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Depressão durante a gestação e os desfechos na saúde do recém-nascido: coorte de mães atendidas em unidade básica de saúde

Depression during pregnancy and the health outcomes of the newborn: cohort of mothers attending a primary health service

Resumos

OBJETIVO: Descrever a associação entre depressão durante a gestação e os efeitos no recém-nascido (baixo peso ao nascer e prematuridade). MÉTODOS: Foi realizado um estudo de coorte, com 100 gestantes atendidas entre março e setembro de 2011 em uma unidade de atenção básica de saúde de Nova Iguaçu. As gestantes responderam sobre características sociodemográficas, condições médicas/obstétricas, eventos estressantes e apoio social. A depressão foi avaliada por meio do Composite International Diagnostic Interview (CIDI). Após o período do pós-parto, as mães responderam às questões sobre baixo peso e prematuridade ao nascer. RESULTADOS: A prevalência da depressão na gravidez foi de 18% (IC95%: 12,2-23,8). Fatores associados com desfecho neonatal foram depressão gestacional (OR: 6,60 IC: 1,51-28,91) e uso de álcool (OR: 8,75 IC: 1,10-69,71). CONCLUSÃO: As implicações do presente estudo para a prática enfatizam a necessidade de triagem para depressão durante a gestação.

Gestação; recém-nascido de baixo peso; prematuridade; depressão


OBJECTIVE: Describe the association between depression during pregnancy and effects on the newborn (low birth weight and prematurity). METHODS: We conducted a cohort study of 100 pregnant women enrolled between March and September 2011 in a public primary health service in Nova Iguaçu. Participants were interviewed about their sociodemographic characteristics, medical/obstetric conditions, stressful life events and social support. Depression was assessed using the Composite International Diagnostic Interview (CIDI). After the post-partum mothers were interviewed about low birth weight and preterm birth. RESULTS: The prevalence of depression during pregnancy was 18% (95% CI: 12.2 to 23.8). Factors associated with neonatal outcome were gestational depression (OR: 6,60 CI: 1,51-28,91) and alcohol (OR: 8,75 CI: 1,10-69,71). CONCLUSION: The implications of this study to the practice emphasize the need for screening for depression during pregnancy.

Pregnancy; newborn low birth weight; prematurity; depression


ARTIGO ORIGINAL

Depressão durante a gestação e os desfechos na saúde do recém-nascido: coorte de mães atendidas em unidade básica de saúde

Depression during pregnancy and the health outcomes of the newborn: cohort of mothers attending a primary health service

Daianna Lima Thiengo; Priscila Krauss Pereira; Jacqueline Fernandes de Cintra Santos; Maria Tavares Cavalcanti; Giovanni Marcos Lovisi

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Daianna Lima Thiengo Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Av. Horácio de Macedo, S/N 21941-598 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: daianna.thiengo@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever a associação entre depressão durante a gestação e os efeitos no recém-nascido (baixo peso ao nascer e prematuridade).

MÉTODOS: Foi realizado um estudo de coorte, com 100 gestantes atendidas entre março e setembro de 2011 em uma unidade de atenção básica de saúde de Nova Iguaçu. As gestantes responderam sobre características sociodemográficas, condições médicas/obstétricas, eventos estressantes e apoio social. A depressão foi avaliada por meio do Composite International Diagnostic Interview (CIDI). Após o período do pós-parto, as mães responderam às questões sobre baixo peso e prematuridade ao nascer.

RESULTADOS: A prevalência da depressão na gravidez foi de 18% (IC95%: 12,2-23,8). Fatores associados com desfecho neonatal foram depressão gestacional (OR: 6,60 IC: 1,51-28,91) e uso de álcool (OR: 8,75 IC: 1,10-69,71).

CONCLUSÃO: As implicações do presente estudo para a prática enfatizam a necessidade de triagem para depressão durante a gestação.

Palavras-chave: Gestação, recém-nascido de baixo peso, prematuridade, depressão.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Describe the association between depression during pregnancy and effects on the newborn (low birth weight and prematurity).

METHODS: We conducted a cohort study of 100 pregnant women enrolled between March and September 2011 in a public primary health service in Nova Iguaçu. Participants were interviewed about their sociodemographic characteristics, medical/obstetric conditions, stressful life events and social support. Depression was assessed using the Composite International Diagnostic Interview (CIDI). After the post-partum mothers were interviewed about low birth weight and preterm birth.

RESULTS: The prevalence of depression during pregnancy was 18% (95% CI: 12.2 to 23.8). Factors associated with neonatal outcome were gestational depression (OR: 6,60 CI: 1,51-28,91) and alcohol (OR: 8,75 CI: 1,10-69,71).

CONCLUSION: The implications of this study to the practice emphasize the need for screening for depression during pregnancy.

Keywords: Pregnancy, newborn low birth weight, prematurity, depression.

INTRODUÇÃO

Um crescente número de estudos tem investigado os efeitos da depressão na saúde do recém-nascido, sugerindo que o não tratamento da depressão está associado a eventos adversos no feto e na criança, incluindo baixo peso ao nascer, prematuridade e atraso do crescimento no primeiro ano de vida1,2. Esses estudos mostraram que crianças de mães deprimidas são duas a três vezes mais suscetíveis a baixo peso ao nascer/prematuridade1,2.

Vários fatores foram postulados para explicar essa associação. A associação entre depressão, baixo peso ao nascer e/ou prematuridade pode ser elucidada pelo fator indireto, em que a depressão seria a variável preditiva e outros fatores, como privação socioeconômica, cuidado próprio precário (incluindo cuidados pré-natais), nutrição deficiente, abuso/dependência de álcool e drogas, eventos estressantes e ausência de apoio social, seriam as variáveis mediadoras3. Igualmente, tal associação pode ser elucidada por fatores diretos, em que a depressão pode ocasionar alterações hormonais e bioquímicas que aumentam a produção de catecolaminas e, consequentemente, podem acarretar a restrição do crescimento intrauterino por baixo fluxo sanguíneo placentário4.

No Brasil, estudos longitudinais acerca desse tema não apresentaram hipóteses específicas da associação entre depressão gestacional e baixo peso ao nascer e/ou prematuridade5-7, e outros estudos não utilizaram instrumento que fornecesse o diagnóstico de depressão, mas sim de sofrimento psíquico materno7.

Portanto, o presente estudo tem como objetivo descrever a associação entre depressão durante a gestação e os efeitos no recém-nascido (prematuridade/baixo peso ao nascer) em gestantes atendidas em uma unidade básica de saúde de Nova Iguaçu, no período de março a dezembro de 2011. Este estudo poderá contribuir para a compreensão dos mecanismos envolvidos na depressão durante a gestação e dos efeitos deletérios no neonato, enfaticamente o baixo peso ao nascer e a prematuridade. Tais dados poderão também ser úteis para a definição do tipo de intervenção adequada para o benefício de mães brasileiras.

MATERIAL E MÉTODOS

Local do estudo

O presente trabalho foi realizado no Centro de Saúde Dr. Vasco Barcelos, localizado no município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. O Centro de Saúde Dr. Vasco Barcelos faz parte do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) desde 2002, com característica de unidade de atenção básica (atenção primária), de gestão municipal, e tem como mantenedora a Secretaria Municipal de Saúde de Nova Iguaçu. Possui atendimento ambulatorial, com dupla entrada: demanda espontânea e referenciada (SUS), com dois turnos de atendimento: manhã e tarde, e possui sete especialidades médicas, como clínica médica, ginecologia, ortopedia, cardiologia, pneumologia, otorrinolaringologia e pediatria. O Serviço de Pré-Natal, onde foi realizado o estudo, atende em média 300 gestantes por ano. Os atendimentos são semanais, todas as segundas-feiras em ambos os turnos, com equipes formadas por dois médicos ginecologistas e cinco enfermeiras.

Desenho do estudo

Estudo de coorte, constituído por uma amostra de conveniência. Foram adotadas algumas precauções para que não houvesse perda dos contatos com as puérperas, como coleta de dados como nome, endereço, número de telefone da entrevistada e telefone de referência. E, a fim de que não houvesse o viés de memória, já que no segundo momento da entrevista as mulheres responderiam sobre os dados no pós-parto imediato, estas foram orientadas, em caso de dúvida, a responder às questões de acordo com as informações do cartão da criança, instrumento de acompanhamento obrigatório para todos os nascidos vivos.

Critérios de inclusão

Mulheres grávidas no terceiro trimestre de gestação, entre 14 e 34 anos, brasileiras, que faziam acompanhamento no pré-natal na Unidade Básica de Saúde.

Critérios de exclusão

Mulheres grávidas menores de 14 anos e acima de 34 anos, estrangeiras, que não estavam no terceiro trimestre da gestação.

Coleta de dados

As participantes do estudo foram entrevistadas em duas ocasiões. A primeira entrevista foi realizada na consulta do pré-natal durante o terceiro trimestre e a segunda, depois do parto. As entrevistas foram conduzidas pela principal autora do presente trabalho (DLT), a qual foi treinada em todos os instrumentos utilizados no estudo.

No primeiro momento, as gestantes foram abordadas na sala de espera do serviço de pré-natal e conduzidas a uma sala reservada, onde eram explicados os objetivos e os termos éticos da pesquisa. Após a consulta do pré-natal, as gestantes que consentiam em participar assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, posteriormente, respondiam a perguntas sobre sua situação sociodemográfica, história patológica pregressa, história obstétrica, história psiquiátrica, eventos de vida estressantes no último ano, apoio social e estado de saúde mental atual (avaliação da depressão), respectivamente. Além disso, a pesquisa no prontuário do paciente foi utilizada como fonte complementar de informações.

O segundo momento da entrevista ocorreu cerca de um mês após o parto, quando as mães foram contatadas por telefone e questionadas sobre informações referentes ao peso ao nascer e idade gestacional, as quais estão contidas no cartão de alta do recém-nascido. Os dados foram organizados da seguinte forma:

Variável preditiva (depressão)

O Composite International Diagnostic Interview (CIDI; versão 2.1), que é uma entrevista estruturada utilizada para uso por entrevistadores treinados, foi utilizado para detectar transtornos depressivos. No CIDI, o transtorno detectado é depressão maior (simples ou episódios recorrentes) e fornece diagnóstico baseado no critério da CID-10 (1993)8 e do DSM-IV (APA, 1994)9 por meio de algoritmo computadorizado. O CIDI foi traduzido do inglês para o português por psiquiatras brasileiros do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)10, o que lhe atribuiu alta confiabilidade interavaliador para o diagnóstico de depressão (única ou recorrente) (kappa = 0,97 e 0,93, respectivamente).

A maior parte dos estudos utiliza escalas de rastreamento de sintomas depressivos em gestantes11. Porém, o CIDI é uma entrevista diagnóstica padronizada, que também fornece o diagnóstico diferencial para os sintomas físicos típicos da gravidez, muitas vezes confundidos com sintomas depressivos, e que já foi utilizado por diversos estudos12.

Desfechos do estudo

O primeiro desfecho do recém-nascido foi baixo peso ao nascer, definido como peso de nascimento inferior a 2.500 gramas. O segundo desfecho do recém-nascido foi o parto pré-termo, definido como nascimento anterior a 37 semanas de gestação13. Para o cálculo da idade gestacional, os profissionais que realizaram o parto se basearam na ultrassonografia do primeiro trimestre, realizada pela gestante. Para o presente estudo o desfecho considerado foi baixo peso e/ou prematuridade.

Variáveis de confusão e mediadoras

Classe socioeconômica materna: Por meio de perguntas elaboradas pelos pesquisadores, foram registrados dados sobre idade, estado civil, escolaridade, cor, naturalidade, nacionalidade e profissão. Os critérios de Classificação Econômica da ANEP (Associação Nacional de Empresas de Pesquisa)14 foram usados na estratificação socioeconômica. Essa classificação estratifica as entrevistadas em cinco diferentes categorias (de A a E), porém, para fins deste estudo, adotamos a divisão em três categorias: alta (A e B), média (C) e baixa (D e E).

Variáveis clínicas: Questões relacionadas à história psiquiátrica (história anterior de depressão, tratamento psiquiátrico prévio e uso de tabaco, álcool e drogas ilícitas) e à história patológica pregressa (diabetes, hipertensão crônica, cardiopatia, hepatite, nefropatia, pneumopatia, neuropatia, tuberculose etc.).

Variáveis obstétricas: Planejamento de gestação, número de gestações e paridade, desfechos desfavoráveis em gestações anteriores (hipertensão da gravidez, pré-eclâmpsia, sangramento anômalo, ruptura prematura de membrana, placenta prévia, placenta acreta, abortamentos) e desfechos desfavoráveis anteriores relacionados aos nascidos vivos (baixo peso ao nascer e prematuridade).

Eventos de vida estressantes: Para identificar a presença de eventos de vida estressantes no último ano, foi utilizada a escala Stressful Life Events15, adaptada e validada para uso no Brasil13,16.

Apoio social: Para verificar a presença ou ausência de apoio social percebido, foi utilizada a escala Medical Outcome Studies (MOS)17. Esse instrumento foi submetido a procedimentos padronizados de validação18, tendo sido recomendada a sua utilização inclusive para a população de gestantes19.

Análise estatística

Foi calculada a prevalência de depressão gestacional (com intervalo de confiança [IC] - de 95%), definindo os casos pela presença de depressão de acordo com a CID-10. A associação entre as variáveis estudadas e o baixo peso ao nascer e prematuridade foi investigada por meio do teste do qui-quadrado. A força de associação foi estimada por meio do cálculo da odds ratio (OR) e o IC de 95%.

Mesmo se tratando de um estudo de coorte, os resultados foram apresentados utilizando-se a odds ratio (OR) como medida associação e seus respectivos intervalos de confiança de 95%, tendo em vista o uso da regressão logística no modelo multivariado20. As variáveis associadas significativamente com baixo peso ao nascer e prematuridade, considerando um p-valor igual ou menor a p < 0,10, entraram na regressão logística. O programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 11.0, foi utilizado para digitação e análise estatística dos dados.

Aspectos éticos

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Todas as participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de serem entrevistadas; e, nos casos em que houve impossibilidade de assinar o termo, foi obtida a impressão digital.

Cabe ressaltar que as gestantes que apresentaram depressão foram encaminhadas às unidades de saúde que prestavam atendimento psicológico na região.

RESULTADOS

Foram convidadas a participar 104 gestantes, porém quatro se recusaram sem qualquer razão específica (taxa de participação de 96,1%), totalizando uma população de 100 mulheres. Não houve perdas ao longo do estudo.

A prevalência de depressão durante a gestação foi de 18% (IC 95% 12,2-23,8), e a frequência de recém-nascidos com baixo peso foi de 7% e 2% de prematuridade.

Características sociodemográficas da amostra

As características sociodemográficas da amostra estão detalhadas na tabela 1. A idade das gestantes variou de 14 a 39 anos, com uma média de 25,2 anos (dp = 6,176). A maioria das gestantes era adulta (74%); casada (54%); possuía mais de oito anos de escolaridade (51%); declarou-se não branca (71%); natural do estado do Rio de Janeiro (88%); desempregada (42%) e de classe socioeconômica baixa (72%) (Tabela 1).

Variáveis clínicas e obstétricas

Em relação às variáveis clínicas e obstétricas, 70% das gestantes não planejaram a atual gravidez; 40% eram primíparas; 24% relataram história anterior de depressão e 15% relataram história de abortamentos espontâneos. Em relação às variáveis clínicas, nenhuma gestante relatou história patológica pregressa como diabetes, hipertensão, cardiopatia, hepatite, nefropatia, pneumopatia, neuropatia, tuberculose, assim como em relação às variáveis obstétricas, nenhuma gestante relatou doenças gestacionais atuais e anteriores como hipertensão da gravidez, pré-eclâmpsia, sangramento anômalo, ruptura prematura de membrana, placenta prévia, placenta acreta. Desse modo, essas categorias não foram consideradas na análise estatística (Tabela 2).

Eventos de vida estressantes e apoio social

No que diz respeito aos eventos de vida estressantes, 88% das gestantes relataram ter sofrido pelo menos um tipo de evento estressante no último ano. Os mais comuns foram: conflito matrimonial (49%), problema financeiro (38%), falecimento de pessoa próxima (38%), conflitos com familiares, amigos e vizinhos (36%), história de separação ou divórcio (28%) e perda de emprego (24%).

Verificou-se que a maioria das gestantes relatou ausência de apoio de informação (42%), seguido de material (33%) e emocional (30%) (Tabela 3).

Análise multivariada

As variáveis associadas à depressão gestacional na análise bivariada (p < 0,10), tais como escolaridade inferior a oito anos, depressão gestacional, história anterior de depressão, tabagismo, uso de álcool, conflitos com familiares, amigos e vizinhos, envolvimento com a justiça e ausência de apoio de interação positiva, entraram no modelo de regressão logística. Os fatores que permaneceram associados significativamente à depressão na gravidez foram somente: depressão gestacional (p = 0,05) e uso de álcool (p = 0,04) (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Este estudo acompanhou mães e filhos em unidade básica de saúde do município de Nova Iguaçu, RJ, no período de março a dezembro de 2011.

No presente estudo foi observado que a depressão gestacional e o uso de álcool durante a gravidez se mostraram fatores de risco para desfechos neonatais desfavoráveis, tais como baixo peso e prematuridade. Em países em desenvolvimento, nos quais a desigualdade social ainda é grande, como no Brasil, torna-se importante a investigação de tais fatores, especialmente porque tais desfechos são as principais causas de morbimortalidade em menores de 1 ano21.

Sabe-se que a depressão não tratada durante a gravidez aumenta o risco do uso de tabaco, álcool e outras drogas, além do risco de desnutrição e dificuldade de seguir instruções médicas no pré-natal, incluindo a redução da frequência nas consultas, o que tem sido associado com o risco de mortalidade neonatal22,23.

O uso de álcool também é um fator frequentemente associado com desfecho neonatal21, e neste estudo mostrou-se associado (OR 4,01; IC 0,07-32,02; p = 0,04), e notoriamente é considerado como fator altamente prejudicial ao feto já que o álcool é capaz de atravessar a barreira placentária e expõe o feto a essa substância, que, por consequência, pode induzir a formação de radicais livres, aumentando a apoptose, prejudicando as divisões e especificações celulares21.

Em relação aos determinantes socioeconômicos, apesar de não ter permanecido na análise final, o nível de escolaridsade é um importante marcador, pois a escolaridade representa um estrato social indicador do conjunto de condições ambientais capazes de influenciar os desfechos neonatais24,25.

Nesta pesquisa os eventos estressantes que se associaram com desfecho neonatal desfavorável na análise inicial foram os conflitos com pessoas próximas e envolvimento com a justiça, dados também encontrados por Pereira et al.26. De acordo com Paarlberg et al.27, há uma tendência ao aumento do tônus muscular em condições estressantes, o que pode potencializar as contrações precoces, desencadeando o parto prematuro. Em contraponto, Brooke et al.28, investigando os efeitos do tabagismo, álcool e cafeína, fatores socioeconômicos e estresse psicossocial, não encontraram qualquer efeito dos fatores sociais e psicológicos sobre o crescimento fetal e o peso do neonato ao nascer.

A ausência de apoio de interação com seus pares pode acarretar o aumento do risco de transtornos mentais menores, tais como ansiedade e depressão26. Tais dados foram evidenciados na análise deste estudo, que corroborou tais achados na sua análise inicial. De acordo com os resultados de Edwards et al.29, o número de pessoas na rede de mulheres de apoio social também foi diretamente correlacionado com nascimento a termo. Boyce et al.30 apoiam a premissa de que o apoio social pode modificar os efeitos do estresse e da depressão gestacional no resultado neonatal.

Embora não tenha permanecida associada aos desfechos na análise final, é importante destacar que a história anterior de depressão é o principal fator de risco para depressão gestacional23,26.

A taxa de prevalência de depressão durante a gestação no presente estudo foi similar às taxas apresentadas por outros estudos realizados, tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento29. As menores taxas de prevalência de depressão encontrada em países desenvolvidos (taxas em torno de 10%) podem ser consequência de excelentes serviços de assistência pré-natal, além de maior nível socioeconômico e menor frequência de eventos de vida estressantes30.

O presente estudo possui algumas limitações, tais como o tamanho da população (N = 100), o que pode ter influenciado na falta de associações esperadas na análise final. Além disso, o estudo não pode acompanhar as gestantes desde o primeiro trimestre gestacional, assim nenhuma medida de parâmetros bioquímicos (por exemplo, anemia) e nutricional (por exemplo, ganho de peso, estado nutricional pré-gestacional) foi considerada para definir o modelo teórico no presente estudo.

Os indicadores econômicos ora apresentados indicam semelhança das características dos grupos estudados que foram atendidos em serviços de pré-natal ofertados pela rede pública do SUS23,26. Como esse sistema atende predominantemente usuários de baixa renda, os resultados relatados aqui não podem ser generalizados para a população brasileira em geral.

CONCLUSÃO

O baixo peso ao nascer e a prematuridade são os dois principais desfechos neonatais ainda responsáveis por uma alta morbimortalidade infantil no país. Diversos fatores podem contribuir para tais desfechos, no presente estudo, a depressão durante o período gestacional e o uso de álcool demonstraram ser responsáveis pelo aumento das chances da ocorrência de baixo peso ao nascer e/ou prematuridade na população estudada.

Os resultados do presente estudo enfatizam a necessidade de um mecanismo de triagem a fim de detectar precocemente a depressão gestacional nos serviços de pré-natal e encaminhar as gestantes para um acompanhamento adequado que possa minimizar as repercussões negativas da depressão e, consequentemente, as repercussões negativas na saúde do neonato. Portanto, a determinação precoce da depressão gestacional e seu acompanhamento orientam a necessidade do aprofundamento desse tema como necessário e central para o desenvolvimento de políticas públicas de saúde materno-infantil no Brasil, atualmente.

AGRADECIMENTOS

Ao doutorando Diego Fonseca, pelas contribuições ofertadas às análises de dados.

CONFLITOS DE INTERESSE

Não há.

Recebido em26/6/2012

Aprovado em 1/9/2012

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  • Endereço para correspondência:

    Daianna Lima Thiengo
    Universidade Federal do Rio de Janeiro
    Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
    Av. Horácio de Macedo, S/N
    21941-598 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      26 Jun 2012
    • Aceito
      01 Set 2012
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