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Implante de endoprótese na via de entrada do átrio direito monitorado por ultra-som intracardíaco

Resumos

As obstruções do sistema venoso superior podem ocorrer por trombose espontânea ou na presença de cateteres de hemodiálise ou quimioterapia, e mesmo na presença de compressão extrínseca por tumores intratorácicos. O uso de endopróteses para o tratamento dessas obstruções vem se tornando prática comum e sua indicação inclui situações de risco de embolia pulmonar, síndrome da veia cava superior e perda do acesso vascular. Nesse contexto, o uso do ultra-som intracardíaco pode ser útil na avaliação da extensão e da gravidade da obstrução, além de fornecer informações morfológicas murais e intramurais do sistema venoso. Relatamos o caso de uma paciente com síndrome da veia cava superior por trombose da via de entrada do átrio direito, submetida a implante de endoprótese monitorado por ultra-som intracardíaco, além de discutir o tema por meio de revisão da literatura.

Ultra-sonografia de intervenção; síndrome da veia cava superior; endoprótese


Obstructions of the upper venous system may be due to spontaneous thrombosis or the presence of hemodialysis or chemotherapy catheters, or even the presence of extrinsic compression due to intra-thoracic tumors. The use of endoprosthesis for the treatment of these obstructions has become common practice, and its indications include situations of risk for pulmonary embolism, superior vena cava syndrome, and loss of vascular access. Within this context, the use of intracardiac ultrasound may be useful in evaluating the extension and severity of the obstructive lesion, besides providing important information about the mural and intraluminal morphology of the venous system. The authors report the case of a patient with superior vena cava syndrome caused by thrombosis at the entry pathway of the right atrium, besides discussing the subject by means of literature review.

Superior vena cava syndrome; endoprotesis; ultrasonography, interventional


RELATO DE CASO

Implante de endoprótese na via de entrada do átrio direito monitorado por ultra-som intracardíaco

Rogério Tadeu Tumelero; Norberto Toazza Duda; Alexandre Pereira Tognon; Saulo Martins Coccio Filho

Cardiologia Intervencionista do Hospital São Vicente de Paulo – Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo, RS

Correspondência Correspondência: Rogério Tadeu Tumelero Rua José Bonifácio, 230/302 99070-070 – Passo Fundo, RS E-mail: rttumelero@cardiol.br

RESUMO

As obstruções do sistema venoso superior podem ocorrer por trombose espontânea ou na presença de cateteres de hemodiálise ou quimioterapia, e mesmo na presença de compressão extrínseca por tumores intratorácicos. O uso de endopróteses para o tratamento dessas obstruções vem se tornando prática comum e sua indicação inclui situações de risco de embolia pulmonar, síndrome da veia cava superior e perda do acesso vascular. Nesse contexto, o uso do ultra-som intracardíaco pode ser útil na avaliação da extensão e da gravidade da obstrução, além de fornecer informações morfológicas murais e intramurais do sistema venoso. Relatamos o caso de uma paciente com síndrome da veia cava superior por trombose da via de entrada do átrio direito, submetida a implante de endoprótese monitorado por ultra-som intracardíaco, além de discutir o tema por meio de revisão da literatura.

Palavras-chave: Ultra-sonografia de intervenção, síndrome da veia cava superior, endoprótese.

Introdução

As obstruções do sistema venoso superior apresentam fisiopatogenia variada, incluindo ocorrência de trombose espontânea (1% a 4% de todas as tromboses venosas), presença de cateteres de hemodiálise ou de quimioterapia, e mesmo compressão extrínseca por tumores intratorácicos1-3. O uso de endopróteses para o tratamento das obstruções do sistema venoso vem se tornando prática comum e sua indicação inclui situações de risco de embolia pulmonar, síndrome da veia cava superior e perda do acesso vascular4. Nesse contexto, o uso do ultra-som intravascular/intracardíaco pode ser útil na avaliação da extensão e da gravidade da lesão obstrutiva, além de proporcionar importantes informações sobre a morfologia tanto mural como intralumimal do sistema venoso. Os autores relatam o caso de paciente do sexo feminino com obstrução da veia cava superior comprometendo o átrio direito, secundária a trombose de cateter totalmente implantável. A paciente foi submetida a implante de endoprótese recoberta com politetrafluoretileno (PTFE) no sistema cava superior/átrio direito, monitorado pelo ultra-som intravascular/intracardíaco.

Relato do Caso

Paciente do sexo feminino, com 61 anos de idade, submetida a mastectomia radical prévia em decorrência de carcinoma ductal infiltrante e colocação de cateter totalmente implantável para realização de quimioterapia. Onze meses após o implante do cateter, a paciente passou a apresentar edema facial e dos membros superiores e cianose facial. A tomografia computadorizada do tórax demonstrou presença de trombose da veia cava superior e porção superior do átrio direito, confirmando o diagnóstico de síndrome da veia cava superior, não tendo sido observada compressão extrínseca.

Vinte dias após o início dos sintomas, o cateter implantável foi retirado, sem remissão dos sintomas. A paciente foi, então, encaminhada a venografia e cateterismo cardíaco direito. Por meio de injeção na veia subclávia direita e na veia femoral direita, pôde ser visualizada oclusão completa da porção superior do átrio direito imediatamente após a origem do sistema ázigos até a proximidade da valva tricúspide. A drenagem do sistema venoso superior ocorria pelo sistema ázigos. As pressões no ventrículo direito e na artéria pulmonar eram normais (pressão arterial pulmonar média = 20 mmHg) (fig. 1).


Por causa do grave comprometimento clínico, do risco cirúrgico e do prognóstico reservado, foi contra-indicado o procedimento cirúrgico, sendo recomendado procedimento percutâneo com implante de endoprótese recoberta com politetrafluoretileno (PTFE), por via femoral, sem pré-dilatação, com o objetivo de evitar o deslocamento de trombos para o sistema pulmonar. Por meio de punção das veias femoral direita e subclávia direita, foi realizada injeção no átrio direito, confirmando-se obstrução em sua via de entrada. Foram administradas 10.000 UI de heparina não-fracionada, por via endovenosa. A oclusão foi ultrapassada através da veia subclávia direita, utilizando-se um guia Shinobi 0,014" (Cordis, FL, Estados Unidos), sendo sua recanalização obtida por meio de dilatação com balão 3 mm x 20 mm. Foi, então, posicionado fio-guia 0,035", 300 cm DAIG (St. Jude Medical, MN, Estados Unidos), por via femoral. Através do fio-guia, foi introduzida uma bainha 9F até a veia jugular interna direita e foi posicionado cateter de ultra-som intravascular/intracardíaco de 9 Mhz (Boston Scientifics, MN, Estados Unidos).

Utilizando-se o sistema Galaxy (Boston Scientifics, MN, Estados Unidos), foram obtidas imagens ultra-sonográficas, que, juntamente com as imagens angiográficas, permitiram avaliar a presença e a distribuição do trombo, sua relação com o sistema ázigos e com a valva tricúspide (figs. 2 a 5), e as dimensões da endoprótese a ser utilizada. Foi mantida a opção de não se realizar pré-dilatação com balão por causa dos achados ultra-sonográficos, que demonstravam grande quantidade de trombo. Foi realizado implante da endoprótese Apolo 17 mm x 27 mm (16F) (Nano Endovascular, SC, Brasil) através do acesso femoral por punção, seguido de pós-dilatação com balão Multitrack 18 mm x 50 mm (Numed, NY, Estados Unidos). Novas imagens angiográficas (fig. 6) e ultra-sonográficas (fig. 7) foram obtidas ao final da intervenção. Foi observada presença de trombo no bordo proximal da endoprótese, apesar do adequado restabelecimento do fluxo para a via de entrada do átrio direito e da manutenção do fluxo no sistema ázigos.




Não foram observadas imagens de trombos na arteriografia pulmonar de controle e as pressões na artéria pulmonar permaneceram normais. Ainda na sala de hemodinâmica, a paciente apresentou significativa melhora da cianose e evidente redução do edema facial. Recebeu alta dois dias após o procedimento, em uso de ácido acetilsalicílico (AAS) 200 mg e anticoagulação com warfarina 5 mg por via oral por seis meses, com INR-alvo (International Normalized Ratio) entre 2,0 e 3,0.

Em 4 e 10 meses de acompanhamento, a paciente foi submetida a estudo hemodinâmico com cateterismo de câmaras direitas mais angiografia associados a ultra-som intravascular/intracardíaco, o qual evidenciou manutenção do resultado inicial e desaparecimento da imagem de trombo no bordo proximal da endoprótese (figs. 8 e 9). No seguimento clínico de dois anos, a paciente mantém-se assintomática e realizando suas atividades habituais, em uso diário de AAS 200 mg. À radiografia de tórax, não se observa deslocamento da endoprótese.



Discussão

A ocorrência de trombose do sistema venoso superior é uma situação rara, mais comumente relacionada à presença de cateteres implantados no sistema venoso, para a realização tanto de hemodiálise como de quimioterapia, podendo ocorrer em algumas situações após radioterapia1. São relatados, na literatura, casos de ocorrência de síndrome da veia cava superior em portadores de marcapasso2,3. O diagnóstico dessa síndrome pode ser difícil quando os sintomas são discretos, relacionados a pequenas obstruções, ou pela presença de extensa circulação colateral. A maioria dos diagnósticos ocorre quando há presença de edema correspondente.

A terapêutica, nesses casos, inclui a realização de trombólise, dilatação por balão, implante de stents, cirurgia ou sua combinação. No entanto, a melhor estratégia ainda não foi definida. A trombólise química com utilização de agentes trombolíticos (rTPa, estreptoquinase) apresenta incerteza quanto à recanalização e possui baixas taxas de sucesso, além da possibilidade de determinar risco de sangramento. A cirurgia, para esses casos, é um procedimento considerado de grande porte, com necessidade de circulação extracorpórea. Esse procedimento eleva o risco de morbidade e de mortalidade em um grupo de pacientes com prognóstico indefinido e co-morbidades elevadas, principalmente naqueles com neoplasia ou insuficiência renal crônica, em programa de hemodiálise. A tendência atual consiste no uso da técnica percutânea, sendo sua superioridade relatada na literatura, para a recanalização tanto de oclusões como de estenoses de veia cava superior sem envolvimento do átrio direito e/ou da valva tricúspide4. A angioplastia por balão para tratamento das obstruções da veia cava superior determina adequado resultado imediato5. A longo prazo, porém, sua eficácia é comprometida, pela ocorrência de retração elástica. Por outro lado, o uso de stents auto-expansíveis ou expansíveis por balão reduz, de forma significativa, a ocorrência de retração elástica, eliminando, assim, um dos fatores responsáveis pela reestenose. Os stents auto-expansíveis, particularmente, adaptam-se melhor à anatomia das estruturas subjacentes, determinando uma espécie de retração elástica negativa, já que continuam a se expandir ao longo do tempo6, além de se adaptarem em locais sujeitos a movimentos amplos, como articulações ou angulações. O uso de endopróteses recobertas com PTFE para tratamento da síndrome da veia cava superior com envolvimento do átrio direito ainda não foi descrito na literatura. No caso relatado, observou-se manutenção do sucesso inicial no seguimento de dois anos. A considerável experiência clínica com as endopróteses aórticas sem anticoagulação oral remete à discussão sobre os territórios de alta pressão e de baixa pressão e sobre a necessidade de anticoagulação. Presume-se que no sistema venoso, até que haja reendotelização, a anticoagulação oral seja fundamental para evitar, principalmente, embolia pulmonar. Como o risco de eventos embólicos decorrente da presença de cobertura na endoprótese ainda não é conhecido, foi utilizada anticoagulação oral prolongada, por seis meses. A anticoagulação oral foi suspensa após esse período, atribuindo-se à endotelização da endoprótese a redução do risco de trombose. Além das imagens obtidas por angiografia e ultra-som intravascular, a manutenção dos níveis normais de pressões na artéria pulmonar demonstra a ausência de episódios de embolização significativa. Deve-se considerar, no entanto, a possibilidade de ocorrência de microembolização para o território pulmonar, o qual sabidamente possui intensa ação fibrinolítica.

Outra aplicação da intervenção percutânea no sistema venoso inclui o tratamento paliativo da síndrome da veia cava superior de causa neoplásica. Vários relatos de casos são descritos na literatura, e, nessa situação, a técnica demonstrou ser segura, de fácil execução, com altas taxas de sucesso. Por fornecer rápido alívio dos sintomas comparativamente ao tratamento convencional, à quimioterapia ou à radioterapia isolados, pode vir a se tornar o procedimento de escolha nessas situações7-10. A realização de biópsia endovascular poderia estar associada ao implante do stent, permitindo diagnóstico definitivo para orientar a terapia antitumoral.11

O uso do ultra-som intravascular/intracardíaco no tratamento percutâneo das obstruções do sistema venoso é objeto de estudo, evidenciando detalhes não visíveis à venografia. Por meio dele, a formação de colaterais proximal a uma obstrução venosa pode ser diferenciada de trabeculações intraluminais12. A compressão extrínseca e a resultante deformidade do lúmen venoso, por sua vez, podem ser visibilizados diretamente. O ultra-som também parece ser superior à venografia para estimar o grau de obstrução, uma vez que a venografia subestimaria o grau da lesão, especialmente nos casos de oclusões extensas12. Além disso, o ultra-som fornece dados sobre a morfologia da parede luminal e sobre a presença de trombos ou debris, e, em casos de estenose secundária a múltiplas punções, o componente fibroso também é visibilizado12,13. Esse procedimento também permite determinar a extensão e o grau da lesão obstrutiva, com particular importância na definição da extensão e do diâmetro de balões e/ou stents a serem utilizados, além de fornecer dados sobre os bordos proximais e distais do stent e sua adequada aposição12,13. O uso do ultra-som intravascular/intracardíaco auxilia a definição do posicionamento adequado da prótese sem comprometer a valva.

Conclusão

Dessa forma, o conhecimento adquirido com o uso do ultra-som intravascular/intracardíaco nas intervenções percutâneas coronarianas e em cardiopatias permite que esse método seja utilizado como auxiliar importante no tratamento das obstruções, totais ou incompletas, do sistema venoso, especialmente no grupo de pacientes de risco e com baixo índice de sucesso com outras terapias. O tratamento percutâneo associado ao uso do ultra-som intravascular/intracardíaco poderá firmar-se como terapia de escolha para o tratamento de lesões obstrutivas do sistema venoso.

Artigo recebido em 22/03/2006; artigo revisado recebido em 02/06/2006; aceito em 22/06/2006

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  • Correspondência:
    Rogério Tadeu Tumelero
    Rua José Bonifácio, 230/302
    99070-070 – Passo Fundo, RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Aceito
      22 Jun 2006
    • Revisado
      02 Jun 2006
    • Recebido
      22 Mar 2006
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