline are discussed, such as: intense urbanization process and improvement of social-sanitary conditions of the county.

Key-words: Intestinal parasites. Parasitological survey. School children. Biomphalaria. Schistosoma mansoni.

No Brasil, as parasitoses intestinais ainda se encontram bastante disseminadas e com alta prevalência. Em um estudo multicêntrico realizado em escolares de 7 a 14 anos cobrindo 10 estados brasileiros, 55,3% dos estudantes foram diagnosticados com algum tipo de parasitose sendo que a ascaridíase, tricuríase e a giardíase apresentaram uma distribuição mais regular. Em Minas Gerais, dos 5.360 indivíduos examinados, 44,2% estavam infectados, sendo os parasitas mais freqüentes: Ascaris lumbricoides (59,5%), Trichuris trichiura (36,6%), Giardia lamblia (23,8%) e Schistosoma mansoni (11,6%)2.

O primeiro relato sobre a ocorrência de parasitoses intestinais, em Bambuí, foi feito por Pellon e Teixeira23, que entre 560 escolares examinados encontraram 539 (96,3%) infectados por algum helminto. Destes, 11 (1,9%) estavam positivos para o S. mansoni e 351 (62,4%) para ancilostomídeos.

Posteriormente, em 1953, 1954 e 1969, foram publicados resultados de exames parasitológicos realizados neste município5 8 10. Os dados mostraram que as parasitoses tinham alta prevalência tanto em adultos quanto em crianças e que não havia diferença entre zona urbana e rural.

Foi realizado, em 1953, um amplo levantamento da fauna planorbídica deste município, coletando-se um total de 7.110 moluscos em 40 criadouros, pertencendo todos, aparentemente, a uma única espécie, Australorbis glabratus5, e na tentativa de fazer seu controle, foram isoladas e potencializadas bactérias patogênicas deste caramujo capturadas no próprio município. Entre os microorganismos estudados, em laboratório e no campo, o Bacillus pinottii foi o que demonstrou maior letalidade para os moluscos4 6 7 9.

Posteriormente, em 1961, foi demonstrado que a mortalidade dos caramujos não era devido ao B. pinottii e sim, ao meio de cultura utilizado para sua criação26.

O presente estudo foi realizado com os objetivos de: 1) determinar a prevalência das parasitoses na população escolar de Bambuí e compará-la com os dados da literatura, e 2) reavaliar os criadouros de moluscos descritos no município e estudar outros de importância epidemiológica.

MATERIAL E MÉTODOS

O município de Bambuí situa-se a 215km de Belo Horizonte, na mesoregião do Oeste de Minas Gerais, microregião do Piuí e abriga uma população de 20.651 habitantes em uma área de 1.407km213 .

Todas as escolas públicas do 1° e 2° graus e creches foram visitadas e seus alunos cadastrados. Dados como data de nascimento, sexo, série e nome da professora foram anotados e cada aluno recebeu um número de registro. Foi entregue a cada um, após explicação sobre o projeto e autorização dos pais ou responsável, um recipiente para coleta de fezes, rotulado com seu nome, número de registro e nome da professora.

O material, recolhido por funcionários das escolas, era enviado ao laboratório para ser processado e examinado. Foram usados os métodos parasitológicos direto (1 lâmina)1 e de Kato-Katz (2 lâminas)18. Somente para S. mansoni o exame de fezes foi quantitativo, sendo considerada a média aritmética do número de ovos encontrados em duas lâminas. O método direto e a preparação das lâminas do Kato-Katz foram realizados por técnicos do município. A leitura do método Kato-Katz foi realizada por técnicos do Laboratório de Esquistossomose do Centro de Pesquisas René Rachou/FIOCRUZ.

Os alunos que apresentaram alguma parasitose foram encaminhados ao serviço de saúde local para tratamento adequado.

No período de abril a outubro/1995, foi realizado um levantamento malacológico nos criadouros anteriormente estudados5 e em outros de importância epidemiológica. As coletas foram realizadas com o auxílio de uma concha metálica perfurada. Os moluscos coletados foram acondicionados em sacos plásticos, identificados pelo local de coleta e, posteriormente, examinados por exposição à luz artificial e em seguida por compressão entre lâminas, para visualização de cercárias e/ou esporocistos. Alguns exemplares foram separados para identificação específica22. Os dados relacionados aos criadouros foram anotados em fichas próprias.

Na análise dos dados, para comparação de freqüências, utilizou-se o teste do qui-quadrado, admitindo-se a significância estatística de 95%.

RESULTADOS

Foram cadastrados 4.794 escolares do município e examinados 2.901 (60,5%), sendo 2.366 residentes na zona urbana e 535 na zona rural. O índice de alunos examinados foi maior na zona rural (80,6%) do que na cidade (57,3%). Do total, 20,1% estavam infectados com pelo menos um parasita, não havendo diferença estatística entre o número de alunos positivos da zona urbana e rural (p = 0,25). As parasitoses mais freqüentes no município foram: G. lamblia (6,2%), Entamoeba coli (6,2%), A. lumbricoides (4,8%) e ancilostomídeos (1,4%). Quando comparamos a freqüência de cada parasitose isoladamente, por localização das escolas, os ancilostomídeos foram significativamente mais freqüentes entre alunos das escolas da zona rural (p = 0,00), ao contrário da E. coli, mais freqüente na zona urbana (p = 0,01). As outras parasitoses distribuíram-se igualmente nas duas regiões (Tabela 1).

Não foi detectada diferença estatisticamente significante quando analisou-se a ocorrência de infecção por alguma parasitose por faixa etária e sexo (Tabelas 2 e 3). No entanto, quando foi realizada análise individual das parasitoses mais freqüentes, por faixa etária, foi visto que na faixa de 0-6 anos a prevalência da G. lamblia foi significativamente maior que nos outros grupos (p = 0,00) e que os ancilostomídeos foram mais freqüentes nos alunos com mais de 14 anos (p = 0,00). Quando a análise foi realizada em relação ao sexo, não foi encontrada diferença estatisticamente significante entre os grupos.

Dos 40 criadouros descritos por Dias em 19535, 30 foram identificados e reavaliados. Em cinco destes criadouros, não foi observado nenhum molusco, em outros cinco somente Drepanotrema e/ou Physa. Nos vinte restantes, foram coletadas 1321 Biomphalaria glabrata, todas negativas para cercárias e/ou esporocistos de S. mansoni. Cercárias macrogranulosa e caratinguensis foram observadas em seis dos 20 criadouros avaliados.

Outros doze criadouros foram estudados: em um não foi encontrado nenhum molusco, em quatro, somente Drepanotrema e/ou Physa; nos sete restantes, foram encontradas B. glabrata, negativas para cercárias e/ou esporocistos de S. mansoni. Em apenas um criadouro os moluscos eliminavam cercárias caratinguensis.

DISCUSSÃO

Para entender melhor a epidemiologia das parasitoses nesta área, optamos por descrever os enterocomensais E. coli e Endolimax nana junto aos outros protozoários intestinais patogênicos, uma vez que eles têm o mesmo mecanismo de transmissão e podem servir como um bom indicador das condições sócio-sanitárias.

Quando foi comparada a prevalência das parasitoses em relação a localização das escolas, os ancilostomídeos foram mais freqüentes na zona rural, refletindo as precárias condições de saneamento de uma população de baixo nível sócio-econômico e sanitário24.

A E. coli apresentou prevalência significativamente maior nas escolas da zona urbana. Esse fato já foi observado por outros autores17 21 e sugere que pode haver diferenças no modo de transmissão dessa parasitose entre as regiões rural e urbana. No entanto, no presente estudo, não foi encontrada diferença estatística entre outros parasitas que tem o mesmo modo de transmissão, como por exemplo, a G. lamblia.

Em relação a idade, os resultados encontrados foram semelhantes aos descritos na literatura, isto é, os ancilostomídeos foram mais freqüentes em alunos de faixa etária mais alta e a G. lamblia teve uma prevalência maior nos alunos das creches, na faixa etária de 0-6 anos15 16 19 20 24 25. A alta prevalência da G. lamblia em crianças mais novas se deve, provavelmente, a falta de hábitos higiênicos e/ou a ausência de imunidade à reinfecção3. Mesmo só tendo sido realizado um exame parasitológico de fezes e sabendo-se da eliminação intermitente de cistos deste protozoário, foram encontradas creches com prevalência de até 32%.

Quando foram comparados os dados obtidos neste estudo aos realizados anteriormente no município8 10 23, observou-se uma queda na prevalência de todos os parasitas. De fato, o A . lumbricoides, o T. trichiura e os ancilostomídeos, que já foram descritos com prevalência maior que 40%, neste inquérito estão abaixo de 5%.

Quanto à esquistossomose, a prevalência em escolares sempre foi baixa (2% em 1950, 6,4% em 1953, 3,2% na zona rural e 0,4% na zona urbana em 1969); no entanto, em adultos e em algumas áreas do município, prevalência superior a 25% foi descrita por Dias5. Os três casos diagnosticados neste estudo, foram considerados autóctones, após o inquérito epidemiológico. O hospedeiro intermediário encontrado no município foi a B. glabrata, o mesmo relatado anteriormente. Nenhuma delas, no entanto, estava infectada por cercárias e/ou esporocistos de S. mansoni. Como Dias5 descreve apenas as cercárias eliminadas pelos caramujos como furcocercárias, torna impossível a comparação com os dados atuais, uma vez que cercárias caratinguensis estavam sendo eliminadas por caramujos em alguns criadouros.

Pode-se levantar algumas hipóteses para tentar explicar esta queda tão grande da prevalência: 1) este inquérito e o de Pellon e Teixeira em 1950 foram realizados em escolares, ao contrário de Dias em 1953, que examinou uma amostra da população, que ele não esclarece se era aleatória, e do estudo de 196910 onde os autores relatam resultados encontrados em laboratórios clínicos da cidade, sendo portanto uma amostra selecionada; 2) como só foram realizados dois métodos de exame de fezes (direto e Kato-Katz), parasitoses que necessitam de métodos especiais não foram diagnosticadas neste levantamento. Dias, em 1967, utilizou o método da fita gomada e em 1968 o de Baerman-Morais10. Nos outros inquéritos, o diagnóstico foi realizado através do método de Lutz (Hoffman-Pons-Janer). Em todos estes levantamentos foi realizado apenas um exame de fezes; 3) houve um processo de urbanização muito intenso no município. A população residente na zona urbana aumentou de 20% para 75% da década de 50 para década de 9011 13; 4) analisando as condições sócio-sanitárias do município, observa-se uma melhora considerável. Houve um aumento de 14,9% para 76,2% entre 1960 e 1991, no número de residências ligadas à rede geral de água e de 10,7% para 64,8%, no mesmo período, de residências ligadas à rede de esgotos. Em 1991, somente 0,6% das casas não tinham esgoto ou qualquer outro tipo de fossa12 13.

Observando-se outros indicadores que retratam melhoria nas condições de vida do município entre 1970 e 1991, destacam-se a redução de, aproximadamente, 50% nas taxas de mortalidade infantil e analfabetismo. Além disso, a esperança de vida ao nascer aumentou de 60 para 70 anos, a percentagem de crianças que não freqüentam a escola diminuiu de 20,7% para 11,7% e houve um aumento de 150% na renda média familiar no mesmo período14.

Finalmente, vale a pena chamar a atenção que este tipo de estudo (inquérito epidemiológico) deve ser inserido no sistema de saúde municipal, facilitando assim, o planejamento e conseqüentemente a otimização de recursos do município.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Áureo Almeida Oliveira, Eliana Moreira Costa e José Geraldo Amorim da Silva pelos serviços técnicos prestados em Belo Horizonte e aos técnicos do Posto Avançado Emmanuel Dias, em Bambuí, pelo inestimável apoio.

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  • 1
    . Laboratório de Esquistossomose,
    2
    . Laboratório de Helmintoses Instestinais,
    3
    . Laboratório de Epidemiologia e Antropologia Médica do Centro de Pesquisas René Rachou/Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Belo Horizonte, MG, Brasil.
    Apoio financeiro: CNPq e FAPEMIG.
    Endereço para correspondência: Dr. Roberto Sena Rocha. CPqRR/FIOCRUZ. Av. Augusto de Lima 1715, Barro Preto, 30190-002 Belo Horizonte, MG, Brasil.
    Fax 55 31 295-3115.
    e-mail:
    Recebido para publicação em 26/2/2000.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2000
    • Data do Fascículo
      Out 2000

    Histórico

    • Recebido
      26 Fev 2000
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