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Aceitação de dietas hospitalares e estado nutricional entre pacientes com câncer

Resumos

OBJETIVO: Verificar a aceitação de dietas hospitalares, em relação ao estado nutricional, entre pacientes com câncer admitidos na Unidade de Oncologia/Hematologia de um hospital terciário. MÉTODOS: Estudo transversal conduzido entre 100 pacientes, com idade >18 anos de ambos os gêneros. Índice de massa corporal e avaliação nutricional subjetiva global produzida pelo próprio paciente foram utilizados para detecção do estado nutricional. Índice de resto-ingestão foi utilizado para avaliar a aceitação da dieta, e os motivos para não aceitação foram verificados por meio de questionário. Os dados foram expressos em médias e desvio padrão, ou medianas e percentuais. As comparações foram realizadas por meio de testes t de Student, Wilcoxon Mann-Whitney e do χ² de Pearson. RESULTADOS: No total, 59% dos pacientes eram do gênero masculino e a idade média foi de 51,6±13,5 anos. De acordo com a avaliação nutricional subjetiva global produzida pelo próprio paciente, 33% dos participantes foram considerados desnutridos e o índice de massa corporal detectou 6,3% de desnutrição. Os principais sintomas relatados foram: inapetência, xerostomia, constipação, disgeusia, náuseas relacionadas aos cheiros e saciedade precoce. O índice de resto-ingestão foi de aproximadamente 37% e significativamente maior entre os desnutridos comparativamente aos bem nutridos (58,8 x 46,4%; p=0,04). Quanto aos motivos relatados para a não aceitação da dieta oferecida, destacaram-se falta de sabor, monotonia das preparações, grandes quantidade oferecidas, falta de apetite e temperatura inadequada da refeição. CONCLUSÃO: Observou-se um elevado índice de resto-ingestão entre os pacientes com câncer, principalmente entre os desnutridos, pela avaliação nutricional subjetiva global produzida pelo próprio paciente.

Avaliação nutricional; Dieta; Ingestão de alimentos; Estado nutricional; Neoplasias


OBJECTIVE: To verify acceptance of hospital diets as to the nutritional status among patients admitted to the Oncology/Hematology Unit of a tertiary care hospital. METHODS: A cross-sectional study conducted among 100 patients, aged >18 years, of both genders. Body mass index and subjective global nutritional evaluation by patients were used to detect the nutritional status. The rest-ingestion index was used to evaluate diet acceptance, and the reasons for non-acceptance were identified by means of a questionnaire. Data were expressed in means and standard deviation, or medians and percentages. Comparisons were made using the Student's t test, Wilcoxon Mann-Whitney test, and Pearson's χ² test. RESULTS: A total of 59% of patients were males, and mean age was 51.6±13.5 years. According to the global subjective nutritional evaluation done by the patients themselves, 33% of the participants were considered malnourished and the body mass index detected 6.3% of malnutrition. The main symptoms reported were lack of appetite, xerostomia (dry mouth), constipation, dysgeusia, odor-related nausea, and early satiety. The rest-ingestion index was approximately 37% and significantly greater among the malnourished relative to the well-nourished (58.8 versus 46.4%; p=0.04). The primary reasons reported for non-acceptance of the diet offered were lack of flavor, monotonous preparations, large quantities offered, lack of appetite, and inappropriate temperature of the meal. CONCLUSION: A high the rest-ingestion index was seen among the patients with cancer, especially those who were malnourished according to the global nutritional evaluation produced by the patient.

Nutritional assessment; Diet; Eating; Nutritional status; Neoplasms


ARTIGO ORIGINAL

Aceitação de dietas hospitalares e estado nutricional entre pacientes com câncer

Daiane FerreiraI; Tessa Gomes GuimarãesI; Aline MarcadentiII

IHospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre, RS, Brasil

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Aline Marcadenti Rua Francisco Trein, 597 – Cristo Redentor CEP: 91040-000 – Porto Alegre, RS, Brasil Tel.: (51) 3357-2259 E-mail: marcadenti@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a aceitação de dietas hospitalares, em relação ao estado nutricional, entre pacientes com câncer admitidos na Unidade de Oncologia/Hematologia de um hospital terciário.

MÉTODOS: Estudo transversal conduzido entre 100 pacientes, com idade >18 anos de ambos os gêneros. Índice de massa corporal e avaliação nutricional subjetiva global produzida pelo próprio paciente foram utilizados para detecção do estado nutricional. Índice de resto-ingestão foi utilizado para avaliar a aceitação da dieta, e os motivos para não aceitação foram verificados por meio de questionário. Os dados foram expressos em médias e desvio padrão, ou medianas e percentuais. As comparações foram realizadas por meio de testes t de Student, Wilcoxon Mann-Whitney e do χ2 de Pearson.

RESULTADOS: No total, 59% dos pacientes eram do gênero masculino e a idade média foi de 51,6±13,5 anos. De acordo com a avaliação nutricional subjetiva global produzida pelo próprio paciente, 33% dos participantes foram considerados desnutridos e o índice de massa corporal detectou 6,3% de desnutrição. Os principais sintomas relatados foram: inapetência, xerostomia, constipação, disgeusia, náuseas relacionadas aos cheiros e saciedade precoce. O índice de resto-ingestão foi de aproximadamente 37% e significativamente maior entre os desnutridos comparativamente aos bem nutridos (58,8 x 46,4%; p=0,04). Quanto aos motivos relatados para a não aceitação da dieta oferecida, destacaram-se falta de sabor, monotonia das preparações, grandes quantidade oferecidas, falta de apetite e temperatura inadequada da refeição.

CONCLUSÃO: Observou-se um elevado índice de resto-ingestão entre os pacientes com câncer, principalmente entre os desnutridos, pela avaliação nutricional subjetiva global produzida pelo próprio paciente.

Descritores: Avaliação nutricional; Dieta; Ingestão de alimentos; Estado nutricional; Neoplasias

INTRODUÇÃO

A desnutrição é uma complicação frequente entre pacientes com câncer, associada à diminuição da resposta a tratamentos antineoplásicos específicos, redução da qualidade de vida, maiores riscos de infecções, aumento do tempo de hospitalização e morbimortalidade(1). É comum se observar desnutrição entre indivíduos hospitalizados, sendo tal implicação três vezes mais frequente em pacientes com câncer comparativamente aos sem o diagnóstico, sugerindo que a doença em si prejudique o estado nutricional durante a hospitalização(2).

Diversos fatores estão envolvidos na gênese da desnutrição entre pacientes com câncer, com destaque para os efeitos colaterais produzidos pela terapêutica escolhida para o tratamento da doença. Frequentemente, indivíduos em vigência de quimioterapia e/ou radioterapia apresentam queixas gastrintestinais, como náuseas, vômitos, mudança no paladar, mucosite, constipação e/ou diarreia, que podem diminuir a aceitação da dieta e, consequentemente, levar ao comprometimento do estado nutricional(1). Dessa forma, investigar os impactos desses sintomas sobre a ingestão alimentar torna-se indispensável para planejar uma intervenção nutricional precoce e mais efetiva entre indivíduos hospitalizados e portadores da doença.

Uma ingestão alimentar inadequada também contribui para desnutrição no ambiente hospitalar(3). A redução da ingestão alimentar é frequentemente relatada entre os pacientes hospitalizados, fato esse que pode estar relacionado à doença, a mudanças de hábitos alimentares e à insatisfação com as preparações oferecidas. A avaliação do consumo alimentar entre pacientes com câncer deve ser uma rotina, pois a alimentação é parte importante da terapêutica, não apenas por seus aspectos nutricionais, mas também por sua dimensão simbólica e subjetiva(4,5).

A detecção do risco nutricional por meio de ferramentas adequadas(6,7) é fundamental na identificação dos indivíduos em risco para desnutrição, sendo que a intervenção nutricional precoce evitaria a ocorrência e o agravo dessa condição. Esses métodos são utilizados para rastreamento; para uma análise mais criteriosa do estado nutricional, recomenda-se a associação de diferentes métodos de avaliação (objetivos e subjetivos)(8). A avaliação subjetiva global produzida pelo próprio paciente(9) (ASG-PPP) é um instrumento diagnóstico que combina índices de prognóstico conhecidos (alterações no peso e na capacidade funcional), aspectos clínicos da ingestão alimentar, fatores que aumentam a demanda metabólica e exame físico. Essa avaliação tem sido indicada como método de escolha para detectar a presença de desnutrição entre pacientes com câncer, sendo validada especificamente para tal população(9,10).

Apesar da preocupação com o aspecto nutricional do paciente hospitalizado, tem-se dado pouca atenção para a aceitação da dieta hospitalar. Especificamente entre pacientes adultos com câncer, são escassos os estudos avaliam a ingestão alimentar em relação ao estado nutricional detectado pela ASG-PPP.

OBJETIVO

Verificar a aceitação de dietas hospitalares, em relação ao estado nutricional, entre pacientes com câncer admitidos em Unidade de Oncologia/Hematologia de um hospital terciário.

MÉTODOS

Estudo de delineamento transversal conduzido entre julho de 2011 e fevereiro de 2012, com homens e mulheres maiores de 18 anos, admitidos na Unidade de Oncologia/Hematologia de um hospital terciário em Porto Alegre (RS). A unidade possui capacidade para 30 leitos, com cobertura exclusiva do Sistema Único de Saúde (SUS).

A amostra constituiu-se de forma aleatória simples. Indivíduos com tempo de internação mínimo de 3 dias (para que o paciente tivesse conhecimento prévio das refeições que compunham a dieta hospitalar) e máximo de 6 (para evitar um viés de aceitação relativo à monotonia dos cardápios) foram consecutivamente arrolados na unidade, sendo que, diariamente, os pesquisadores obtinham os nomes dos novos pacientes admitidos para um prévio rastreamento. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Nossa Senhora da Conceição (protocolo CEP n.º 10/114). Foram excluídos da amostra pacientes sem condições de responder ao questionário, que estivessem em NPO (nada por via oral) no momento da pesquisa, recebendo alimentação via enteral/parenteral ou dietas para preparo de exames, com diagnóstico de doenças hematológicas benignas ou sem diagnóstico de câncer confirmado. Os indivíduos hospitalizados foram avaliados uma única vez, durante a pesquisa, independentemente do número de internações no período da coleta.

O risco nutricional entre adultos foi detectado pela Nutritional Risk Screening (NRS)(6) e, entre idosos, pela Miniavaliação Nutricional (MAN)(7). O estado nutricional foi avaliado por métodos objetivos e subjetivos, sendo que, para a avaliação antropométrica, foram coletados o peso, em quilogramas (kg), e a estatura, em metros (m), diretamente da avaliação nutricional registrada em prontuário médico eletrônico. Índice de massa corporal (IMC, kg/m²) foi calculado e classificado de acordo com os pontos de corte propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS)(11).

A ASG-PPP(9) foi utilizada como método subjetivo de avaliação nutricional e aplicada da seguinte maneira: o paciente preencheu a primeira parte do questionário, composta por perguntas sobre alterações do peso, sintomas de impacto nutricional (náuseas, vômitos, inapetência, constipação e diarreia), alterações na ingestão alimentar e na capacidade funcional. Os pacientes analfabetos tiveram auxílio de familiares para o preenchimento do instrumento. A segunda parte, que abordava aspectos da história clínica da doença e exame físico, foi preenchida por nutricionistas treinadas. Ao final, o avaliador classificou o paciente como: A: bem nutrido, B: moderadamente desnutrido ou suspeito de desnutrição e C: gravemente desnutrido.

O percentual da aceitação da dieta foi determinado pelo índice de resto-ingestão, que estabelece a relação percentual entre a quantidade de refeição rejeitada e quantidade de refeição oferecida(12). Para isso, os restos dos alimentos não ingeridos pelos pacientes, no almoço, foram quantificados, em gramas (g), por meio da pesagem dos resíduos alimentares que permaneceram no prato térmico, em balança eletrônica, marca Toledo® capacidade até 3kg e especificidade de 1g. Os restos de alimentos foram armazenados em embalagens plásticas, separadas por paciente e preparação (arroz, feijão, carne e guarnição) para posterior aferição.

Foi realizado um trabalho de padronização das medidas caseiras utilizadas para o porcionamento dos alimentos no prato térmico, após a técnica de nutrição ter identificado diferenças entre os atendentes de nutrição, em relação às quantidades servidas. Depois de repetidas aferições de porções servidas pelos mesmos funcionários com auxílio dos utensílios adequados, reduziu-se a variabilidade entre os mesmos e as porções foram corretamente padronizadas. O porcionamento dos alimentos foi rigorosamente observado também pela técnica de nutrição, que habitualmente supervisionava esse processo. Essas medidas foram quantificadas em gramas (g) e foram utilizadas como parâmetro de refeição distribuída para o cálculo do índice de resto-ingestão.

Variáveis demográficas e os motivos da não aceitação da refeição foram verificados por meio de questionário, com perguntas fechadas sobre sabor, aparência, odor, quantidade, horário, temperatura e condições relatadas pelo paciente no dia da coleta (distúrbios gastrintestinais e falta de apetite). Esse questionário foi elaborado a partir de instrumento utilizado em estudo prévio na instituição(13), adaptado de acordo com as características dessa pesquisa. Outros dados de relevância (diagnóstico da doença e tratamento realizado) foram obtidos do prontuário médico.

Análise estatística

O cálculo amostral foi realizado pelo programa WinPepi versão 11.18. Considerando nível de significância de 5%, estimativa de aceitação da refeição em 50%(13) e diferença aceitável de até 10%, o número mínimo de participantes a serem avaliados seria de 97.

Os dados foram digitados no programa Microsoft Office Excel e as análises estatísticas foram realizadas com auxílio do software Statistical Package for the Social Science (SPSS) versão 17.0 para Windows. Variáveis quantitativas foram descritas em média e desvio padrão ou medianas, e as variáveis categóricas, em percentuais. Testes t de Student, Wilcoxon Mann-Whitney e χ2 de Pearson foram utilizados para comparações; p<0,05 foi considerado significativo.

RESULTADOS

Foram avaliados 100 pacientes, com idade média de 51,6±13,5 anos, 59% do gênero masculino e 56% analfabetos/1º grau completo. Indivíduos desnutridos apresentaram idade mais avançada e maior número de medicamentos prescritos em relação aos bem nutridos (Tabela 1).

Os pacientes foram considerados desnutridos quando classificados com uma ASG-PPP B ou C (33%) e bem nutridos (67%) com ASG-PPP A. O IMC médio da amostra foi 25,7 ±6kg/m², sendo que 6,3% desses pacientes foram classificados como desnutridos por esse critério (<18,5 kg/m2). De acordo com o diagnóstico obtido por meio da ASG-PPP, os pacientes desnutridos apresentaram um IMC menor comparativamente aos bem nutridos (22,4 ±4,8 x 27,3 ±6; p<0,0001). Observou-se risco nutricional entre 52% dos pacientes avaliados.

As neoplasias mais prevalentes foram: linfomas (22%), tumores do aparelho digestivo (21%), tumores de cabeça/pescoço (21%) e leucemias (16%). As modalidades de tratamento mais utilizadas foram quimioterapia exclusiva (51%) ou quimioterapia associada à cirurgia (15%). Aproximadamente 34% dos pacientes apresentavam outras comorbidades, com destaque para a hipertensão arterial sistêmica isolada (22%) ou associada à diabetes mellitus (5%).

Os principais sintomas relatados na ASG-PPP foram inapetência (21%), xerostomia (20%), constipação (18%), disgeusia (17%), náuseas relacionadas aos cheiros (17%) e saciedade precoce (14%). Os pacientes desnutridos apresentaram significativamente mais queixas de inapetência, náuseas, constipação, lesões na mucosa oral, disgeusia, náuseas relacionadas aos cheiros e dor (p<0,05). A figura 1 apresenta a comparação entre os sintomas gastrintestinais relatados entre os pacientes bem nutridos e desnutridos.


Quanto às dietas prescritas, 70% dos pacientes receberam alimentação com a consistência inalterada e sem restrição de algum nutriente. Dietas com restrição de sódio foram prescritas para 22% dos indivíduos e 12% dos participantes receberam dietas com alterações da consistência e/ou restrição de algum nutriente.

O índice de resto-ingestão do almoço foi de aproximadamente 37%, sendo significativamente maior entre os pacientes desnutridos (p=0,04). Entre as preparações, o arroz apresentou o maior percentual de rejeição. Comparativamente aos pacientes bem nutridos, os desnutridos tiveram pior aceitação do arroz e da carne (p<0,05). A tabela 2 mostra o percentual de resto-ingestão total da refeição e de cada preparação servida no almoço, conforme o estado nutricional.

Quanto aos motivos relatados para a não aceitação da dieta oferecida, os mais citados foram falta de sabor (40%), monotonia das preparações (33%), quantidade exagerada (29%), falta de apetite (26%) e temperatura inadequada da refeição (24%). Os pacientes desnutridos apresentaram significativamente mais queixas em relação à falta de apetite, disfagia e quantidade exagerada. A figura 2 apresenta os motivos relatados para a não aceitação da dieta, conforme o estado nutricional.


DISCUSSÃO

O presente estudo identificou um elevado índice de resto-ingestão entre pacientes hospitalizados com câncer, principalmente entre aqueles diagnosticados com desnutrição. Observou-se também um número significativo de sintomas gastrintestinais e queixas relatadas pelos pacientes, com destaque novamente para os desnutridos.

Diversos autores já demonstraram que a ASG e suas versões parecem detectar, com maior precisão, os pacientes desnutridos hospitalizados, comparativamente a outros métodos de avaliação nutricional(2,14-16). No presente estudo, os pacientes considerados desnutridos pela ASG-PPP seriam classificados como "bem nutridos" (eutróficos), de acordo com o critério diagnóstico pelo IMC. Diversos instrumentos de avaliação do estado nutricional, embasados em métodos objetivos (antropometria, dosagem de proteínas séricas, avaliação da imunidade celular, avaliação da composição corporal) e em métodos subjetivos, foram propostos para auxílio diagnóstico. Entretanto, a utilização de alguns métodos objetivos de maneira padronizada em faixas etárias e patologias específicas, além da falta de um padrão-ouro em relação aos métodos de avaliação nutricional, pode dificultar a obtenção do diagnóstico real da desnutrição. O IMC, por exemplo, apresenta como limitação a baixa acurácia na discriminação de massa gorda e massa magra. A ASG, método que considera alterações funcionais e na composição corporal, torna-se bastante útil na prática clínica e correlaciona-se positivamente com parâmetros objetivos de avaliação nutricional(17).

Outro aspecto a ser destacado na ASG-PPP é possibilidade de avaliar os sintomas de impacto nutricional que podem acometer o paciente com câncer(1,9,10). Observou-se que os pacientes desnutridos apresentaram mais queixas em relação a esses sintomas, sendo que o principal deles, a falta de apetite, está intimamente relacionado à baixa aceitação da dieta hospitalar. Em alguns estudos, este é um dos principais motivos relatados para da redução da alimentação no ambiente hospitalar(14,18,19).

O índice de resto-ingestão total encontrado neste estudo foi elevado e corrobora resultados observados por outros pesquisadores(3,20), sendo que uma resto-ingestão maior que 20% entre populações enfermas pode indicar inadequação no planejamento e/ou execução do cardápio e também associa-se ao aumento da morbidade(21) e da mortalidade hospitalar(18).

Pacientes desnutridos avaliados neste estudo apresentaram índice de resto-ingestão mais elevado em relação aos bem nutridos. Recente publicação indicou que 55% dos indivíduos desnutridos e 35% dos bem nutridos consumiram menos da metade dos alimentos oferecidos em hospitais da Austrália e da Nova Zelândia. Quando analisados separadamente, os pacientes com câncer tinham 80% mais chance de uma ingestão inferior a 50% das refeições(15). Possíveis explicações para o fato de mesmo pacientes bem nutridos reduzirem sua ingestão alimentar durante longos períodos de hospitalização seriam a monotonia alimentar no ambiente hospitalar(4,5) (com poucas variedades de dietas e opções de refeições, principalmente em hospitais públicos) e os efeitos da terapia medicamentosa ao longo do tratamento, com consequente aumento de sintomas como inapetência e náuseas(1,22,23).

Pacientes desnutridos tiveram pior aceitação do arroz e da carne neste estudo. A recusa a certos alimentos pode estar associada aos sintomas provocados pela terapia antineoplásica(22,23) e os pacientes em risco nutricional frequentemente relatam rejeição alimentar a algumas preparações(19). Os motivos relatados para a não aceitação da dieta oferecida, no presente estudo, também corroboram os já descritos por outras publicações(5,24,25). Outro aspecto observado é que pacientes desnutridos consideraram exagerada a quantidade de alimentos servidos e alguns autores sugerem que os indivíduos consideram as refeições mais apetitosas no ambiente hospitalar quando são servidas em pequenas porções(19).

O presente estudo apresenta como diferencial a avaliação da aceitação por meio da pesagem direta dos restos de cada preparação, oferecendo dados mais precisos acerca da ingestão alimentar e dos alimentos mais tolerados pelos pacientes. Uma das limitações desse trabalho deve-se ao fato de que os alimentos servidos no prato térmico não foram pesados no momento do porcionamento da refeição. Outra consideração refere-se ao delineamento transversal, que não caracteriza diretamente o risco para desnutrição em relação ao percentual da refeição que deixou de ser ingerido.

CONCLUSÃO

Pacientes hospitalizados e com câncer apresentaram um elevado índice de resto-ingestão, sendo o percentual maior entre os desnutridos detectados pela ASG-PPP comparativamente aos bem nutridos. A avaliação subjetiva parece ser um método mais sensível que o IMC para o diagnóstico de desnutrição entre essa população e sintomas de impacto nutricional foram relatados por grande parte dos pacientes, com destaque para os desnutridos.

Os resultados obtidos nesse trabalho reforçam a importância da avaliação e do acompanhamento nutricional na prática clínica, assim como o monitoramento da ingestão alimentar entre pacientes com câncer, indivíduos vulneráveis a desnutrição. Nesse sentido, as técnicas dietéticas e a gastronomia hospitalar são essenciais para elaboração de cardápios nutritivos e que estimulem a ingestão dietética do paciente. Mais estudos que avaliem a aceitação da dieta hospitalar entre pacientes com câncer devem ser conduzidos, com o objetivo de intervenção nutricional precoce, a fim de evitar uma evolução negativa do estado nutricional.

AGRADECIMENTOS

A toda equipe do Serviço de Nutrição e Dietética do Hospital Nossa Senhora da Conceição, pelo apoio e colaboração na construção deste trabalho.

Data de submissão: 11/6/2012

Data de aceite: 12/11/2012

Conflito de interesse: não há.

Trabalho realizado no Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre, RS, Brasil.

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  • Autor correspondente:
    Aline Marcadenti
    Rua Francisco Trein, 597 – Cristo Redentor
    CEP: 91040-000 – Porto Alegre, RS, Brasil
    Tel.: (51) 3357-2259
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      11 Jun 2012
    • Aceito
      12 Nov 2012
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