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Fatores associados à resistência à insulina em populações rurais

Factors associated with insulin resistence in rural populations

Resumos

O objetivo deste estudo foi avaliar a associação dos indicadores antropométricos, de composição corporal, bioquímicos e hemodinâmicos com a resistência à insulina em duas comunidades rurais. A amostra foi constituída por indivíduos com idade maior ou igual a 18 anos de ambos os sexos. Foram excluídos os diabéticos e as mulheres grávidas. A coleta de dados incluiu variáveis demográficas, de estilo de vida, hemodinâmicas, antropométricas e bioquímicas. Dos 567 participantes, 50,4% eram homens e 49,6%, mulheres. A maioria das pessoas tinha a cor de pele não-branca (75,7%), vivia com seus cônjuges (69,3%) e possuía baixo nível educacional. Neste trabalho, 17,4% das pessoas apresentavam sobrepeso e 5,5%, obesidade. Pela análise multivariada observou-se que, nos indivíduos adultos, não-diabéticos, com baixo nível socioeconômico e educacional, os fatores associados à resistência à insulina foram o sobrepeso e a obesidade, o aumento da razão cintura/quadril, a proteína C-reativa e a cor de pele.

Sobrepeso; obesidade; composição corporal; resistência à insulina; população rural


This study explores the relations of anthropometric, body composition assessments, biochemical and hemodynamic parameters with insulin resistance in two rural communities. Sample was composed by adults aged 18 or older, both sexes. Participants were excluded if pregnant and diabetic. Data collection included demographic lifestyle, hemodynamic, anthropometric and biochemical variables. From the 567 subjects, 50.4% were men and 49.6%, women. Most of the sample was non-white (75.7%), lived with partner (69.3%) and had low educational level. Overweight and obesity prevalences were 17.4% and 5.5%, respectively. Multivariate analysis found risk factors associated to insulin resistance for non-diabetic adults with low income and educational level: overweight, obesity, elevated waist-to-hip ratio, C-reactive protein and skin color.

Overweight; obesity; body composition; insulin resistance; rural population


ARTIGO ORIGINAL

Fatores associados à resistência à insulina em populações rurais

Factors associated with insulin resistence in rural populations

Larissa Loures Mendes; Andréa Gazzinelli; Gustavo Velásquez-Meléndez

Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública (EMI), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Gustavo Velásquez-Meléndez Escola de Enfermagem da UFMG Av. Alfredo Balena, 190 - Santa Efigênia 30130-100 Belo Horizonte, MG, Brasil guveme@ufmg.br

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar a associação dos indicadores antropométricos, de composição corporal, bioquímicos e hemodinâmicos com a resistência à insulina em duas comunidades rurais. A amostra foi constituída por indivíduos com idade maior ou igual a 18 anos de ambos os sexos. Foram excluídos os diabéticos e as mulheres grávidas. A coleta de dados incluiu variáveis demográficas, de estilo de vida, hemodinâmicas, antropométricas e bioquímicas. Dos 567 participantes, 50,4% eram homens e 49,6%, mulheres. A maioria das pessoas tinha a cor de pele não-branca (75,7%), vivia com seus cônjuges (69,3%) e possuía baixo nível educacional. Neste trabalho, 17,4% das pessoas apresentavam sobrepeso e 5,5%, obesidade. Pela análise multivariada observou-se que, nos indivíduos adultos, não-diabéticos, com baixo nível socioeconômico e educacional, os fatores associados à resistência à insulina foram o sobrepeso e a obesidade, o aumento da razão cintura/quadril, a proteína C-reativa e a cor de pele.

Descritores: Sobrepeso; obesidade; composição corporal; resistência à insulina; população rural

ABSTRACT

This study explores the relations of anthropometric, body composition assessments, biochemical and hemodynamic parameters with insulin resistance in two rural communities. Sample was composed by adults aged 18 or older, both sexes. Participants were excluded if pregnant and diabetic. Data collection included demographic lifestyle, hemodynamic, anthropometric and biochemical variables. From the 567 subjects, 50.4% were men and 49.6%, women. Most of the sample was non-white (75.7%), lived with partner (69.3%) and had low educational level. Overweight and obesity prevalences were 17.4% and 5.5%, respectively. Multivariate analysis found risk factors associated to insulin resistance for non-diabetic adults with low income and educational level: overweight, obesity, elevated waist-to-hip ratio, C-reactive protein and skin color.

Keywords: Overweight; obesity; body composition; insulin resistance; rural population

INTRODUÇÃO

A resistência à insulina pode ser definida como resposta diminuída às ações biológicas da insulina (1); anormalidade que ocorre principalmente em razão de ação defeituosa da insulina em tecidos periféricos, como tecidos adiposo, muscular e hepático (2). Essa condição é considerada fator de risco cardiovascular isolado, sendo achado comum nos indivíduos com agrupamento de fatores de risco cardiovascular, aqueles portadores da síndrome metabólica (3).

Atualmente, alguns trabalhos têm indicado que as comunidades rurais estão incorporando hábitos da vida urbana que contribuem para o desequilíbrio do balanço energético e o ganho de peso corporal. Tais estudos evidenciam também crescimento na proporção de indivíduos com alterações de tolerância à glicose e resistência à insulina (4,5).

Em um estudo realizado no interior de São Paulo, ao comparar áreas urbanas e rurais de dois municípios, as prevalências padronizadas de obesidade foram maiores na zona rural em relação à urbana, principalmente para as mulheres. Os autores sugerem que essa alta prevalência de obesidade na zona rural seja decorrente das mudanças no modo de vida dessa população, caracterizando perfil epidemiológico de transição nutricional (6).

O processo de transição nutricional está sendo intensamente estudado desde a década de 1960, principalmente nas áreas urbanas do Brasil (7), entretanto, para as áreas rurais do país são poucas as evidências de que tais mudanças tenham ocorrido, gerando dúvidas se os seus determinantes são os mesmos das áreas urbanas.

Dentro dessa perspectiva, e diante do aumento da prevalência do sobrepeso e da obesidade no meio rural brasileiro, mostrada por recentes pesquisas nacionais, o objetivo deste estudo foi avaliar a associação dos indicadores antropométricos, de composição corporal, bioquímicos e hemodinâmicos com a resistência à insulina em duas comunidades rurais da região do Vale do Jequitinhonha, MG, Brasil.

MÉTODOS

Foram realizados estudo de base populacional e delineamento transversal nas comunidades de Virgem das Graças, área rural do município de Ponto dos Volantes, e Caju, área rural do município de Jequitinhonha, am-bas localizadas no Vale do Jequitinhonha, MG, Brasil.

As principais atividades econômicas da região são o comércio, a pecuária de corte, a agricultura de subsistência, como a plantação, e o cultivo de mandioca, milho, feijão, arroz, além da fruticultura, dando ênfase principalmete ao plantio de banana. O garimpo e a mineração também são atividades realizadas por algumas pessoas da região.

As comunidades estudadas enfrentam inúmeros problemas, como o baixo nível socioeconômico, a dificuldade de acesso por causa da falta de estrada pavimentada, da elevada taxa de analfabetismo, da qualidade inadequada da água e dos serviços de saúde precários. Nessas áreas rurais as casas são simples, construídas com tijolo de barro e telhas. Muitas casas, apesar de possuírem água encanada de nascentes, ainda utilizam a água dos córregos para realizar atividades que exigem maior consumo, como lavar roupas e vasilhas, uma vez que a água encanada existe em pequena quantidade e várias casas não possuem reservatório. Cabe ressaltar, ainda, que os distritos não possuem rede de esgoto.

Essas comunidades foram escolhidas porque nelas era desenvolvido projeto interinstitucional, e seus moradores estavam previamente cadastrados por meio de censo. A população-alvo deste estudo constituiu-se de indivíduos com idade maior ou igual a 18 anos, de ambos os sexos e com pelo menos dois anos de residência no local. A população residente nessas comunidades era constituída por 272 famílias, totalizando 1.216 indivíduos. Desse total de indivíduos 522 eram menores de 18 anos, restando 694 indivíduos, para o estudo. Entre esses, houve perda de 100 indivíduos (14,4%), reduzindo a amostra para 594 (85,6% do total de indivíduos adultos cadastrados inicialmente), porque 47 não se encontravam no local na época da coleta, 33 mudaram-se para outras localidades e 20 não permitiram a coleta dos dados.

A amostra total, portanto, foi de 594 indivíduos adultos e, desses, foram excluídos ainda 8 pacientes diabéticos e 9 mulheres grávidas. Com isso, a amostra final para esse estudo se constituiu de 567 pessoas com idades entre 18 e 94 anos. Para exclusão dos diabéticos, usaram-se como critério a morbidade autorreferida, o uso de hipoglicemiantes orais e de insulina, além disso, os dados relatados pelos indivíduos foram checados nos prontuários médicos presentes nos centros de saúde dos distritos. Para exclusão das gestantes, o critério foi o relato de a mulher estar grávida.

Os participantes do estudo responderam a um questionário com perguntas relativas aos aspectos sociodemográficos e de estilo de vida. Ao final da entrevista, foi realizada avaliação clínica que consistiu na aferição de medidas antropométricas, de composição corporal, hemodinâmicas e na coleta de sangue para a realização dos exames bioquímicos.

O trabalho de campo foi desenvolvido por seis examinadores previamente treinados, sendo duas nutricionistas e quatro enfermeiros. Para verificar o controle de qualidade dos procedimentos realizados, a concordância entre os examinadores foi avaliada pela ANOVA e pelo teste de Tukey e, também, pelo índice Kappa, com nível de significância de 5% (p < 0,05). Não foram encontradas diferenças inter e intraexaminadores.

Todas as medidas foram realizadas três vezes, de acordo com recomendações padronizadas (10), sendo o valor final determinado pela média entre elas. O coordenador dos trabalhos de campo checou a qualidade dos procedimentos realizados ao refazer todos eles em 10% da amostra que foi escolhida de maneira aleatória.

O peso foi aferido por meio de balança digital com aproximação de 0,1 kg, estando os participantes vestidos com roupas leves e sem sapatos. A altura foi mensurada por meio de uma fita métrica inextensível, a qual era colocada em uma parede sem rodapé à distância de 50 cm do chão com aproximação de 0,1 cm. Os indivíduos eram posicionados de pé, descalços, olhando para frente, em posição de Frankfurt (arco orbital inferior alinhado em um plano horizontal com o pavilhão auricular), com os pés juntos. A circunferência da cintura (CC) foi medida com fita métrica inelástica, posicionando-a no ponto médio entre a última costela e a parte superior da crista ilíaca. A circunferência do quadril foi mensurada no local de maior proeminência da região glútea. A razão cintura/quadril (RCQ) foi obtida a partir da seguinte equação: RCQ = circunferência da cintura/circunferência do quadril. A circunferência da cintura e a RCQ foram classificadas seguindo recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), visto que a CC > 94 cm (homens) e > 80 cm (mulheres) foram consideradas como risco de complicações metabólicas aumentado (nível 1), e CC > 102 cm (homens) e > 88 cm (mulheres) foram consideradas como risco de complicações metabólicas aumentado substancialmente (nível 2); para a RCQ > 1 para homens e RCQ > 0,85 para mulheres considerou-se como elevada para risco a doenças cardiovasculares (11).

O índice de massa corporal (IMC) foi calculado de acordo com a fórmula: IMC = peso (kg)/estatura2 (m) e também classificado conforme os pontos de corte estabelecidos pela OMS, sendo: < 18,5 (kg/m2) baixo peso, 18,5-24,9 (kg/m2) eutrófico, 25-29,9 (kg/m2) sobrepeso e > 30 (kg/m2) obesidade (11).

A análise da composição corporal foi realizada por meio de bioimpedância elétrica com o bioimpedanciômetro Quantum II (RJL Systems®, Estados Unidos), de onde foram obtidos os dados referentes ao percentual de gordura corporal. Foi solicitado que os indivíduos estivessem em jejum de 12 horas e vestindo um mínimo de roupas, sem jóias e/ou bijuterias e com a bexiga vazia, conforme protocolo preconizado. Os pontos de corte estabelecidos para verificação do excesso de gordura corporal, de acordo com o sexo, foram percentual de gordura corporal acima de 30,0% para as mulheres e acima de 20,0% para os homens (12).

A aferição da pressão arterial foi realizada seguindo todos os passos preconizados no VII Relatório da Joint National Committee (JNC) (13), que definem a forma correta de aferição indireta desse parâmetro diagnóstico; essa medida também foi realizada por examinadores previamente treinados. Foram considerados hipertensos os indivíduos com pressão arterial sistólica > 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica > 90 mmHg e/ou em uso de medicação anti-hipertensiva.

Amostras de sangue foram obtidas por meio de punção venosa com o paciente em jejum de 12 horas. Para a dosagem dos lipídeos séricos, insulina e proteína C-reativa (PCR), foi coletada amostra de cerca de 10 mL de sangue sem anticoagulante (tubo seco). As concentrações do colesterol total, triglicérides e glicose foram determinadas empregando-se o teste enzimático colorimétrico, utilizando o analisador COBAS MIRA PLUS (Roche Diagnostics, Suíça). A concentração da lipoproteína de alta densidade (HDL-c) também foi medida pelo teste enzimático colorimétrico, após precipitação das frações da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) e da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL-c) pelo ácido fosfotúngstico e cloreto de magnésio. Níveis de LDL-c foram calculados por aplicação da equação de Friedwald (8). Para a dosagem da glicemia, utilizou-se tubo fluoretado com cerca de 5 mL de sangue. O material coletado foi enviado ao laboratório no mesmo dia da coleta, seguindo as especificações técnicas recomendadas. A glicemia de jejum foi caracterizada de acordo com as recomendações da American Diabetes Association (ADA) (14) e os níveis de triglicérides, colesterol total, HDL-c e LDL-c foram classificados consoante os critérios da III Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias e Diretriz de Prevenção da Aterosclerose (15). As concentrações de PCR de alta sensibilidade e insulina foram determinadas pelo método imunométrico em fase sólida quimioluminescente usando o analisador IMMULITE 2000 (EURO/DPC Ltda., Reino Unido). Para PCR e insulinemia de jejum, consideraram-se elevados os valores, dessas variáveis, categorizados no 4ºquartil da distribuição e normais os valores no 1º, 2º e 3ºquartis. O valor do 4º quartil da PCR foi de 0,41 mg/dL.

A resistência à insulina foi avaliada pelo método Homeostasis Model Assessment (HOMA-IR) (9) a partir da seguinte equação: HOMA-IR = insulinemia de jejum (mU/L) × glicemia de jejum (mmol/L)/22,5. Foram consideradas resistentes à insulina as pessoas com valores de HOMA-IR no 4ºquartil. Como não há consenso em relação ao valor de corte estabelecido como referência para classificar os resultados do índice HOMA-IR, para essas comunidades, foram consideradas resistentes à insulina as pessoas com os valores de HOMA-IR no 4ºquartil da distribuição dessa variável, porquanto o valor de corte do quarto quartil dessa população foi de 1,13. Assim, as pessoas com valores no 1º, 2º e 3ºquartis foram consideradas normais.

Os dados foram processados e analisados utilizando-se o programa Statistical Software for Professional (STATA), versão 9.0. Os testes de qui-quadrado e de regressão logística simples foram usados para comparar diferenças nas frequências das variáveis categóricas. A razão de prevalência com intervalo de confiança de 95% (RP; IC 95%) foi empregada como medida de associação nas análises bivariadas.

Empregou-se a técnica de regressão logística multivariada passo a passo para avaliar a associação entre as variáveis independentes e a resistência à insulina. As covariáveis que apresentaram significância estatística inferior a 0,20 (p < 0,20) durante a análise bivariada e plausibilidade biológica foram consideradas como candidatas ao modelo final. A entrada das variáveis independentes no modelo se deu uma a uma por ordem decrescente de significância estatística, e aquelas que perdiam essa característica foram excluídas. Testaramse também a confusão e a interação entre as variáveis. A força de associação foi avaliada pelo cálculo da odds ratio (OR) com IC 95%. O nível de significância estatística estabelecido nessa etapa foi de 5% (p < 0,05).

O teste de Hosmer-Lemeshow foi utilizado para verificar o ajuste final do modelo. A análise de resíduos também foi realizada com base, principalmente, nos pontos influenciais e não foram encontradas violações das suposições do modelo de regressão.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), consoante a Resolução nº196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, segundo Parecer ETIC nº144/2004. Todos os participantes foram informados sobre o objetivo da pesquisa e seus direitos como participantes. Além disso, eles assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

A amostra estudada foi constituída de 567 pessoas, das quais 50,4% eram homens e 49,6% eram mulheres. A tabela 1 apresenta as características sociodemográficas de acordo com o sexo das comunidades estudadas. Não houve diferenças em relação à distribuição etária no grupo masculino e feminino. A maioria das pessoas tinha a cor de pele não-branca (75,7%) e vivia com seus cônjuges (69,3%).

Em relação ao anos de escolaridade, não houve diferença entre os sexos, mas foi possível observar que a maioria das pessoas possuía baixa escolaridade: 40,2% possuíam um a quatro anos de estudo, 36,3% eram analfabetas e 23,5% possuíam cinco ou mais anos de estudo.

As características antropométricas apresentaram diferenças entre os sexos, visto que houve maior proporção de alterações para o sexo feminino (Tabela 2). Pode-se verificar que 17,4% das pessoas apresentavam sobrepeso e 5,5% das pessoas eram obesas. Em relação à CC, 12,5% da população estudada apresentou risco substancialmente aumentado para complicações metabólicas.

Observou-se que 42,9% das pessoas eram hipertensas, sem diferenças entre os sexos. Em relação ao metabolismo de lipídeos, as mulheres apresentaram maior proporção de níveis baixos de HDL. Para a PCR também foi observada maior proporção de mulheres com valores elevados (4ºquartil). Em relação à glicemia de jejum, não foram encontradas diferenças entre os sexos, entretanto, a proporção de insulinemia de jejum foi maior nas mulheres.

A resistência à insulina estava presente em 17,6% das pessoas com peso normal, em 41,0% daquelas classificadas com sobrepeso (RP = 2,33; IC = 1,64-3,29) e em 71,4% dos obesos (RP = 4,06; IC = 2,92-5,64); em 18,6% das pessoas com RCQ normal e em 42,1% com RCQ elevada (RP = 2,26; IC = 1,67-3,06) (Tabela 3). Para a CC, 16,5% das pessoas sem obesidade abdominal apresentavam níveis elevados de HOMA-IR, 32,8% das pessoas classificadas pelo nível 1 (RP = 2,0; IC = 1,30-3,05) e 61,3% (RP = 3,72; IC = 2,74-5,04) classificadas no nível 2 de CC, esses últimos apresentavam a prevalência de valores elevados de HOMA-IR duas vezes maior em relação às pessoas com CC normal. No que diz respeito à %GC, 46,3% das pessoas que apresentavam gordura corporal aumentada eram resistentes à ação da insulina (RP = 3,16; IC = 2,32-4,31). Para o metabolismo de lipídeos, apenas os níveis elevados de triglicérides relacionaram-se significativamente com a resistência à insulina (RP = 1,60; p = 0,01). A PCR também esteve associada à presença de resistência à insulina de maneira que pessoas com valores elevados de PCR (RP = 1,69; p = 0,001) foram mais resistentes à insulina em relação às pessoas que apresentaram valores normais. No que diz respeito à pressão arterial, verificou-se que os hipertensos foram mais resistentes à ação da insulina (RP = 1,54; p = 0,007) comparados aos normotensos.

Na tabela 4, são apresentados os resultados da análise multivariada. Observou-se que as variáveis que tiveram associação independente com a resistência à insulina foram o sobrepeso (OR = 4,69), a obesidade (OR = 23,78), os valores elevados de RCQ (OR = 2,39), a PCR (OR = 2,03) e a cor de pele branca (OR = 3,66).

DISCUSSÃO

Neste estudo, foram avaliados preditores potenciais da resistência à insulina, em populações de duas comunidades rurais do Vale do Jequitinhonha. O sobrepeso e a obesidade foram mais frequentes no sexo feminino, sendo, respectivamente, 23,3% e 9,0%, proporções similares às mostradas na Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição, na qual os índices eram desprezíveis para os homens (1,74%) e a obesidade acometia 9,0% das mulheres da área rural brasileira (16).

Nossos resultados também concordam com os dados da última Pesquisa de Orçamento Familiar - POF (2002-2003), os quais demonstram que, para as mulheres das áreas rurais das diferentes regiões brasileiras, as prevalências de sobrepeso e obesidade foram, respectivamente, 40,7% e 12,7% (17).

Em um estudo sobre obesidade realizado em quatro comunidades rurais mexicanas, as mulheres também apresentaram maior prevalência de obesidade (33,0%) em relação aos homens (9,0%) (18). Em algumas regiões do sul dos Estados Unidos, também se encontrou prevalência mais elevada de obesidade na área rural (28,9%) em relação à área urbana (27,5%) para as mulheres (19).

No Brasil, em um estudo realizado em dois municípios do interior de São Paulo, a obesidade foi mais prevalente entre as mulheres (23,4%) da área rural do que entre os homens (5,8%), além disso, nesse mesmo estudo, a prevalência do sobrepeso e da obesidade foi maior na área rural em relação à área urbana, para ambos os sexos (6).

Assim, pode-se perceber que o sobrepeso e a obesidade, antes considerados fenômenos mais presentes no contexto urbano, hoje já acometem populações rurais, afetando, em especial, as mulheres.

Neste estudo, observou-se que a obesidade se manteve fortemente relacionada com a resistência à insulina, inclusive após ajuste por potenciais variáveis de confusão. Esses resultados são sustentados por diversos estudos que demonstram relação entre o excesso de peso e a resistência à insulina. Em um estudo sobre a distribuição dos valores de HOMA-IR nas diferentes categorias de IMC para a população brasileira, encontrou-se que, para o sobrepeso e a obesidade, os valores de HOMA-IR eram significativamente maiores que para o grupo de pessoas com peso normal (20). Resultados também consolidados por meio de estudos longitudinais demonstram que o ganho de peso está correlacionado positivamente com o aumento dos níveis plasmáticos de insulina e também com a diminuição da sensibilidade à insulina, sugerindo relação entre o aumento do tecido adiposo, a resistência à insulina e a hiperinsulinemia (21).

Outros achados importantes deste trabalho mostraram que a obesidade abdominal, avaliada tanto pela CC quanto pela RCQ, foi mais frequente nas mulheres (23,5% versus 44,6%) que nos homens (1,8% versus 3,2%). Estudos mostram que o acúmulo excessivo de gordura no corpo, principalmente na cavidade abdominal, é determinante fundamental para a resistência à insulina e síndrome metabólica (22-24). Neste estudo a prevalência de resistência à insulina foi maior no grupo de pessoas com alta adiposidade avaliada pelo IMC, pela CC e pela RCQ, e a obesidade abdominal se mostrou como potencial preditor da resistência à insulina, mesmo quando ajustada pelo IMC.

Na análise multivariada, a PCR manteve a associação com a resistência à insulina confirmada por estudos que mostram que a inflamação crônica subclínica pode ser determinante da resistência à insulina; assim, os níveis de PCR seriam bons marcadores inflamatórios (25). Níveis elevados de PCR são bons marcadores de resistência à insulina e, além disso, a resposta inflamatória aumentada pode levar ao desenvolvimento da resistência à insulina e à hiperinsulinemia compensatória (26). Em um estudo realizado com mulheres de 18 a 60 anos, níveis elevados de PCR foram relacionados com níveis elevados de HOMA-IR, de modo que os valores altos de PCR coincidiam com o quartil mais elevado de HOMA-IR (27).

Outra variável que esteve relacionada, tanto na análise bivariada quanto na análise multivariada com a resistência à insulina, foi a cor da pele. Não existem explicações convincentes para essa relação por causa das distintas cargas genéticas pouco relacionadas ao fenótipo cor de pele. Observa-se em alguns estudos nacionais que essa variável pode não estar relacionada com prevalência de diabetes, que foi 7,8% nos indivíduos brancos e de 7,3% em indivíduos de outros grupos raciais, denominados não-brancos (28). Entretanto, outros estudos observaram que a relação adiposidade central, resistência à insulina e intolerância à glicose ocorria com maior frequência nas mulheres brancas quando comparadas às negras (29).

Um aspecto limitante das conclusões deste estudo se refere ao desenho do estudo e a potencial confusão residual relativa à não-aferição de variáveis, como os hábitos alimentares e a atividade física das comunidades estudadas.

Os resultados do presente estudo confirmam evidências de alterações no perfil nutricional das comunidades rurais, com taxas de sobrepeso e obesidade similares àquelas encontradas em regiões urbanas do Brasil para as mulheres. As associações entre resistência à insulina, obesidade e PCR encontradas neste estudo podem sugerir o efeito de alterações na composição corporal global sobre alterações do metabolismo dos carboidratos. Portanto, considerando que o diabetes tipo 2 e a obesidade são importantes problemas de saúde pública, políticas de prevenção, promoção e educação em saúde, devem ser empreendidas de maneira efetiva também em áreas rurais, objetivando a melhoria na qualidade e nos hábitos de vida dessas populações.

Apoio financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e National Institute of Health (NIH).

Declaração: os autores declaram não haver conflitos de interesse científico neste estudo.

Recebido em 4/Jul/2008

Aceito em 27/Nov/2008

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  • Correspondência para:

    Gustavo Velásquez-Meléndez
    Escola de Enfermagem da UFMG
    Av. Alfredo Balena, 190 - Santa Efigênia 30130-100
    Belo Horizonte, MG, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Recebido
      04 Jul 2008
    • Aceito
      27 Nov 2008
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