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A importância da obra de C. Rogers

A importância da obra de C. Rogers

Carl Ramson Rogers nasceu em janeiro de 1902, num subúrbio de Chicago, nos Estados Unidos. Começou a dedicar-se à Psicologia em 1928, trabalhando inicialmente com crianças e adolescentes carentes, em Rochester. Em 1939, publicou seu primeiro livro, "O tratamento clínico da criança-problema", no qual reflete sobre seu trabalho desenvolvido em Rochester. Em 1940, tornou-se professor na Universidade Estadual de Ohio e, neste período, utilizou, na formação de seus alunos, entrevistas gravadas de sessões psicoterápicas que foram depois analisadas e supervisionadas. Entre 1944 e 57, ensinou Psicologia em Chigago e fundou um Centro de Aconselhamento na Universidade de Chicago. Neste período, publicou "Terapia centrada no cliente", que marcou as repercussões de suas obras para além dos Estados Unidos. Entre 1957 e 63, lecionou na Universidade de Wisconsin e fez pesquisas com indivíduos normais e psicóticos, das quais resultou a obra "Relacionamento e suas empatias: um estudo de psicoterapia com esquizofrênicos". Também nesta época, publicou outra obra muito conhecida, "Tornar-se pessoa". Em 1964, resolveu abandonar o trabalho e o ambiente universitários, mudando-se para La Jolla, na Califórnia. No início dos anos 70, surgiu "Grupos de encontro". No final desta mesma década, escreveu "Sobre o poder pessoal" em que discute família e casamento. Na área educacional, publicou duas obras: "Liberdade para aprender" e "Liberdade para aprender na nossa época". A seguir, transcrevemos um texto de Oswaldo de Barros Santos, ex-professor de Psicologia na USP e ex-Conselheiro do CFP.

Faleceu em 5 de fevereiro de 1987, em La Jolla, nos Estados Unidos, o maior psicólogo e psicoterapeuta que o mundo conheceu na era pós-freudiana. Sua experiência, sua doutrina e suas "técnicas" expressas em seu famoso livro, Counseling and psychotherapy. Newer concepts in practice, publicado pela H. Mifflin Company, em 1942, causaram uma das mais notáveis revoluções no campo da psicoterapia e da orientação educacional, desde a época de Freud e das diversas versões da Psicanálise.

Suas idéias básicas e originais deram origem, como ocorre com todas as novas contribuições, a uma ponderável polêmica sobre o conteúdo e a direção das técnicas de terapia psicológica. Embora, como diz o próprio Rogers, seus conceitos tenham sido, em parte, influenciados pelo pensamento psicanalítico, sua posição como ser humano e como terapeuta é diametralmente oposta à dos analistas ortodoxos. Enquanto estes abrem à exploração psíquica os mais profundos sentimentos do cliente com relação à vida, à morte, ao sexo e a outros impulsos naturais ou culturalmente desenvolvidos, e enfatizam, no cliente, sua luta, seus temores e suas tendências sociais ou anti-sociais, construtivas ou destrutivas, principalmente estas últimas, a terapia rogeriana procura "facilitar" ao indivíduo a sua própria interpretação do "aqui e agora". Os bloqueios, as resistências, os impulsos e a forma de sentir e de vivenciar os fatos da vida são discutidos no plano da realidade objetiva, muito no plano cognitivo, nos simbolismos comuns e na linguagem do dia-a-dia, sem qualquer interpretação que, muitas vezes, mais depende da imaginação e da criatividade dos analistas do que de uma realidade psíquica.

A terapia rogeriana, inicialmente chamada "não diretiva" e, atualmente, "centrada na pessoa", é aberta a qualquer teoria ou conjunto de técnicas. Diz Rogers que as mudanças benéficas para a personalidade ocorrem não em virtude de teorias ou técnicas mas, sobretudo, em função de atitudes do terapeuta, ou seja, da relação humana que se estabelece entre as pessoas, seja no consultório psicológico, seja na sala de aula, no complexo organizacional das empresas ou mesmo entre os grandes grupos dos povos e nações. Para que essas mudanças ocorram, três atitudes são fundamentais segundo suas observações e gravação de entrevistas terapêuticas que, durante longos anos, realizou nos Estados Unidos, com inúmeros discípulos e colaboradores. Primeiramente, diz Rogers, deve haver um atitude de congruência e autenticidade por parte do terapeuta. É uma relação genuína e sem fachada para com o cliente ou com seus alunos. O terapeuta é o que é, plenamente aberto aos sentimentos que "naqueles momentos fluem nele próprio". Não operam sob máscaras ou fachadas, não dizem coisas que não sentem; são reais, não escondem seus sentimentos pessoais, embora não sejam obrigados a expressá-los. O cliente, assim, confia na pessoa que o atende e que se dispôs a ajudá-lo. A segunda condição ou atitude é a consideração positiva incondicional do terapeuta para com o cliente. O psicólogo aceita o cliente tal como ele é e sente vontade de ajudá-lo. Vivência calor humano real (e não falso, o que contrariaria a primeira condição). O psicólogo vê a pessoa no seu contexto real, compreende seus problemas e o porquê de seus temores, sofrimentos e defesas. Preza o cliente de um modo tal que não aprova nem reprova suas reações. É o sentimento positivo, sem reservas e sem julgamento. A terceira condição é ter o terapeuta senso do mundo interno e das significações pessoais do cliente como se fosse, ele próprio, seu próprio mundo, mas sem perder esse "se". Isso significa que cada um compreende o outro, mas cada um conserva o seu Eu, o seu plano pessoal de referências. A individualidade, a personalidade e a expressão pessoal do Ego são sempre enormemente respeitadas. Este tipo de atitude, chamada compreensão empática do cliente, ou, simplesmente, empatia, é muito raro. É freqüente, em nossos relacionamentos, julgar as pessoas pelos nossos padrões, embora digamos o contrário. Quando o cliente sente que alguém entende seus sentimentos e suas ações, sem desejar analisá-los ou julgá-los, pode florir e crescer nesse clima.

Todas as técnicas psicoterápicas, quaisquer que sejam suas denominações ou seus pressupostos teóricos, podem ser efetivas na medida em que ocorram as condições acima citadas e os clientes as percebam. Daí o fato de que muitas abordagens diversas entre si, mesmo as que usam trabalho corporal, processos comportamentais de condicionamento ou qualquer outro procedimento, podem ser úteis. O ingrediente terapêutico básico concentra-se no tipo de relação cliente-terapeuta, nas atitudes que o psicólogo realmente vivencia e demonstra no seu contato com as pessoas perturbadas por problemas psicológicos.

A prática da terapia rogeriana, nas clínicas e consultórios particulares, no ambiente institucional ou no dia-a-dia das relações humanas, não é tão fácil como pode parecer. Muitos mal informados pensam ser a terapia centrada na pessoa uma espécie de laissez-faire, em que o psicólogo nada faz, apenas ouve, como ocorre em certas formas tradicionais de terapia. Na orientação rogeriana acontece justamente o oposto: o cliente "conversa" com o terapeuta e cabe a este, a todo momento, a todo instante, estar atento a tudo que o cliente diz, juntando fatos que ao cliente parecem isolados, mas que podem formar uma cadeia de sentimentos ou de comportamentos expressos ou reprimidos. As interpretações que porventura ocorram são colocadas como hipóteses e ambos, cliente e terapeuta, exploram suas hipóteses abrindo-se, assim, um caminho leal e rico de possibilidades que leva a pessoa a conhecer-se melhor e a entender seu comportamento sem que ninguém, como juiz, interprete por ele. Leva-se o cliente à reflexão e não se procura categorizar ou rotular seus sentimentos.

As sessões terapêuticas no estilo de Rogers não são tão freqüentes como na análise ortodoxa. Ocorrem, em geral, uma vez por semana, às vezes e raramente, duas vezes por semana, com um tempo médio de 50 a 60 minutos por sessão. Tal procedimento, aliado às atitudes do terapeuta, torna muito menos freqüentes as situações transferenciais (amor e ódio entre cliente e terapeuta) e a temível dependência terapêutica que leva muitas pessoas à necessidade de convivência com seu terapeuta por 15,20 anos, sem que, com isso, haja uma proporcional melhora no seu estilo de vida. Ao contrário, às vezes torna-se um robô que nada faz sem o comando (embora velado) do terapeuta.

As atitudes de congruência, autenticidade, calor humano, aceitação positiva incondicional e empatia são, atualmente, embora com denominações diversas, comuns em todas as terapias. São enfatizadas nos procedimentos chamados existencialistas, fenomenológicos e neo-analíticos, mas estão presentes, como dissemos, em todas as abordagens da atualidade e refletem, de um modo geral, o clima de libertação do indivíduo, da redução de pressões sobre ele, do respeito à condição humana, que passaram a ter mais significação a partir da Segunda Guerra Mundial.

Depois de seu livro "Counseling and psychotherapy", que abriu, em 1942, novas avenidas para a assistência psicológica e educacional, novos livros foram escritos por Rogers, nos quais ele amplia e avalia suas posições e suas contribuições. A hipótese essencial que fundamenta todos seus procedimentos decorreu de sua prática clínica tratando de inúmeros problemas de jovens e de adultos, como psicólogo clínico. Verificou que conselhos e advertências poucos resultados produziam. O contato informal que às vezes ocorria com seus "pacientes" foi tornando Rogers consciente de que o cliente, melhor do que qualquer terapeuta, é capaz de se julgar, de fazer suas próprias opções. Quando julgamos os outros, assim procedemos segundo nossos referenciais, que podem ser pessoais ou sociais, e nos esquecemos dos referenciais do outro que também existem. Em conseqüência, criamos tensões e dificultamos o ajustamento individual com conselhos e direções. Na terapia centrada no cliente ou na pessoa, o foco é o indivíduo e não resolver problemas específicos. Com as atitudes de autenticidade, congruência, aceitação (que não significa aprovação) e empatia, processa-se a redução de tensões e o indivíduo é capaz de se sentir melhor, aceitando seus eventuais "erros" ou "insucessos" sem destruir seu autoconceito. À medida que ele próprio se avalia e se conhece e se aceita, "cresce" como pessoa, faz opções e encontra caminhos mais adequados à satisfação de suas necessidades como pessoa. Há um potencial humano que é liberado; o indivíduo possui, em si mesmo, recursos para autocompreensão e autodireção. A atitude do terapeuta é facilitar a mobilização destes recursos, contida, até então, pelo temor que o cliente sente da crítica externa e da própria autocrítica. À medida que estas se reduzem, o cliente se torna capaz de tentar novos e construtivos meios de reagir às dificuldades de seu esquema de vida.

Rogers considera suas hipóteses e suas contribuições como fatos sujeitos a verificações experimentais. Empiricamente, Rogers testou suas idéias analisando, mediante gravação do diálogo terapeuta-cliente, os efeitos de diferentes atitudes do terapeuta no comportamento do cliente e concluiu, com os estudos de Halkides(Hart and Tomlison, 1970) e de Barret-Lennard (1965), bem como de outros pesquisadores, que: a) os clientes que mostraram melhor alteração terapêutica haviam percebido melhor as atitudes propostas por Rogers; b) a correlação entre a percepção, pelo cliente, das atitudes propostas e o grau de alteração foi maior do que a correlação entre a percepção do terapeuta e o mesmo grau de alteração. Isto significa que o mais importante é o fato de o cliente perceber a autenticidade, o respeito e a empatia manifestados pelo terapeuta.

Outros trabalhos e pesquisas vêm mostrando os mesmos resultados, embora, como é evidente, não possam ser concludentes, quer pelo reduzido número de casos, quer pelo esquema operacional com que se tratou a hipótese. A dificuldade de se medir efeitos terapêuticos é de todos conhecida por ser muito difícil o controle de todas as variáveis envolvidas.

Como se assinalou, as atitudes propostas por Rogers impregnam todo o campo terapêutico da atualidade. Será o fenômeno uma influência natural de um novo clima que afeta todo o campo do interrelacionamento humano, expresso pelo maior respeito à individualidade, ou será uma contribuição pessoal de Rogers e de seus discípulos a todos aqueles que na Psiquiatria, na Psicologia e na Educação procuram, realmente, ajudar seus clientes? É difícil dizer. Como um dos pioneiros que introduziram o pensamento de Rogers no Brasil, após estudos na década de 50, nos Estados Unidos, creio que os dois fatores se conjugaram para dar à terapia psicológica uma contribuição profissional poucas vezes sequer imaginada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Set 2012
  • Data do Fascículo
    1988
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