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Aneurisma de artéria femoral superficial roto: relato de caso e revisão de literatura

Resumos

O aneurisma de artéria femoral superficial é um evento raro que costuma manifestar-se em pacientes com idade avançada, frequentemente associado a outros aneurismas, periféricos ou de aorta abdominal. O caso relatado refere-se a um paciente cujo aneurisma de artéria femoral superficial se apresentou roto e associado a um aneurisma de aorta abdominal. Foi submetido à revascularização cirúrgica fêmoro-poplítea mediante prótese de politetrafluoretileno, com sucesso. A revisão da literatura demonstra que embora haja uma tendência à manifestação aguda da doença, principalmente como ruptura, os resultados com o tratamento cirúrgico são excelentes.

Artéria femoral superficial; aneurisma roto; ruptura


Superficial femoral artery aneurysm is rare and usually occurs in elderly patients, often associated with peripheral or abdominal aortic aneurysms. In the reported case, the patient presented with a ruptured superficial femoral artery aneurysm associated with an abdominal aortic aneurysm. A successful femoropopliteal bypass was performed using a polytetrafluorethylene graft. Literature review shows that, despite the tendency for acute onset of the aneurysm, primarily with a rupture, surgical results are excellent.

Superficial femoral artery; ruptured aneurysm; rupture


RELATO DE CASO

Aneurisma de artéria femoral superficial roto: relato de caso e revisão de literatura

Ruptured superficial femoral artery aneurysm: case report and literature review

Alexandre Faraco de OliveiraI; Horácio de Oliveira FilhoII

ICirurgião vascular. Ultrassonografista vascular. Professor, Curso de Medicina, Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC), Lages, SC

IICirurgião vascular. Especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular, SBACV

Correspondência Correspondência: Alexandre Faraco de Oliveira Rua Vidal Ramos Júnior, 164, Centro CEP 88502-120 — Lages, SC Tel.: (49) 3224.3872 E-mail: afaraco@gmail.com

RESUMO

O aneurisma de artéria femoral superficial é um evento raro que costuma manifestar-se em pacientes com idade avançada, frequentemente associado a outros aneurismas, periféricos ou de aorta abdominal. O caso relatado refere-se a um paciente cujo aneurisma de artéria femoral superficial se apresentou roto e associado a um aneurisma de aorta abdominal. Foi submetido à revascularização cirúrgica fêmoro-poplítea mediante prótese de politetrafluoretileno, com sucesso. A revisão da literatura demonstra que embora haja uma tendência à manifestação aguda da doença, principalmente como ruptura, os resultados com o tratamento cirúrgico são excelentes.

Palavras-chave: Artéria femoral superficial, aneurisma roto, ruptura.

ABSTRACT

Superficial femoral artery aneurysm is rare and usually occurs in elderly patients, often associated with peripheral or abdominal aortic aneurysms. In the reported case, the patient presented with a ruptured superficial femoral artery aneurysm associated with an abdominal aortic aneurysm. A successful femoropopliteal bypass was performed using a polytetrafluorethylene graft. Literature review shows that, despite the tendency for acute onset of the aneurysm, primarily with a rupture, surgical results are excellent.

Keywords: Superficial femoral artery, ruptured aneurysm, rupture.

Introdução

O aneurisma da artéria femoral superficial é uma condição rara. Como lesão isolada, já foi descrito como responsável por apenas 0,5% dos aneurismas periféricos; menos frequente ainda tende a ser sua apresentação aguda, seja devido à ruptura local ou à trombose do aneurisma1-3.

Neste trabalho, relatamos um caso de ruptura de aneurisma da artéria femoral superficial isolado seguido da correção cirúrgica convencional e descrevemos a revisão bibliográfica.

Relato do caso

Paciente de sexo masculino, 87 anos, trabalhador rural, tabagista. Foi recebido em consultório médico referindo dor e aumento de volume na coxa direita com evolução de 48 horas.

Antecedentes: o paciente referia esta como sua primeira consulta médica e negava qualquer queixa prévia relacionada aos membros inferiores, edema ou claudicação. Negava histórico de hipertensão arterial e diabetes melitus. Ao exame físico, apresentava-se descorado, taquicárdico (110 bpm) e hipotenso (100 x 60 mmHg). Membros inferiores: à esquerda, sem qualquer alteração aparente, com todos os pulsos palpáveis e de amplitude reduzida nas pernas; à direita, equimose em raiz de coxa estendendo-se para o escroto, abaulamento a partir do ligamento inguinal até o terço distal da coxa, pulsátil, com frêmito em face anterior, terço médio, pulso femoral presente e demais ausentes.

Foi realizado eco-Doppler colorido arterial em membro inferior direito que revelou volumoso aneurisma de artéria femoral superficial em terço médio (Figura 1), medindo no maior diâmetro transverso 3,45 cm, com fluxo turbulento e hipocinético em seu interior e ruptura em face medial (Figura 2). Exames laboratoriais revelaram acentuada anemia (Hb: 6,7; Ht: 20,4).



Submetido o paciente a cirurgia imediatamente, constatou-se volumoso aneurisma de artéria femoral superficial isolado roto com grande quantidade de sangue junto aos tecidos musculares e subcutâneos, principalmente em face medial (Figura 3). Foi realizado o reparo através de revascularização fêmoro-poplítea com a utilização de prótese (politetrafluoretileno 8 mm), anastomose término-terminal tanto proximal quanto distal e ressecção parcial do saco aneurismático (Figura 4). A veia autóloga safena magna não foi utilizada por apresentar-se afilada e fibrosada.



No controle 30 dias após a cirurgia, o paciente não relatou qualquer queixa e deambulava sem restrições. Realizado dúplex arterial, revelou perviedade da prótese sem outros aneurismas nos membros inferiores. O paciente apresentava aneurisma da aorta abdominal suprarrenal medindo 5,76 cm no maior diâmetro. O exame do material recolhido da parede aneurismática não apresentou crescimento bacteriano, nem alterações na estrutura da artéria que sugerissem doenças outras que não a arteriosclerose.

Discussão

Através da pesquisa em banco de dados via internet, pudemos constatar a raridade da doença em face do número reduzido de casos relatados, e poucas séries.

O primeiro caso relatado de ruptura de aneurisma de artéria femoral superficial data de 1975 e já refere esta situação como rara e frequentemente associada com outros aneurismas. Assinala-se que o tratamento com revascularização fêmoro-poplítea, preferencialmente com veia autóloga, apresenta bons resultados nestes casos3.

Em 1981, Kremen et al.4 publica uma série de sete aneurismas em seis pacientes e revisa a literatura existente. Conclui que a doença acomete pacientes com idade e aterosclerose avançadas e tende a se apresentar com efeito de massa local e ruptura. Nesta série, relata outros aneurismas periféricos em 50% dos pacientes e aneurisma de aorta abdominal em 33%. Os autores consideraram a exclusão do aneurisma associada à revascularização fêmoro-poplítea com veia autóloga o tratamento adequado. Concluem com a indicação de reparo cirúrgico a fim de evitar a tendência à ruptura e eventual embolia4. Diversos autores em relatos de casos isolados corroboraram as conclusões da série anterior, tanto no que se refere à apresentação da doença quanto ao tratamento cirúrgico5-9.

Em 1992, Rigdon & Monajjem10 relata dois casos com apresentações e evoluções diversas: uma ruptura seguida de revascularização e salvamento do membro e uma trombose seguida da perda do membro mesmo com o tratamento cirúrgico. Em sua revisão de 17 casos em 14 pacientes, o autor refere que em 65% dos casos o aneurisma se manifestou de forma aguda (ruptura, 35%, trombose, 18% e embolização distal, 12%). Não houve mortalidade perioperatória, e o salvamento do membro ocorreu em 94% dos casos. O aneurisma de aorta abdominal estava presente em 40%. O autor ressalta a importância da investigação para determinar possíveis etiologias da doença — infecciosa (sífilis, etc.), inflamatória, imunológicas, colagenoses — antes de considerá-la aterosclerótica10.

Embora o tratamento convencional com a revascularização fêmoro-poplítea, preferencialmente com veia autóloga, tenha apresentado excelentes resultados, outras técnicas podem ser utilizadas. Dighe & Thomas11 relatam um caso de aneurisma roto de artéria femoral superficial em um paciente com arteriopatia conhecida já submetido a tratamento cirúrgico de outros aneurismas, cuja parede da artéria poplítea se apresentava doente, sem condições de receber um enxerto; foi realizada a ligadura proximal e observada perfusão distal adequada via circulação colateral. O paciente foi tratado com a simples ligadura, sem que houvesse uma revascularização posterior, e evoluiu com o salvamento do membro11.

Nos últimos anos, a difusão dos métodos endovasculares tem permitido o tratamento para pacientes com risco cirúrgico elevado, com menor morbimortalidade. Isto pode beneficiar substancialmente os pacientes que se encontram na sétima e oitava décadas de vida. O uso de stents recobertos para tratamento de aneurisma de artéria femoral superficial já foi realizado com sucesso, ainda que a patência destes enxertos a longo prazo não esteja definida12. Relatos recentes utilizam stent recoberto para reparar rupturas espontâneas de artéria femoral superficial (sem doença aneurismática), mas a fasciotomia descompressiva pode ser necessária devido ao edema compartimental13,14.

O pequeno número de casos dificulta qualquer conclusão a respeito da doença; entretanto, tem se questionado a real etiologia aterosclerótica dos aneurismas de femoral superficial devido a sua associação com outros aneurismas. Também a real incidência da doença pode estar mascarada, pois a angiografia tende a não revelar o aneurisma caso este se apresente ocluído9,15. As revisões sobre o tema sugerem que o aneurisma de artéria femoral superficial tende a se comportar mais como um aneurisma aórtico (ruptura) do que como um aneurisma poplíteo (trombose)4,15,16. Com a maior longevidade da população e a utilização do exame de dúplex arterial de membros inferiores sendo utilizado de forma mais abrangente, é provável que tenhamos mais oportunidades de tratar pacientes com aneurisma de artéria femoral superficial e que estas e outras dúvidas sejam respondidas. Embora os resultados do tratamento cirúrgico sejam satisfatórios (Tabela 1), o advento de técnicas endovasculares, talvez contribua para reduzir a morbidade existente.

Artigo submetido em 27.10.08, aceito em 12.06.09.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

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  • Correspondência:

    Alexandre Faraco de Oliveira
    Rua Vidal Ramos Júnior, 164, Centro
    CEP 88502-120 — Lages, SC
    Tel.: (49) 3224.3872
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      12 Jun 2009
    • Recebido
      27 Out 2008
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