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A relação entre saúde e escola: percepções dos profissionais que trabalham com adolescentes na atenção primária à saúde no Distrito Federal

Health and school: perceptions of this relationship by primary health care professionals working with teenagers in the Federal District

Resumos

A comunidade científica tem reconhecido a necessidade e a importância de investimentos de pesquisas na área da saúde dos adolescentes. Este artigo se propõe a discutir a relação entre saúde e escola na percepção dos profissionais que trabalham com adolescentes na atenção primária à saúde no Distrito Federal (DF). Foram entrevistados 13 profissionais de saúde que atendem adolescentes, e atuam no Programa de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes (PRAIA), em dois centros de saúde onde funcionava o Programa, localizados nas duas regiões de menor IDH do DF. Essas foram transcritas e submetidas à análise construtiva-interpretativa, que permitiu a construção de duas zonas de sentido, assim denominadas: 1) a saúde precisa ir à escola, mas estamos paralisados; 2) o desconforto dos profissionais com a forma como as demandas são formuladas pela escola. Essas revelaram que existe uma grande dificuldade de integração entre os profissionais das áreas de educação e saúde. Os principais obstáculos apontados concentram-se no excesso de burocracia, na falta de tempo, escassez e sobrecarga dos profissionais e o despreparo para construir ações integradas, tanto da saúde quanto da educação. Apesar da existência de políticas públicas que preconizam a ação conjunta de diferentes esferas do governo, no caso a saúde e a educação, tendo como centro o adolescente, ainda precisam ser incorporadas pelos profissionais. Assim, a pesquisa constatou o distanciamento temporal entre os documentos oficialmente instituídos e a criação de uma cultura local entre gestores e profissionais que estão na execução.

Serviços de Saúde do Adolescente; Educação; Políticas públicas


The scientific community has recognized the need and importance of investing in researches on teenagers' health. This article aims to discuss the relationship between Health and School through the perception of Primary Health Care professionals who work with teenagers in the Federal District. For this, we used the parameter as Epistemology Qualitative methodology. Participants fifteen healthcare professionals who treat adolescents, and professionals working in thirteen PRAIA and 2 NASAD managers. We visited two PRAIA located in two regions with the lowest HDI in the Distrito Federal, to conduct 15 interviews. These were transcribed and submited to a constructive-interpretive analysis, which allowed the construction of two areas of meaning, named as: 1) the health needs to go to school, but we are paralyzed, 2) The professionals' discomfort with the way the demands are formulated by the school. These revealed that there is great difficulty in integration among professionals in education and health. The main obstacles mentioned focus on excessive bureaucracy, lack of time, shortage and overload and the lack of professionals to build integrated actions, both health and education. Despite the existence of public policies that call for joint action by different levels of government, where health and education, with the center as a teenager, yet to be built by professionals. Thus, the survey notes the temporal distance between the documents officially established and the creation of a local culture among managers and professionals who are in the running.

Adolescent Health Services; Education; Public Policies


PARTE II - ARTIGOS

A relação entre saúde e escola: percepções dos profissionais que trabalham com adolescentes na atenção primária à saúde no Distrito Federal

Health and school: perceptions of this relationship by primary health care professionals working with teenagers in the Federal District

Maria Aparecida PensoI; Katia Cristina Tarouquella Rodrigues BrasilII; Alessandra da Rocha ArraisIII; Silvia Renata LordelloIV

IDoutora em Psicologia. Professora do Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Brasília e Psicóloga da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Endereço: Rua 08, Chácara 214, Casa 17, Vicente Pires, CEP 72110-800, Taguatinga Norte, DF, Brasil. E-mail: penso@ucb.br

IIDoutora em Psicologia. Professora da Pós-graduação em Educação e do Curso de Psicologia da Universidade Católica de Brasília. Endereço: UNB-Colina, Bloco H, Apto. 304, CEP 709010-900, Brasília, DF, Brasil. E-mail: katia@ucb.br

IIIDoutora em Psicologia. Professora do Mestrado em Gerontologia e Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília. Psicóloga Clinica e Hospitalar. Endereço: SHIS QI- 16, Conj 02, Casa 32, CEP 71640-220, Brasília, DF, Brasil. E-mail: arrais@ucb.br

IVDoutora em Psicologia. Professora da Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília e Psicóloga da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Endereço: SMPW -16, Conj 06, Casa 02, CEP 71745-160, Brasília, DF, Brasil. E-mail: srlordello@terra.com.br

RESUMO

A comunidade científica tem reconhecido a necessidade e a importância de investimentos de pesquisas na área da saúde dos adolescentes. Este artigo se propõe a discutir a relação entre saúde e escola na percepção dos profissionais que trabalham com adolescentes na atenção primária à saúde no Distrito Federal (DF). Foram entrevistados 13 profissionais de saúde que atendem adolescentes, e atuam no Programa de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes (PRAIA), em dois centros de saúde onde funcionava o Programa, localizados nas duas regiões de menor IDH do DF. Essas foram transcritas e submetidas à análise construtiva-interpretativa, que permitiu a construção de duas zonas de sentido, assim denominadas: 1) a saúde precisa ir à escola, mas estamos paralisados; 2) o desconforto dos profissionais com a forma como as demandas são formuladas pela escola. Essas revelaram que existe uma grande dificuldade de integração entre os profissionais das áreas de educação e saúde. Os principais obstáculos apontados concentram-se no excesso de burocracia, na falta de tempo, escassez e sobrecarga dos profissionais e o despreparo para construir ações integradas, tanto da saúde quanto da educação. Apesar da existência de políticas públicas que preconizam a ação conjunta de diferentes esferas do governo, no caso a saúde e a educação, tendo como centro o adolescente, ainda precisam ser incorporadas pelos profissionais. Assim, a pesquisa constatou o distanciamento temporal entre os documentos oficialmente instituídos e a criação de uma cultura local entre gestores e profissionais que estão na execução.

Palavras-chave: Serviços de Saúde do Adolescente; Educação; Políticas públicas.

ABSTRACT

The scientific community has recognized the need and importance of investing in researches on teenagers' health. This article aims to discuss the relationship between Health and School through the perception of Primary Health Care professionals who work with teenagers in the Federal District. For this, we used the parameter as Epistemology Qualitative methodology. Participants fifteen healthcare professionals who treat adolescents, and professionals working in thirteen PRAIA and 2 NASAD managers. We visited two PRAIA located in two regions with the lowest HDI in the Distrito Federal, to conduct 15 interviews. These were transcribed and submited to a constructive-interpretive analysis, which allowed the construction of two areas of meaning, named as: 1) the health needs to go to school, but we are paralyzed, 2) The professionals' discomfort with the way the demands are formulated by the school. These revealed that there is great difficulty in integration among professionals in education and health. The main obstacles mentioned focus on excessive bureaucracy, lack of time, shortage and overload and the lack of professionals to build integrated actions, both health and education. Despite the existence of public policies that call for joint action by different levels of government, where health and education, with the center as a teenager, yet to be built by professionals. Thus, the survey notes the temporal distance between the documents officially established and the creation of a local culture among managers and professionals who are in the running.

Keywords: Adolescent Health Services; Education; Public Policies.

Introdução

Apesar do aumento da expectativa de vida no mundo, nas próximas décadas haverá ainda um grande número de adolescentes e jovens. Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) (2011), há cerca de 1,8 bilhão de adolescentes e jovens, entre 10 e 24 anos, no mundo atualmente, o que significa quase um terço da população mundial, 80% dos quais vivem em países em desenvolvimento.

No Brasil, em 2009, foram registrados quase 80 milhões de crianças, adolescentes e jovens de até 24 anos, cerca de 42% da população brasileira (IBGE, 2010), fazendo com que esta parcela se constitua como prioridade na perspectiva de ações intersetoriais e interdisciplinares, envolvendo várias políticas públicas, ministérios, secretarias de Estado e municípios, como, por exemplo, o Programa de Saúde na Escola (PSE), articulação entre as políticas de saúde e educação; o POE - Plano operativo de saúde integral ao adolescentes em conflito com a lei em medida socioeducativa de privação de liberdade (articulação entre as políticas de saúde e do sistema socioeducativo).

Neste artigo discutiremos a percepção de profissionais que trabalham no Programa de Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal sobre a relação entre as políticas de saúde e educação no que diz respeito ao atendimento aos adolescentes, a partir do Programa Saúde na Escola (PSE), que visa à integração e articulação permanente da educação e da saúde, na época de sua implantação no DF, nos anos de 2009 e 2010. Esse programa foi instituído pelo Decreto 6.286, de 05 de dezembro de 2007, em parceria interministerial e será apresentado em tópicos posteriores.

A problemática da atenção à saúde do adolescente na atualidade

Apesar da necessidade evidente de uma atenção à saúde do adolescente em uma perspectiva ampliada e integrada, que procure abranger a complexidade desse período do desenvolvimento humano e seu contexto social, as políticas de saúde implementadas na atualidade estão apoiadas em um modelo médico que prioriza ações unificadas. Contudo, essas ações descaracterizam as necessidades específicas e as subjetividades dos adolescentes, o que, com relação à sua saúde, mostra-se insuficiente. Desse modo, uma visão ampliada do processo saúde/doença precisa ser compreendida tanto inter quanto intraculturalmente (Horta e Sena, 2010; Boruchovitch e Mednick, 2002; Minayo, 1998).

Um dos grandes desafios, hoje, é superar as desigualdades sociais na atenção à saúde tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos. Estudos epidemiológicos, incluindo mortalidade prematura, doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes e câncer relacionado ao fumo, confirmam que sua incidência está relacionada às desigualdades sociais em saúde (Lawlor e Sterne, 2007). No Brasil, os índices de saúde variam de acordo com o número de habitantes, urbanização e geografia, sendo que quanto maior a urbanização, menor o índice de saúde da população e mais dificuldades no acesso aos serviços de saúde (IBGE, 2010).

O desafio do adolescer

Há um olhar hegemônico no âmbito da saúde integral à adolescência, período do desenvolvimento humano que comporta grandes desafios, expressos em mudanças corporais, repercussões psíquicas e sociais que se impõem ao sujeito, geradas pela chegada do adolescente a essa etapa de sua vida. Mesmo sendo uma etapa da vida relativamente curta, o adolescente e seus familiares passam por transformações intensas. Muitas vezes, os pais, com um sentimento de perplexidade frente à imprevisibilidade das demandas de liberdade e de autonomia dos filhos adolescentes, abrem mão de sua autoridade e concedem a eles uma excessiva independência. Aliada à sensação de falta de limites, essa independência pode ser entendida pelo adolescente como abandono, o que agrava mais ainda a situação de conflitos intrafamiliar (Aberastury e Knobel, 1989). Cabe aos adultos oferecerem limites aos filhos como se oferece um presente, uma vez que suportar a violência e a destrutividade do adolescente é oferecer um suporte estruturante para esse sujeito em desenvolvimento, inseguro e desamparado frente às inúmeras transformações com as quais ele se depara (Marty, 2006).

Entre as diversas transformações, as corporais levarão o adolescente a um trabalho de luto do corpo infantil, impulsionando-o a construir uma nova identidade alicerçada por um novo corpo. Nesse contexto, os adultos que o cercam serão particularmente solicitados, pois eles terão de ajudá-lo a enfrentar no real do corpo as visíveis modificações, bem como exercerem a função de para-excitação e de continente daquilo que no sujeito adolescente esteja transbordante. Esses adultos não são apenas os familiares, mas todos aqueles que cercam o adolescente na escola, na comunidade e na saúde.

Contudo, os adolescentes podem não encontrar a sua volta um apoio parental que possa sustentar a posição de apoio para o desafio pubertário, tendo de enfrentar sozinhos esse período, tornando-o mais complexo (Marty, 2006). Isso significa que quando o apoio parental e as redes de suporte são falhos ou insuficientes para ajudá-lo a lidar com esses conflitos, o adolescente se torna mais vulnerável, ficando exposto a condições de risco psicossocial, pois, dependendo do modo como o sujeito adolescente lida com as demandas internas e externas, esse período da vida poderá se constituir em um terreno fértil para comportamentos violentos e frustrações, além de outras dificuldades pessoais e sociais.

Numa perspectiva mais culturalista, a adolescência é vista como categoria sociocultural, construída historicamente, conforme aponta Ferreira e colaboradores (2007). Segundo essa autora, as dimensões biopsicológicas, cronológicas e sociais se configuram na expressão da complexidade da adolescência, que deve ser entendida, contemplando, não só os fenômenos biológicos universais, como também os contextos sociais, históricos, políticos e econômicos nos quais os adolescentes estão inseridos.

Nesse sentido, vale a pena destacar que a precariedade do sistema na assistência à saúde coloca esse segmento da população fora das prioridades das gestões em termos de implementação de políticas de saúde, situação preocupante, uma vez que o sistema de assistência à saúde pode se configurar como mais um elemento na rede de suporte que se apresenta como frágil diante das demandas do adolescente.

Adolescência e políticas públicas: o foco na saúde integral

Apesar dos desafios no âmbito da saúde, a sociedade se mobilizou nas últimas décadas na busca de assumir sua parcela de responsabilidade em relação à saúde dos adolescentes, tanto assim que a Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1989, adotou a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, em 1990. Isso representou uma mudança paradigmática fundamental, tendo em vista a inclusão da criança e do adolescente no plano normativo, com foco em seu desenvolvimento, seu reconhecimento como sujeito de direitos e a prioridade nas políticas públicas, que deram lugar a investimentos nunca antes vistos voltados a esse segmento populacional.

Em 1990, foi promulgada a lei 8.069, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujo objetivo foi colocar os direitos da criança e do jovem numa perspectiva condizente com sua condição de pessoa em desenvolvimento, de modo que sua vulnerabilidade mereceu proteção integral: física, psíquica e moral. O destaque à saúde está presente no Título II, que trata dos direitos fundamentais, sendo o Capítulo I referente ao direito à vida e à saúde, cujo Artigo 7 diz que "a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência" (Brasil, 1990; Ferreira e col.,2007).

A partir da Reunião Mundial de Ministros da Juventude, em 1998, realizada em Portugal, o Brasil adotou o referencial etário de 10 a 24 anos e criou a Agenda Nacional sobre a Saúde de Adolescentes. Em 2005, teve início a discussão sobre a criação da Secretaria da Juventude e, em 2006, foi aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde o marco referencial elaborado pelo Ministério da Saúde, em parceria com vários segmentos sociais, para a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens. Essa política está ancorada em diretrizes descritas em um manual denominado Marco Legal (Brasil, 2005), que privilegia as diferentes demandas desse grupo etário, cujas diretrizes tornam-se um desafio para os sistemas de saúde regionais: sistematizar, organizar, planejar e gerir o atendimento para esse público. O manual preconiza ainda que se privilegie uma ação profilática e integradora com famílias, escolas, comunidades e todos aqueles próximos ao adolescente ou jovem, para que possam acessar seu universo simbólico e atingir o objetivo da promoção de saúde, difusão e adoção de hábitos saudáveis, multiplicando para seus pares a importância da saúde, numa visão biopsicossocial.

Em 2010 foram lançadas as Diretrizes Nacionais para Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde (Brasil, 2010), embasadas na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens (Brasil, 2010). Essas diretrizes preconizam uma abordagem sistêmica das necessidades do público adolescente e instrumentaliza gestores e profissionais de saúde no processo de construção de estratégias interfederativas e intersetoriais, visando à redução da vulnerabilidade dessa população e trabalhando com um olhar holístico e sustentável, com vistas à sua capacidade de liderança, participação e espírito de serviço à coletividade.

Com o intuito de não restringir o critério etário como único marco para a compreensão da adolescência, o documento enfatiza o uso da expressão "adolescências e juventudes" como forma de contemplar a grande diversidade de experiências e significados específicos vivenciados dentro do continuum da vida. Contudo, Horta e Sena (2010) destacam que a utilização da faixa etária pode ser arbitrária se não forem considerados fatores sociais e culturais. Os autores chamam atenção para o modo como a compreensão da adolescência e da juventude se inscreve nas ações em saúde que lhe são direcionadas, pois se as equipes os identificam como sujeitos em situação de risco, como um problema social as ações serão, de modo geral, compensatórias e corretivas e nem sempre proporcionarão espaços de escuta para esses sujeitos em desenvolvimento.

Diante de um cenário que vislumbra ações de promoção do desenvolvimento e o bem-estar humano em sua multidimensionalidade, as Diretrizes Nacionais para Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde indicam temas estruturantes para os serviços de saúde, que pretendem adotar a visão de adolescentes e jovens como sujeitos plenos de direitos, socialmente mais responsáveis e mais cooperativos, com capacidade de posicionamento frente à vida e à sua saúde. Essas diretrizes detalham sete temas estruturantes, propondo aspectos conceituais e metodológicos a serem considerados em cada um deles. Os temas referem-se à participação juvenil, à equidade de gêneros, aos direitos sexuais e reprodutivos, ao projeto de vida, à cultura de paz, à ética e cidadania, à igualdade racial e étnica.

Duas proposições são preconizadas pelas diretrizes: fortalecimento da promoção da saúde, que possam ser cumpridas dentro da estrutura que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece, incluindo a Estratégia Saúde da Família (ESF) e a reorientação dos serviços de saúde para favorecer a capacidade de respostas para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens. As diretrizes apresentam indicadores práticos de como o serviço de saúde pode acolher o adolescente sem cometer o que a cultura dominante faz frequentemente, que é invisibilizá-lo, sugerindo ainda a adoção de três eixos como forma de viabilizar a atenção integral: o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, a atenção integral à saúde sexual e reprodutiva e a atenção integral ao uso abusivo de álcool e outras drogas por pessoas jovens. Santos e colaboradores (2012) apontam que a fragmentação pode ser superada, e um exemplo é a saúde no contexto familiar, realizada pelas equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), que privilegia a saúde do adolescente inserida nas práticas de promoção da saúde da família. O PSE, por sua vez, foi criado com uma perspectiva similar, com vistas à melhor integrar a saúde do adolescente, mas a partir da participação da escola e da comunidade.

Na perspectiva intersetorial, várias parcerias entre políticas públicas precisam ser efetivadas, entre elas o Programa Saúde na Escola, que estabelece a parceria entre as políticas de educação e saúde, instituído, em 2007, por meio do decreto nº 6.286 (Brasil, 2007). Esse programa tem como objetivo contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de educação básica por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde. Seus eixos organizativos giram em torno da promoção da atenção integral; integração e articulação permanente entre as políticas e ações de educação e de saúde, com a participação da comunidade escolar, envolvendo as equipes de saúde da família e da educação básica; constituição de territórios de responsabilidade entre escolas estaduais e municipais e equipes de ESF.

O Programa Saúde na Escola (PSE) está articulado com o Programa de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes (PRAIA), que é amplo e inclusivo. Esse programa funciona deste 1991 e tem como objetivo oferecer serviços diversificados de saúde ao adolescente, envolvendo promoção, prevenção de agravos, recuperação e reabilitação, disponibilizando consultas com diferentes profissionais e realização de grupos de adolescentes e de orientação às famílias. É um programa mais inclusivo, que estabelece articulações com outros programas, como o Programa Saúde na Escola (PSE) e Plano de Implantação e Implementação das Cadernetas de Saúde de Adolescentes (PCA). Com críticas ao modo de ação implementada junto à população adolescente, Raposo (2009) destaca que as escolas e outras unidades de saúde não exploram outros modos de intervenção junto a esse público que não seja por meio de palestras e com abordagens grupais para a distribuição de preservativos. A autora chama atenção para o fato de a participação dos adolescentes ser restrita e não atingir o planejamento, a execução e a avaliação das ações em saúde.

A partir dos questionamentos elencados, algumas indagações foram formuladas: como os profissionais de saúde interagem com a escola em relação à promoção da saúde do adolescente? Como são realizadas ações na escola para a promoção da saúde com os adolescentes? De que modo as demandas endereçadas aos profissionais de saúde são compreendidas por eles?

Profissionais de saúde no atendimento ao adolescente

Os profissionais em suas ações em saúde junto à população adolescente assumem uma parceria com a escola e, segundo Figueiredo e colaboradores (2010), essa atuação deve também atingir as famílias desses adolescentes, o espaço escolar, os professores e outros profissionais da escola. Porém, além de pretender alcançar um público ampliado, o profissional em saúde é chamado a avaliar as ações em saúde no espaço escolar e a adotar um olhar crítico e dilatado na relação entre a saúde e a educação. Desse modo, caberá a esses profissionais recomendar temas em saúde transversais e interdisciplinares que possam, inclusive, ser incorporados aos Parâmetros Curriculares Nacionais.

De acordo com Almeida e colaboradores (2012), a formação dos profissionais de saúde em seus cursos de graduação foi pautada no espaço hospitalar, privilegiando o modelo de atenção individualizado e especializado. Desse modo, essa formação se reflete no modo como os profissionais de saúde se engajam com dificuldades nos modelos de atendimentos voltados para a saúde coletiva e, particularmente, para o modelo proposto do PSE de intervenção na escola. Os autores chamam a atenção, em sua pesquisa, para a preocupação dos profissionais em relação às estratégias das ações que possam contribuir para que os adolescentes sejam capazes de serem protagonistas de sua própria saúde. De modo, que as ações em saúde, no âmbito da escola, possam integrar uma postura cidadã do adolescente por meio de sua autonomia, responsabilização pessoal e social, motivação para o empreendedorismo, produção e valorização da arte, cultura, dos modos de brincar e se perceber como sujeito de direitos.

Frente ao exposto anteriormente, o objetivo geral deste artigo é compreender, na perspectiva dos profissionais de saúde do Distrito Federal, a relação existente entre os serviços de saúde, mais especificamente o Programa de Atenção Integral Saúde do adolescente (PRAIA), aliado ao Programa Saúde na Escola (PSE) e sua relação com as escolas públicas de suas respectivas regionais de saúde.

Método

A metodologia utilizada foi a epistemologia qualitativa proposta por Fernando González-Rey, que propõe a compreensão da subjetividade humana e se desprende da concepção de produção de conhecimento de forma linear e se debruça sobre o processo/construção dessa produção (González-Rey, 2005). Para o autor, a produção científica consiste em uma forma de aproximação e diálogo com o real, numa proposta de conhecimento construtivo-interpretativo. A proposta é, portanto, legitimar o aspecto processual da construção do conhecimento ao invés de defini-lo como uma expressão direta de instrumentos. Trata-se, portanto, de um conhecimento construtivo-interpretativo que não explica a realidade, mas sim a interpreta.

Consideramos essa metodologia pertinente e adequada para estudar a complexa relação existente entre os serviços de saúde, mais especificamente o PRAIA, e as escolas por se tratar de um construto que não se reduz a dados quantificáveis, mas carrega uma dimensão avaliativa, política e vivencial altamente subjetiva, que não pode ser medida adequadamente a partir de pesquisas quantitativas.

Participantes

Participaram desta pesquisa 13 profissionais de saúde que atendem adolescentes, todos atuando PRAIA, em duas Regiões Administrativas do Distrito Federal, distribuídos nas seguintes categorias profissionais: duas enfermeiras, três médicos e cinco técnicas de enfermagem, e um técnico em higiene, uma dentista, uma assistente social. Os participantes foram escolhidos porque compõem equipes de referência no atendimento aos adolescentes no DF e fazem parte da articulação de unidades básicas de saúde e de escolas da rede pública de ensino.

Recursos instrumentais

Segundo González-Rey (2005, p. 43), o instrumento é "toda situação ou recurso que permite ao outro se expressar no contexto de relação que caracteriza a pesquisa". Na presente pesquisa e em consonância com a metodologia escolhida foi utilizada um roteiro de entrevista semiestruturada para executores do PRAIA: composta por 13 perguntas sobre clientela atendida, principais demandas dos adolescentes e seus familiares, dificuldades do Programa naquele serviço, avaliação da relação entre o PRAIA e as escolas da região.

Procedimentos de levantamento de informações

Após a aprovação no Conselho de Ética da Universidade Católica de Brasília, o projeto foi enviado para a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, para aprovação da coleta de dados realização da pesquisa; foram agendadas visitas aos dois centros de saúde que sediavam o PRAIA, localizados nas duas regiões de menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do DF, onde já estava sendo realizada outra fase do mesmo projeto, em duas escolas públicas. Nos centros de saúde onde funcionavam o PRAIA os profissionais foram entrevistados após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas ocorreram em apenas um encontro individual, com duração média de 20 minutos, sendo gravadas em áudio e, posteriormente, integralmente transcritas.

Procedimentos de construção da informação

Os processos de construção da informação na pesquisa qualitativa orientada pela epistemologia qualitativa buscam o sentido subjetivo dentro de um processo no qual o pesquisador é ativo, produtivo e reflexivo. Dentro de uma lógica configuracional, organiza e ao mesmo tempo desenvolve uma pesquisa dentro do princípio construtivo-interpretativo (González-Rey, 2005).

No primeiro momento foi realizada uma leitura flutuante das transcrições, buscando-se levantar indicadores que possibilitassem a construção de zonas de sentido. As zonas de sentido referem-se às categorias ou hipóteses construídas com base nos indicadores, os quais estão articulados com os pontos que mobilizam o sujeito, e não com aquilo que é mais frequente ou semelhante, como uma categoria de análise de conteúdo. A construção dos indicadores está permeada pela subjetividade do pesquisador, sendo hipóteses levantadas por ele. Um indicador sozinho não tem valor como elemento significativo, mas junto com outros indicadores passa a ter força como parte de um processo em que funciona em estreita inter-relação (González-Rey, 2005).

Resultados e discussão

Foram construídas duas zonas de sentido, assim denominadas: 1) a saúde precisa ir à escola, mas estamos paralisados; 2) o desconforto dos profissionais com a forma como as demandas são formuladas pela escola.

Zona de sentido 1 - A saúde precisa ir à escola, mas estamos paralisados

Discute as dificuldades encontradas pelos profissionais de saúde pesquisados para viabilizar a articulação entre saúde e educação, que denominaremos de procedimentais por fazerem referência às questões operacionais, sendo parte do cotidiano das unidades de saúde.

Antes de mencionar os obstáculos e as dificuldades, é importante destacar o reconhecimento da necessidade da integração entre saúde e educação, apontada como vantajosa por parte dos entrevistados:

"Todas as vezes que a gente é convidado pra ir à escola a gente divulga o programa, como é que se faz para poder estar inserido dentro do programa do PRAIA [...]Olha, eu acho que a gente considera muito positiva essa participação quando a gente vai nas escolas" (Suj. 7).

"É uma troca, a gente vai lá e pede pra eles mandarem os estudantes pra cá. Eles vem aqui, pedem pra gente ir lá fazer palestra. É um trabalho de troca, o nosso posto é um ponto de referencia" (Suj. 10).

No que tange às dificuldades, discutiremos aqui os aspectos que podem influenciar o sentimento de imobilismo diante da necessidade reconhecida de aproximação entre saúde e escola. Dividiremos essa discussão em aspectos procedimentais e aspectos estruturais/legais.

Quanto aos aspectos procedimentais dois em especial chamam a atenção: o excesso de burocracia e a falta de recursos humanos e de tempo. A burocracia é mencionada como fator impeditivo de viabilização da parceria por constar como indicador que baseia a ação no requerimento formal, com a anuência de outros níveis hierárquicos que impossibilitam a autonomia do profissional diante das demandas. Para que um profissional saia da unidade de saúde e vá à escola é preciso um ofício para o seu setor uma liberação do chefe:

"...eu não posso deixar de atender para ir à escola. Sabe, é uma coisa oficial: tem que pedir oficialmente, formalmente, meu chefe me libera, eu vou lá"

(Suj. 8).

Reconhece-se o valor das ações de cunho burocrático para a organização e controle do serviço. Entretanto, o seu uso excessivo pode dificultar a autonomia dos profissionais da saúde no planejamento e execução das suas atividades. Tal fato inviabiliza várias ações intersetoriais que necessitam que o profissional possa tomar decisões de forma autônoma e rápida. Os documentos oficiais determinam que os Estados, os municípios e o Distrito Federal devem organizar e gerir o trabalho de articulação entre saúde e educação, com o repasse de recursos dos Ministérios da Educação e da Saúde. A organização e os processos estabelecidos nas unidades federativas, por sua vez, seguem procedimentos locais, gerando aspectos burocráticos e hierarquizados que interferem na execução das ações propostas.

A falta de recursos humanos e de tempo é relatada como indicadores ansiógenos pelos profissionais, que acreditam na parceria, mas não conseguem responder a ela em suas atuações. Os entrevistados expressam a sobrecarga do sistema e de si próprios como prejudiciais à relação do PRAIA com a escola, como exemplificado nas falas a seguir:

"...a minha dificuldade é quando eles vêm querendo que a gente absorva toda essa demanda da questão da saúde e acham que a gente vai ter pernas para isto" (Suj. 2).

"E esse programa, o PRAIA, daqui tem o problema de todo o PRAIA do GDF, que é o que: muito pouco recurso e muito pouco, é, muito pouco... quer dizer, não tem como sair daqui, fica difícil, porque o pessoal já é reduzido, a demanda sempre é alta, sempre é alta em todo centro, não tem centros vazios, então não tem como sair daqui, se a gente sair daqui deixa de fazer o que precisa fazer, que é a consulta aqui" (Suj. 15).

A falta de recursos humanos e a falta de tempo parecem estar associadas à centralização de ações de parceria que são delegadas a apenas alguns profissionais específicos, como os coordenadores do PRAIA, enfermeiros da Estratégia Saúde da Família e profissionais do Programa Saúde na Escola. Isso significa que, ainda que possa representar organicidade de referência e distribuição de acordo com a carga horária, os profissionais que não são especificados para as ações limitam sua prática à orientação sobre quem devem procurar no serviço, caracterizando a ausência de um trabalho em equipe e uma burocratização dentro da própria equipe.

"A gente acolhe quando, por exemplo, eu o recebo (adolescente), passo pra coordenação, a coordenação, ela se junta a outros coordenadores, com a nossa chefia, e ele faz uma reunião com a Dra. pra ver a melhor possibilidade de ajudar aquela família, aquele adolescente" (Suj. 1).

"Tudo que é referente ao adolescente trago [sic] pra médica., lá no centro X tem uma enfermeira, Y que trabalha direto nas escolas fazendo trabalhos que fala de sexualidade, gravidez na adolescência; e aqui tem a enfermeira W., que também vai nas escolas falando das mesmas coisas" (Suj. 5).

A falta de tempo, a sobrecarga dos profissionais e o despreparo para construir ações integradas, tanto na saúde quanto na educação, são um elemento que parece dificultar as ações efetivas entre os dois campos. No entanto, apesar das dificuldades relatadas, não há como fugir da intersetorialidade dessas duas políticas. O grande desafio é instituir a cultura da articulação permanente entre educação e saúde e unir esforços para transformar o que, hoje, é reconhecido como importante e útil, para além dos discursos de suas vantagens, partindo para um planejamento conjunto e sistematizado de ações no cuidado em saúde. Por exemplo, em relação à sexualidade, cujas palestras correm o risco de não mobilizarem os adolescentes para seus desafios em relação ao tema.

Essa questão é particularmente significativa, uma vez que, além da necessidade de ações em saúde, é importante para o profissional uma compreensão mais ampliada sobre a adolescência, saindo da hegemonia do discurso biomédico. Esses profissionais vão intervir junto à população adolescente, tocando em temáticas que são particularmente sensíveis, como sexualidade, corpo, namoro, violência e gravidez, entre outras, o que demandará uma compreensão mais cuidadosa sobre o período da adolescência. A familiaridade com a ideia de adolescência nessa perspectiva promove um rompimento com uma compreensão da adolescência relacionada predominantemente com as transformações biológicas, de modo que uma concepção estendida sobre a puberdade e a adolescência pode proporcionar transformações nas ações em saúde junto à parcela mais jovem da população.

Zona de sentido 2 - O desconforto dos profissionais com a forma como as demandas são formuladas pela escola

Discutiremos nesta zona de sentido os relatos de situações desconfortáveis para os profissionais do PRAIA no que diz respeito à forma como as demandas feitas pelas escolas chegam até o serviço de saúde. Os relatos mostram como os profissionais buscam saídas criativas para seus incômodos, procurando ações que possam propiciar uma relação de parceria entre escola e saúde, beneficiando os adolescentes.

Os profissionais procuram atender as demandas que lhe são formuladas pela escola, o que significa restringir-se, muitas vezes à divulgação da informação, distribuição de folhetos e cartazes, como exemplificado na fala a seguir:

"A gente fornece muitos folhetos para o colégio, quando nos procuram. A gente divulga muito nosso trabalho por cartazes sobre doenças, sobre a proteção. Cada reunião a gente sempre dá uma mensagem, um cartaz dentro do nosso programa para que ele consiga entender. Para isso a gente também tem a cartilha; ela é maravilhosa, vocês precisam conhecer, depois eu passo para vocês, ela tem (referindo-se a cartilha) os cuidados que tem que ter no dia a dia, tanto no corpo, mente, sexo, uso da camisinha, tudo. [...]"

(Suj. 1).

Sem desvalorizar essas ações, é importante lembrar que algumas dificuldades dos adolescentes estão relacionadas à depressão, aos transtornos de conduta, aos transtornos da gravidez precoce, drogas e violência (Benetti e col., 2007), e ações isoladas, como cartilhas ou mesmo palestras, são insipientes e ineficientes. O acesso às ações e aos serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde direcionada aos adolescentes deve atender às particularidades do período de vida em que esses sujeitos se encontram, de modo que a informação esteja integrada com dinâmicas, reuniões e atividades lúdicas. Nessa perspectiva, intervenções bem sucedidas junto aos adolescentes para tratar da temática da saúde apontam para um modo de mobilizá-los que passa por atividades de grupo e de fala, com trocas de experiência, como descrito por Dantas (2010), que, por meio de oficinas lúdicas, abordou temas como sexualidade, gravidez e DST entre outros, entre adolescentes.

Preocupados com um modo de intervenção que possa mobilizar os adolescentes, de modo mais contundente, os profissionais de saúde apontam esforços nesta direção, contudo, as demandas da escola são com frequência de ações isoladas e centradas na transmissão de informações:

"... essa demanda de chegar aqui sem querer saber o que a gente faz, saber das nossas possibilidades também e chegam já querendo um palestrante com um tema predeterminado e usando essa palavra 'palestra'... A minha dificuldade é quando eles vêm querendo que a gente absorva toda essa demanda da questão de saúde e acham que a gente vai ter pernas pra isso"

(Suj. 2).

Segundo os profissionais da saúde, ainda que seja possível realizar esse tipo de trabalho, há um desconforto com a sua perspectiva, que não gera a integração desejada por se tratarem de ações não sistematizadas, em que cada qual realiza seu serviço independente do outro:

"... a escola envia um relatório dos alunos que têm déficit e encaminham pra nossa sala do adolescente... A gente tem uma relação bem direta"

(Suj. 3).

Vale ressaltar que ao atender às demandas da escola com ações isoladas e pouco integradas, como, por exemplo, por meio de palestras, corre-se o risco de reproduzir o modelo de "aula expositiva", rigidamente construída e pouco atraente, na qual o adolescente assume uma posição de passividade, invisibilidade e de resistência. Não se trata de abolir as palestras, contudo, elas deveriam estar integradas às ações intercambiadas entre a escola e a saúde, envolvendo diferentes profissionais, permitindo o trabalho dos três eixos da atenção integral à saúde do adolescente: o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, a atenção integral à saúde sexual e reprodutiva e a atenção integral ao uso abusivo de álcool e outras drogas por adolescentes e jovens (Brasil, 2006).

Quanto aos encaminhamentos, eles precisam ser entendidos como uma tentativa de compartilhar com os profissionais da saúde a responsabilidade no processo de educação em saúde, uma vez que assumir esse papel não é nada fácil para os professores. Em uma pesquisa sobre a implicação dos professores no envolvimento com a temática da saúde na escola Fernandes e colaboradores (2005) destacam que, apesar da saúde ser considerada como um tema transversal a ser trabalhado por toda escola, os professores se posicionam de modo distanciado em relação à temática. E justificam suas dificuldades em relação ao tema da saúde pela falta de preparação para abordá-lo, delegando aos profissionais da saúde o encargo para tratarem dessas questões.

Essa dificuldade faz com que os profissionais da saúde sejam, algumas vezes, acionados pela escola, quando professores e funcionários sentem-se impotentes diante dos desafios do trabalho com adolescente, como pode ser observado abaixo:

"...quando a escola não dá conta ou manda pro conselho tutelar ou manda pra cá pra gente"

(Suj. 5).

A experiência do grupo e a garantia de espaços de fala apresentadas a seguir demonstram que, a despeito de todas as dificuldades e sobrecargas, os profissionais relatam que não ficam restritos apenas a palestras e distribuição de folhetos, promovendo, em algumas situações, intervenções em grupo, ajudando os adolescentes a se colocarem como atores do seu processo de crescimento, rumo a uma identidade adulta e integrada, conforme exemplificado na fala a seguir:

"... eu acho que a gente considera muito positiva essa participação quando a gente vai nas escolas; o adolescente, ele participa ativamente dos grupos, a gente faz oficina sobre conhecimentos do corpo, oficina sobre projeto de vida, oficina de divulgação do programa do PRAIA aqui, como ele funciona. Eu considero que é uma participação muito positiva"

(Suj. 7).

A experiência da escuta aos adolescentes deixa os profissionais mobilizados para ao grupo familiar e suas dificuldades em se relacionar com um filho adolescente. Tendo em vista que a política de atenção à saúde do adolescente preconiza também a identificação de eventuais vulnerabilidades dessa parcela da população, além da parceria com a escola, é fundamental o envolvimento da família, o que possibilitaria uma melhor compreensão da incidência de comportamentos de risco presentes nesse período da vida, bem como as melhores estratégias para enfrentá-los:

"... Com as escolas é sempre o seguinte: ou os professores sentem necessidade de que a saúde chegue até a escola pra trabalhar principalmente... a sexualidade com os alunos [ou] alguns professores sentem essa necessidade da saúde junto, dando um suporte pra que eles possam trabalhar com sexualidade, no início da vida sexual ativa, mas sempre com os adolescentes. Às vezes eu até falo da necessidade de trabalhar com os pais..."

(Suj. 7).

Sensibilizados com a urgência de uma intervenção integral consistente, os profissionais da saúde do PRAIA, mesmo com todas as dificuldades e incômodos, fazem um esforço para criar rotinas de atendimento nos encaminhamentos do adolescente e sua família, que são feitos pela escola:

"... A gente recebe um resuminho da escola, da orientadora, mais o que está acontecendo para acompanharmos aqui. Ela encaminha a família e o aluno pra cá. Neste contato ela faz um resumo do que ela presenciou, do que está acontecendo, como que está, para fazermos um acompanhamento aqui..." (Suj. 6).

"Eu já prestei serviços lá, eles me pediram. O que eu sei da ligação com a escola é que a escola envia um relatório dos alunos que têm déficit e encaminham pra nossa sala do adolescente" (Suj. 3).

O decreto nº 6.286 (Brasil, 2007), que instituiu o Programa Saúde na Escola (PSE), é enfático na visão processual e não estimula ações episódicas e descontextualizadas. Entretanto, por ter sido lançado pela Presidência da República na forma de portaria interministerial somente em 2007, considera-se o projeto embrionário e em seus primeiros passos de execução, necessitando que os profissionais se apropriem das suas diretrizes. Entre elas, a questão da integralidade e cuidado contínuos com a saúde do escolar. Mas os relatos dos participantes também demonstram uma aceitação e defesa da necessidade da articulação escola e saúde. Já se observam vários avanços nessa proposta, atualmente, se comparada ao tempo de sua implementação, tendo como indicadores o impressionante aumento de adesão das escolas, e os inúmeros materiais produzidos e experiências bem sucedidas que se difundem no DF e no país.

De tudo isso, algo de fundamental se destaca. O modo segmentário de lidar com os problemas dos adolescentes se reflete nas dificuldades dos profissionais e dos gestores em saúde em construírem um sistema interligado entre saúde e educação. Um sistema que induza a mudanças profundas nas ações em saúde e a partir do qual seja possível traçar um esforço de distanciamento do viés que marcou as práticas em saúde ao longo da história, qual seja, cada uma cuidando de um aspecto do cidadão.

Considerações Finais

A presente pesquisa buscou abordar a relação entre saúde e escola na perspectiva dos profissionais da saúde e, desse modo, lançou um olhar cuidadoso para essa difícil tarefa de integração entre as duas áreas que agregam políticas públicas.

De modo geral, identificou-se um desconforto dos profissionais da saúde com a pouca integração entre eles e os profissionais da educação. Essa relação não se mostrou fácil e os relatos dos participantes da pesquisa evidenciaram o quanto as ações em saúde e em educação ainda precisam se apropriar das diretrizes do Programa Saúde na Escola (PSE), ainda que se reconheça que esse quadro vem se modificando progressivamente. Apesar das políticas preconizarem a ação conjunta de diferentes esferas do governo, no caso da saúde e da educação tal posição ainda precisa ser incorporada ao cotidiano dos profissionais envolvidos.

Os profissionais da saúde apontaram para uma sensação de paralisia, que se revelou em uma dificuldade em vislumbrar ações de saúde criativas e inovadoras na escola, mas também uma dificuldade em lidar com as demandas formuladas pela escola que se mostraram pouco interativas, como palestras e disponibilização de material educativo. Pode-se supor que não são apenas as ações em saúde que precisam mudar, mas também as demandas formuladas pela escola, tendo em vista que as intervenções em saúde devem promover ações transversais e interdisciplinares que possam, inclusive, ser incorporadas aos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Contudo, as demandas escolares, no modo como elas são escutadas e compreendidas pelos profissionais da saúde, seguem ainda o modelo biomédico, focado em ações de saúde pontuais e de natureza mais curativas. Essas demandas revelam um modo de compreensão segmentário de um sujeito adolescente que vive a turbulência de conflitos internos e externos, em um período de vida desafiador. Assim, para que as ações em saúde na escola sejam transformadoras, ela precisa formular demandas que possam estar à altura dos seus desafios.

Por outro lado, os profissionais da saúde, movidos pelo anseio de uma articulação entre a escola e a saúde, muitas vezes se colocam em uma posição paralisada e, apesar de críticos ao modelo de intervenção praticado na escola, não conseguem construir ações inovadoras, submetendo-se passivamente às demandas que lhe são endereçadas. E, assim, se lançam em ações isoladas em saúde no contexto escolar e acabam por repetir modelos tradicionais de intervenção, desconectados das novas diretrizes apontadas pelas políticas públicas.

Com efeito, uma intervenção com tamanha envergadura no âmbito da saúde na escola depara-se, segundo os entrevistados, com o excesso de burocracia, falta de tempo, escassez e sobrecarga dos profissionais e despreparo para construir ações integradas, tanto da saúde quanto da educação. Nesse sentido, sugere-se que novos estudos contemplem a visão dos profissionais da educação a respeito das ações de saúde na escola e que atualizem os dados sobre a apropriação dessa política, pelos profissionais, observando sua conversão em práticas, ao longo desses últimos anos.

Conclui-se que apesar da existência de políticas públicas para o adolescente, que preconiza a ação conjunta de diferentes esferas do governo, no caso a saúde e a educação, ainda é preciso incorporar tais diretrizes pelos profissionais. Assim, a pesquisa constata um distanciamento temporal entre os documentos oficialmente instituídos e a criação de uma cultura de saúde que se viabilize no espaço educativo, como privilegiado para construção do cuidado integral ao adolescente.

Recebido em: 14/05/2011

Aprovado em: 18/12/2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2011
  • Aceito
    18 Dez 2012
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