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Timectomia robótica para miastenia gravis

CARTA AO EDITOR

Timectomia robótica para miastenia gravis

Rodrigo Afonso da Silva SardenbergI; Ricardo Zugaib AbadallaII; Igor Renato Louro Bruno AbreuIII; Eli Faria EvaristoIV; Riad Naim YounesV

ICirurgião Torácico, Hospital Sírio Libanês e Hospital Albert Einstein, São Paulo (SP) Brasil

IICirurgião Geral, Hospital Sírio Libanês, São Paulo (SP) Brasil

IIICirurgião Torácico, Hospital Sírio Libanês, São Paulo (SP) Brasil

IVNeurologista, Hospital Sírio Libanês e Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

VProfessor Associado, Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil Diretor do Núcleo Avançado do Tórax, Hospital Sírio Libanês, São Paulo (SP) Brasil

Ao Editor:

Uma mulher de 20 anos foi encaminhada ao Departamento de Cirurgia Torácica do Hospital Sírio Libanês como candidata a timectomia. Tinha um histórico de dois anos de miastenia gravis, com presença de diplopia, ptose e fraqueza generalizada leve (estágio IIA de acordo com a classificação de Osserman).

Ao exame físico, não apresentava alterações. Os procedimentos pré-operatórios incluíram radiografia de tórax, TC de tórax, provas de função pulmonar e exame neurológico completo. Os exames de sangue foram positivos para anticorpos anti-receptores da acetilcolina. Os achados tomográficos excluíram a possibilidade de timoma. A paciente foi considerada uma boa candidata à timectomia por cirurgia toracoscópica assistida por robô.

A paciente foi submetida a anestesia geral e epidural, colocou-se um tubo endotraqueal de duplo lúmen, e ela foi posicionada em decúbito lateral esquerdo elevado em 30º. O orifício (port) da câmera foi colocado no quarto espaço intercostal na linha axilar anterior, e os ports dos instrumentos foram colocados no terceiro espaço intercostal na linha axilar média e no quinto espaço intercostal na linha hemiclavicular (Figura 1). Uma câmera tridimensional de 0º foi introduzida para a visualização completa do espaço pleural, e os dois braços do sistema cirúrgico robótico (da Vinci®; Intuitive Surgical, Inc., Menlo Park, CA, EUA) foram acoplados. Para o braço esquerdo, utilizou-se um instrumento EndoWrist® (Intuitive Surgical, Inc.), enquanto, para o braço direito, utilizou-se uma unidade de eletrocautério. O braço esquerdo foi utilizado principalmente para pinçar o timo, e a dissecção foi realizada com o braço direito.


Iniciou-se a dissecção inferiormente no ângulo cardiofrênico esquerdo ao longo do nervo frênico esquerdo (Figura 2). A glândula tímica foi separada da área retroesternal, e o corno tímico inferior esquerdo foi isolado e dissecado do pericárdio.


À medida que a dissecção prosseguiu, a veia inominada foi identificada, e a veias tímicas foram cortadas e divididas. O ângulo cardiofrênico foi então dissecado no lado direito, e ambos os pólos superiores do timo foram isolados. Encerrou-se a dissecção no lado inferior direito, com a identificação do nervo frênico direito e a posterior exploração da pleura.

A glândula tímica e o tecido adiposo mediastinal/cervical anterior foram ressecados radicalmente e removidos através do port do trocarte. Após se conseguir a hemostasia, um dreno torácico (28F) foi inserido na cavidade pleural através do port do quinto espaço intercostal, o pulmão foi reinsuflado, e as outras feridas foram fechadas de forma padrão. O tempo operatório total foi de 120 min, incluindo o acoplamento (docking) robótico, a ressecção do timo e o fechamento da pele.

O período pós-operatório transcorreu sem intercorrências, o dreno torácico foi retirado 48 h após a cirurgia, e a paciente recebeu alta 72 h após a cirurgia. A histologia final revelou hiperplasia tímica, sem focos ectópicos no tecido circunjacente ressecado.

Após três meses de acompanhamento, a paciente estava clinicamente bem, e foi possível reduzir a dose de prednisona, embora os inibidores de colinesterase tenham sido mantidos na mesma dosagem. Embora ela tenha sentido dor no local da incisão durante aproximadamente um mês, ela retornou ao trabalho 15 dias após a cirurgia e conseguiu voltar a praticar esportes leves um mês após a alta hospitalar.

A primeira timectomia por cirurgia assistida por robô para o tratamento de um pequeno timoma foi realizada em 2001,(1) e, ao longo dessa década, muitos relatos confirmaram as vantagens dessa nova técnica para a ressecção do timo. A miastenia gravis é uma doença autoimune que afeta a transmissão neuromuscular e resulta em fraqueza crônica e vários níveis de fatiga nos músculos estriados. A fisiopatologia relaciona-se com a presença de receptores da acetilcolina gerados no timo, os quais acabam por levar aos sintomas.

A timectomia é uma opção terapêutica amplamente aceita como complemento ao tratamento clínico, produzindo resultados positivos em termos de melhora e remissão de sintomas. Nesse contexto, foram propostas numerosas técnicas de timectomia, com graus variados de invasividade, gerando controvérsia quanto à melhor abordagem cirúrgica para a miastenia gravis O momento ideal para a timectomia ainda não foi estabelecido; contudo, ela é provavelmente melhor realizada quando os pacientes apresentam sintomas bulbares e respiratórios mínimos. Se a condição clínica permitir, também é útil reduzir a dosagem de corticóides. Alguns autores sugerem que a resposta é melhor se a timectomia for realizada assim que a doença é diagnosticada.

Analisando a literatura, descobrimos que a timectomia transcervical limita-se à remoção da porção intracapsular dos lobos. Sendo assim, se associa a uma maior quantidade de timo residual e, consequentemente, a uma maior taxa de operação sem a remissão de sintomas em razão de focos ectópicos.(1) Um meio de superar esse problema é a realização de timectomia transcervical estendida utilizando-se um afastador esternal abaixo da fúrcula, embora isso não permita que o cirurgião remova as camadas da pleura.(2) Portanto, a combinação de timectomia transesternal e cervical consiste na remoção em bloco de todo o timo no pescoço e no mediastino. É a operação de referência, com a qual outras abordagens devem ser comparadas.(2)

Avanços recentes na cirurgia torácica vídeo-assistida (CTVA) e técnicas cirúrgicas minimamente invasivas tornaram a timectomia possível. Essas abordagens têm reduzido a morbidade, a mortalidade, as taxas de infecção, as internações pós-operatórias e o uso de medicação para a dor.(3)

O sistema cirúrgico da Vinci® consiste em um dispositivo de entrada (console do cirurgião) e um dispositivo de saída (carro paciente) com dois ou três braços para os instrumentos e um braço para a câmera. O cirurgião opera o console, o qual traduz a posição e o movimento das mãos sobre os sensores de movimento altamente sensíveis para a extremidade dos instrumentos à distância. Os braços para os instrumentos têm sete graus de liberdade, promovendo movimento em escala e filtragem do tremor. Além disso, o instrumento cirúrgico EndoWrist® tem uma amplitude de movimentos de 360º, melhorando a capacidade de manobra em torno das estruturas anatômicas.(4)

As desvantagens dessa técnica incluem a perda do sentido tátil, a instrumentação limitada em comparação à da técnica da CTVA e os custos mais elevados. Os resultados são comparáveis aos obtidos com a CTVA, tais como menor tempo de internação e menos dor.(5)

Conseguimos visualizar e dissecar com segurança os lobos superiores do timo, com uma ressecção radical e completa, incluindo toda a gordura desde o pericárdio até o diafragma. Optamos por uma abordagem pelo lado esquerdo, pois ela permite um acesso mais fácil à janela aortopulmonar, que é um local comum de tecido tímico ectópico.(6) Além disso, a abordagem pelo lado esquerdo facilita a identificação do nervo frênico, o que é obrigatório nessa população de pacientes.

Acreditamos que, com a abordagem robótica, é possível realizar a timectomia radical com segurança, e isso pode diminuir o limiar para neurologistas indicarem cirurgia para seus pacientes com miastenia gravis.

  • 1. Jaretzki A 3rd. Thymectomy for myasthenia gravis: analysis of controversies--patient management. Neurologist. 2003;9(2):77-92.
  • 2. Cooper JD, Al-Jilaihawa AN, Pearson FG, Humphrey JG, Humphrey HE. An improved technique to facilitate transcervical thymectomy for myasthenia gravis. Ann Thorac Surg. 1988;45(3):242-7.
  • 3. Mack MJ, Landreneau RJ, Yim AP, Hazelrigg SR, Scruggs GR. Results of video-assisted thymectomy in patients with myasthenia gravis. J Thorac Cardiovasc Surg. 1996;112(5):1352-9; discussion 1359-60.
  • 4. Hashizume M, Konishi K, Tsutsumi N, Yamaguchi S, Shimabukuro R. A new era of robotic surgery assisted by a computer-enhanced surgical system. Surgery. 2002;131(1 Suppl):S330-3.
  • 5. Demmy TL, James TA, Swanson SJ, McKenna RJ Jr, D'Amico TA. Troubleshooting video-assisted thoracic surgery lobectomy. Ann Thorac Surg. 2005;79(5):1744-52; discussion 1753.
  • 6. Rückert JC, Czyzewski D, Pest S, Müller JM. Radicality of thoracoscopic thymectomy--an anatomical study. Eur J Cardiothorac Surg. 2000;18(6):735-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2011
  • Data do Fascículo
    Out 2011
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