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Trabalho e modernização na industria têxtil

ARTIGOS

Trabalho e modernização na industria têxtil

Andréa Loyola

Professora-doutora no Programa de Pós-Graduação em Ciências na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisadora no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

Este artigo faz parte de um estudo mais amplo sobre atitudes dos operários realizado com um grupo de trabalhadores de uma fábrica de fiação e tecelagem.

A fábrica estudada, que chamaremos aqui de Indústria Têxtil,1 1 Esse nome um tanto impróprio, reconhecemos, não deve ser confundido com o conjunto das empresas do mesmo ramo existentes na cidade, das quais ela se diferencia sob várias aspectos. localiza-se na cidade de Juiz de Fora, capital regional da Zona da Mata. Tendo-se desenvolvido com grande ímpeto até o início deste século, Juiz de Fora tornou-se importante centro industrial, reunindo principalmente as empresas que compunham o setor então "dinâmico" da economia do país, notadamente o ramo têxtil. O ritmo de seu desenvolvimento industrial, com altos e baixos, foi mantido até meados da década de 30, quando entrou em relativa decadência, especialmente após os anos 50, em virtude das transformações político-econômicas que esses períodos assinalam na expansão do capitalismo brasileiro.2 2 Consultar a esse respeito, além de Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo, Nacional, 1968 e anni, Octávio. Industrialização e desenvolvimento social no Brasil. Rio, Civilização Brasileira, 1963, especialmente Cardoso, F.H. & Faletto, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio, Zahar, 1970; Tavares, M.C. & Serra, J. Mas alia del estancamiento: una discusión sobre el estilo dei desarrollo reciente del Brasil. Santiago, (mimeogr. ) e Oliveira, Francisco. A economia brasileira: crítica à razão dualista. In: Estudos Cebrap 2, São Paulo.

Dentre as alternativas que se apresentaram aos empresários locais para enfrentar a crise que estas transformações provocaram, a modernização da empresa foi a solução adotada na Indústria Têxtil, sobre a qual nos referiremos daqui por diante pela abreviação I.T.

Organizada em bases tradicionais até meados de 1950, a partir daí sofreu uma série de transformações, e hoje, se não pode ser considerada uma empresa "moderna" em todos os sentidos, possui elevado grau de racionalização do trabalho.

Essas mudanças não foram feitas, evidentemente, sem problemas. A resistência dos supervisores aos novos métodos de trabalho, cuja aplicação provocou uma série de conflitos, foi sentida pela direção da empresa como o problema fundamental na implantação da nova estrutura administrativa.

Na tentativa de encontrar solução para esse problema - um dos diretores da fábrica conhecia a obra de Élton Mayo -3 3 Mayo, Élton. The human problems of an industrial civilization. N.Y. Macmillan, 1933. Os resultados completos das pesquisas da Hawthorne (Western Eletric) realizadas sob sua direção encontram-se em Roethlisberger, F.J. & Dickson, W.J. Management and the uwrker. Cambridge, Harvard University Press, 1939. nossa cooperação foi solicitada. A princípio deveríamos nos restringir a um estudo das relações sociais na empresa. Mas esses limites foram logo ultrapassados. As modificações que foram sendo feitas durante nosso trabalho na fábrica (fins de 1965 a meados de 1968), sobretudo aquelas relativas ao Departamento de Relações Industriais, que compreende a Seção de Pessoal, levaram a direção a nos solicitar um estudo sobre a situação de trabalho e sobre as condições de vida de todo o pessoal empregado. O resultado dessa pesquisa constitui o material básico de nossa dissertação de mestrado em antropologia social,4 4 Apresentado no programa de pós-graduação em antropologia social do Museu Nacional, em 1972. da qual reproduziremos aqui, com algumas modificações ou com as alterações necessárias a esse tipo de publicação, Üois capítulos. O primeiro constitui a presente publicação e descreve o processo de modernização da empresa. O segundo, a sair no número de dezembro próximo, analisa as conseqüências dessas modificações sobre as atitudes dos trabalhadores, examinando-as em relação à empresa, ao mercado de trabalho e ao estado.

1. A INDÚSTRIA TÊXTIL: UMA COMPANHIA EM MUDANÇA5 5 Nesta pesquisa contamos com a colaboração de Leda Maria Benevello de Castro.

A I.T., produtora de fios e tecidos de algodão, remonta à primeira fase de industrialização da cidade e de certa forma acompanha a sua história. Fundada em 1889 por um grupo de ingleses, atualmente não constitui empreendimento autônomo mas depende, juntamente com mais duas outras indústrias situadas em Minas Gerais, de uma administração central com sede no Rio de Janeiro.

No princípio da década de 30 a companhia faliu, tendo passado "por volta de 1934 (para) um grupo pernambucano".6 6 As aspas utilizadas no texto, quando outras fontes não forem mencionadas, indicam frases e trechos de entrevistas. Ainda hoje existem na fábrica pessoas que nela já trabalhavam nessa época, e das quais se obteve muitas das informações. Ao que parece, os novos proprietários não modificaram a organização anterior. A administração era composta de um diretor que residia no Rio de Janeiro, embora sempre viesse à cidade; um gerente, seu cunhado, a quem cabiam todas as responsabilidades de condução da fábrica; um irmão do diretor, "que cuidava de toda a parte do varejo, turma volante e vigias", também chamada "rural"; um subgerente e um técnico (antigo gerente dos ingleses). Tanto este quanto o que cuidava do varejo eram dois elementos com setores mais específicos, não interferindo de forma direta na administração propriamente dita.

Abaixo desses níveis, situavam-se os mestres de fiação, dobagem, tecelagem, acabamento, expedição e sala de pano, oficina mecânica, carpintaria e almoxarifado. Havia também os pedreiros e pintores, e um chefe de escritório, que acumulava as funções de controle de pessoal, produção e contabilidade. Aos mestres era conferida "responsabilidade total pela seção". "O mestre chegava de manhã no portão da fábrica, escolhia um pessoal para trabalhar com ele e mandava para o escritório para que o gerente desse a permissão para começar o serviço." O gerente também podia escolher pessoal para as seções. "Depois, no resto do dia, andava pela seção para ver se estava tudo em ordem, resolvia as questões que os contramestres traziam, porque tinha autoridade para decidir." O mestre também era encarregado das demissões e quando decidia "não havia apelo porque o gerente geral apoiava".

A fábrica possuía na ocasião uns 1400 empregados e o rodízio era constante, com gente sendo admitida ou demitida diariamente. Um antigo mestre conta: "Naquela época a coisa era na força bruta, não tinha quase pessoas com curso primário; era só gente analfabeta que vinha da roça e chegava aqui dentro e não tinha habilidade para o trabalho na fábrica, ou não se adaptava no ambiente; o grau de inteligência era curto. E não se brincava em serviço, não tinha essa perfumaria toda de hoje, tinha que se usar de muita energia, por isso poucos ficavam um ano, embora tenham ficado alguns até hoje." E continua: "O meu bloco de punições, bilhete azul e suspensões, eram dois por mês que gastava." Os mestres recebiam as ordens do técnico ou do gerente, mas "naquele tempo não era como hoje, que é tudo controlado, a administração pedia apenas: quero isto, e a gente é que se virava pois era encarregado das partes técnicas e do pessoal na seção. Era eu quem escolhia meus mecânicos, contramestres e auxiliares. Era trabalho demais."

Parece que, apesar da gerência dedicar atenção a muitos aspectos de menor importância na rotina administrativa e de interferir muitas vezes dentro das seções, a autoridade dos mestres era resguardada; e dó que se depreende das palavras citadas, não era pequena, pois a gerência depositava confiança ilimitada neles.

Entre os mestres e os operários havia os contramestres. Eram responsáveis perante o mestre pelo pessoal, produção e máquinas de subseções ou quarteirões. Tinham assim poder de comando dentro da sua área. Mas um poder limitado pela autoridade do mestre; não tinham acesso direto à gerência, não podiam aplicar mas apenas sugerir penalidades e suspensões aos mestres; deviam simplesmente pôr em prática o que estes decidiam. Desta forma, eram muito dependentes dos seus superiores imediatos e precisavam "manter-se nas boas graças deles". Em geral, "na parte da produção, essa era boa porque uns viviam 'porfiando' com os outros para dar mais. Mas em compensação as máquinas eram péssimas porque não eram tratadas direito e a qualidade do produto também não era das melhores." Não poucas vezes havia discussões entre os contramestres e mestres, aqueles acusando estes de proteção a uns e perseguição a outros. Esse aspecto está confirmado também pelas palavras do atual diretor-superintendente sobre o ambiente na empresa quando nela chegou: "Era uma verdadeira bagunça, existia o paternalismo, grupinhos e aquela proteção e perseguição de elementos."

Segundo um informante, a fábrica dividia-se nessa época em três grupos: fiação, tecelagem e acabamento, cujos contatos entre si eram mínimos. Pode-se inferir que a organização era puramente empírica, com uma administração sem divisão de trabalho definida. "Contava exclusivamente com os mestres para a condução dos trabalhos", aos quais conferia ampla autoridade baseada na "lealdade" dos mesmos aos seus interesses. O que não impedia de reservarse o direito de interferir nessa autoridade delegada sempre que julgasse oportuno.

Em 1938 ocorreu uma segunda falência, ficando a fábrica, no período 1939-43, sob a direção de um banco (um dos seus maiores credores), que enviou um interventor para assumir a gerência. Segundo vários informantes, "o sistema de serviço continuou o mesmo", tendo sido assinalada, como das poucas modificações ocorridas, a introdução de um fiscal em cada seção, independente dos mestres e contramestres.

Em 1943 a companhia foi comprada pelos seus atuais proprietários, um grupo já com experiência no setor têxtil. Vieram então de outras fábricas três elementos da confiança dos novos donos, que assumiram os cargos de gerente, subgerente e chefe da turma volante, constituindo-se na administração interna.

Ao que parece, tanto pelo organograma da época, que antigos funcionários da fábrica tentaram reconstituir, como por vários depoimentos, essa nova administração também foi organizada empiricamente. Os setores básicos da fábrica - fiação, tecelagem e acabamento - estavam assim divididos: o primeiro sob a responsabilidade de um antigo mestre e de um parente próximo dos proprietários, sendo que aquele posteriormente foi substituído por um técnico inglês que já havia servido na administração anterior; os dois últimos sob a responsabilidade do subgerente. O gerente exercia influência direta em outras seções, como oficina mecânica, fundição, carpintaria, escritório, almoxarifado, etc.

Os diversos depoimentos salientaram um aspecto muito interessante que indica uma mudança na distribuição da autoridade na empresa: trata-se do papel exercido pelos encarregados daqueles setores e, de maneira especial, pelo subgerente. Exercia sobre os mestres uma autoridade assim definida por um informante: "Era absoluto, principalmente na tecelagem, fazia e desfazia, mandava mesmo." Os mestres já não tinham acesso direto ao gerente porque deviam falar primeiro com o subgerente. E, embora aspectos como admissão e demissão continuassem nos antigos moldes até mais ou menos 1950, "apertou mais o serviço para os mestres (e contramestres), que já não tinham a mesma força na seção".

A não-formalização dos cargos, mesmo os mais elevados, propiciou um padrão pessoal de autoridade, considerado ideal pela alta administração. Um categorizado dirigente considerava "que o sujeito é que se impunha. Ficava sem função e devia descobrir esta posição." Desde que tomasse iniciativas para solucionar ou encaminhar problemas imediatos era investido de maior poder. Parece, pois, que a autoridade do subgerente, e em parte a do técnico de fiação, foi ampliada em detrimento da dos mestres. Nestes casos, a personalidade do administrador torna-se de importância vital para a questão dos assuntos da empresa. E este fato é salientado por vários informantes, ao criticarem duramente a pessoa do subgerente, responsabilizando-o pelos problemas nas relações pessoais dentro da fábrica: proteção, perseguição, admissão de afilhados, etc; "os bajuladores é que ficavam bem com ele" e o ambiente era muito tenso.

Foi no início da década de 50 que o atual diretor-superintendente, filho de um dos proprietários e com formação nos Estados Unidos, assumiu a diretoria da fábrica, responsabilizando-se pela maior parte das decisões, como por exemplo, a criação do Departamento de Pessoal. Para dirigi-lo foi escolhido um funcionário que "tinha qualidades administrativas pessoais, sabia lidar com gente e tinha alta percepção para fazer as coisas com justiça".

Nessa época não havia ainda organograma que "só foi criado realmente depois de 1956, por influência de uma empresa consultora, contratada nesse ano para programar uma nova estruturação da fábrica". Diz o diretor-superintendente: "A situação estava feia e não dispúnhamos de capital suficiente para aumentar a produção, adquirindo máquinas, como estava fazendo a maioria do pessoal. Assim nos concentrávamos na organização." Os técnicos dessa firma trabalharam na empresa durante alguns anos, em meados de 50, e foram os responsáveis pela introdução dos métodos de racionalização do trabalho que hoje vigoram na fábrica. Entre outras coisas, organizaram os setores de produção e manutenção, iniciaram estudos de tempo, controle de qualidade, etc. reduziram pessoal, extinguiram os cargos de contramestres e mestres e criaram os de mecânicos e supervisores, estes como encarregados das seções e aqueles da conservação da maquinaria. A presença dos técnicos dessa firma marcou intensamente a I.T., sendo citada pela maioria dos entrevistados ao abordar aspectos das mudanças ocorridas na fábrica.

Tais comentários ressaltavam sempre dois pontos: a profundidade e o alcance das reformas: "Foi a maior modificação que já fizeram aqui, viraram a fábrica do avesso." "O lema deles era que para o operário produzir bem precisava ter tudo a tempo e a hora, e por isso reviramos todas as máquinas aqui dentro dessa fábrica para dar uma posição mais favorável aos operários." "Com essa mudança, reduziu-se muito o pessoal. Quando eu entrei, a fábrica tinha uns 1400 empregados; hoje tem a metade, e fazemos a produção duas vezes maior que há 10 anos. Por aí a senhora vê o que foi essa mudança."

Essas mudanças provocaram reações tanto de oposição como de adesão, nos vários níveis hierárquicos: "Foi uma época horrível, a administração passou por tremenda crise", alguns de seus elementos sustentando as posições dos técnicos contra as pressões de outros que não as acatavam. "Os contramestres não gostaram de jeito nenhum, diziam que foram humilhados também na frente dos empregados, mas antes era muita responsabilidade que eles tinham e o que se fez foi tirar só uma das suas obrigações (a do pessoal) sem diminuir o ordenado." "Os mais exaltados e mais antigos discordaram dessas mudanças, sempre há gente assim, que gosta das coisas como são."

O antigo diretor de produção foi "o ponta de lança da administração para abrir caminho a essa racionalização; conquistando o pessoal, conseguiu levantar a produção mesmo depois de mudança tão grande." "Não foram muitos os mestres e auxiliares mais diretos que gostaram dessa idéia nova, mas alguns contribuíram muito." Na verdade, parece que a situação radicalizou-se de tal modo que à administração, apoiando tais reformas, não sobrou outra alternativa senão despedir os mais descontentes. "Despediu-se gente a rodo mas a produção aumentou e tudo foi entrando no eixo."

A preocupação maior dos dirigentes passou a ser então a de criar "um ambiente mais harmônico no trabalho", o qual, provocando um mínimo de problemas, também propiciasse um máximo de produção. Se para isso precisasse deixar certas coisas pouco claras, assim era feito, como no caso dos contramestres, por exemplo. Um informante, que testemunhou os primeiros tempos de implantação dessa reforma, conta: "Nos primeiros meses (já com o supervisor trabalhando na seção), ninguém proibiu aos contramestres de continuarem suspendendo e punindo tecelãs, mas quando aconteciam certas punições injustas, que não tinham lógica, então (o supervisor) não as aceitou. Foi só aí que eles notaram que alguma coisa havia sido modificada no seu sistema de trabalhar. Foi então que começou o ressentimento... Esses contramestres, depois de algum tempo, passaram a enganar-se a si mesmos sobre esses problemas de perder uma de suas funções (parte da direção do pessoal que dividiam com os supervisores). Não se preocupavam mais... Não perderam o nome nem diminuíram o seu ordenado, e acho que até esqueceram que um dia chegaram a tomar consciência disso."

Junto a essas reformas, isto é, em meados de 1950, ocorreu na empresa uma mudança na "ideologia" administrativa: de uma política dura para com o operário, do "tempo das bofetadas" e da proteção dissimulada, passa-se para uma orientação mais amena e imparcial, exemplificada por um elemento da alta administração: "Sempre fiz muita questão de isenção, de justiça, nada de proteção, todo mundo é filho de Deus."

Esta política mostrou-se também de grande utilidade para combater os núcleos de revolta e tensão que as modificações recém-introduzidas geraram ou ampliaram. E gradualmente, através daquele mesmo padrão de autoridade adquirido pelas iniciativas pessoais e pelo desempenho de um papel de "patrão bom e atencioso", um elemento da administração foi centralizando o poder interno da fábrica.

Uma direção forte e uma organização rigidamente controlada de cima eram compensadas por atitudes "paternalistas". Um entrevistado assim descreveu a situação: "Ficamos habituados a uma administração de um homem só. Esse homem englobava tudo aqui: passava 12 horas na fábrica; tinha um conhecimento perfeito de tudo e era considerado um suprasumo. Os supervisores sempre tratavam os problemas com ele. Tinha uma noção geral de tudo. Tinha um grande gabarito, centralizava toda a administração nas suas mãos e conseguia fazer-se presente ao emprego. Ele era realmente um sujeito que tinha um dom especial... Quando cumprimentava um empregado aquilo era uma festa para ele, o sujeito achava aquilo uma honra. Ele era realmente irradiante. Tudo ia a ele, que resolvia com justiça mas dentro do paternalismo, isto é, dando uma ajudazinha extra ao camarada."

Em 1963 construiu-se um primeiro organograma que, entretanto, não se impôs à estrutura informal existente. Segundo declaração de um administrador, "em 1964 ainda não havia na fábrica uma estrutura formal". Os níveis hierárquicos, ao que tudo indica, eram também dois: o de administração, desempenhado sobretudo por uma só pessoa e sem divisão explícita de trabalho entre seus componentes, e o de supervisão, responsável pela execução do trabalho nas seções. A administração, principalmente na pessoa do diretor da produção, mantinha relações pessoais com os empregados, retribuindo com proteção e benevolência sua lealdade e cooperação. Essa orientação dominava também os aspectos de demissão e admissão de empregados, sendo impossível a funcionários (principalmente supervisores) colocarem parentes e amigos,7 7 Na época da pesquisa 55% das pessoas entrevistadas tinham parentes trabalhando na fábrica. capitalizando maior prestígio junto aos subordinados, como declarou aquele informante: "Sempre dei e dou preferência a filhos e parentes de empregados meus porque isto ajuda muito no ambiente de trabalho. Um cara desses que você bota aqui é um amigo que você tem e isso influi muito para a gente na seção e na fábrica."

Foi essa organização administrativa, ainda fortemente impregnada de tradicionalismo, centralizada por um líder cuja autoridade advinha menos da posição do cargo ocupado que por qualidade e dons considerados pessoais, específicos e não acessíveis a todos, que passou a sofrer, com a morte desse líder em 1964, um profundo processo de transformação.

Em termos de autoridade, não se tratou de simples redistribuição entre os níveis hierárquicos, como parece ter ocorrido anteriormente, quando boa soma de poder passou dos mestres para os gerentes e, depois, destes para o diretor de produção. Trata-se, ao que tudo indica, de uma mudança qualitativa em que a autoridade passa a ser exercida segundo um novo padrão, o padrão burocrático.

As tarefas de administração começam a ser realizadas, de fato, por meio de departamentos e gerências, cada qual com seu chefe e com esfera de competência cada vez mais delimitada. Os cargos, dispondo-se numa ordem hierárquica independente dos seus ocupantes, são regidos "por um sistema deliberadamente estabelecido, de normas abstratas, gerais e impessoais, donde o caráter impessoal e a previsibilidade"8 8 Lopes, J. Brandão. Sociedade industrial no Brasil. São Paulo, Difel, 1964. p. 100. de seu processo administrativo.

O processo de burocratização - repetimos - iniciou-se em meados da década de 50, quando da reorganização da empresa com a criação de setores diversos de produção e manutenção, a substituição do sistema de mestres e contramestres e a adoção de meios racionais de controle de tempo e movimento nas operações de produção. No entanto, essas mudanças foram "compensadas" pela manutenção de um sistema de autoridade tradicional e de uma orientação paternalista, que perdurou até meados de 1964, com a morte do diretor de produção. Foi só com a mudança da administração (precipitada por esse acidente) que a relação patrão-empregado (nas palavras de um entrevistado, o ex-diretor de produção "era tomado como um patrão aqui dentro"), transformou-se em relação "empregado-superior hierárquico". O mesmo entrevistado observa: "A primeira relação a gente aceita muito mais." Eis porque a atual administração encontrou sérios problemas para imporse, particularmente entre os elementos do nível médio.

Segundo um administrador, logo após a morte do Dr. X há quatro anos "houve um período de confusão de mando; ninguém sabia quem mandava em quê. Tivemos que começar tudo de novo." Nesse trabalho de reconstrução, mais que uma simples reforma, salienta-se o papel desempenhado pela gerência de relações industriais. Essa gerência, responsável pelos assuntos que envolvem "relações da empresa com seus empregados", assumiu naturalmente a liderança da formalização dos processos administrativos, tendo seu titular declarado: "Da era chefe do Departamento de Pessoal, que englobava os serviços feitos pelo atual departamento, o desenvolvimento do pessoal e a vigilância, mas as coisas não eram muito nítidas. O primeiro organograma, assim como a divisão em departamentos, fomos nós que fizemos... Eis porque o Departamento de Relações Industriais centralizou os rancores dos que não aceitavam a nova mudança."

Para Weber9 9 Weber, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1963. p. 229. a burocracia possui certas características as quais são comparáveis à atual estrutura interna da I.T.:

1. "Rege o princípio de áreas de jurisdição fixas e oficiais, ordenadas de acordo com regulamentos, ou seja, por leis ou normas administrativas." Vem-se organizando na fábrica, desde meados de 1960, a formalização das diversas funções gerenciais e de supervisão, assim como as Normas Administrativas Gerais.

2. "Os princípios de hierarquia dos postos e dos níveis de autoridade significam um sistema firmemente ordenado de mando e subordinação, no qual há uma supervisão dos postos inferiores pelos superiores." A partir de 1965, tem-se elaborado organogramas da fábrica, de modo a servirem de orientação formal para a hierarquia. O último deles em vigor, vem sendo, salvo em alguns aspectos, seguido nos vários níveis administrativos. Atualmente, objetivando diminuir ainda mais a diferença entre o organograma e as situações de fato, os níveis de gerência e supervisão estudam um novo projeto. Por outro lado, as normas administrativas recém-aprovadas estabelecem que "todas as instruções internas deverão ser canalizadas através da estrutura organizacional e, nesse sistema, formuladas diretamente àqueles a quem se destina". Oferece aos subordinados o direito de recurso aos chefes mais altos "devendo a resposta nos assuntos administrativos... sempre seguir por via hierárquica".

3. "A administração de um cargo moderno se baseia em documentos escritos." Essa preocupação encontra-se presente na formalização pela qual vem passando o sistema de comunicação interna da empresa.

4. A administração burocrática, pelo menos toda a administração especializada, pressupõe habitualmente um treinamento do mesmo gênero. Observa-se a substituição progressiva, nas gerências, de elementos com formação puramente empírica por outros especializados. É fato sempre salientado pela administração a nova política de só admitir, para os cargos mais elevados, pessoas com instrução superior. Assim também, reconhecendo que o "pessoal não tem o desenvolvimento cultural e profissional desejado e necessário", o Departamento de Relações Industriais, através da Seção de Desenvolvimento do Pessoal, planejou para 1968: "embora nos custe caro, cursos internos e externos que visem a melhoria de nosso pessoal além da rotina do treinamento dos 'semiqualificados'".

Além desses, outros aspectos da atual organização administrativa da fábrica são também indicativos do padrão burocrático dominante, particularmente os que se referem à administração do pessoal, como:

1. Recrutamento e seleção: durante o período da pesquisa o sistema de recrutamento era ainda o "de oferta e o da indicação pelos empregados e conhecidos",10 10 Dados do planejamento para 1968. Departamento de Relações Industriais. I.T. assim como solicitação dos interessados para os cargos menos qualificados. A seleção também era feita toda "em vista de informações e da própria apresentação dos candidatos que, dentro desse critério, são escolhidos pelo gerente do Departamento de Relações Industriais". Mas já durante esse período começou-se a aperfeiçoar o sistema, utilizando-se para as funções semiqualificadas "um primitivo profissiograma para a escolha de um determinado número de candidatos pela Seleção do Pessoal" pelo gerente e supervisor interessados.

O planejamento para 1968 inclui aspectos da intensa formalização do processo de admissão, tais como: a) "pôr anúncios nos jornais de nossa e de outras cidades toda vez que se fizer necessário o recrutamento de pessoas qualificadas"; b) "maior ... contato com escolas técnicas"; c) "reduzir a inscrição dos não-qualifiçados a quatro meses por ano"; d) "providenciar a execução dos profissiogramas das várias funções"; e) "seleção e escolha dos elementos dentro das especificações do profissiograma"; f) "uso de exames psicológicos para as funções altamente qualificadas". Todos representam aspectos de uma nova política a ser seguida e que vai exigir alguns anos para ser completamente executada, sobretudo se se levar em conta a atual baixa demanda da fábrica com relação à mão-de-obra.

2. Demissões: tendo em vista distribuir o pessoal "equitativamente pelos três decênios da vida profissional", estabeleceu-se um programa de demissões nos últimos anos, fundamentando-se também em critérios, ainda que empíricos, passíveis de reduzir a interferência de fatores exclusivamente pessoais.

3. Promoções: embora reconheça as poucas oportunidades de promoção que a fábrica oferece, o gerente de relações industriais declarou que "estamos querendo formalizar o que já se faz hoje", salientando que, "com o bom funcionamento do Sistema de Avaliação de Mérito (introduzido há dois anos), e os profissiogramas, haverá possibilidades concretas de promoção dos mais capazes".

4. Penalidades: "estãos sujeitas a critérios empíricos e afetas ao supervisor (advertência e suspensões) bem como ao gerente de relações industriais."

5. Salários: vêm obedecendo, há uns dois anos, a uma planificação incluindo "melhoria de padrão para certas categorias e funções desajustadas e manutenção dos padrões dentro dos melhores da comunidade", assim como "reavaliação dos cargos e funções".

6. Controle: desde 1968 é adotado o sistema da ficha MacBee "para registro da vida profissional e demais dados de interesse de cada empregado".

Destaca-se a atualidade desses processos racionais, embora alguns não passem ainda de simples projetos. Isso significa que a empresa encontra-se numa fase de acelerada implantação dos padrões burocráticos, cujos resultados afetam de maneira diferencial e continuada os trabalhadores e influem em suas atitudes e em seu comportamento.

2. A ATUAL ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E A ESTRUTURA DE AUTORIDADE

O organograma em vigor durante o período em que este trabalho foi realizado apresenta quatro níveis hierárquicos e um de base, assim compostos:

1º nível - diretor.

2º nível - gerente: relações industriais, produção, manutenção.

3º nível - supervisores das gerências de manutenção e relações industriais; supervisores de controle, expedição; supervisores gerais de fiação, tecelagem e acabamento, além de um assistente técnico de fiação, todos pertencentes à gerência de produção.

4º nível - serviços de pessoal, segurança e vigilância, supervisores de fiação, tecelagem, alvejamento, tinturaria e acabamento. A esse nível ligam-se, sem fazer parte da cadeia de mando, mecânicos e auxiliares de fiação e tecelagem.

O nível de base é constituído do pessoal das várias seções subordinadas aos níveis hierárquicos anteriores e que não têm nenhuma função de mando, sendo apenas executores das ordens.

Os vários níveis formam as cadeias de mando cu linhas de autoridade através das quais fluem as principais comunicações de sentido vertical, ascendente ou descendente. O nível gerencial encabeça cada um dos três grupos de cadeias organizadas segundo conjuntos de atividades correlatas, sendo que nos níveis inferiores as responsabilidades são mais específicas.

Observando-se ainda o organograma, verifica-se que certos setores imprescindíveis numa empresa organizada, como finanças, compras e vendas, não estão presentes, o que se explica pela dependência da fábrica à administração central, sediada no Rio de Janeiro.

A alta administração compõe-se de órgãos consultivos (assembléia e conselho) e de uma diretoria executiva com um diretor-superintendente e mais três diretores de produção, vendas e finanças. As decisões mais importantes da empresa, nos diversos setores, emanam desse nível superior. A ligação direta entre a administração central e a administração interna da fábrica é feita, segundo o organograma, através do diretor da fábrica, cujo superior direto é o diretor de produção. No entanto a administração local é autônoma para gerir internamente. "Para fazer tudo o que tem de ser feito." Nenhum dos administradores entrevistados queixou-se de qualquer cerceamento ou interferência do nível superior em suas atividades específicas, embora reconhecida a liderança do diretor-superintendente, e portanto o caráter informal que predomina nas relações da administração local com a central do Rio.

Os elementos que compõem a administração local são funcionários executivos encarregados de setores diferentes, com nítida divisão de trabalho entre eles. Há pouco mais de um ano suas funções foram formalizadas, e praticamente em todos os casos houve concordância entre as declarações dos entrevistados a respeito de suas responsabilidades e as atribuições já formalizadas, notando-se um interesse "em seguir o estabelecido". A coesão administrativa, a homogeneidade e competência dos vários elementos dos níveis superiores é unanimemente reconhecida. Deve-se notar ainda que a clara definição de papéis é acentuada tanto no nível gerencial como no de direção, não obstante todos eles tivessem, até há pouco tempo, apenas uma atribuição empírica de funções. Os três setores principais da fábrica - relações industriais, produção e manutenção - estão sob a responsabilidade dos gerentes, enquanto que aos diretores da fábrica e de produção competem tarefas mais amplas que abrangem para o primeiro toda a I.T., e para o outro o setor de produção de toda a empresa (que inclui mais de duas fábricas). Os problemas específicos de cada setor gerencial são resolvidos em seu próprio âmbito, através de uma delegação de autoridade hoje explícita nas atribuições funcionais de cada um. Há ainda constante entrosamento entre as gerências, principalmente entre as de manutenção e produção, "porque os serviços estão muito relacionados".

A subordinação do nível gerencial em relação ao nível de direção, embora nítida quer no organograma, quer na formalização das funções, é suavizada pelo clima de informalidade que existe entre os vários administradores, dando tênues contornos à noção de hierarquia, como demonstram estas palavras: "Não é uma subordinação completa porque há entre nós muito entrosamento, perfeito mesmo; o que há são sugestões, troca de opiniões." Na verdade, o espírito de grupo é o que prevalece, espírito alimentado pelos intensos contatos entre os vários membros da administração e a solução comum de inúmeros problemas. Isto faz da administração local um bloco integrado, onde as diferenças hierárquicas "não são significativas". O que não impede, entretanto, que o padrão de autoridade aí existente se aproxime do tipo burocrático, como se verá mais adiante.

Os níveis seguintes na ordem hierárquica são os de supervisão. O organograma estabelece dois níveis aqui: supervisores diretamente ligados às gerências e supervisores ligados a outros supervisores, como é o caso das seções de produção, onde se encontram supervisores gerais de fiação, tecelagem e acabamento. Entretanto, a experiência de pesquisa veio demonstrar que esses dois níveis correspondem na realidade a um só. Nem a administração nem os supervisores os distinguem nesses termos.

Como a administração, tal nível foi recentemente definido, ainda no período de pesquisa, de maneira formal. O Manual do supervisor da indústria têxtil foi elaborado pelos supervisores e pela administração em uma semana de trabalho no início de julho de 1968. Define a função do supervisor como sendo "administrativa e de chefia", cujo exercício é de "confiança da administração".

Delimita suas responsabilidades: é o "chefe de pessoal em sua seção". Cabe-lhe "sugerir e recomendar nos casos de admissão e demissão", colaborar na "avaliação" e "promoção", cuidar do "desenvolvimento do seu pessoal", encarregar-se do aspecto disciplinar.

Deve estar familiarizado "com o desenvolvimento e métodos dos cargos supervisados". Tem responsabilidade quanto à atualidade, quantidade e custo dos equipamentos e produtos de sua seção, relatando "a seu superior, com a freqüência necessária e de preferência por escrito, o andamento" da mesma. Fica assim estabelecido o âmbito de autoridade da função.

Preconiza a liberdade de ação "dentro dos planos, objetivos e programas da empresa". O supervisor "deverá trocar o programa de trabalho de sua seção, organizá-la e dirigi-la", buscando a aprovação do "gerente do setor sempre que pretenda modificar ou alterar a rotina administrativa".11 11 Manual do superior recentemente aprovado.

Analisando as entrevistas dos supervisores, observa-se que as áreas de responsabilidade administrativa e técnica são salientadas por todos, às vezes de um modo muito simples: "A parte que tenho responsabilidade por ela é... (a parte técnica especificada) para que tenha bom rendimento e 'incentivação' do meu pessoal prá me ajudar cada vez mais e à fábrica também, porque é aqui que a gente ganha o nosso sustento e o das nossas famílias." Também a posição hierárquica desses funcionários, isto é, a quem são subordinados e sobre quem tem autoridade, é coincidente, na maioria dos casos, com o organograma.

A autoridade dos supervisores não exorbita de suas seções e serviços, e todas as contribuições feitas fora deles têm caráter de informalidade e "colaboração": "Por causa do novo tempo de serviço, de nossa experiência... a gente tem uns conhecimentos que sempre procura dar aos que pedem." "Às vezes um supervisor vem conversar com a gente... (que)... procura entender e dar opinião de como acha que devia ser feita a coisa... mas isto não é muito freqüente e é extra-oficial." "Também, sem estar dando ordens ou ser o chefe deles, costumo ajudar os contramestres." Apenas um supervisor declarou fazer também com outros colegas um "trabalho assim de intermediário entre eles e o gerente, havendo casos que eu mesmo resolvo com eles" "e noutros ajuda-os a explicitar melhor suas idéias antes de apresentá-las ao gerente, enriquecendo-as com dados concretos". E continua: "Desde que seja para maior economia e produtividade, posso interferir; o gerente deu-me delegação para isto. Depois, é costume na fábrica incentivar contatos em linha horizontal e eu, de minha parte, sempre os tenho com outros supervisores, trocando idéias, mas sem querer interferir no trabalho dos outros."

Apenas um supervisor demonstrou ser depositário de uma atribuição extra, delegada pelo superior com base "na confiança que soube merecer". Os demais salientaram sempre o caráter rotineiro de suas funções, não sendo chamados pela administração a desempenhar quaisquer outros papéis "pessoais". A autoridade que exercem está limitada pelas suas funções, empiricamente até há pouco, e atualmente em fase de explicitação.

Os supervisores constituem o último nível hierárquico formalizado e também, de certa forma, os únicos intermediários entre a administração (gerência e direção) e o nível da base; o elo final da cadeia de mando, uma vez que abaixo deles só há os que recebem ordens ou cuja autoridade não obedece a padrões formais de delegação.

O organograma não prevê nenhum nível hierárquico entre os supervisores e o nível de base. Apenas para a fiação e tecelagem são anotados auxiliar e mecânicos que se ligam ao supervisor sem caracterização hierárquica junto aos demais operários. Alguns auxiliares são considerados como substitutos: "meu imediato, quando não estou presente", "é o que me substitui quando estou de férias ou falto", "quando preciso me ausentar ele toma meu lugar". Assumem apenas responsabilidade pelo "serviço rotineiro" quando o supervisor não está. Normalmente exercem outras funções específicas dentro da seção, como qualquer empregado.

Outros já estão, ao que parece, sujeitos a uma delegação mais explícita por parte do supervisor, assumindo certas responsabilidades menores independentes de sua presença na seção: "Quem está coordenando diretamente este serviço é o W., pois eu deleguei autoridade a ele para isto. É meu ponta de lança lá." Observando-se a lista de nomes de auxiliares fornecida pelo Departamento de Pessoal com a de supervisores, notou-se que não há coincidência perfeita. Os supervisores citam muito mais nomes do que o departamento considera como oficiais.

Quanto aos mecânicos de produção, apenas um supervisor os considerou em nível um pouco acima dos demais operários "por causa da sua especialidade", e apenas um mecânico foi citado como substituto eventual do supervisor. Parece portanto que a delegação de autoridade feita nesse nível depende muito do próprio supervisor e da maneira como encara seu trabalho; a seleção se faz muito "pelo contato diário entre essas pessoas e se dá tanto pela demonstração por parte daqueles elementos de competência no serviço, como pela prova de serem dignos de confiança",12 12 Lopes, J. Brandão. op cit. p. 150. mas sem estar ainda limitada por normas gerais administrativas ou "sujeitas a controles prévios e claros".13 13 Idem, p. 151. Nesse sentido são significativas essas palavras: "Estou mais ligado dentro da seção ao Sr. J.S., que serve como meu auxiliar. Tenho inteira confiança nele."

A crença na lealdade do subordinado constitui uma das únicas garantias para a delegação nos sistemas tradicionais. Observa-se ainda que a falta de registro do nome da maioria dos auxiliares no Departamento do Pessoal confere ao supervisor plena liberdade para dar e retirar autoridade do subordinado, cujas atividades podem ser alteradas quando julgar necessário. Deve-se notar contudo que esta delegação tende a apoiar-se futuramente: 1. nas Normas Administrativas Gerais, recém-aprovadas, que prescrevem no item 26: "Os executivos deverão saber escolher e treinar pessoas capazes de assumir a responsabilidade de chefia. Para isto, devem atribuir responsabilidade aos subordinados dentro dos limites da capacidade, qualidade e conhecimento." E no item 27: "A responsabilidade delegada com a autoridade não exime o delegante dessa mesma responsabilidade." 2. Um novo organograma está sendo construído, contendo a descrição por escrito dos diferentes cargos com definição de atribuições e responsabilidades.

Dessa forma o padrão de delegação de autoridade tende, também nos níveis inferiores, a assumir caráter racional segundo uma descentralização administrativa objetivamente estabelecida.

Ainda com relação ao organograma da fábrica é preciso fazer algumas considerações em torno de certos serviços especiais, como o serviço dentário e o serviço social, ligados à gerência de relações industriais e aos assistentes técnicos de gerência de produção. Tais serviços caracterizam-se especialmente por não exercerem seus titulares autoridade "de linha", isto é, não integrarem as cadeias de mando da fábrica. Constituem atividades auxiliares da administração, cuja posição é considerada geralmente como intermediária: "Fazemos um trabalho de assessoria e de intermediários entre as necessidades e interesses dos empregados e as possibilidades e interesses da fábrica." "Acho que estou num nível intermediário entre as gerências e os supervisores. Não sou supervisor porque não recebo ordens de cima para fazê-las cumprir, nem estou, de modo nenhum, no nível gerencial. Minha posição é mesmo intermediária."

Nenhum entrevistado demonstrou qualquer dúvida quanto a suas funções e papéis que se podem classificar como de assessoria, considerando-se que "assessorar é planejar, recomendar, assistir ou facilitar as atividades que, tipicamente auxiliares, são exercidas sem o direito de comando".14 14 Hopp, Maria Isabel Ramos. Conflito entre asessores e administradores de linha. Revista de administração de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, v. 6, p. 107, jun. 1965. E ainda mais, as três finalidades que se atribuem à assessoria - aconselhar, prestar serviços e exercer controles - estão presentes nas funções desempenhadas por eles, como se depreende destas observações: "O mecanismo do meu trabalho se desenvolve da seguinte maneira: todas as vezes que um dos diretores ou gerentes precisa de certos dados e estudos (relativos a sua competência específica) vem até mim e me pede. Eu vejo como pode ser e dou as instruções devidas." "Estou estudando as minhas funções, que serão sobretudo de aconselhamento técnico." "Serviços específicos ocupam boa parte de nosso tempo."

Ainda quanto a suas funções, a "inteira liberdade de ação" é salientada por todos os entrevistados, especialmente no âmbito interno dos serviços social e médico-dentário, cujos titulares são profissionais de nível superior. Neles, a "autonomia de trabalho é tão grande que não dá muito para sentir uma subordinação direta". De qualquer forma, este é um nível ainda sem a formalização hierárquica e funcional de outros, importando mais as situações empíricas para a atribuição de status e papel.

Ao que tudo indica, não deve haver dúvida em considerar-se como horizontal a organização da fábrica, onde os níveis da base à cúpula são poucos e a cadeia de mando é curta.15 15 L. Gardner e W. Moore chamam de horizontal o tipo de organização hierárquica "que tem poucos níveis e mais pessoas informando a cadeia superior" em contraposição com a "vertical" que apresenta uma "hierarquização com níveis" mais rigidamente controlada de cima. (Relaciones humanas en la empresa. Madrid, Rialps, 1961. p. 265 e seg. ).

3. O ATUAL SISTEMA DE COMUNICAÇÕES

As comunicações internas numa empresa constituem mais que simples ordens e informações orais ou escritas. Compõem-se dentro de um sistema que inclui, além das ordens formais, todos os registros e informes de diferentes fontes, os murmúrios, as conversações de diferentes tipos entre os elementos dos vários níveis e seções, reclamações e respostas entre os vários setores, enfim, todos os contatos em que informações, sentimentos e atitudes são transmitidos deliberada ou sutilmente e que existem em determinado ambiente social.

Consideraremos aqui apenas certos aspectos passíveis de análise menos demorada.

A cadeia de mando corresponde ao principal sistema através do qual se "transmitem as ordens e diretrizes em sentido descendente e informações acerca dos problemas (técnicos) e dos trabalhadores em sentido ascendente".16 16 Idem, p. 49. Constitui também o centro dos esforços da empresa no sentido de melhorar suas comunicações internas. Na I.T. essa cadeia é muito curta por causa de sua organização de tipo predominantemente horizontal. Da administração até o empregado nas seções, a comunicação atravessa, na maioria dos casos, apenas um nível hierárquico - o de supervisão.

Muitas vezes, quando os níveis de administração e supervisão precisam de informações (fornecer ou pedir) relativos ao andamento do trabalho e ao "movimento do pessoal", recorrem à cadeia de mando ou a funções colaterais, através das ordens de serviço. A equipe de pesquisa recebeu significativo volume dessas e de outras comunicações escritas.

Classificando as diversas ordens recebidas, segundo sua direção, observou-se que essas ordens são muito mais freqüentes na linha horizontal (entre supervisores) que na vertical. Isto pode ser explicado, pelo menos em parte, pela estrutura da fábrica, que favorece o constante contato pessoal entre os supervisores e seus chefes, através dos quais as ordens são transmitidas. Além disso, como apenas dois gerentes coordenam o trabalho da maioria dos supervisores (86%), a comunicação escrita, mais lenta e formal, tomaria muito mais tempo que o processo direto utilizado.

Esses mesmos aspectos podem ser creditados à quase inexistência de ordens escritas dos supervisores para seus subordinados. O número extremamente restrito de comunicações escritas no nível da administração reflete o caráter informal e o volume intenso de relações diárias entre seus vários membros.

As ordens de serviço concentram-se, pois, no nível de supervisão. Sendo esse um grupo muito maior, pela própria natureza do seu serviço, é para eles mais difícil ausentarem-se longamente da seção: as comunicações escritas tornam-se, à primeira vista, o expediente mais funcional para os supervisores. Além disso, contendo essas comunicações, informações e pedidos de providências a serem tomadas, a forma escrita é a mais indicada para não serem "esquecidas" por aqueles a quem são enviadas, ao mesmo tempo que constituem uma "garantia" para quem as mandou, de que está cumprindo suas obrigações. Um supervisor, aliás, comentou sua satisfação pela obrigação de envio de cópias de ordens de serviço para o Departamento de Relações Industriais, salientando que isto era "muito bom, porque só ordem verbal não dá. Assim a gente escreve mais. Muitas vezes a gente fala com a pessoa, transmite a ordem para ela, ela não cumpre e diz que não recebeu aviso nenhum e a gente é que fica mal."

As ordens de serviço são em geral redigidas em poucas palavras, contendo sempre a data, a seção de onde parte, a quem é dirigida. O assunto é colocado de modo direto, simples e impessoal, contendo a assinatura de quem aexpede.

Representam meios funcionais de comunicação que evidenciam flexibüidade estrutural e liberdade funcional própria a um sistema descentralizado e horizontal, como o atualmente dominante na empresa. São, no entanto, contrabalançadas por considerável volume de comunicação oral, que tende a persistir dado o tamanho da fábrica.

Os relatórios diários de supervisores e gerentes seguem a cadeia de mando, em ordem ascendente, em outro tipo de comunicação formal. Constituem, juntamente com as outras informações (contabilidade, pessoal, ordem de férias, descontos, prêmios, lanches, etc.) um conjunto de comunicações formais, técnicas e padronizadas, cuja descrição é aqui desnecessária. Pertencem a um campo mais administrativo que propriamente social.

Entre os níveis de administração e supervisão, há outra oportunidade de contatos e que se reveste, cada vez mais, de grande importância. São as reuniões periódicas gerais e as dos setores de fiação, tecelagem, manutenção e relações industriais. É através delas que a administração comunica vários assuntos para serem transmitidos aos empregados.

O nível da base, ou seja, o operariado, recebe também comunicações do tipo formal, quer através de veículos escritos de ordem geral, como o Boletim Informativo e os Quadros de avisos, quer através de informações mais específicas transmitidas verbalmente.

O Boletim Informativo é publicado na empresa desde 1961. Não apenas os assuntos como também a forma de redação - sempre direta, funcional e jornalística, de fácil entendimento por parte dos leitores - e o uso constante dos pronomes e adjetivos nós e nosso para indicar o pessoal e a fábrica, sugerem que os boletins são usados como veículos para "vender" a empresa ao empregado, para contribuir para uma visão positiva da empresa (preocupação perfeitamente lógica para quem se interessa em criar "um ambiente mais harmônico no trabalho"). Funcionam realmente como o mais importante meio de comunicação formal entre a administração e os empregados. Apenas dois em cada sete operários entrevistados a respeito afirmaram não os lerem sempre ou não os conhecerem. Os demais citam-nos constantemente, como um dos meios pelos quais recebem informações na fábrica.

O outro elemento escrito e formal de comunicação é representado pelos Quadros de avisos colocados na entrada da fábrica - dois da administração, outro da cooperativa e outro do clube - onde são anexados, ou escritos a giz, comunicados rápidos, lembretes que "não devem permanecer escritos" ou apresentados com mais cuidado.

Um outro quadro (do serviço social) é em geral usado para anexar cartazes motivadores de campanhas como de alimentação, vacinação, ou simplesmente comemorativos, como por ocasião da Páscoa, de aniversário da companhia, do 7 de setembro, do Dia do Trabalho. Nele são também transcritos trechos e pensamentos para reflexão sobre o amor, o trabalho e outros temas. É um quadro que praticamente nunca está vazio.

Há ainda outro meio de comunicação escrita, o jornal Ação, "órgão dos empregados da I.T.", criado e mantido sob orientação do serviço social e aberto à colaboração de todos os funcionários, embora essa venha sempre "das mesmas pessoas". É uma publicação recreativa e normativa, além de divulgar informações de interesse dos trabalhadores, como por exemplo a respeito do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, do vestuário e uniformes (fevereiro de 67) e a seção "Isto lhe interessa", que "nasceu para esclarecer, orientar e comunicar notícias sobre: previdência social, política, etc." (iniciada em maio de 1967 mas interrompida em 1968).

Esses constituem os veículos de disseminação formal de informações dentro da fábrica. Existe, porém, outra publicação, impressa em maio de 1967, que contém dados gerais sobre a fábrica: sua história, organização e objetivos. Deve ser distribuída ao novo empregado como parte de um programa de adaptação à empresa. Este há muito não é mais simplesmente posto para dentro do portão por um gerente e apresentado ao encarregado da seção com palavras como essas: "Olhe, ensina esse moleque aí." Pelo contrário, deve passar por processos de seleção que se formalizam cada vez mais, como já foi notado, e que incluem na fase geral entrevistas tanto com o gerente de relações industriais como com seu futuro supervisor, através das quais o candidato apto é introduzido na empresa: "Dirijo-lhe boas-vindas, dou-lhe conhecimento do regulamento da empresa, uma exposição do que é a companhia, seus objetivos, enfim, relações públicas." É a seguir entregue ao Departamento de Desenvolvimento do Pessoal, que se encarrega de mostrar-lhe a fábrica, esclarecer-lhe as rotinas de trabalho, o sistema de controle de incêndio, os benefícios que receberá, etc, e o próprio aprendizado do serviço, se o novo empregado não tem ainda a qualificação desejada. Caso contrário, inicia o trabalho sob orientação do supervisor.

O relato de um empregado com poucos meses de casa é bem ilustrativo: "Estava sem emprego e procurei em vários lugares. Falei também com o Sr. J. (supervisor), que ficou de falar com o Dr. E. (gerente de relações industriais). Preenchi a ficha e dentro de duas semanas fui chamado. Sabia que era uma boa fábrica, que tratava bem os operários porque tinha um primo que trabalhava aqui. Conversei com o chefe do pessoal (supervisor) que me disse que queria pessoas que cumprissem o dever, que não falham, e as regalias que a gente tem aqui: leite, cooperativa e clube; trabalho no domingo, trabalho depois da hora; sobre o vestiário e uniforme, remédio, médico, dentista. Depois eu conheci a fábrica toda com um elemento da Seção de Desenvolvimento do Pessoal. Então fui entregue ao supervisor para começar meu serviço."

Essas observações são um exemplo, entre outros, dos primeiros passos de um novo empregado na fábrica, notando-se a preocupação em instruí-lo sobre as condições de seu novo meio de trabalho. Nota-se ainda como essas informações iniciais e essenciais vão sendo delegadas a seções diferentes: pessoal e desenvolvimento do pessoal. O empregado citado teve entrevista informativa e orientadora com o supervisor da Seção do Pessoal, que assumiu uma autoridade delegada pelo gerente de relações industriais. Aliás, "na Seção do Pessoal é que houve mais delegações porque o antigo responsável fazia tudo ali. Seu auxiliar (atual supervisor daquela seção) tinha meras atribuições executivas. Essa questão de admissão e seleção do pessoal venho deixando bastante por conta dele." O que é conseqüência direta da burocratização interna das empresas, pois, como bem nota Bendix: "Os poucos que comandam devem controlar mas não podem superintender a execução dos seus subordinados" e são, portanto, obrigados a delegar mais autoridade, pois "a especialização implica em que aqueles nos níveis mais inferiores de hierarquia de comando conheçam mais num campo limitado que aqueles que estão sobre eles".17 17 Bendix, Reinhard. Work and authority in industry. New York, Harper & Row, 1963. p. 9.

O sistema de seleção e admissão de pessoal é um dos mais representativos índices do grau de burocratização e um dos pontos de maior independência entre as comunicações e a estrutura interna das empresas. Na I.T. empregados de mais de 20 anos foram, em sua maioria, escolhidos ao acaso, no portão, e postos para dentro da fábrica após seleção sumária, feita "a olho", pelo gerente ou mestres. Depois de criada a Seção do Pessoal, seu encarregado passou a responsabilizar-se pelo processo, embora os gerentes continuassem a influir, ainda importando muitos fatores de ordem pessoal. O antigo diretor de produção foi o responsável direto pela admissão de muitos empregados, utilizando mesmo o expediente do "jeitinho", como no caso de um supervisor admitido sem condições médicas satisfatórias porque aquele diretor "precisava muito (dele) naquele momento".

Atualmente a empresa marcha para um processo totalmente impessoal de seleção através de testes padronizados, profissiogramas e testes psicológicos. E as tarefas vão sendo distribuídas, não sendo mais o diretor e o gerente os responsáveis pela sua execução. Conseqüentemente, também o volume e a qualidade de informações recebidas pelo recém-contratado é muito maior, tendendo a diminuir o tempo de adaptação ao novo ambiente.

Nessa questão, como em outras relativas a comunicações, salienta-se a posição-chave dos supervisores. Eles ainda conservam o direito de indicar e opinar sobre o candidato, "fazer força por ele" (como no caso do empregado citado), embora cada vez mais "essa colaboração na decisão" venha sujeitar-se a qualificações técnicas e pessoais dos candidatos reveladas pelos testes a que terão de se submeter. De qualquer modo, terminado o período de "seleção e treinamento" feito pelas seções especializadas, o empregado passará a viver sua rotina de trabalho e então é ao supervisor que caberá a criação de um relacionamento positivo entre ele e seus colegas e entre eles e a própria administração. A partir daí, os contatos pessoais entre os dois níveis ficarão muito mais difíceis, embora a companhia reconheça "o direito de recurso aos chefes mais altos, bem como o de cada empregado de dirigir-se diretamente a eles para expor o que desejar". (Normas Administrativas Gerais, item 4.)

Mas são poucos os que se aventuram chegar até a administração, havendo inclusive uma suspeita de que os supervisores não favorecem muito esses contatos. Outro dado a respeito é o fornecido pela assistente social sobre a biblioteca: "Tínhamos aqui uma pequena biblioteca formada sobretudo de romances e livros de cultura geral, cujo objetivo era incentivar os hábitos de leitura dos nossos empregados. Como a administração queria fazer uma biblioteca da fábrica mesmo, então removemos nossos livros para lá, para ficar junto. Mas observei que desde que a biblioteca passou para lá (próxima aos órgãos de administração), diminuiu ainda mais o número dos empréstimos porque o pessoal acha difícil ir até lá em cima."

Dessa forma, é pacífico o papel de intermediários exercido pelos supervisores, que funcionam como transmissores e filtros naturais de muitas informações e opiniões verbais, transmitidas em linha ascendente ou descendente.

A administração parece consciente desse papel de informantes exercido pelos supervisores, e tem opinião sobre como desempenham essa função na empresa: "É norma da administração pedir-lhes que procurem sempre obter a cooperação voluntária dos empregados, depois usar a persuasão e só depois mandar mesmo, isto é, usar de autoridade. Mas não se tem conseguido isto. Vão logo usando de autoridade, e mais: eles recebem uma ordem com um sentido e lá embaixo a transformam do jeito deles. Quando um operário se recusa a cooperar, vão logo dizendo que é ordem da direção. Estamos convencidos que há um problema bem sério aí.". "Um problema que eu acho difícil aqui na fabrica, é o das ordens que a gente dá ao supervisor chegarem direito ao pessoal... (cita exemplo). Eles deturpam tudo. Acredito que com outros supervisores ocorre o mesmo." Isto é, a administração parece convencida de que os supervisores constituem o ponto nevrálgico do sistema interno de comunicações.

Perguntou-se aos empregados, numa média de 5% em cada seção, sobre as informações normalmente recebidas do supervisor. Praticamente todos responderam que eram informações "sobre serviço". Essas informações são orientações para execução de uma tarefa, modificações a serem feitas, explicações sobre o ordenado, relacionadas por todos os entrevistados.

São também os supervisores que fazem as primeiras comunicações ao empregado sobre sua demissão ou promoção, apresentam-lhe os motivos e encaminham-no à Seção do Pessoal para concluir as providências de praxe. Apenas em casos especiais o gerente de relações industriais parece interferir diretamente. Segundo esse gerente, há uma preocupação da administração em deixar para os supervisores "responsabilidades cada vez maiores no setor do seu pessoal", o que está também claro no item 12 da Função do Supervisor. Já no caso de informações especiais (opção pelo Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, aumento do seguro coletivo, modificações na fábrica, etc), menos de 20% dos entrevistados creditaram-nas a seus chefes diretos.

É interessante notar ainda que eles citam quase sempre o Boletim Interno e os Quadros de avisos como fontes de informação antes de falarem propriamente dos supervisores. O que parece indicar que para as informações "especiais", esses veículos formais e diretos de comunicação são fontes talvez mais importantes.

A administração da fábrica pode comunicar-se com o nível da base, como se observou, tanto por meio de veículos formais escritos e diretos (boletins, quadros de avisos), como através da cadeia de mando (supervisores). Viu-se que para as ordens rotineiras de serviço as comunicações seguem a cadeia de mando, o mesmo acontecendo com as informações ordinárias de administração do pessoal. Para as notícias "especiais" os meios diretos têm mais força, uma vez que os supervisores não parecem ter um "sistema de comunicação" preestabelecido para com seus subordinados. Isto é, não estão preocupados em ter um meio de informar objetiva e eficientemente a todos os subordinados.

Dentro do âmbito e limitação da pesquisa não foi possível comprovar verdadeiras "distorções" provocadas pelos supervisores como transmissores de informações, mas ficou evidente, pelo menos, que não se empenham nesse sentido, em relação ao nível inferior, com a mesma intensidade com que a administração vem se preocupando com eles próprios.

Analisando-se a opinião média dos dois níveis hierárquicos quanto às deficiências nesse setor, encontram-se observações divergentes: a administração tende a considerar o problema em termos de distorções dos supervisores e estes em termos de distanciamento daquela em relação aos operários: "Nem sempre transmitem o que a gente diz"; "muitas vezes não chegam ao conhecimento do pessoal que não as cumpre porque déjas não tomaram conhecimento. Agora isto está melhorando"; "Há falta de comunicação aqui; a administração não pode se prender aqui em cima, o pessoal pensa que está esquecido." "O que falta hoje é mais contato dos gerentes com o pessoal." Nem os supervisores se dão conta de que são líderes e não apenas chefes, nem a administração se pergunta sobre a qualidade e eficiência das informações que transmite ao nível intermediário.

O sistema formal de comunicações que a empresa possui desde algum tempo não impede a proliferação de rumores e boatos dentro das seções. Evidentemente, em nenhuma organização o sistema informal de comunicações, aquele que surge espontaneamente e que não está sujeito a nenhum controle, deixa de existir paralelamente ao sistema formal porque é uma necessidade natural de grupos de pessoas reunidas num mesmo ambiente. Entretanto, a predominância de rumores e comentários como fontes de informações de decisões que emanam dos níveis mais altos de administração, é própria de um sistema rudimentar de comunicações formais e constitui seu substitutivo natural. No caso da fábrica, uma certa predominância de comentários nas seções, como primeira fonte de informação, pode advir de um hábito enraizado nos empregados - tendo-se em vista que o aperfeiçoamento do sistema formal é relativamente recente (os boletins datam de 1961) - e da própria conduta dos supervisores e administradores, que estão se apoiando neles (boatos), não assumindo as novas responsabilidades. Nesse quadro surge outra fonte de informação utilizada pelos empregados: o serviço social. Não são poucos os empregados que para lá se dirigem: "Quando quero saber uma coisa direito, procuro a Dona E.."

Essa situação no setor das comunicações internas reflete bem a transição sofrida atualmente pela empresa. Os outros contatos informais, que caracterizam o dinamismo da empresa como grupo de trabalho, existem nos três níveis de estrutura hierárquica e entre os níveis imediatamente próximos.

Os membros da administração mantêm entre si um volume muito grande de contatos informais, estando constantemente uns nos gabinetes dos outros, trocando idéias e pontos de vista que não poucas vezes escapam do âmbito puramente técnico ou de trabalho, transformando-se em conversas sobre variados temas, conversas de que participam alguns supervisores mais em contato com a administração. Entre os dois níveis superiores há também muita oportunidade de contato, dado o livre trânsito dos superiores junto aos gerentes e diretores e, desde há algum tempo, através dos contatos diários na hora do café, pela manhã e à tarde.

O relacionamento em termos de nível de base parece altamente positivo, sugerindo um "sentimento de grupo". Dentro desse optimum há no entanto elementos classificados de "fofoqueiros" e "disseminadores de boatos" e transmissores de informações "não oficiais" a supervisores e administradores. Mas sobre isso pode-se apenas ouvir comentários, uma vez que um estudo das cliques e grupos espontâneos ou deliberados não foi realizado.

Pode-se concluir portanto que ocorre na I.T. a incorporação de um padrão de organização mais racional e burocrático. Ele inclui não apenas modificações nos métodos tradicionais de administração e produção, como também o estabelecimento de um tipo impessoal de contato e comunicação entre a administração e os operários.

Essa mudança reflete-se ainda no desenvolvimento, nos últimos anos, de uma rede formal de comunicações que abrange tanto informações orais como escritas entre diferentes níveis hierárquicos. Essa rede permite maior divulgação dos assuntos da empresa e evidencia a preocupação dos dirigentes em levar ao conhecimento de todos os empregados aspectos de sua política administrativa que contribuam para uma imagem positiva da empresa.

Ao mesmo tempo, a reincorporação de certas responsabilidades ao nível intermediário, principalmente no que se refere à administração e à comunicação ao pessoal, resulta de uma distribuição de cargos e funções segundo um liveand staff system,18 18 ______. op. cit. isto é, de caráter progressivo e irreversível. O sistema de informação, refletindo a estrutura de autoridade e a organização administrativa da fábrica, evidencia também os mesmos sinais de transição por que passa a I.T.

  • 2 Consultar a esse respeito, além de Furtado, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo, Nacional, 1968 e anni,
  • Octávio. Industrialização e desenvolvimento social no Brasil. Rio, Civilização Brasileira, 1963,
  • especialmente Cardoso, F.H. & Faletto, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio, Zahar, 1970;
  • Tavares, M.C. & Serra, J. Mas alia del estancamiento: una discusión sobre el estilo dei desarrollo reciente del Brasil. Santiago, (mimeogr.
  • 3 Mayo, Élton. The human problems of an industrial civilization. N.Y. Macmillan, 1933.
  • Os resultados completos das pesquisas da Hawthorne (Western Eletric) realizadas sob sua direção encontram-se em Roethlisberger, F.J. & Dickson, W.J. Management and the uwrker. Cambridge, Harvard University Press, 1939.
  • 8 Lopes, J. Brandão. Sociedade industrial no Brasil. São Paulo, Difel, 1964. p. 100.
  • 9 Weber, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1963. p. 229.
  • 14 Hopp, Maria Isabel Ramos. Conflito entre asessores e administradores de linha. Revista de administração de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, v. 6, p. 107, jun. 1965.
  • 15 L. Gardner e W. Moore chamam de horizontal o tipo de organização hierárquica "que tem poucos níveis e mais pessoas informando a cadeia superior" em contraposição com a "vertical" que apresenta uma "hierarquização com níveis" mais rigidamente controlada de cima. (Relaciones humanas en la empresa. Madrid, Rialps, 1961. p. 265 e seg.
  • 17 Bendix, Reinhard. Work and authority in industry. New York, Harper & Row, 1963. p. 9.
  • 1
    Esse nome um tanto impróprio, reconhecemos, não deve ser confundido com o conjunto das empresas do mesmo ramo existentes na cidade, das quais ela se diferencia sob várias aspectos.
  • 2
    Consultar a esse respeito, além de Furtado, Celso.
    Formação econômica do Brasil. São Paulo, Nacional, 1968 e anni, Octávio.
    Industrialização e desenvolvimento social no Brasil. Rio, Civilização Brasileira, 1963, especialmente Cardoso, F.H. & Faletto, E.
    Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio, Zahar, 1970; Tavares, M.C. & Serra, J.
    Mas alia del estancamiento: una discusión sobre el estilo dei desarrollo reciente del Brasil. Santiago, (mimeogr. ) e Oliveira, Francisco. A economia brasileira: crítica à razão dualista. In:
    Estudos Cebrap 2, São Paulo.
  • 3
    Mayo, Élton.
    The human problems of an industrial civilization. N.Y. Macmillan, 1933. Os resultados completos das pesquisas da Hawthorne (Western Eletric) realizadas sob sua direção encontram-se em Roethlisberger, F.J. & Dickson, W.J.
    Management and the uwrker. Cambridge, Harvard University Press, 1939.
  • 4
    Apresentado no programa de pós-graduação em antropologia social do Museu Nacional, em 1972.
  • 5
    Nesta pesquisa contamos com a colaboração de Leda Maria Benevello de Castro.
  • 6
    As aspas utilizadas no texto, quando outras fontes não forem mencionadas, indicam frases e trechos de entrevistas.
  • 7
    Na época da pesquisa 55% das pessoas entrevistadas tinham parentes trabalhando na fábrica.
  • 8
    Lopes, J. Brandão.
    Sociedade industrial no Brasil. São Paulo, Difel, 1964. p. 100.
  • 9
    Weber, Max.
    Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1963. p. 229.
  • 10
    Dados do planejamento para 1968. Departamento de Relações Industriais. I.T.
  • 11
    Manual do superior recentemente aprovado.
  • 12
    Lopes, J. Brandão. op cit. p. 150.
  • 13
    Idem, p. 151.
  • 14
    Hopp, Maria Isabel Ramos. Conflito entre asessores e administradores de linha.
    Revista de administração de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, v. 6, p. 107, jun. 1965.
  • 15
    L. Gardner e W. Moore chamam de horizontal o tipo de organização hierárquica "que tem poucos níveis e mais pessoas informando a cadeia superior" em contraposição com a "vertical" que apresenta uma "hierarquização com níveis" mais rigidamente controlada de cima.
    (Relaciones humanas en la empresa. Madrid, Rialps, 1961. p. 265 e seg. ).
  • 16
    Idem, p. 49.
  • 17
    Bendix, Reinhard.
    Work and authority in industry. New York, Harper & Row, 1963. p. 9.
  • 18
    ______. op. cit.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Out 1974
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