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Avaliação de treinamentos a distância: relações entre estratégias de aprendizagem e satisfação com o treinamento

Distance training evaluation: relationships between learning strategies and training satisfaction

Resumos

Estudos sobre a capacidade de os alunos gerirem seus próprios processos de aprendizagem tornam-se necessários à medida que as tecnologias da informação e comunicação são inseridas no campo do treinamento organizacional e transferem para os estudantes as responsabilidades anteriormente atribuídas aos professores. Este artigo, assim, analisa as relações entre estratégias de aprendizagem e satisfação com treinamentos. Realizada em uma organização pública, esta pesquisa abarcou 216 participantes de cinco cursos realizados a distância. Os dados coletados por meio de questionários aplicados no último dia de curso evidenciaram padrões de associação entre determinadas estratégias cognitivas de aprendizagem e satisfação com o desempenho da tutoria, com os procedimentos e os resultados e com a interface gráfica do curso. Apesar de não haver indícios sobre a direção dessas associações, especula-se que cursos adequadamente programados e que contem com tutoria ativa conduzem ao uso de estratégias úteis ao armazenamento, à recuperação e à utilização de informações.

Treinamento a distância; Avaliação de treinamento; Avaliação de treinamento a distância; Reações ao treinamento; Estratégias de aprendizagem


Studies concerning to the ability of the students manage their own learning processes become necessary as the information technology and communication are inserted in the field of organizational training and transfer to the students responsibilities previosly assigned to teachers. This paper, thus, examines the relationship between learning strategies and training satisfaction. Performed in a Organization Public, this research contemplates 216 participants from five distance training courses. Data collected through questionnaires applied on the last day of course showed an association between certain cognitive learning strategies and satisfaction with the performance of tutoring, with the procedures and results and with the graphical interface of the course. Although there are no clues on the direction of these associations, it is speculated that properly programmed courses and active tutoring lead to the use of strategies useful for storage, retrieval and use of information.

Distance training; Training evaluation; Distance training evaluation; Training reaction; Learning strategies


GESTÃO HUMANA E SOCIAL

Gardênia da Silva AbbadI; Vinícius Pinto CorrêaII; Pedro Paulo Murce MenesesIII

IDoutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações e do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília. Campus Universitário, Asa Norte - Brasília - DF - Brasil - CEP 70910-900 E-mail: gardenia.abbad@gmail.com

IIMestre em Administração pela Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciência da Informação da Universidade de Brasília (UnB). Coordenador de Desenvolvimento de Pessoas do Departamento de Recursos Humanos do Ministério Público do Trabalho. Departamento de Recursos Humanos, Asa Sul, SAS quadra 4, bloco L, 4º andar - Brasília - DF - Brasil - CEP 70070-922 E-mail: vpcorrea@gmail.com

IIIDoutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Professor do Departamento de Administração e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília. Avenida L4 Norte, ICC Norte, subsolo, Asa Norte - Brasília - DF - Brasil - CEP 70000-000 E-mail: pemeneses@yahoo.com.br

RESUMO

Estudos sobre a capacidade de os alunos gerirem seus próprios processos de aprendizagem tornam-se necessários à medida que as tecnologias da informação e comunicação são inseridas no campo do treinamento organizacional e transferem para os estudantes as responsabilidades anteriormente atribuídas aos professores. Este artigo, assim, analisa as relações entre estratégias de aprendizagem e satisfação com treinamentos. Realizada em uma organização pública, esta pesquisa abarcou 216 participantes de cinco cursos realizados a distância. Os dados coletados por meio de questionários aplicados no último dia de curso evidenciaram padrões de associação entre determinadas estratégias cognitivas de aprendizagem e satisfação com o desempenho da tutoria, com os procedimentos e os resultados e com a interface gráfica do curso. Apesar de não haver indícios sobre a direção dessas associações, especula-se que cursos adequadamente programados e que contem com tutoria ativa conduzem ao uso de estratégias úteis ao armazenamento, à recuperação e à utilização de informações.

Palavras-chave: Treinamento a distância; Avaliação de treinamento; Avaliação de treinamento a distância; Reações ao treinamento; Estratégias de aprendizagem.

ABSTRACT

Studies concerning to the ability of the students manage their own learning processes become necessary as the information technology and communication are inserted in the field of organizational training and transfer to the students responsibilities previosly assigned to teachers. This paper, thus, examines the relationship between learning strategies and training satisfaction. Performed in a Organization Public, this research contemplates 216 participants from five distance training courses. Data collected through questionnaires applied on the last day of course showed an association between certain cognitive learning strategies and satisfaction with the performance of tutoring, with the procedures and results and with the graphical interface of the course. Although there are no clues on the direction of these associations, it is speculated that properly programmed courses and active tutoring lead to the use of strategies useful for storage, retrieval and use of information.

Keywords: Distance training; Training evaluation; Distance training evaluation; Training reaction; Learning strategies.

1 INTRODUÇÃO

Emergido na década de 1990, a sociedade contemporânea constatou recentemente a consolidação de um movimento, impelido pelos avanços nas tecnologias de comunicação, cujo cerne é a informação. Segundo Takahashi (2000), esse movimento não representa somente uma tendência de momento, mas também uma significativa mudança na organização da sociedade, denominada de Sociedade, Era ou Revolução da Informação. Nesse cenário, em que as novas tecnologias da informação e comunicação passam a ser fundamentais nas tomadas de decisão de natureza política, econômica e social, discussões sobre o seu impacto no comportamento humano, na educação, no treinamento, na formação profissional e nas organizações tornam-se profusas (ABBAD, 2007; AGUINIS; KRAIGER, 2009; LÉVY, 2003; SCHAFF, 2001; LACERDA SANTOS, 2005; CASTELLS, 2006).

Entre esses debates, ante a capacidade dos fluxos tecnológicos de contribuir para a rápida produção e disseminação de informações e conhecimentos, merece destaque o surgimento de um novo tipo de profissional. Segundo Belloni (2001), para sobreviver na sociedade e integrar-se ao mercado de trabalho do presente século, o indivíduo precisa desenvolver uma série de complexas capacidades, relacionadas ao trabalho em equipe, à autoaprendizagem e à adaptação a situações novas. Diversas instituições de ensino, unidades de educação corporativa, formação e qualificação profissional e escolas de governo, então, passam a optar pela implantação de programas e projetos de educação a distância (EaD) com o intuito de, principalmente, garantir oportunidades de atualização de competências a indivíduos e grupos com perfis diversificados (ABBAD, 2007; GORMLEY et al., 2009; KEARLEY; MOORE, 2005; SHEMLA; NACHMIAS, 2007; VAUGHAN, 2007). Os anuários estatísticos de educação aberta e a distância de 2007 e 2008, publicados pelo Instituto Monitor, e o Censo EAD.BR, organizado pela Associação Brasileira de Educação a Distância (2010), mostram a crescente adoção da educação a distância no Brasil.

Em contextos organizacionais, a preocupação com o tratamento dessas novas e complexas capacidades se concretiza nos altos investimentos em tecnologias de aprendizagem baseadas no computador e nas redes de informação. Conforme destacam Abbad, Zerbini e Carvalho (2004), os treinamentos mediados por computador e pela web tornam-se cada vez mais frequentes na capacitação e qualificação profissional. Apesar desses investimentos, lacunas nas pesquisas sobre cursos a distância via web, especialmente relativas às avaliações em EaD, ainda são comumente observadas (ABBAD, 2007; AGUINIS; KRAIGER, 2009; ZERBINI, 2003; CARVALHO, 2003).

Na literatura que trata da avaliação de ações de treinamento presenciais, sabe-se que grande parte dos investimentos tende a ser desperdiçada em razão de problemas relativos à avaliação de necessidades e ao planejamento instrucional. Apesar de a soma investida em ações de treinamento alcançar a cifra de 200 bilhões de dólares apenas nos Estados Unidos, muito é desperdiçado com soluções educacionais precariamente delineadas ou executadas (SALAS; CANNON-BOWERS, 2001). No caso da EaD, apesar de os investimentos serem menores, descontados aqueles destinados à aquisição de novas tecnologias, o problema parece assumir proporções alarmantes dada a capacidade de contemplarem públicos consideravelmente mais abrangentes do que os alcançados por treinamentos presenciais.

Assim, com o intuito de compreender os motivos de tais taxas de desperdício, estudiosos e pesquisadores da área de treinamento, desenvolvimento e educação de pessoas (TD&E) passaram a se concentrar, entre diversos aspectos, nas relações entre características da clientela e efetividade de treinamentos. Especialmente no caso da EaD, cujos modelos pedagógicos geralmente conferem maior autonomia e responsabilidade aos treinandos, sobressaem estudos sobre o uso de estratégias de aprendizagem como variáveis explicativas de satisfação, aprendizagem e transferência de treinamento.

O presente artigo segue essa linha de pesquisa, de forma que seu principal objetivo consiste na análise da relação entre o uso de estratégias de aprendizagem e a satisfação com o treinamento. Realizada no Ministério Público do Trabalho, esta pesquisa, de natureza exploratória e baseada em procedimentos técnico-analíticos quantitativos, contemplou uma série de cursos de natureza e complexidade diferenciadas sob responsabilidade da instituição referida. Maiores detalhes acerca do método de pesquisa adotado neste estudo são apresentados em seguida. Anteriormente, faz-se necessária a discussão de importantes objetos relativos ao contexto da avaliação de ações de educação a distância.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Desde o reconhecimento da área de TD&E como campo de estudos científicos, em decorrência da publicação, no Annual Review of Psychology, da primeira revisão dos esforços de pesquisas observados até então (CAMPBELL, 1971), muito se avançou, inclusive nas questões sobre tecnologias de aprendizagem. Instrução baseada no computador e instrução assistida por computador consistem em algumas tecnologias já muito debatidas na literatura científica de TD&E.

Apesar dos esforços constatados, parece que a área de treinamento, em termos de pesquisa, não foi ainda capaz de alcançar a rápida apropriação, pelos métodos e pelas estratégias instrucionais, dos avanços dos meios de comunicação e tecnológicos observados no decorrer das duas últimas décadas. Conforme destacam Salas e Cannon-Bowers (2001) e Aguinis e Kraiger (2009), autores das últimas revisões publicadas no mencionado periódico, é preocupante o fato de que implantações de métodos baseados em complexas tecnologias têm sido efetivadas sem uma fundamentação teórica e empírica consistente. Assim, permanecem abertas inúmeras questões sobre a efetividade de ações instrucionais dessa natureza, inclusive sobre as reais contribuições da educação a distância.

Conforme Olson e Wisher (2002), muitos dos estudos sobre educação a distância carecem de fundamentação teórica capaz de orientar o direcionamento dos esforços de estudiosos e pesquisadores interessados em aprimorar os planejamentos de tais ações educacionais. Consequentemente, inúmeras variáveis têm sido pesquisadas (por exemplo, demográficas, experiência prévia em EaD, desenho do curso, efetividade do instrutor etc.). Entretanto, enquanto não houver um direcionamento mais preciso das investigações sobre a temática, tempo e outros recursos valiosos à produção científica de conhecimentos serão mais incisivamente demandados.

É neste sentido, de contribuir para o avanço do conhecimento na literatura de TD&E, que a presente pesquisa se enquadra em uma linha de pesquisa cujo objetivo é compreender o papel de determinadas características individuais na efetividade de ações de treinamento a distância. Segundo modelos pioneiros de avaliação de efeitos de treinamento (KIRKPATRICK, 1976; HAMBLIN, 1978), a efetividade pode ser mensurada com base em critérios de satisfação com treinamento, aprendizagem, comportamento no trabalho e resultados organizacionais.

Vale destacar que o termo efetividade é aqui usado com base nas teorias contemporâneas de desempenho organizacional (por exemplo, teoria dos múltiplos constituintes ou ecológica), para as quais o conceito abarca um conjunto de critérios avaliativos determinados pelos principais atores envolvidos na situação enfocada. Esta pesquisa, assim, concentrou-se na análise das relações entre satisfação com treinamento, primeiro critério passível de aferição em processos de avaliação da efetividade de ações de TD&E, e características individuais dos participantes.

No que diz respeito às características individuais enfocadas, antes de discuti-las, já que constituem o cerne deste trabalho, é preciso discorrer sobre os motivos, ante a diversidade de variáveis que geralmente podem ser pesquisadas em situações de EaD, que culminaram com sua seleção. Esses motivos advêm justamente dos pressupostos da educação a distância, tratados na literatura científica e profissional de treinamento como vantagens quando contrastada com treinamentos presenciais.

Segundo Peters (2003), ainda que geralmente associados a inúmeras vantagens sobre a educação presencial, os cursos a distância pressupõem novos comportamentos dos alunos, entre os quais se destacam as capacidades de pensar e agir independentemente, fazer escolhas acertadas entre vários planos de estudos de um curso, refletir sobre sua própria aprendizagem e controlar suas próprias atividades de aprendizagem. Tais comportamentos seriam decisivos para a efetividade de situações de EaD à medida que estas são caracterizadas pelo baixo diálogo e pela grande distância transacional (KEARLEY; MOORE, 2005).

Para Salovaara (2005), é evidente que alunos em ambientes de aprendizagem baseados em sofisticadas tecnologias são confrontados com desafios emocionais, motivacionais, cognitivos e colaborativos, que impõem a necessidade premente de controlar e gerir seus próprios esforços ante as tarefas de aprendizagem. Segundo essa autora, é provável que novos contextos de aprendizagem exerçam efeitos consideráveis sobre as estratégias de regulação utilizadas por estudantes, a ponto de novas estratégias, diferentes daquelas observadas em situações mais tradicionais de ensino, emergirem.

Essa suposição de que o uso de novas tecnologias e ambientes podem influenciar na emergência de estratégias de aprendizagem diferenciadas é compartilhada por diversos autores. Entre eles, Bostrom e Lassem (2006), conforme ilustrado na Figura 1, indicam a possibilidade de as plataformas de aprendizagem conduzirem, ou diretamente ou por meio da alteração de estilos de aprendizagem, a determinadas estratégias de aprendizagem. De uma forma ou de outra, a proposta central dos autores reside no fato de que as características dos ambientes virtuais de aprendizagem, onde métodos e procedimentos tradicionais e inovadores de ensino são utilizados alternada ou conjugadamente, conformam as estratégias de aprendizagem utilizadas pelos alunos durante os processos de atenção, aquisição e retenção de conhecimento, entre outros.


Assim, parece oportuno dedicar esforços no sentido de compreender como características dos treinandos afetam a efetividade de ações de educação a distância. Geralmente, pesquisas nessa linha investigativa concentram-se em uma ou mais características, como as de repertório de entrada (por exemplo, experiência prévia com ambientes virtuais de aprendizagem), sociodemográficas, psicossociais (por exemplo, autoeficácia, lócus de controle), motivacionais e cognitivo-comportamentais. Ainda que todas possam ser estudadas em contextos de EaD, por tratar-se de situação na qual se exige capacidade de autogerenciamento, as cognitivo-comportamentais acabam assumindo maior destaque (MENESES et al., 2006).

Segundo Zerbini (2003), as estratégias cognitivas compreendem capacidades complexas adquiridas ao longo da vida, de natureza cognitiva e comportamental, que auxiliam o aprendiz a controlar seu próprio processo de aprendizagem. Nesse mesmo sentido, conforme Boekaerts (1996), a capacidade de autorregulação de um indivíduo depende fundamentalmente do uso combinado de estratégias metacognitivas, cognitivas, motivacionais. Apesar de as teorias de autorregulação disponíveis na literatura debaterem intensamente as tipologias e especificidades das estratégias de aprendizagem, é aceito que o funcionamento da autorregulação envolve três áreas principais: cognitiva, motivacional e comportamental.

Ao passo que as estratégias cognitivas (repetição, organização e elaboração) implicam o controle direto do aprendiz sobre seu sistema de processamento de informação, as de natureza comportamental (busca de ajuda interpessoal, busca de ajuda no material escrito e aplicação prática) e de autorregulação (controle da emoção e da motivação e monitoramento da compreensão) abarcam alternativas de controle de variáveis que podem interferir nesse mesmo processamento de informação, atuando, pois, de forma indireta sobre ele. Dito de outra forma, as estratégias cognitivas são consideradas primárias, pela incidência direta sobre os mecanismos de processamento da informação, e as demais, de suporte, afetivas ou de gerenciamento de recursos.

No que se refere ao entendimento de como essas características influenciam a aprendizagem e o processo de transferência de treinamento, ainda há poucas pesquisas aplicadas às situações de treinamento. Segundo Pilati e Borges-Andrade (2004), o papel exercido pelo treinando no ambiente anterior ao treinamento ainda é pouco explorado na literatura de TD&E, especialmente nas ações instrucionais a distância. Conforme destacam Warr e Allan (1998), os estudos geralmente são direcionados para contextos escolares. Em revisão de literatura conduzida pelos autores, fica evidente que os indivíduos que mais fizeram uso de estratégias de organização, elaboração, busca de ajuda interpessoal, aplicação prática e controle da emoção foram também os que mais aprenderam os conteúdos dos cursos investigados.

Em relação à medida de efetividade de ações de treinamento enfocada no presente estudo, Warr e Bunce (1995) destacam que apenas as estratégias comportamentais se associam com reações ao curso, de forma que quanto mais frequente o uso dessas estratégias, tanto mais satisfeitos os treinandos se mostraram. Fazendo uso de medidas mais específicas de reação, Borges-Ferreira (2005) constatou que os treinandos que mais utilizavam as estratégias de elaboração, aplicação prática, repetição, organização e busca de ajuda no material didático foram os que apresentaram maiores índices de satisfação em relação aos resultados gerados pelo curso e aos procedimentos instrucionais adotados.

Como observado, o estudo de estratégias de aprendizagem parece promissor para a área de TD&E, essencialmente pelas maiores responsabilidades atribuídas aos aprendizes em situações de EaD. Apesar disso, são poucos os estudos que buscam investigar como tais características se associam com medidas de efetividade de ações de treinamento. As pesquisas existentes estão localizadas em outras áreas do conhecimento tipicamente interessadas na aprendizagem. Na literatura de TD&E, pouco se sabe sobre como estratégias de aprendizagem se associam a resultados de aprendizagem ou mesmo a medidas de satisfação com treinamentos organizacionais.

Assim, a presente pesquisa se interessa pelo relacionamento entre estratégias de aprendizagem e satisfação com o treinamento. Trata-se de pesquisa exploratória cuja intenção é descrever padrões de associação entre as duas variáveis informadas, e não provar relações de causalidade. Não se pretende discutir se maiores taxas de satisfação com o curso implicam o uso mais frequente de estratégias de aprendizagem ou vice-versa, ainda que algumas suposições nesse sentido sejam feitas mais ao final do artigo. Antes disso, nas próximas seções, são apresentadas as principais características metodológicas desta pesquisa, bem como os resultados das associações mencionadas.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Nesta seção, são descritas as principais características do método de pesquisa desenvolvido para consecução do objetivo, anteriormente destacado, de investigar as relações entre estratégias de aprendizagem e satisfação com cursos a distância. Assim, serão apresentadas as características da organização, dos cursos e da amostra estudada, bem como dos instrumentos de pesquisa, dos procedimentos de coleta e de análise de dados utilizados.

3.1 A ORGANIZAÇÃO E OS CURSOS ESTUDADOS

A Organização, um dos ramos do Ministério Público, é composta por uma sede em Brasília e por unidades regionais nos Estados e em cidades do interior (municípios). A ideia de realizar a pesquisa surgiu em razão da implantação do Plano de Capacitação de Pessoal da entidade, instituído em 2004.

Atualmente o órgão é composto por uma estrutura formada por uma sede, situada em Brasília, 27 unidades regionais e ainda 100 ofícios (municipais) recentemente criados, abrangendo todo o território nacional. A instituição atua na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis dos trabalhadores, com ampla atuação no campo do Direito do Trabalho. Também atua como árbitro e mediador na solução de conflitos trabalhistas de natureza coletiva, envolvendo trabalhadores e empresas ou as entidades sindicais que os representam. Atualmente, conta com cerca de 1.620 servidores, divididos, em atividades fim e meio, em diversas áreas do conhecimento: jurídica, administrativa, financeira, entre outras. A instituição conta também com cerca de 450 procuradores.

A utilização da modalidade a distância foi planejada como estratégia institucional para contemplar todas as unidades do órgão, durante a implantação do Plano de Capacitação de Pessoal (PCP). Almejando o estabelecimento de um futuro programa de educação corporativa, o órgão incorporou o uso de novas tecnologias da informação e comunicação em suas práticas de ensino e a organização, por meio de contrato realizado com a Universidade de Brasília em dezembro de 2004.

Os cursos avaliados nesta pesquisa estão acessíveis na intranet do órgão e também por meio do portal educacional, que foi instituído em 2005 para acesso às ações de desenvolvimento de pessoas, onde são disponibilizadas informações acerca do Plano de Capacitação de Pessoal e também realizadas as inscrições dos cursos a distância oferecidos pela área de TD&E do órgão. Por meio desse portal, chega-se ao ambiente virtual de aprendizagem - Moodle - customizado pela Universidade de Brasília para promoção de ações educacionais a distância da entidade. Dados mais específicos sobre os cursos analisados podem ser visualizados no Quadro 1.


Todos os cursos foram realizados totalmente a distância, via internet. A divulgação dos eventos foi realizada por meio do portal educacional, acessível ao aluno pela intranet da organização. O primeiro curso de "Atualização de Gramática da Língua Portuguesa" foi iniciado no segundo semestre de 2004. Em seguida, no segundo semestre de 2005, foi iniciado o "2º Curso de Atualização de Gramática da Língua Portuguesa". No início de 2006, realizaram-se os cursos de "Uso Instrumental da Tecnologia da Informação - Open Office" e "Ambientação à Entidade". E entre agosto de 2006 e fevereiro de 2007, foi realizado o "3º Curso de Atualização de Gramática da Língua Portuguesa", nesta edição, oferecido em dois módulos: "Tópicos de gramática" e "Sintaxe e pontuação".

3.2 A POPULAÇÃO E A AMOSTRA ESTUDADA

Na Tabela 1, é apresentada a quantidade de participantes nos cursos estudados, bem como o número de alunos desistentes, concluintes e reprovados em cada evento. Nesta pesquisa, são considerados matriculados os funcionários que tiveram suas matrículas efetivadas no(s) curso(s); concluintes, os alunos que obtiveram certificação; reprovados, os que terminaram o curso com menção inferior à mínima exigida para aprovação no curso ou que não participaram do mínimo de atividades propostas; e desistentes, aqueles matriculados que não realizaram nenhuma atividade do curso.

Para análise do relacionamento entre as medidas de satisfação com os cursos e de estratégias de aprendizagem, foram considerados apenas os 216 participantes que concluíram os treinamentos, quantidade correspondente a aproximadamente 50% do número total de alunos matriculados nos cinco cursos avaliados. Considerada essa população de concluintes, a amostra constituída assumiu caráter censitário, haja vista a participação de todos esses alunos nesta pesquisa.

Em relação ao perfil desta amostra, obtido a partir de consulta a documentos oficiais mantidos pela instituição, pode-se afirmar que a maioria: 1. é do sexo masculino (52%); 2. tem idade entre 31 e 45 anos (68%); 3. possui nível superior completo (63%); 4. ocupa o cargo de analista judiciário (61%); 5. reside na Região Nordeste (23%); 6. possui função comissionada (70%); e 7. acessou mais de 60 vezes o ambiente virtual de aprendizagem (60%).

3.3 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

Para mensurar o nível de satisfação dos participantes com o curso, bem como a frequência do uso de determinadas estratégias de aprendizagem, esta pesquisa valeu-se de alguns questionários desenvolvidos por um grupo de pesquisadores de avaliação de treinamento do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, sob a coordenação da professora Gardênia Abbad.

O questionário de reação aqui utilizado foi composto por itens que visavam avaliar o desempenho da tutoria, os procedimentos instrucionais e a interface gráfica do curso. As duas primeiras dimensões foram originalmente elaboradas e validadas por Zerbini (2003), e a última foi desenvolvida por Carvalho (2003). Utilizou-se também um questionário para medir a frequência de uso de estratégias de aprendizagem pelos participantes do curso, este desenvolvido e validado por Zerbini (2003). Este último instrumento era formado por três dimensões, cada qual representando uma estratégia específica de natureza comportamental, cognitiva ou autorregulatória.

Ainda que os instrumentos tenham sido submetidos à validação estatística pelos autores destacados, optou-se novamente por empregar análises específicas para esse fim. Considerando que tais questionários foram alvos de processos de validação junto a cursos e amostras de participantes muito particulares e, talvez, diferentes dos casos aqui analisados, mais uma vez foram testadas as estruturas fatoriais dos instrumentos. Maiores detalhes sobre os resultados dos instrumentos de pesquisa aqui utilizados, bem como sobre os resultados dos procedimentos de validação estatística, podem ser visualizados no Quadro 2 e após esse elemento gráfico.


Para fins de validação dos instrumentos apresentados, duas análises estatísticas foram utilizadas: a análise dos componentes principais para estimação do número de fatores e a análise fatorial para obtenção dos índices de validade e de confiabilidade das medidas. Em ambas as análises, consideraram-se os seguintes critérios para facilitar a decisão referente à quantidade de fatores a serem extraídos de cada instrumento: 1. índice de fatorabilidade das matrizes de correlação (KMO), 2. porcentagem de variância explicada pelos fatores compostos, 3. distribuição das cargas fatoriais superiores a 0,30 nas dimensões teoricamente orientadas e 4. análise dos índices de consistência interna dos itens (alfa de Cronbach). No caso da revalidação do instrumento "estratégias de aprendizagem", vale ainda mencionar que, nesta última análise, optou-se pelo método de rotação oblíqua (direct oblimin). Os resultados desses processos podem ser visualizados na Tabela 2.

Como observado, os instrumentos de pesquisa alcançaram bons índices de precisão e confiabilidade, de forma que se justificou o uso dos fatores obtidos (n = 6) na testagem dos relacionamentos entre as medidas de reação ao curso (3 fatores) e de estratégias de aprendizagem (3 fatores). Os índices de validação dos instrumentos de reação corroboram, todos eles, a estrutura fatorial proposta inicialmente por Zerbini (2003) e Carvalho (2003) e também por outros pesquisadores que se valeram das escalas (DE PAULA E SILVA, 2004; BORGES-FERREIRA, 2005). Quanto ao questionário de estratégias de aprendizagem, este se dividiu em três escalas, cada qual referente a um tipo específico de estratégia utilizada pelos participantes do curso: elaboração e aplicação prática; busca de ajuda interpessoal; repetição, organização e busca de ajuda no material didático. Esses resultados confirmam tanto as estruturas fatoriais propostas originalmente por Zerbini (2003) como aquela encontrada posteriormente por Borges—Ferreira (2005).

3.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA E DE ANÁLISE DE DADOS

Todos os questionários mencionados na seção anterior foram digitalizados e hospedados em uma página na internet gerida pela própria instituição onde se realizou a pesquisa. Assim, após o encerramento de todas as atividades instrucionais previstas em cada um dos cursos analisados, os participantes tinham acesso aos questionários. Respondidos os itens dos instrumentos de pesquisa, e caso tivessem também cumprido os requisitos de presença e nota, os participantes eram então certificados.

Nos dois primeiros cursos (1º Curso de Atualização em Gramática da Língua Portuguesa e Uso Instrumental da Tecnologia da Informação), vale destacar, a coleta de dados ocorreu por meio do envio dos instrumentos, para os participantes, por e-mail e malote. Como nesse caso as devoluções não atingiram taxas satisfatórias, decidiu-se, a partir do terceiro curso, hospedar os questionários na internet e vincular a participação na pesquisa à certificação no curso a fim de que todos os concluintes participassem do estudo. Os dados sociodemográficos para qualificação do perfil da amostra obtida, como informado, foram coletados a partir da consulta a documentos oficiais mantidos pela organização.

Após coletadas, as respostas de todos os participantes foram transferidas para um arquivo de dados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Em seguida, uma série de análises quantitativas foi realizada: 1. análises estatísticas descritivas de cunho exploratório para avaliar, no arquivo de dados, a distribuição de dados omissos, características das distribuições de frequência das variáveis, identificação de casos extremos e os pressupostos de normalidade, multicolineariedade e singularidade requeridos pela análise fatorial; 2. análise dos componentes principais para estimar o número de fatores e a fatorabilidade da matriz de correlações; 3. análises fatoriais, a fim de definir a estrutura fatorial do instrumento; e 4. análise das correlações bivariadas entre as escalas de reação ao curso (reação ao desempenho da tutoria, reação à interface gráfica e reação aos procedimentos instrucionais) e de estratégias de aprendizagem (elaboração e aplicação prática; busca de ajuda interpessoal; repetição, organização e busca de ajuda no material didático).

Na seção seguinte, os resultados desse último conjunto de análises, que permitiram investigar as relações entre a satisfação com o curso e o uso de estratégias de aprendizagem - objetivo desta pesquisa - são apresentados. As análises descritivas exploratórias não geraram produto final de interesse desta pesquisa; apenas foram utilizadas para preparação do arquivo de dados para as análises futuras. As análises dos componentes principais e fatoriais também só foram aqui empregadas com o intuito de determinar as dimensões de satisfação com o curso e de estratégias de aprendizagem que seriam cruzadas posteriormente. Essas dimensões já foram inclusive descritas neste relato.

4 RESULTADOS E ANÁLISES

Como consta na Tabela 3, os participantes analisados relataram índices razoáveis de satisfação com os cursos realizados. Merece destaque, nesse sentido, a avaliação do quesito interface gráfica (IG: M = 7,28; DP = 2,29; CV = 31%), cujos resultados foram mais positivos do que os demais aspectos - procedimentos e resultados (PR: M = 6,72; DP = 1,99; CV = 30%) e tutor (TT: M = 5,87; DP = 3,05; CV = 52%). No caso das estratégias, pode-se perceber claramente que a de elaboração e aplicação prática (EAP: M = 7,76; DP = 2,82; CV = 36%) é a mais utilizada pelos respondentes, ao passo que as demais, busca de ajuda interpessoal (BAI: M = 3,72; DP = 2,89; 78%) e organização e busca de ajuda no material (Robam: M = 4,85; DP = 3,06; 63%), foram muito pouco empregadas pelos participantes dos cursos.

Merece ressalva o fato de que os desvios padrão alcançaram índices considerados altos, o que sugere grande variabilidade nas avaliações dos participantes quanto aos aspectos do curso e em relação ao próprio uso das estratégias de aprendizagem aqui pesquisadas. Com exceção dos dois primeiros fatores, os coeficientes de variação calculados reforçam o indício de alta dispersão das respostas dos participantes aos itens que constituíram as escalas de avaliação da tutoria, das estratégias de aprendizagem, de busca de ajuda interpessoal e de organização e busca de ajuda no material.

No caso da alta dispersão das respostas em relação à tutoria, esta pode ser explicada em função das próprias estruturas dos cursos analisados, cada qual com suas possibilidades de afetar os desempenhos dos funcionários da organização e de seu próprio grupo de tutoria. Em outras palavras, cada curso avaliado é constituído por um conjunto de tutores a distância que, em razão de formação e experiências diversificadas, atuam diferenciadamente, tanto do ponto de vista técnico (tratamento dos conteúdos programados) quanto comportamental (apoio humano dispensado aos alunos) junto às suas turmas.

Em relação às estratégias de aprendizagem, o fato de a elaboração e a aplicação prática terem sido mais frequentemente utilizadas (por exemplo, leitura de materiais didáticos e realização e revisão de exercícios) permite inferir que os participantes buscaram fazer uso de repertório gerado em outras situações de ensino mais tradicionais. Talvez por esse motivo, aliado à restrição das interações tipicamente associadas a ambientes virtuais de aprendizagem, os alunos não tenham recorrido regularmente aos colegas de curso e aos tutores para solucionar eventuais dúvidas em relação aos conteúdos. Por fim, a variação no uso de estratégias de organização (por exemplo, resumir e esquematizar os conteúdos do curso) e busca de ajuda no material (por exemplo, consultar outras fontes de pesquisa e realizar exercícios adicionais) indica que talvez alguns dos participantes não tenham tido a oportunidade de reservar tempo exclusivo para o curso.

Discutidas as médias e os desvios padrão dos fatores obtidos, importantes para a compreensão da análise dos relacionamentos entre as variáveis de interesse desta pesquisa, são apresentados, na Tabela 4, os índices de correlação obtidos entre tais fatores. Como pode ser visualizado, todas as correlações foram significativas (p < 0,001), exceto entre o uso das estratégias de elaboração e aplicação do aprendido e de busca de ajuda interpessoal. Maiores discussões sobre os dados expostos no elemento gráfico mencionado são realizadas em seguida.

Para facilitar a apresentação e a discussão dos resultados informados na Tabela 4, que constituem o cerne deste artigo, deste ponto em diante o texto aborda dois pontos principais de discussão: as relações entre os fatores de cada variável pesquisada e as relações entre as diversas medidas de estratégias de aprendizagem e de satisfação.

Como notado, algumas estratégias de aprendizagem utilizadas pelos aprendizes apresentaram significativas correlações entre si. Alunos que relataram utilizar com maior frequência estratégias de elaboração e aplicação (EAP) prática também relataram fazer uso mais recorrente da estratégia de repetição, organização e busca de ajuda no material do curso (Robam). A correlação neste caso alcançou o elevado índice de 0,617 (p < 0,01). Alunos que mais usaram esta última estratégia (Robam) também procuraram com maior frequência ajuda interpessoal (BAI). Entretanto, a intensidade da correlação pode ser considerada relativamente pequena (r = 0,267, com p < 0,001).

Ainda que os questionários tenham sido submetidos a processos de validação estatística - é importante lembrar que as estruturas fatoriais confirmaram aquelas obtidas por seus propositores -, a alta correlação obtida entre os fatores EAP e Robam (r = 0,617, com p < 0,01) pode indicar sobreposições conceituais entre as medidas de cada dimensão. De fato, quando se analisam os itens integrantes de cada um desses fatores e mesmo os nomes atribuídos a estes, é possível notar que, em ambos os casos, transparecem estratégias de aprendizagem de natureza cognitiva (elaboração, repetição e organização) e comportamental (aplicação prática e busca de ajuda no material didático).

Tal fato - vale mencionar que os resultados estatísticos da validação corroboraram a estrutura obtida por Zerbini (2003) - exige a realização de estudos posteriores que atestem a real aproximação, teórica e empírica, entre essas estratégias de aprendizagem. Colocado de outra forma, é importante que estudos subsequentes preocupem-se em reunir indícios que permitam testar a taxonomia de estratégias de aprendizagem proposta por Warr e Allan (1998), uma das bases utilizadas pelos proponentes das escalas empregadas neste estudo. Para esses autores, repetição, elaboração e organização pertencem à categoria das estratégias cognitivas, ao passo que busca de ajuda no material didático e aplicação prática são estratégias comportamentais.

Nesta pesquisa, a diferenciação entre os dois fatores pode ter sido estabelecida unicamente em função dos padrões associativos de uso das estratégias informadas pelos alunos, visto que as cargas fatoriais em um fator eram positivas e negativas em outro. É importante lembrar que os resultados estatísticos são, sim, importantes, mas não podem se sobrepor aos vieses teórico-conceituais que constituem as bases das medidas quantitativamente analisadas. Mais uma vez destaca-se a necessidade de testagem definitiva das associações entre os fatores em questão e, consequentemente, da taxonomia informada.

No que diz respeito ao relacionamento entre as medidas de satisfação com o curso, pode-se notar que os participantes que relataram estar satisfeitos com a interface gráfica do ambiente virtual de aprendizagem também se satisfizeram com os resultados e os procedimentos empregados no curso (r = 0,533, com p < 0,001) e com o desempenho da tutoria (r = 0,388, com p < 0,001). A correlação maior entre satisfação com a interface gráfica e os procedimentos e resultados pode ser explicada em função de as possibilidades de interface gráfica de um ambiente virtual de aprendizagem, em grande parte, determinarem a seleção ou o desenvolvimento de determinados tipos de procedimentos instrucionais.

Ambientes onde certos critérios ergonômicos tendem a ser negligenciados podem restringir não somente a interface entre usuários de sistemas computadorizados de aprendizagem, mas também o rendimento dos próprios usuários. Silvino (2004), por exemplo, em um estudo sobre a qualidade ergonômica em um banco nacional, constatou que a disposição das informações na tela e a criação de ícones mais compreensíveis melhoravam significativamente o desempenho dos usuários, principalmente daqueles com pouca experiência em sistemas computadorizados e com a internet, em tarefas específicas.

Apesar da relevância da associação anteriormente discutida, é preciso também observar a relação intensa e significativa entre satisfação com os procedimentos e os resultados do curso e o desempenho da tutoria (r = 0,649, com p < 0,001). Ainda que teoricamente tratem de objetos diferenciados, a alta correlação obtida pode ter sido gerada em função de o papel da tutoria, no imaginário do respondente, associar-se ao papel do planejador da ação educacional. Alguns itens de ambos os instrumentos, como exemplificado em seguida, parecem sobrepor-se: "participa ativamente das discussões dos alunos"; "direciona as discussões nos chats e fóruns, evitando conversas que fujam do tema"; e "atendimento nos chats". No caso, apenas o último refere-se a procedimentos; os dois primeiros dizem respeito ao desempenho do tutor, responsável, nos cursos a distância, por procedimentos instrucionais nem sempre por ele planejados.

Por fim, mas talvez mais importante ainda ante os escassos resultados de pesquisa sobre características individuais e efetividade de ações de treinamento a distância, merecem atenção as relações entre as medidas de estratégias de aprendizagem e de satisfação com o curso. Como se nota na Tabela 4, os participantes que relataram usar com maior frequência as estratégias de aprendizagem de elaboração e aplicação prática também relataram maiores índices de satisfação com a interface gráfica (r = 0,550, p < 0,001), a tutoria (r = 0,409, p < 0,001) e os procedimentos e resultados do curso (r = 0,503, p < 0,001). De certa forma, esses dados corroboram os poucos resultados obtidos em outras pesquisas, como a realizada por Zerbini e Abbad (2005), que localizaram correlação significativa entre a referida estratégia e reação à tutoria (r = 0,20, p < 0,001).

Ainda que estatisticamente as relações sejam pertinentes, é preciso ser capaz de explicá-las teórica ou hipoteticamente. Na falta de sistematicidade das pesquisas científicas sobre treinamentos a distância, opta-se pela segunda linha de raciocínio. Considerando que a estratégia de elaboração exige o uso da reflexão sobre as implicações e as conexões entre os materiais didáticos e a de aplicação prática, nada mais do que a transferência do aprendido para situações reais, é possível compreender o motivo das correlações entre essas estratégias e as medidas de satisfação com o curso.

Espera-se que quanto mais bem planejadas e estruturadas as ações educacionais, tanto mais será facilitado o uso de estratégias de elaboração e aplicação. Segundo Abbad, Borges-Andrade e Mourão (2006), é na etapa de planejamento de ações educacionais que se definem os objetivos educacionais, a ordem de tratamento desses mesmos objetivos, os métodos e os procedimentos de ensino—aprendizagem, os critérios de avaliação etc. No caso de ações na modalidade a distância, esse planejamento, como discutido anteriormente, tanto depende das possibilidades de interação permitidas pelos ambientes virtuais de aprendizagem como conforma a estratégia dos tutores.

De outra forma, é de esperar que quanto mais bem organizada a ação de treinamento, tanto do ponto de vista instrucional como operacional, mais os aprendizes conseguirão refletir sobre os diversos materiais disponibilizados e aplicá-los em situações práticas. Esse encadeamento conduz a discussão, nesse ponto exato, a outro aspecto das teorias de autorregulação da aprendizagem. Em seguida, serão retomadas as relações entre as demais estratégias de aprendizagem e reações ao curso.

Warr e Allan (1998) propuseram uma tipologia de estratégias de aprendizagem que, conforme apresentado neste artigo, divide-as em três: cognitivas (repetição, organização e elaboração), comportamentais (busca de ajuda interpessoal, busca de ajuda no material escrito e aplicação prática) e autorregulatórias (controle da emoção, controle da motivação e monitoramento da compreensão). Se considerada a analogia do sistema de processamento humano de informação, nota-se que a transferência de determinados conhecimentos para situações práticas é condicionada ao armazenamento dos conhecimentos pertinentes na memória de curto e de longo prazos.

Desconsiderada a analogia, tem-se, então, que a aplicação prática depende do uso de estratégias de aprendizagem que favorecem a aquisição e a retenção de informações, como a reflexão sobre os conteúdos. Aceita a lógica do raciocínio explicitado, pode-se especular por que, na etapa de validação dos instrumentos de pesquisa aqui utilizados, as estratégias de elaboração e aplicação prática, teoricamente associadas a dimensões distintas, encaixaram-se em um mesmo fator empírico. Os autores citados caracterizam como taxonomia a tipologia apresentada, de forma que o uso de uma estratégia dependeria da antecedente para gerar resultados bem-sucedidos. Ante a organização empírica dos dados desta pesquisa, mais estudos sobre a validade da proposta dos autores tornam-se pertinentes.

De volta à discussão sobre as relações entre estratégias de aprendizagem e satisfação com o curso, é preciso notar, por fim, as associações entre as estratégias de repetição, organização e busca de ajuda no material didático e reações à interface gráfica (r = 0,395, p < 0,001), à tutoria (r = 0,455, p < 0,001) e aos procedimentos e resultados do curso (r = 0,433, p < 0,001). Mais uma vez, é razoável supor que quanto mais bem organizadas, didática e administrativamente, as ações de treinamento, mais os alunos serão capazes de repetir mentalmente as informações na forma em que foram apresentadas (repetição), de identificar as ideias centrais nos materiais e criar esquemas mentais que agrupem tais ideias (organização) e de buscar apoio no material didático.

Discutidos os principais resultados emergidos nesta pesquisa, em seguida é apresentada uma síntese dos pontos que merecem a atenção de futuras pesquisas, bem como as contribuições deste estudo para o campo profissional e científico de TD&E e as limitações inerentes à pesquisa ora relatada.

5 CONCLUSÕES

Ante a ausência de pesquisas na área de treinamento sobre a efetividade de ações a distância, importantes resultados foram nesta pesquisa encontrados: 1. as associações entre as estratégias de aprendizagem cognitivas e comportamentais não refletiram precisamente as prescrições teóricas e, portanto, merecem atenção; 2. as associações entre algumas medidas de reação precisam ser mais bem pesquisadas no contexto da educação a distância, visto que a alta correlação entre procedimentos e tutoria vai de encontro a resultados obtidos em situações presenciais de ensino; e 3. quanto mais bem estruturada a ação educacional, do ponto de vista instrucional e também operacional, mais os indivíduos têm condições de fazer uso de estratégias cognitivas e comportamentais de aprendizagem.

Sobre o primeiro ponto, pesquisas futuras devem se concentrar nas relações de associação e de casualidade entre estratégias de aprendizagem. Warr e Allan (1998) propuseram três categorias de estratégias: cognitivas, comportamentais e autorregulatórias. Já Bostrom e Lassem (2006) sugerem que a autorregulação não constitui, de fato, estratégia de aprendizagem, mas, sim, capacidade metacognitiva dependente do domínio de estratégias cognitivas e comportamentais. Considerando que esta pesquisa não procurou testar relações de cumulatividade entre as estratégias autorregulatórias e as cognitivas e comportamentais, bem como os fatores empíricos emergidos do processo de validação empregado nesta pesquisa, sugere-se que ações futuras investiguem mais minuciosamente as relações entre estratégias de aprendizagem e capacidades metacognitivas.

Sobre os resultados da validação estatística do instrumento de reação, outras pesquisas deverão levar em consideração a possibilidade de os itens referentes ao desempenho da tutoria e aos procedimentos instrucionais e resultados constituírem uma única dimensão de avaliação. Do ponto de vista teórico, como sugere o Modelo de Avaliação Integrado e Somativo proposto em 1982 por Borges-Andrade (2006), avaliações do desempenho didático concernem ao componente procedimento à medida que é o professor ou instrutor quem implanta os eventos instrucionais necessários ao favorecimento da aprendizagem.

De outro modo, enquanto as medidas de procedimento associam-se à programação da instrução (por exemplo, definição e sequenciação dos objetivos educacionais, seleção de métodos e estratégias de treinamento, definição de critérios de aprendizagem etc.), aquelas de desempenho didático vinculam-se à execução, por parte de professores, tutores ou mesmo sistemas computadorizados inteligentes, de tais procedimentos. Daí a relação estatística entre ambos os fatores. Recomendam-se, portanto, novos processos estatísticos de validação que reúnam, na mesma matriz de correlações, indicadores de ambas as dimensões empíricas aqui emergidas.

Quanto às relações entre estratégias de aprendizagem e satisfação com o treinamento, apenas foram testadas, conforme objetivo destacado no início do artigo, as associações entre ambas as medidas. Nesse caso, estratégias de elaboração, aplicação prática, repetição e organização associaram-se positiva e significativamente com reação à tutoria, à interface gráfica e aos procedimentos e resultados. Segundo especulações apresentadas anteriormente, é provável que cursos bem programados, que disponham de tutores que estimulem a participação dos alunos e que sejam reconhecidos como importantes ante metas de desempenho no trabalho, elevem as chances de que estratégias direcionadas para o armazenamento e a recuperação de informações sejam mais utilizadas. De qualquer forma, somente pesquisas futuras poderão afirmar se tais relações de predição de fato são pertinentes.

Apesar de satisfeito o objetivo desta pesquisa, a generalidade dos resultados comentados anteriormente encontra-se limitada por causa das características da amostra estudada, composta por servidores públicos com alto grau de escolaridade. Assim, recomenda-se cautela na extrapolação do cenário desta pesquisa até que outros estudos, realizados com amostras mais amplas e diversificadas de cursos e de participantes, obtenham índices satisfatórios de validade externa. De qualquer forma, espera-se que esta pesquisa tenha contribuído para o avanço de uma subárea da avaliação de ações de TD&E ainda pouco aprofundada se comparada ao ritmo da produção sobre a modalidade presencial de treinamentos.

Submissão: 2 dez. 2008.

Aceitação: 11 jan. 2010.

Sistema de avaliação: às cegas tripla.

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  • Avaliação de treinamentos a distância: relações entre estratégias de aprendizagem e satisfação com o treinamento

    Distance training evaluation: relationships between learning strategies and training satisfaction
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Recebido
      02 Dez 2008
    • Aceito
      11 Jan 2010
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