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Efeitos da adição de níquel em ligas ferro-cromo. Parte II: tempo de vida da ferramenta em processo de torneamento

Resumos

O objetivo desse trabalho foi estudar a influência do teor de níquel na vida da ferramenta em ligas 18Cr-0,01C-0,2Si-0,4Mn (% em peso) com diferentes teores de níquel (0, 10, 20, 40 e 60, % em peso) submetidas à operação de acabamento em torno CNC. Os ensaios foram realizados com pastilhas de metal duro classe M15, revestidas com TiC/Al2O3/TiN. Todas as ligas foram usinadas nas mesmas condições (Vc = 230 m/min, ap = 0,6 mm e f = 0,1 mm/volta), garantindo, assim, como única fonte de variação, o teor de níquel. Observou-se que a elevação do teor de níquel diminuiu o tempo de vida útil das pastilhas de corte, o que pode ser devido ao aumento na resistência mecânica a quente (350ºC) das ligas, causado pelo referido elemento. A rugosidade superficial nas ligas austeníticas (10 a 60 % Ni) foi sempre menor que na liga ferrítica (0 % Ni) e permaneceu praticamente constante durante toda a vida da ferramenta. Na liga ferrítica, os valores de rugosidade aumentaram com o crescente desgaste da ferramenta.

Aços inoxidáveis; ligas à base de níquel; desgaste da ferramenta; usinabilidade


The aim of this work was to study the influence of Ni content on coated cemented carbide tool wear during the machining process of stainless alloys. For this purpose alloys were prepared with an 18%Cr-0.01%C-0.2%Si-0.4%Mn base composition and variable Ni content (0, 10, 20, 40 and 60 weight %). Tests were carried out with coated cemented carbide tools; class M15 with TiC/Al2O3/TiN coating. All alloys were machined under the same process conditions (Vc = 230 m/min, ap = 0.6 mm and f = 0.1 mm/rotation), so the only variation source was the Ni content. Preliminary results indicate that the tool life lowers when Ni content rises.

Stainless steels; Ni alloys; tool wear; tribology; machinability


USINAGEM

Efeitos da adição de níquel em ligas ferro-cromo. Parte II: tempo de vida da ferramenta em processo de torneamento

Daniel Cirillo MarquesI; Célia Cristina Moretti DecarliII; Franco BubaniIII; Celso Antonio BarbosaIV; Paulo Roberto MeiV; Anselmo Eduardo DinizVI

IFaculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, Campinas, SP. E-mail: dcirillo@fem.unicamp.br IIFaculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, Campinas, SP. E-mail: cdecarli@fem.unicamp.br

IIIFaculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, Campinas, SP. E-mail: fbubani@yahoo.es

IVVillares Metals, Sumaré, SP. E-mail: celso.barbosa@villaresmetals.com.br

VFaculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, Campinas, SP. E-mail: pmei@fem.unicamp.br VIFaculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, Campinas, SP. E-mail: anselmo@fem.unicamp.br

RESUMO

O objetivo desse trabalho foi estudar a influência do teor de níquel na vida da ferramenta em ligas 18Cr-0,01C-0,2Si-0,4Mn (% em peso) com diferentes teores de níquel (0, 10, 20, 40 e 60, % em peso) submetidas à operação de acabamento em torno CNC. Os ensaios foram realizados com pastilhas de metal duro classe M15, revestidas com TiC/Al2O3/TiN. Todas as ligas foram usinadas nas mesmas condições (Vc = 230 m/min, ap = 0,6 mm e f = 0,1 mm/volta), garantindo, assim, como única fonte de variação, o teor de níquel. Observou-se que a elevação do teor de níquel diminuiu o tempo de vida útil das pastilhas de corte, o que pode ser devido ao aumento na resistência mecânica a quente (350ºC) das ligas, causado pelo referido elemento. A rugosidade superficial nas ligas austeníticas (10 a 60 % Ni) foi sempre menor que na liga ferrítica (0 % Ni) e permaneceu praticamente constante durante toda a vida da ferramenta. Na liga ferrítica, os valores de rugosidade aumentaram com o crescente desgaste da ferramenta.

Palavras-chave: Aços inoxidáveis, ligas à base de níquel, desgaste da ferramenta, usinabilidade.

ABSTRACT

The aim of this work was to study the influence of Ni content on coated cemented carbide tool wear during the machining process of stainless alloys. For this purpose alloys were prepared with an 18%Cr-0.01%C-0.2%Si-0.4%Mn base composition and variable Ni content (0, 10, 20, 40 and 60 weight %). Tests were carried out with coated cemented carbide tools; class M15 with TiC/Al2O3/TiN coating. All alloys were machined under the same process conditions (Vc = 230 m/min, ap = 0.6 mm and f = 0.1 mm/rotation), so the only variation source was the Ni content. Preliminary results indicate that the tool life lowers when Ni content rises.

Keywords: Stainless steels, Ni alloys, tool wear, tribology, machinability.

1. Introdução

Durante o processamento mecânico de materiais metálicos, tão importantes quanto as propriedades de resistência mecânica, resistência à corrosão etc., são as propriedades da fabricação, como a soldabilidade e a usinabilidade. Produtos planos, por exemplo, freqüentemente, passam por operações de soldagem ou estampagem na fabricação do produto final. Nesse caso, as propriedades de soldagem e estampabilidade são essenciais. Produtos não planos como barras, por outro lado, freqüentemente, passam por operações de usinagem. Estima-se que, anualmente, cerca de 1,5 milhões de toneladas de aço inoxidável sofrem algum tipo de usinagem.

Bons resultados na operação de usinagem estão relacionados com a obtenção de componentes com as dimensões desejadas e qualidade superficial satisfatória. O termo "usinabilidade" é, geralmente, usado para expressar o estado da superfície usinada, a taxa de remoção de material e a facilidade de saída do cavaco ou a vida da ferramenta [1]. A usinabilidade, portanto, não é uma propriedade intrínseca do material, mas, sim, um resultado da interação do material com a operação de usinagem.

A escolha certa do material a ser usinado assim como as ferramentas, fluido de corte, equipamento e condições de usinagem podem trazer vantagens econômicas consideráveis; além disto, podem ser obtidos grandes aumentos de produtividade [1,2,3]. Os custos e tempo de produção podem ser, significativamente, reduzidos através da escolha certa dos parâmetros, durante o processamento.

Os aços especiais de alta liga e as ligas à base de Ni, que são objetos desse estudo, são materiais, particularmente, difíceis de usinar, devido às suas características metalúrgicas. Geralmente, a dificuldade de usinagem aumenta com o aumento do teor de elementos de liga e o que se observa é o intenso desgaste das ferramentas com baixa qualidade de acabamento superficial, a péssima característica de saída de cavaco (quebra), causando congestionamento no centro de usinagem e a baixa velocidade de corte levando à baixa produtividade [4].

A baixa usinabilidade está relacionada com as seguintes propriedades do aço inoxidável austenítico: alta ductilidade e tenacidade (estrutura cúbica de face centrada); alto coeficiente de encruamento; baixa condutividade térmica (causada, principalmente, pelo alto teor de cromo presente nessas ligas, sempre acima de 12%, para garantir a resistência à corrosão) [5,6,7].

Para a usinagem de ligas à base de níquel, normalmente, são utilizadas ferramentas de corte de metal duro, na faixa de velocidades de 10 a 30 m/min. As superligas à base de níquel têm uma tendência a encruar e retêm a maior parte da força de corte, durante a usinagem. Isto ocasiona calor elevado na interface ferramenta de corte/peça e, conseqüentemente, um maior desgaste da ferramenta de corte. Uma alternativa tem sido o uso de revestimentos, os quais proporcionam aumento na resistência ao desgaste e à deformação da ferramenta de corte [4].

2. Procedimento experimental

As ligas utilizadas nesse trabalho foram produzidas pela Villares Metals e a caracterização mecânica encontra-se na primeira parte desse artigo: Efeitos da adição de níquel em ligas ferro-cromo. Parte I: estrutura e propriedades mecânicas.

Os corpos-de-prova para os ensaios de usinagem foram confeccionados a partir das barras recebidas, com diâmetro de 52 mm e comprimento de 100 mm. Para fixação dos corpos-de-prova foi feita uma "pega" com diâmetro de 29 mm e contra-ponto na extremidade oposta. Os corpos-de-prova foram usinados até um diâmetro final de 30,4 mm.

Os ensaios de usinagem foram realizados em um torno CNC da marca Romi, modelo Galaxi 20, com potência de 15kW, e rotação máxima do eixo árvore de 4500 rpm. Os parâmetros de ensaio utilizados foram: avanço (f) 0,1 mm/rotação; profundidade de corte (ap) 0,6 mm e velocidade de corte (Vc) 230 m/minuto. Usou-se um critério para estabelecer o fim de vida da ferramenta, padronizando-se um valor igual a 0,3 mm para o desgaste de flanco (Vb).

As ferramentas de corte utilizadas foram pastilhas de metal duro revestidas CNMG 120404-MF 2015, classe M15, que foram montadas em um suporte DCLNR 2525M12, com a seguinte geometria do conjunto: ângulo de posição (c) 95º; ângulo de saída (g) -6º; ângulo de folga (a) 6º; ângulo de ponta (e) 80º e ângulo de inclinação (l) -6º. As pastilhas foram cedidas pela Sandvick do Brasil. O fluido de corte utilizado foi um óleo vegetal emulsionável VASCO1000 com concentração de 10%, direcionando o fluxo para a superfície de saída da ferramenta.

Durante o processo de usinagem, foram controlados o desgaste de flanco e a rugosidade superficial da peça. O desgaste de flanco (VB) das pastilhas foi monitorado, utilizando-se um microscópio óptico Leica, acoplado a um computador, através do programa de análise de imagens Global Image. Quando o desgaste chegava a um valor de 0,3 mm, encerrava-se o ensaio. A rugosidade média (Ra) e a rugosidade máxima (Ry) dos corpos-de-prova usinados foram medidas, ao longo dos ensaios, utilizando um rugosímetro portátil Mitutoyo.

Foram realizadas duas réplicas de cada ensaio e avaliados os resultados. Nos casos em que a diferença entre as réplicas era maior que 20%, realizava-se o terceiro ensaio.

3. Resultados e discussões

A Figura 1 mostra que a vida da ferramenta tende a diminuir com o aumento da concentração de níquel na liga. Esse resultado era esperado, uma vez que a elevação do teor de níquel aumenta a dificuldade de usinagem [4].


Como se pode observar pela Figura 2, os desgastes nas pastilhas ocorreram como previsto, sendo que a pastilha utilizada para a liga sem níquel (0Ni) não chegou ao fim de vida (Vb = 0,3), dentro do limite de tempo de usinagem preestabelecido (100 minutos).


Os resultados obtidos indicam que a elevação no teor de níquel aumenta o desgaste da ferramenta, dificultando a usinagem do material. Durante a usinagem, ocorre o aumento da temperatura na região de cisalhamento primária, que, segundo Trent [8], chega a 350ºC. Uma explicação possível seria que o aumento do teor de níquel, ao se elevar o limite de resistência a quente dessas ligas [9], reduziria a vida das ferramentas na usinagem, conforme ilustrado na Figura 3.


As Figuras 4 e 5 mostram as curvas de rugosidade média e máxima, em função do tempo de usinagem, para cada liga ensaiada. Pode-se notar que, entre as ligas com níquel, não existe grande diferença na rugosidade medida e que esse valor tende a se estabilizar com o tempo de corte, o que pode ser devido ao material da liga que fica aderido à aresta de corte, mantendo a geometria da ponta da ferramenta próxima à original. A liga ferrítica (0% Ni) apresentou valores mais altos de rugosidade, desde o início do ensaio, e esses valores aumentaram com o crescente desgaste da ferramenta. Os valores de rugosidade mais altos observados para a liga sem níquel podem ser devidos à geometria da ferramenta, uma vez que, com o tempo de usinagem, essa geometria se altera constantemente.



4. Conclusões

Para ligas 18Cr-0,01C-0,2Si-0,4Mn (% em peso) com diferentes teores de níquel (0, 10, 20, 40 e 60, % em peso) submetidas à operação de acabamento em torno CNC, com pastilhas de metal duro classe M15, revestidas com TiC/Al2O3/TiN, concluiu-se que:

1. A elevação do teor de níquel diminuiu o tempo de vida útil das pastilhas de corte, o que pode ser devido ao aumento na resistência mecânica a quente (350ºC) das ligas causado pelo referido elemento.

2. A rugosidade superficial nas ligas austeníticas (10 a 60 % Ni) foi sempre menor que na liga ferrítica (0 % Ni), permanecendo praticamente constante durante toda a vida da ferramenta. Na liga ferritica os valores de rugosidade aumentaram com o crescente desgaste da ferramenta.

5. Agradecimentos

Ao CNPq e a Villares Metals e Bosch pelo suporte financeiro nesse projeto. Aos técnicos do DEMA e do DEF da Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP.

6. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 30/07/2006 e aprovado em 05/10/2006.

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  • 2. BAKER, R. D. Ceramic cutting tools: Application guidelines. Carbide Tool, p. 28-35, 1981.
  • 3. EZUGWU, E. O., MACHADO, A. R., PASHBY, I. R., WALLBANK, J. The effect of high-pressure coolant supply. Lub. Eng., 47, p. 751-757, 1990.
  • 4. EZUGWU, E. O., WANG, Z. M., MACHADO, A. R. The Machinability of Nickel-Based Alloys: A Review. Journal of Materials Processing Technology, 86, p. 1-16, 1999.
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  • 6. KORKUT, I. et al. Determination of optimum cutting parameters during machining of AISI 304 austenitic stainless steel. Materials & Design, v. 25, n. 4, p.303-305, Jun. 2004.
  • 7. TEKINER, Z., YESILYURT, S. Investigation of the cutting parameters depending on process sound during turning of AISI 304 austenitic stainless steel. Materials & Design, v. 25, n. 6, p.507-513, Set. 2004.
  • 8. TRENT, E.M. Metal cutting and the tribology of seizure: III temperature in metal cutting. Wear, v. 128, p. 65-81, 1988.
  • 9. BUBANI, F., DECARLI, C.C.M., MARQUES, D.C., BARBOSA, C.A., DINIZ, A.E., MEI, P.R. Efeitos da adição de níquel em ligas ferro-cromo - Parte I: Propriedades mecânicas Artigo apresentado no INOX 2006, novembro, São Paulo, 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 2007

Histórico

  • Aceito
    05 Out 2006
  • Recebido
    30 Jul 2006
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