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Uma disciplina teórica de química para os alunos ingressantes no curso de graduação em química

A theoretical discipline applied to the freshmen of the undergraduate level at the Chemistry Institute of Unicamp

Resumo

The topics developed in the first discipline applied to the freshmen at the Chemistry Institute of UNICAMP are described, along with a discussion of how the program is developed in our days.

general chemistry; program; freshman


general chemistry; program; freshman

EDUCAÇÃO

Uma disciplina teórica de química para os alunos ingressantes no curso de graduação em química

Pedro Faria dos Santos Filho

Departamento de Química Inorgânica - Instituto de Química - UNICAMP - CP 6154 - 13083-970 - Campinas - SP

Recebido em 7/6/99; aceito em 15/3/00

e-mail: pfaria@iqm.unicamp.br

A theoretical discipline applied to the freshmen of the undergraduate level at the Chemistry Institute of UNICAMP. The topics developed in the first discipline applied to the freshmen at the chemistry institute of UNICAMP are described, along with a discussion of how the program is developed in our days.

Keywords: general chemistry; program; freshman.

INTRODUÇÃO

A avaliação do conteúdo de qualquer curso de graduação em Química, indica que a disciplina "Química Geral" é aquela com a qual o estudante tem o seu primeiro contato no curso, daí a sua importância fundamental. Diante disto, qual deve ser o entendimento acerca de Química Geral, ou melhor, o que vem a ser Química Geral? Mais precisamente, qual deve ser a expectativa, ou o que os alunos ingressantes na maioria dos cursos superiores de Ciências Exatas esperam de uma disciplina de Química Geral?

Segundo os dicionários da língua portuguesa, a definição do termo "geral" é "...que abrange ou compreende um todo; comum à maior parte". Neste sentido pode-se entender que a disciplina Química Geral compreenda um conjunto de assuntos comum à maior parte do programa de graduação em Química. Ou então, que a disciplina de Química Geral aborde um conjunto de assuntos que abranja todos os aspectos da Química. Na verdade, é isto que, realmente, se observa na disciplina Química Geral oferecida pela maioria das Instituições de Ensino Superior, ou seja, esta disciplina é completamente geral, abordando, ainda que superficialmente, a maioria dos assuntos que serão posteriormente desenvolvidos ao longo de todo o curso de graduação em Química.

Com relação à expectativa que se cria em torno da disciplina Química Geral, cabe aqui salientar que existe uma grande diferença entre os tipos de alunos que cursam esta disciplina. Em outras palavras, existe uma diferença fundamental entre os alunos das várias modalidades do curso de graduação em Química, e os alunos dos demais cursos de ciências exatas que também devem cursar esta disciplina, tais como os de Biologia, Física, Engenharia, Computação, Matemática e etc...

Qual deve ser a expectativa ou a postura dos alunos de outros cursos, que na maioria dos casos cursa somente esta disciplina de Química? Nestes casos, o que estes alunos esperam desta disciplina, um enfoque específico ou um bem abrangente, que dê uma visão, ainda que superficial, de um grande conjunto de assuntos ou conhecimentos? Na verdade, normalmente, é esta última alternativa que se verifica nesta disciplina, e a mesma acaba sendo muito interessante para estes alunos, que adquirem assim uma visão bastante ampla dos vários aspectos da Química e de todo o seu potencial de aplicação, na interpretação e na elucidação das várias questões que surgem a todo instante na vida cotidiana. Isto significa que esta disciplina acaba sendo muito interessante para os alunos que não são do curso de Química.

Por outro lado, qual é a expectativa dos alunos do curso de graduação em Química, com relação à disciplina de Química Geral? É extremamente importante destacar que, por ser a primeira disciplina oferecida por qualquer Instituto de Química aos seus próprios calouros, ela acaba sendo o cartão de visita do Instituto, a partir da qual os alunos têm a primeira impressão, bem como passam a formar a sua própria opinião a respeito do mesmo e de seus docentes. Além disso, esta disciplina tem ainda um papel muito importante no sentido de reforçar a motivação dos calouros em continuar se dedicando ao estudo da Química, que é área que eles escolheram para se profissionalizar.

Esta preocupação com a disciplina introdutória de Química, tanto para os alunos do curso de Química quanto para aqueles das várias carreiras dos cursos de ciências exatas, já é bem antiga e muito séria e preocupante. Segundo Gillespie1 a situação é, de certo modo, até constrangedora, uma vez que aparentemente, depois de cursar esta disciplina, a grande maioria dos alunos oriundos de um sistema de ciclo básico geral, se sente extremamente desestimulada a continuar a estudar Química. Para estes alunos, esta disciplina introdutória é irrelevante, desestimulante e desinteressante. Parece que na disciplina introdutória de Química, ao invés de despertar o interesse dos alunos em Química e todas as suas aplicações importantes, estamos somente desencorajando-os e enterrando qualquer interesse em Química que eles pudessem ter. Gillespie acredita ainda que existem alguns problemas principais, que são responsáveis por esta situação, dentre os quais podemos destacar: ementas muito extensas, ênfase muito pronunciada na parte de físico-química e na resolução de problemas numéricos e teoria muito abstrata e difícil. Talvez o importante nesta disciplina seja que o aluno comece a pensar como Químico, ou pelo menos entenda como o Químico pensa, numa tentativa de entender o mundo material em termos de átomos e moléculas e seus arranjos e movimentos. Segundo Gillespie, os conceitos, teorias e princípios que utilizamos em Química não podem ser apreciados, a menos que seja em um contexto de alguns fatos e observações que desejamos explicar ou racionalizar, e os fatos e observações não podem ser entendidos e lembrados a menos que haja algumas teorias e princípios para racionalizá-los.

Ao longo do tempo, muitas sugestões e tentativas têm sido feitas para tentar resolver este problema, através das mais variadas formas e proposições. A leitura de textos que enfocam algum problema ambiental atual, seguida de discussões em pequenos grupos e de um painel integrativo, foi tentada como estratégia de ensino para motivar e sensibilizar os alunos ingressantes no curso de Química2,3. Numa tentativa deste tipo, observou-se um índice de evasão nesta disciplina inicial de 10%, sendo que dos alunos restantes, 50% não conseguiram superar as deficiências de sua formação anterior e assim, não foram aprovados.

Uma outra sugestão apresentada foi a de se criar um conjunto de disciplinas, denominado Núcleo de Química Geral, onde se escolheria dentre estas disciplinas, quais as que os alunos deveriam cursar, de acordo com as suas carreiras4. Entretanto, sugere-se que o conteúdo a ser ensinado em Química Geral não deva ser obtido a partir de informações já conhecidas e existentes nos livros, mas sim, a partir das necessidades da comunidade onde o profissional vai se inserir após a seu curso de graduação. As informações contidas nos livros seriam apenas os meios para se ensinar o que é relevante para a vida da comunidade. Contudo, as situações nas quais os profissionais serão inseridos após a conclusão de seus programas de graduação não eram claras e bem definidas para a maioria dos professores que lecionavam estas disciplinas.

A aplicação de um conjunto de textos enfatizando problemas ambientais, associados a uma parte experimental da disciplina de Química Geral que explorava estes temas, também já foi tentada5. Segundo os autores, os resultados foram animadores, muito embora, na avaliação dos alunos de diferentes carreiras, em um primeiro momento, não facilitassem o aprendizado e tampouco ajudavam a compreender o significado da Química para a profissão a seguir. No caso da disciplina de Química Geral oferecida aos alunos de Engenharia Mecânica, existe uma proposta de que o conteúdo a ser desenvolvido deva ser feito a partir das tarefas básicas a serem desempenhadas pelo futuro profissional. Isso garantiria a profissionalização do programa da disciplina através do seu próprio conteúdo, ao mostrar a Química como uma necessidade para a compreensão do componente químico do objeto de estudo6. Ainda para os alunos de outras carreiras, que não do curso de Química, existe a sugestão de que se possa apresentar textos que enfoquem problemas ambientais, na forma de transparências, onde os alunos possam ler os assuntos enquanto os vários aspectos relacionados aos mesmos são discutidos pelo professor. Segundo os autores3, a aplicação de uma proposta deste tipo ajudaria a reverter a situação atual, através da qual a Química é vista como sinônimo de perigoso, nocivo, ruim e etc.

Em uma disciplina de Química Geral que tenha também uma parte experimental, uma tentativa feita ao longo de três anos em uma universidade da Escócia mostrou que a aplicação de mini-projetos, que são problemas práticos que requerem para a sua solução a aplicação de conceitos e habilidades desenvolvidas em um conjunto de experimentos previamente realizados, se constitui em uma boa oportunidade para o aluno testar se a sua capacidade de planejamento leva a uma solução correta para um problema específico7. Esta sistemática seria muito vantajosa em relação às tentativas tradicionais que se baseiam na resolução de problemas apenas com o auxílio de lápis e papel.

Como pode-se observar, os problemas associados à disciplina de Química Geral parecem ser universais e a escolha de uma solução única para qualquer tipo de aluno parece estar muito distante de ser atingida. De particular importância, é a atenção que deve ser dada aos alunos do curso de Química, em suas várias modalidades, uma vez que, desde o início de seus cursos, os mesmos devem se sentir motivados e estimulados para aprofundar os seus conhecimentos nesta área do conhecimento que escolheram.

Diante de toda a "responsabilidade" desta primeira disciplina oferecida aos calouros do curso de Química, aparentemente, o oferecimento da mesma a estes alunos, nos mesmos moldes daquela disciplina de Química Geral oferecida aos alunos de outros cursos, não seja conveniente. Isto se deve ao fato de que a grande maioria dos assuntos é abordada apenas superficialmente, além do que, em muitos casos, dependendo da sua origem, os alunos já tiveram esta abordagem superficial. Isto acaba desestimulando-os e levando-os a se dedicar mais a outras disciplinas que trazem mais novidades, ou são mais desafiadoras, e assim se tornam mais estimulantes para estes alunos. Sob este aspecto, será que a disciplina Química Geral oferecida aos alunos ingressantes do curso de Química, nos mesmos moldes daquele que é oferecido aos alunos de outras Unidades, é importante ou adequado para estes alunos?

COMO FICOU A PARTE TEÓRICA DA DISCIPLINA "QUÍMICA GERAL" OFERECIDA AOS ALUNOS INGRESSANTES NO CURSO DE QUÍMICA, 30 ANOS APÓS A SUA INAUGURAÇÃO

Atualmente, a idéia é que esta primeira disciplina cursada pelos alunos ingressantes no curso de Química, seja centrada em estrutura atômica e ligação química, em todos os seus aspectos, aplicações e implicações. Isto indica que a disciplina não deve tratar exclusivamente destes tópicos mas que, na verdade, estes assuntos sejam a espinha dorsal da mesma, a partir da qual vários outros assuntos possam ser derivados. Neste sentido, imaginou-se que esta disciplina poderia ter a seguinte seqüência:

· estrutura atômica e tabela periódica;

· interações entre átomos e interações eletrostáticas;

· compostos iônicos de metais de transição;

· ligação covalente;

· estruturas de Lewis, hibridização e geometria;

· moléculas heteronucleares e poliatômicas.

No passado, já se imaginou que este conjunto de assuntos constituia um conhecimento que já era dominado pelos alunos e assim, deveria ser apenas revisto rapidamente ao longo da disciplina de Química Geral, que também envolvia um conjunto bastante extenso de outros assuntos. Entretanto, a experiência adquirida ao longo destes últimos trinta anos mostrou que isto não é bem verdade, e que este conjunto de assuntos constitui uma das grandes falhas de conhecimento da maioria de nossos alunos, tanto de graduação quanto de pós-graduação. Isto, mais do que justifica uma abordagem profunda deste assunto nesta disciplina. Assim, é importante ressaltar para os alunos que esta é a última oportunidade para se fixar e/ou assimilar, definitivamente, os modelos e/ou conceitos que se aborda ao longo desta disciplina. Da mesma maneira, deve-se tratar todas as idéias da maneira mais abrangente possível, mostrando que este programa não é específico de nenhuma área da Química.

COMO É O DESENVOLVIMENTO DO CONJUNTO DE ASSUNTOS DE QUÍMICA GERAL

No desenvolvimento de um conjunto de assuntos desta natureza, o curso se inicia com uma introdução histórica que mostra como se chegou ao modelo do orbital atômico e por que houve a necessidade de se reformular o modelo que existia até então. Na verdade, esta introdução é extremamente importante, tanto neste assunto quanto em qualquer um outro, no sentido de enfatizar a importância de se estudá-los, bem como onde os mesmos serão utilizados ou aplicados na interpretação de alguma observação.

Neste ponto, aproveita-se a ocasião para corrigir ou esclarecer algumas falhas encontrados rotineiramente tanto em livros didáticos quanto em disciplinas desta natureza. Um exemplo muito simples é a representação dos orbitais p, normalmente apresentada nos livros didáticos. São encontradas pelo menos três representações diferentes destes orbitais, sem a discussão ou a diferenciação necessárias entre as mesmas. Será que os alunos sabem o significado de cada uma destas representações? Ou então, será que os alunos sabem que a representação mais correta ou significativa nem sempre é a mais conveniente ou a mais utilizada? Por que será que acontece isto? Por outro lado, será que o orbital dz2 é diferente dos demais orbitais d? Na verdade, todas estas questões devem ser muito bem discutidas e esclarecidas de uma vez por todas neste ponto do curso.

Além disso, o significado dos subníveis de energia e a sua sensibilidade à ocupação devem ser muito bem esclarecidos. O fato de a ordem crescente de energia destes subníveis vazios ser diferente daquela observada quando os mesmos se encontram preenchidos deve ser muito bem enfatizado uma vez que, normalmente, causa uma certa surpresa nos alunos que têm, inclusive, uma certa relutância em aceitá-lo.

Novamente, no início da discussão sobre interações entre átomos e interações eletrostáticas, faz-se uma introdução acerca de tudo o que pode acontecer com o átomo, em função de sua natureza, mostrando claramente que o tipo de interação está intimamente relacionado às características do átomo. Este ponto é muito importante para o aluno perceber que os assuntos estão intimamente relacionados, ou seja, não se termina de estudar uma parte e se começa outra completamente independente da anterior.

Em seguida, estuda-se os compostos iônicos da maneira mais abrangente possível, não se limitando aos compostos iônicos típicos, que apresentam sempre aquelas mesmas propriedades características. Sob este aspecto, estuda-se também os haletos de prata ou mercúrio, que apresentam propriedades que se afastam, acentuadamente, daquelas típicas de compostos iônicos. Isto é muito importante para esclarecer ao aluno que o mesmo modelo ou raciocínio tem uma dimensão bem mais ampla do que se imagina à primeira vista. Será que apenas o tamanho dos íons envolvidos é responsável pelo comportamento, aparentemente diferente, de muitos compostos iônicos?

Além de explorar todos estes assuntos, deve-se aqui chamar a atenção dos alunos para o fato de que enquanto os compostos iônicos de metais alcalinos e alcalino terrosos são incolores, a maioria daqueles que apresentam íons derivados de metais de transição apresenta uma característica bem marcante, que é a cor. Qual seria então a diferença entre os metais alcalinos e alcalino terrosos e os metais de transição? É muito importante frisar neste ponto que o modelo eletrostático que se está utilizando continua o mesmo, só que agora existem conjuntos de orbitais diferentes para cada um dos tipos de íons. Desta maneira, deve-se estudar assim o efeito da aproximação de um conjunto de íons a um determinado íon derivado de um átomo de metal de transição. Aqui, deve-se, necessariamente, aplicar a teoria do campo cristalino a estes compostos iônicos que apresentam um íon derivado de metal de transição.

Na verdade, isto não significa que se está começando a estudar uma teoria nova, ou um assunto novo. Muito pelo contrário, continua-se aplicando o mesmo modelo eletrostático, só que agora deve-se também levar em conta, além do efeito da repulsão entre os elétrons do metal e aqueles dos ânions, a conseqüência da ocupação desigual do conjunto de orbitais d do metal. Para o aluno, é muito importante a esta altura, perceber a dimensão do modelo eletrostático que ele já estudava anteriormente, e continuar a aplicar o mesmo a compostos que apresentam agora íons derivados de metais que apresentam não mais a configuração ns2 np6, mas sim, um conjuntos de orbitais d diferentemente ocupados.

Ao final da discussão do modelo exclusivamente eletrostático, apresenta-se uma série de evidências ou observações experimentais acerca de compostos tido como iônicos, que levem o aluno a concluir que deve existir alguma contribuição adicional que deve ser levada em conta para se poder justificar as propriedades ou características destes compostos. Dentre algumas destas observações que devem ser apresentadas aos alunos pode-se destacar a menor repulsão elétron-elétron que deve existir no composto formado, em relação às espécies que participam do mesmo (efeito nefelauxético), ou então, o fato de que os elétrons de um determinado ligante se encontram, pelo menos parte do tempo, mais sob a influência do núcleo do metal do que do átomo do próprio ligante. Estas observações são muito importantes, uma vez que permitem que o próprio aluno conclua que apenas a contribuição eletrostática não é suficiente para interpretá-las.

A partir disto, se começa a desenvolver a idéia de atração simultânea, que é o ponto fundamental na discussão da ligação covalente. Quando se introduz a teoria do orbital molecular, é muito importante destacar para o aluno o paralelo que existe entre átomos e moléculas, ou seja, enquanto um apresenta um único núcleo, a outra apresenta um conjunto de núcleos. Da mesma forma, enquanto o átomo apresenta um conjunto de níveis e subníveis de energia, as moléculas também apresentam um conjunto de níveis de energia. Além disso, da mesma forma que existem orbitais atômicos degenerados, também existem orbitais moleculares degenerados, além de várias outras correlações entre átomos e moléculas.

Um outro aspecto importante ao longo desta discussão, que se enfatiza ao extremo para os alunos, é a importância da mudança radical na maneira de pensar que deve acompanhá-los daqui em diante. Isto está intimamente relacionado à capacidade que deverá ser desenvolvida nos alunos de associar em suas mentes o estereótipo correto e mais adequado às moléculas. Isto significa que, doravante, quando o aluno ouvir a expressão "molécula de hidrogênio", o estereótipo que deve surgir em sua mente jamais deverá ser H2 ou H-H, mas na verdade, ele deverá imaginar duas regiões no espaço ao redor dos núcleos, uma com uma elevada densidade de probabilidade localizada entre os dois núcleos, além de outra localizada apenas na região de cada um dos núcleos. Além disso, apenas a primeira destas duas regiões apresenta densidade eletrônica. É claro que não é muito fácil desenvolver esta capacidade nos alunos, mas este é um dos objetivos desta disciplina, ou seja, ensiná-los a pensar da maneira mais correta e coerente.

Além disso, um pouco mais adiante no desenvolvimento deste assunto, introduz-se a idéia de mistura ou hibridização como uma mera conseqüência de uma diferença de energia muito pequena entre subníveis de energia, que acaba permitindo tal mistura. Ainda, quanto à representação dos orbitais híbridos, deve-se fazer as mesmas considerações que se faz no início do curso com relação aos orbitais atômicos.

A discussão acerca de mistura ou hibridização é desenvolvida juntamente com as estruturas de Lewis de compostos covalentes, no sentido de se saber acomodar os elétrons nas melhores regiões possíveis ao redor dos átomos. É importante ressaltar aqui que as idéias acerca de estruturas de Lewis e densidades de carga não significam "xiszinhos e bolinhas" que são colocadas ao redor de um conjunto de letras. Muito pelo contrário, estas estruturas de Lewis correspondem a um conjunto de informações muito importantes acerca da molécula.

Após todas estas considerações, espera-se que se tenha adquirido subsídios para estudar moléculas heteronucleares e poliatômicas. O objetivo, a esta altura do curso, é conseguir imaginar o conjunto de todas as interações envolvendo todos os orbitais atômicos mais externos de todos os átomos que participam da molécula, sem utilizar os argumentos de simetria e teoria de grupos.

Iniciando com as moléculas heteronucleares mais simples, tenta-se obter o maior número possível de informações a partir das estruturas de Lewis das mesmas, identificando todos os orbitais atômicos existentes em cada um dos átomos. A partir disto, imagina-se o conjunto de todas as interações nas quais cada um destes orbitais atômicos pode participar para, finalmente, fazer o correspondente diagrama que mostra os níveis de energia de todos os orbitais moleculares existentes na molécula. Aplica-se esta mesma seqüência de passos às moléculas que apresentam os tipos de geometrias mais comuns, ou seja, linear, trigonal plana, tetraédrica, quadrado planar, bipirâmide trigonal e octaédrica.

Finalmente, para terminar o curso, nestes quatro últimos tipos de geometria mencionados anteriormente, se dá ênfase à aplicação da teoria do orbital molecular a complexos de metais de transição. A principal novidade agora, em relação aos casos anteriores, é desenvolver a capacidade de se imaginar o conjunto de interações envolvendo cada um dos cinco orbitais d do metal de transição, para cada um dos tipos de geometria, com os orbitais de cada um dos ligantes. Uma vez conseguido isto, o próximo passo é a construção dos correspondentes diagramas dos níveis de energia dos orbitais moleculares para cada um destes tipos de geometria. Aí então, a partir de todo este conjunto de informações, verifica-se a natureza da interação do metal de transição com cada um dos tipos de ligantes e assim se consegue, finalmente, explicar a série espectroquímica, que já teria sido estudada há pelo menos dois meses.

Este conjunto de assuntos cobre então os aspectos acerca de estrutura atômica e ligação química, em suas mais variadas formas, ao mesmo tempo em que aborda um conjunto muito amplo de aspectos estruturais e eletrônicos acerca dos mais variados tipos de moléculas. Desta maneira, o desenvolvimento de uma disciplina com este programa fornece aos alunos um conjunto de subsídios muito importante para um melhor aproveitamento das disciplinas subsequentes, particularmente aquelas de Química Orgânica e Inorgânica, ao mesmo tempo em que ajuda a criar uma base muito mais sólida na sua formação profissional como químicos.

É interessante notar que uma proposta deste tipo, contempla mais ou menos a mesma filosofia desenvolvida por Linus Pauling8, em seu famoso texto "Química Geral", onde se valoriza os princípios teóricos, que permitem ao aluno um amadurecimento de seu raciocínio, e se fornece a ele os caminhos para uma racionalização das observações, de uma maneira coerente e lógica. Em uma disciplina conduzida nestes moldes, a parte destinada à Química descritiva é reduzida sensivelmente, priorizando-se na medida do possível o desenvolvimento de uma maneira de pensar que conduza a uma análise objetiva de qualquer observação. Uma das grandes vantagens de uma proposta deste tipo é a inibição definitiva da memorização, que dá lugar ao raciocínio lógico e objetivo.

CONCLUSÃO

No desenvolvimento deste conjunto de assuntos, observa-se que o professor desempenha um papel fundamental no que diz respeito a utilizar a sua experiência profissional, ou melhor, a sua própria vivência em Química. Isto é fundamental para que ele seja capaz de explorar cada um dos assuntos desenvolvidos da forma mais abrangente possível, não se limitando aos exemplos mais simples e corriqueiros, que qualquer aluno de nível médio já tem memorizado.

Da experiência adquirida nestes últimos anos, pode-se observar que o perfil dos alunos que cursaram a disciplina de Química Geral nestes moldes mudou significativamente, ao mesmo tempo em que o seu desempenho, principalmente nos cursos de Química Orgânica e Inorgânica, passou a ser bem melhor9. Muitos conceitos importantes envolvendo os elementos representativos, tais como capacidade de participar de interações do tipo p, apresentar-se como monômero ou dímero, ou mesmo a diferenciação a nível de comportamento entre elementos de diferentes períodos da tabela periódica passaram a ser muito melhor entendidos e deixaram, definitivamente, de ser memorizados. Tudo isto tornou a disciplina Química Geral bem mais estimulante para os alunos ingressantes no curso de Química que, desta maneira, passaram a conseguir entender e explicar muitas observações que até então se limitavam apenas a aceitar. Isso mostra a viabilidade desta proposta que já vem sendo aplicada e, até agora, tem sido bem sucedida.

REFERÊNCIAS

1. Gillespie, R. J.; J. Chem. Educ. 1991, 68, 192.

2. Rodrigues, J. F.: Jucá, M. E. W.; Quim. Nova 1993, 16, 60.

3. Andrade, J. B.; Samo, P.; Quim. Nova 1990, 13, 213.

4. Da Silva, R. R.; Botomé, S. P.; de Souza, D. J.; Quim. Nova 1986, 9, 80.

5. Campos, R. C.; Godoy, J. M.; Quim. Nova 1996, 19, 4.

6. Nuñez, I. B.; Pacheco, O. G.; Quim. Nova 1996, 19, 558. Nuñez, I. B.; Pacheco, O. G.; Quim. Nova 1976, 19, 671.

7. Viana, J. F.; Slect, R. J.; Johnstone, A. J.; Quim. Nova 1999, 22, 138.

8. Pauling, L.; General Chemistry; W. H. Freeman and Company; San Francisco, 1 edição, 1947.

9. Faria dos Santos Filho, P.; Quim. Nova, no prelo.

  • 1. Gillespie, R. J.; J. Chem. Educ. 1991, 68, 192.
  • 2. Rodrigues, J. F.: Jucá, M. E. W.; Quim. Nova 1993, 16, 60.
  • 3. Andrade, J. B.; Samo, P.; Quim. Nova 1990, 13, 213.
  • 4. Da Silva, R. R.; Botomé, S. P.; de Souza, D. J.; Quim. Nova 1986, 9, 80.
  • 5. Campos, R. C.; Godoy, J. M.; Quim. Nova 1996, 19, 4.
  • 6. Nuñez, I. B.; Pacheco, O. G.; Quim. Nova 1996, 19, 558.
  • Nuñez, I. B.; Pacheco, O. G.; Quim. Nova 1976, 19, 671.
  • 7. Viana, J. F.; Slect, R. J.; Johnstone, A. J.; Quim. Nova 1999, 22, 138.
  • 8. Pauling, L.; General Chemistry; W. H. Freeman and Company; San Francisco, 1 edição, 1947.
  • 9. Faria dos Santos Filho, P.; Quim. Nova, no prelo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2000
  • Data do Fascículo
    Out 2000

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 1999
  • Aceito
    15 Mar 2000
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