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Desafios e potencialidades do monitoramento da gestão da vigilância em saúde no SUS

Challenges and potential of monitoring the management of health surveillance in the Unified Health System (SUS)

DEBATEDORES DISCUSSANTS

Desafios e potencialidades do monitoramento da gestão da vigilância em saúde no SUS

Challenges and potential of monitoring the management of health surveillance in the Unified Health System (SUS)

Luiz Augusto Facchini

Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Departamento de Medicina Social, Universidade Federal de Pelotas. luizfacchini@gmail.com

Introdução

O artigo de Juliana Martins Barbosa da Silva Costa e colegas é de inegável relevância e mérito para fomentar o debate sobre as contribuições do monitoramento de desempenho da gestão da Vigilância em Saúde no SUS. O tema é contemporâneo e os argumentos científicos estão adequadamente embasados. Suas implicações para a melhoria da situação de saúde da população e da gestão do SUS em Pernambuco ampliam seu sentido político, dado seu potencial interesse para gestores, trabalhadores de saúde, acadêmicos e controle social em todo o país1,2.

O processo técnico-político e os instrumentos apresentados possuem qualidades que não deixam lugar para um contraponto ao tema e sua abordagem. Portanto, o debate a seguir reconhece e valoriza o esforço em curso na Vigilância em Saúde da Sespe, analisando criticamente questões relevantes para o pleno alcance dos propósitos enunciados. Os argumentos apresentados buscam dialogar com a expectativa dos autores de fomentar o debate acerca da elaboração do instrumento e de sua aplicabilidade e utilização

Os painéis de monitoramento do desempenho da gestão da Vigilância em Saúde

A utilização de painéis para monitorar o desempenho da gestão é objetivamente uma inovação na gestão da Vigilância em Saúde no SUS, capaz de fortalecer a tomada de decisão informada e a institucionalização da excelência na governança.

Os painéis resultaram de um cuidadoso processo de elaboração e ajustes visando o monitoramento fidedigno do desempenho da gestão, através de medidas padronizadas para captar a integridade da Vigilância em Saúde. Além disso, fomentam o juízo crítico da Vigilância em Saúde sobre o desempenho de suas funções e apresentam potencial de rápida expansão de sua abrangência para todos os municípios e regionais de saúde de PE. Os painéis municipais podem ser analisados e combinados de maneiras diversas para revelar diferenças e desigualdades no desempenho da gestão da Vigilância em Saúde no estado e nas regionais.

A estratégia instrumental dialoga com as potencialidades e os desafios de sua institucionalização3, detalhando sua utilização no âmbito do estado. O processo de delineamento e utilização do instrumento revela a sofisticação da empreitada teórica e prática impulsionada pela Sespe na área de Vigilância em Saúde. A construção do instrumento partiu de um modelo lógico da gestão da vigilância em saúde e os indicadores representativos de cada um de seus componentes passaram por processo de validação. A opinião de experts e as avaliações quantitativas e qualitativas mostram a variedade de recursos metodológicos utilizados para produzir o instrumento e implantar o processo de monitoramento do desempenho da gestão.

Em termos teóricos, cabe colocar para reflexão dos autores as eventuais dificuldades em estabelecer com precisão e independência as categorias estrutura, processo e resultado, propostas por Donabedian4, em um modelo lógico para monitorar o desempenho da gestão da Vigilância em Saúde. No qual a situação de saúde da população foi considerada indicador de processo, valorizando a historicidade de suas tendências. Entretanto, a situação de saúde também poderia indicar resultado, pois é plausível supor que sua melhoria decorreu, em parte, dos esforços de aprimoramento institucional, maior apoio aos municípios e fortalecimento da gestão estadual e das ações intersetoriais, impulsionados na gestão da Vigilância em Saúde na Sespe. Assim, o desempenho da gestão, resultante de melhorias na estrutura e em macro funções da gestão da Vigilância em Saúde, também expressa as inovações e as mudanças estabelecidas no processo de trabalho da gestão da Vigilância em Saúde, que podem resultar na qualificação da prevenção e do controle de agravos. Conforme os painéis, a situação de saúde permite monitorar as eventuais melhorias obtidas em um determinado período, em relação a outro anterior. Considerada um processo no modelo lógico apresentado, pode ser também o resultado final de máximo interesse público para a Vigilância em Saúde do SUS. Em consequência, o modelo de estrutura, processo e resultados de Donabedian4, desenvolvido para estudar a qualidade do atendimento médico em serviços de saúde, pode ser insuficiente no estabelecimento da arquitetura lógica de um modelo de monitoramento do desempenho da gestão da Vigilância em Saúde5-7. Reconhecendo a contribuição inequívoca do modelo de Donabedian para a avaliação em saúde, os autores devem seguir em busca de um modelo que, de modo parcimonioso e lógico, supere continuamente sua capacidade de representar a realidade complexa da saúde coletiva8,9.

Infelizmente, a descrição do modelo lógico é bastante sucinta a respeito das influências contextuais sobre o desempenho da gestão na Vigilância em Saúde e suas perspectivas de institucionalização. Tão instigante desafio tornará mais dinâmico e prospectivo o modelo, ao considerar as tendências e os cenários antevistos em documentos centrais na elaboração do modelo lógico, como, por exemplo, o Projeto de Governo do estado de Pernambuco, a Política de Vigilância em Saúde e a Política Nacional de Saúde.

Entretanto, o principal desafio da proposta apresentada não é sua competência instrumental em medir o desempenho da gestão em sua complexidade multidimensional. O maior desafio parece ser a viabilidade de uma experiência bem sucedida na gestão da Vigilância em Saúde do SUS permanecer efetiva, incorporada como rotina inteligente da gestão institucional.

As estratégias de uso dos unstrumentos de monitoramento do desempenho da gestão da Vigilância em Saúde

O desenvolvimento e a implantação dos painéis e a efetivação do monitoramento através de metodologias participativas se destaca por sua potencialidade de envolver interessados e (co)responsabilizá-los nas decisões tomadas. A proposta está embasada em processo que democratiza o poder e fomenta a institucionalização do esforço em curso na Sespe6.

As estratégias de utilização dos painéis, sistematizando conceitualmente informações coerentes e válidas podem fomentar um processo virtuoso de produção de conhecimento sobre as contribuições do instrumento para as melhorias observadas na gestão da Vigilância em Saúde na Sespe, considerando a complexidade de fatores que afetam a gestão, seu desempenho e a situação de saúde da população.

O debate será, certamente, mais profundo e sofisticado após os primeiros resultados da aplicação do instrumento e dos processos técnico-políticos envolvidos em sua utilização. O teste da realidade em curso no âmbito central da Sespe e em descentralização para as regionais possibilitará aos autores estimar a capacidade do instrumento em monitorar com precisão o desempenho da gestão, mas também avaliar sua incorporação institucional à governança e às práticas administrativas. O monitoramento do desempenho pode enriquecer o processo gerencial, caso garanta uma prática reflexiva de acompanhamento das intervenções e uma apreciação continuada dos programas governamentais através de informações que subsidiem a tomada de decisão6. Sua relevância será ainda maior caso contribua para dimensionar os esforços e investimentos para melhorar o desempenho da gestão da Vigilância em Saúde. A definição de estratos, grupos de comparação e âmbito de agregação possível também são elementos críticos para facilitar ou dificultar sua utilização. Seu uso será qualificado caso os envolvidos nas atividades da gestão da Vigilância em Saúde no estado, nas regionais e nos municípios se capacitem de modo permanente para a plena utilização do instrumento, incluindo atividades de análise e interpretação dos achados. Para isso, cabe mencionar as estratégias de Educação a Distância, que permitem reforçar conceitos e práticas no monitoramento do desempenho da gestão sem afastar os envolvidos de suas atividades cotidianas. A capacitação será essencial não apenas na qualificação do pessoal envolvido com a gestão da Vigilância em Saúde no estado, mas também para superar resistências e incompreensão sobre o papel do monitoramento da gestão no âmbito do serviço público.

O sucesso dos painéis de monitoramento do desempenho da gestão da Vigilância em Saúde na Sespe poderá fortalecer no SUS tanto a autoridade quanto a credibilidade da gestão descentralizada nos municípios. Também poderá estimular a proliferação de estratégias similares na gestão da Vigilância em Saúde do SUS. Em caso de fracasso será preciso separar os elementos da proposta em curso para melhor apreciá-los. O instrumento, elemento estrutural da proposta é relevante por si só, e seu sucesso independe em boa medida de sua implantação. Logo, a oportunidade de testá-lo, avaliar sua fidedignidade, capacidade de discriminação de prioridades e melhoria contínua adquire independência do processo político em que foi desenvolvido. A interrupção de seu uso não estará necessariamente atrelada às suas fragilidades ou limitações. Já o processo de implantação e sustentabilidade da política de monitoramento da gestão, crítico para a utilização do instrumento, apresenta forte dependência de opções e prioridades que poderá experimentar a gestão da Vigilância em Saúde na Sespe. Logo, a sustentabilidade política e a institucionalização são os maiores desafios que a presente proposta poderá enfrentar6,10,11,. Neste sentido, os resultados eventualmente disponíveis com a utilização da ferramenta serão cruciais para suas perspectivas.

Considerações finais

Na última década, houve uma valorização da avaliação e monitoramento em saúde, dentre as quais se destaca o esforço da Sespe9,11,12. A combinação virtuosa do monitoramento de desempenho com a gestão da Vigilância em Saúde está expressa na iniciativa do instrumento e sua utilização regular permitirá conhecer o desempenho da gestão da Vigilância em Saúde, em termos de gestão financeira, capacidade institucional e articulação e sistemas de informação e comunicação, mas também como evolui a situação de saúde da população.

A Vigilância em Saúde é função essencial do SUS e requer permanente apoio estratégico e desenvolvimento institucional. Sistemas e instrumentos inteligentes de gestão da Vigilância em Saúde são essenciais não apenas para o conhecimento criterioso e detalhado da situação de saúde da população, mas também da estrutura, dos processos de trabalho e dos resultados do desenvolvimento da própria gestão do SUS13.

A iniciativa dos painéis de monitoramento do desempenho da gestão da Vigilância em Saúde é inovadora também porque torna o espaço da governança um local de investigação e criatividade, que reforça o processo de trabalho e a política. O esforço dos participantes poderá produzir resultados que reforcem uma cultura institucional mais atenta e reflexiva, que valorize o monitoramento e a avaliação de desempenho de suas políticas como estratégia capaz de promover o aprendizado pessoal e institucional, melhorando continuamente os processos de gestão, com maior transparência e responsabilização.

A curta história institucional do SUS e da descentralização da Vigilância em Saúde torna urgente propostas e iniciativas de governança da autoridade sanitária embasadas em estratégias de tomada de decisão que valorizem o conhecimento e qualifiquem a prática profissional. O SUS tem desenvolvido sua capacidade de pactuação interfederativa e intergovernamental, ampliado as responsabilidades, as atribuições e as competências de estados e municípios na gestão da saúde. Entretanto, a infraestrutura, a força de trabalho e os processos de governança costumam ser problemáticos, marcados por carências e desperdícios13. Neste contexto, será importante que a estratégia proposta supere as debilidades de estrutura e processo dos SUS e viabilize a prerrogativa da gestão estadual da Vigilância em Saúde de produzir informações estratégicas e fomentar ações relevantes e equitativas para sua melhoria contínua nos municípios de seu território.

  • 1
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  • 2
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Maio 2013
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