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Resposta brasileira à tuberculose: contexto, desafios e perspectivas

EDITORIAL

Resposta brasileira à tuberculose: contexto, desafios e perspectivas

Laura Rodrigues; Mauricio Barreto; Monica Kramer; Rita de C. Barradas Barata

Editores do Suplemento

A tuberculose (TB) afeta a humanidade há pelo menos cerca de 8.000 anos. Até a metade do século XIX o caráter infecto-contagioso da tuberculose não era reconhecido; a doença era atribuída a diversas causas como a hereditariedade, aos miasmas e a outros determinantes ambientais e sociais. Em 1882, Robert Koch identificou a Micobacteria tuberculosis, definindo assim a TB como uma doença infecciosa. Isto permitiu que a florescente pesquisa biomédica iniciasse a busca por vacinas e tratamentos medicamentosos. A vacina BCG foi, em 1921, usada pela primeira vez em humanos. Anos mais tarde, em 1944, a estreptomicina foi utilizada com sucesso no tratamento da TB, sendo o primeiro de uma série de medicamentos utilizados na terapêutica anti-TB. Essas descobertas trouxeram renovadas possibilidades para prevenção e tratamento da TB. Porém, não se deve esquecer que a mortalidade por esta doença na Europa no século XIX era mais alta do que é hoje na África. Entretanto, naquele continente, a mortalidade começou a declinar de maneira vertiginosa já no final do século XIX, portanto muitas décadas antes da existência dos modernos recursos preventivos e terapêuticos, possivelmente, em razão das mudanças ocorridas nas condições de vida da sua população. Na atualidade, nos países mais desenvolvidos a tuberculose continua sendo um problema quase restrito aos imigrantes dos países pobres e outras populações marginalizadas (desabrigados, alcoólatras, prisioneiros, e outros).

Apesar de ser uma doença potencialmente prevenível e curável, a TB é ainda hoje um grande problema de saúde pública nos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. No mundo, estima-se em dois bilhões o número de pessoas que apresentam infecção tuberculosa latente e que, anualmente, ocorram cerca de 8,8 milhões de casos novos. No Brasil registra-se algo em torno de 80.000 casos e 6.000 óbitos, a cada ano. Como a infecção pelo HIV-Aids tem efeito imunossupressor e predispõe o indivíduo infectado a desenvolver TB, a epidemia de HIV-Aids, entre outras conseqüências, levou ao crescimento dos casos de TB em muitos países.

Embora BCG forneça proteção clara em crianças quando administrada no período neonatal, a proteção conferida contra formas da TB em adultos, devido a razões ainda pouco esclarecidas, varia muito entre regiões do planeta. Na falta de uma vacina homogeneamente eficaz e tendo em vista que a maior fonte de infecção são os indivíduos doentes, o melhor recurso de prevenção disponível no sistema de saúde continua sendo a detecção precoce e tratamento dos casos. Sem tratamento, ou com tratamento ineficaz, um caso pode continuar infeccioso, mantendo a cadeia de transmissão.

O tratamento da TB é complexo e demorado, envolvendo o uso de várias drogas e tendo de ser continuado mesmo após a recuperação clínica do paciente. O abandono ao tratamento é alto e pode levar ao surgimento de formas resistentes da M. tuberculosis, impondo-se como obstáculos ao controle da doença. A Organização Mundial de Saúde recomendou a implantação do tratamento diretamente observado de curta duração (em inglês, Directly Observed Short Course Treatment – DOTS), como estratégia para que os pacientes tenham tratamento correto e completo. No Brasil, o sucesso do Programa Saúde da Família gera perspectivas de ampliação de acesso ao sistema de saúde e de detecção e tratamento mais eficiente de doenças como a TB.

No Brasil, desde 1999, o Ministério da Saúde definiu a TB como prioridade entre as políticas governamentais de saúde. As ações para o controle da TB no Brasil têm como meta diagnosticar pelo menos 90% dos casos esperados e curar pelo menos 85% dos casos diagnosticados. A expansão das ações de controle para 100% dos municípios foi definida no âmbito da atenção básica, na qual gestores municipais e estaduais devem agir de forma planejada e articulada para garantir a implantação das ações de controle da TB que incluem o cumprimento da estratégia DOTS.

No entanto, há grandes desafios a este processo nos níveis da atenção à saúde e da organização social: grande dimensão territorial do País, com diferenças regionais marcantes geográficas e culturais; insuficiências na formação de profissionais preparados para enfrentar o problema; falta de incentivo a pesquisas operacionais para a solução de problemas encontrados nos serviços de saúde; participação tímida da mobilização social no controle da TB; falta de financiamento estável e regular do Programa de Controle da Tuberculose; falta de garantia a todos os cidadãos de acesso universal, integral e equânime aos serviços de saúde; somam-se a isso um contexto de grande desigualdade social e de deficientes condições em que vivem grandes parcelas da nossa população. O controle da TB é um indicativo da qualidade da atenção à saúde, mas também da justiça social de um país.

Neste suplemento, a TB foi abordada sob seus vários aspectos dentro do contexto de avaliação das diretrizes adotadas no Brasil nestes últimos dez anos. A reflexão sobre todos estes temas fornece uma visão clara sobre a necessidade do envolvimento de diferentes atores – sociedade civil, governos e gestores, universidades e centros de pesquisa. Assim, por meio da construção conjunta de estratégias efetivas e que maximizem a contribuição específica de cada um desses segmentos, dentro de um contexto esperado de redução das desigualdades sociais, as metas de controle da TB possam ser alcançadas no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Set 2007
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