Acessibilidade / Reportar erro

Importância da monitorização do desenvolvimento em recém-nascidos prematuros

EDITORIAL

Importância da monitorização do desenvolvimento em recém-nascidos prematuros

Ligia Maria S.S. Rugolo

Instituição: Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Botucatu, SP, Brasil

Livre Docente em Pediatria pela Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (FMB-UNESP); Professora Associada do Departamento de Pediatria da FMB-UNESP, Botucatu, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ligia Maria Suppo de Souza Rugolo Distrito Rubião Jr. CEP 18618-970 - Botucatu/SP E-mail: ligiasr@fmb.unesp.br

O desenvolvimento infantil é um processo contínuo e complexo que se inicia intrautero e ocorre de forma intensa nos primeiros anos, sob influência de fatores genéticos, biológicos e ambientais. Esses fatores interagem e modulam o neurodesenvolvimento. Por isso, o desenvolvimento de cada criança é único e, muitas vezes, apesar do risco biológico representado principalmente pela prematuridade, o prognóstico pode ser melhor do que o esperado. Por outro lado, viver em ambiente desfavorável pode piorar o desenvolvimento(1).

Neste número da Revista Paulista de Pediatria, o estudo de Souza e Magalhães(2) mostrou que a predição do prognóstico de prematuros não deve se basear apenas em fatores biológicos, como a baixa idade gestacional e o muito baixo peso ao nascimento, que são classicamente considerados fatores de risco para o neurodesenvolvimento(3).

A avaliação do desenvolvimento inclui a história clinica, visando a identificar fatores de risco, a opinião dos pais sobre o desenvolvimento do filho e o exame clínico e neurológico da criança. Entretanto, essa análise detecta apenas um terço dos distúrbios, geralmente os mais graves, e tal detecção não é precoce. Por isso, recomenda-se a avaliação sistematizada por meio de testes de triagem do desenvolvimento, focalizando os aspectos mais relevantes nas diversas faixas etárias(4).

Nos primeiros anos, a vigilância do desenvolvimento sensório-motor é fundamental, pois neste período são frequentes as alterações transitórias, e também se manifestam as deficiências graves(1,4). Dentre os testes para triagem do desenvolvimento motor, destaca-se o uso crescente da Escala Motora Infantil de Alberta (Alberta Infant Motor Scale - AIMS), que foi adaptada à população brasileira, sendo de aplicação fácil e rápida(4). Entretanto, diferenças socioeconômicas e culturais podem influenciar os resultados das escalas aplicadas em diferentes países. Estudo realizado em Goiânia com prematuros de baixo peso mostrou que durante o primeiro ano de vida os escores dos prematuros foram menores em comparação ao padrão normativo da AIMS(5).

Há de se considerar que, dentre as várias escalas disponíveis, cada uma focaliza determinados aspectos do desenvolvimento, cuja relevância varia com a idade(6). Isso foi evidenciado no estudo de Souza e Magalhães(2), segundo o qual, embora não tenha sido detectada diferença nos escores da AIMS aos 12 e aos 15 meses entre prematuros e recém-nascidos de termo, os prematuros apresentaram pior desempenho motor grosso e fino na escala de Desenvolvimento Motor Peabody (Peabody Developmental Motor Scale - PDMS) aos 18 meses. É importante notar que esse prejuízo motor teve repercussão negativa nas atividades da vida diária da criança, levando ao pior desempenho nas habilidades de autocuidado.

A marcha independente é um importante marco motor tanto nas expectativas dos familiares como dos profissionais de saúde, pois a partir de então a criança amplia muito sua capacidade de explorar e interagir com o ambiente, adquirindo novas e mais complexas habilidades(7). O estudo de Souza e Magalhães(2) alerta para a maior lentidão na aquisição da marcha nos prematuros de muito baixo peso, embora, em média, tenham iniciado a marcha dentro do prazo esperado.

Um dos aspectos mais relevantes apontados no estudo de Souza e Magalhães(2) foi o menor grau de estimulação dos prematuros, sendo que 60% deles estavam em situação de risco ambiental para o desenvolvimento. Os autores discutem de forma abrangente este achado, alertando para aspectos do contexto familiar que merecem atenção. Esse resultado é importante, pois aponta um fato que pode ser melhorado com intervenção precoce. Spittle et al(8) mostraram que um programa de intervenção no primeiro ano de vida, com visitas domiciliares para orientar os familiares, melhora o comportamento da criança e reduz a ansiedade e a depressão dos parentes.

Alguns cuidados devem ser tomados na interpretação dos estudos sobre prognóstico, incluindo: tamanho amostral, critérios de inclusão, tempo de seguimento e possibilidade de viés devido à perda de seguimento(9). Souza e Magalhães(2) apontam algumas dessas limitações em seu estudo.

De qualquer forma, os dados apresentados pelos autores contribuem para a prática dos profissionais da saúde que cuidam de prematuros, mostrando a importância da monitorização do desenvolvimento na detecção precoce de distúrbios para propiciar oportunidades de intervenção que possam melhorar o prognóstico destas crianças. Os dados também trazem novos desafios para a pesquisa, apontando a necessidade de mais estudos para investigar a relação entre prematuridade e fatores de risco ambiental.

Recebido em: 27/8/2012

Conflito de interesse: nada a declarar

  • 1. Rugolo LMSS. Crescimento e desenvolvimento a longo prazo do prematuro extremo. J Pediatr (Rio J) 2005;81:S101-S10.
  • 2. Souza ES, Magalhães LV. Desenvolvimento motor e funcional em crianças nascidas pré-termo e a termo: influência de fatores de risco biológico e ambiental. Rev Paul Pediatr 2012;30:462-70.
  • 3. de Kieviet JF, Piek JP, Aarnoudse-Moens CS, Oosterlaan J. Motor development in very preterm and very low-birth-weight children from birth to adolescence: a meta-analysis. JAMA 2009;302:2235-42.
  • 4. Rugolo LMSS, Bentlin MR, Lyra JC. Monitorização do desenvolvimento do recém-nascido pré-termo. In: PRORN. Sociedade Brasileira de Pediatria. Porto Alegre: Artmed; 2012.
  • 5. Kayenne Martins Roberto Formiga C, Linhares MB. Motor development curve from 0 to 12 months in infants born preterm. Acta Paediatr 2011;100:379-84.
  • 6. Spittle AJ, Doyle LW, Boyd RN. A systematic review of the clinimetric properties of neuromotor assessments for preterm infants during the first year of life. Dev Med Child Neurol 2008;50:254-66
  • 7. Volpi SC, Rugolo LM, Peraçoli JC, Corrente JE. Acquisition of motor abilities up to independent walking in very low birth weight preterm infants. J Pediatr (Rio J) 2010;86:143-148.
  • 8. Spittle AJ, Anderson PJ, Lee KJ, Ferretti C, Eeles A, Orton J et al Preventive care at home for very preterm infants improves infant and caregiver outcomes at 2 years. Pediatrics 2010;126:e171-8.
  • 9. Castro L, Yolton K, Haberman B, Roberto N, Hansen NI, Ambalavanan N et al Bias in reported neurodevelopmental outcomes among extremely low birth weight survivors. Pediatrics 2004;114:404-10
  • Endereço para correspondência:

    Ligia Maria Suppo de Souza Rugolo
    Distrito Rubião Jr.
    CEP 18618-970 - Botucatu/SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012
    Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rpp@spsp.org.br