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Por que uma Ciência Ocupacional na América Latina? Possíveis relações com a Terapia Ocupacional com base em uma perspectiva pragmatista

Resumo

O presente ensaio aborda a Ciência Ocupacional com base na história hegemônica e (re)conhecida da terapia ocupacional no mundo, a partir da qual nos perguntamos: “Por que uma Ciência Ocupacional na América Latina?”. Para responder a tal questionamento, apresentamos uma perspectiva crítica sobre a Ciência Ocupacional, resgatando evidências sobre a sua institucionalização, discursos e rebatimentos à validação e à identidade da Terapia Ocupacional. Com isso, verificamos semelhanças e distinções entre ambas as disciplinas, considerando, sobretudo, que os estudos da e sobre a ocupação humana sempre existiram mesmo antes de sua criação. Isso nos permite afirmar que não há uma relação de dependência da Terapia Ocupacional com a Ciência Ocupacional, como nos discursos iniciais de sua criação. No entanto, devemos considerar que ambas são complementares e não dependentes, e que, juntas ou separadas, direcionam-se para as transformações sociais. Parece-nos que no contexto da América Latina essa compreensão não é uma realidade, visto que o engendramento das questões que ainda mantêm o status de “crise identitária” da Terapia Ocupacional dificulta a compreensão de outros mecanismos de leitura sobre as histórias e fundamentos da área, como os processos de colonização e de confronto e reconhecimento de nossas bases epistêmicas.

Palavras-chave:
História; Conhecimento; Prática Profissional; Terapia Ocupacional

Abstract

This essay deals with Occupational Science from the hegemonic and (re) known history of Occupational Therapy in the world, and we ask ourselves “Why an Occupational Science in Latin America?”. For this, we present a critical perspective on Occupational Science, retrieving evidence about its institutionalization, discourses, and repercussions on the validation and identity of Occupational Therapy. With that, we verified similarities and distinctions between both disciplines, considering, above all, that the studies of and about human occupation always existed even before their creation. This allows us to affirm that there is no dependency relationship between Occupational Therapy and Occupational Science, as in the initial discourses of its creation. However, we must consider that both are complementary and not dependent and that together or separately they are directed towards social transformations. It seems to us that in the context of Latin America this understanding is not a reality, since the engendering of issues that still maintain the status of 'identity crisis' in Occupational Therapy makes it difficult to understand other mechanisms of reading about the stories and foundations of the area, such as the processes of colonization and confrontation and recognition of our epistemic bases.

Keywords:
History; Knowledge; Professional Practice; Occupational Therapy

Introdução

Este ensaio aborda a história tradicional da Ciência Ocupacional, o seu (re)conhecimento, aproximações e divergências na Terapia Ocupacional no mundo, em particular na América Latina. Para tanto, propomos uma análise crítica, a fim de construir um panorama mais atual entre as disciplinas, elaborado com base nas respostas aos questionamentos: Por que uma Ciência Ocupacional? A Terapia Ocupacional não se dedica a estudar, conhecer, investigar e promover a ocupação? Como essas questões vêm sendo tratadas no contexto da América Latina?1 1 Para realizar uma distinção conceitual entre profissão e disciplina, sem centralizar na dicotomia, poderíamos recorrer às propostas kuhnianas sobre comunidades científicas e paradigmas disciplinares (Kuhn, 1970). Com base nessas perspectivas, compreende-se uma disciplina como um conjunto de conhecimentos estruturados que permitem identificar um objeto de estudo particular, já a profissão permitiria o exercício técnico e prático de uma disciplina, orientando-se mais por uma visão aplicada do conhecimento. No entanto, consideramos essas distinções somente como um nível de compreensão didática e abstrata, porque consideramos que em realidade estas distinções se fundem e não são nitidamente identificáveis, como é o caso da Terapia Ocupacional e a sua relação com a Ciência Ocupacional. Na teoria, a primeira seria uma profissão e a segunda uma disciplina, mas essa seria uma forma dicotômica e reduzida para a compreensão de ambas.

Para tanto, na primeira seção deste artigo destacamos o contexto fundacional da Ciência Ocupacional, suas origens, fundamentos e definições, juntamente com as perspectivas históricas e atuais da criação de uma área de conhecimento em Terapia Ocupacional. Em seguida, tecemos uma discussão a respeito dos processos que constituíram e constituem as visões em Ciência Ocupacional, propondo uma perspectiva crítica para o contexto latino-americano.

A perspectiva crítica adotada neste artigo se baseia na epistemologia pragmatista de Charles Peirce, enquanto contestação de verdades absolutas da realidade sóciohistórica. A crítica permite a construção constante de dúvidas que permitem o desenvolvimento de novas perspectivas, mais complexas e integradas, gerando, assim, novos hábitos (Morrison, 2017Morrison, R. (2017). Terapia ocupacional y pragmatismo. Contribuciones teóricas para la práctica. Santiago de Chile: Editorial Universitaria.). Neste sentido, o Pragmatismo é tomado neste artigo menos como metodologia e mais como um eixo de orientação para sustentar a identificação das problemáticas entre Terapia Ocupacional e Ciência Ocupacional. Além disso, é tomado para a construção de apontamentos críticos e desfechos, que servem menos como respostas aos problemas e mais como compreensão de camadas complexas socio-histórico-culturais dos processos de institucionalização destas disciplinas. Ainda, é importante considerar que, no uso da “perspectiva crítica”, no mesmo sentido, esta não diz respeito à Teoria Crítica, e sim “crítica” enquanto um posicionamento atento, situado e contextualizado nos velhos e novos dilemas que impõem determinados hábitos e crenças fixos na construção da ciência.

Em tela, a Ciência Ocupacional e a Terapia Ocupacional se institucionalizaram enquanto áreas de conhecimentos científicos e com objetos muito semelhantes e que, portanto, urgem por teorias e paradigmas que dimensionem explicações e estruturas a respeito de seus objetos de conhecimento e, sobretudo, como argumenta Rudman (2018)Rudman, D. (2018). Occupational therapy and occupational science: building critical and transformative alliances. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(1), 241-249. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoEN1246.
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, encontrar formas potentes de colaborar com a transformação do mundo na perspectiva da ocupação.

Os/as autores/as deste artigo defendem uma compreensão de que tanto a Ciência Ocupacional como a Terapia Ocupacional, atualmente, são disciplinas distintas, decorrentes de seus processos fundacionais e epistemológicos, e que possuem convergências a respeito da focalização nos estudos da ocupação; assim como possibilidades de produções metodológicas, conceituais e ferramentas mútuas para a transformação da realidade social.

Esse debate, no contexto latino-americano, vem ganhando força e importância a partir dos anos 2000, o que demonstra os esforços para elevar a Ciência Ocupacional e a Terapia Ocupacional como áreas de conhecimento, a fim de promover a ocupação na melhoria da qualidade de vida de diversas populações.

Contexto Fundacional da Ciência Ocupacional

Desde os registros históricos, tanto a Ciência Ocupacional como a Terapia Ocupacional, em momentos distintos, surgem como disciplinas interessadas na ocupação humana enquanto um fenômeno complexo. A Terapia Ocupacional, no começo dos anos 1900, surge como uma profissão interessada na ocupação enquanto meio e fim para a intervenção junto a pessoas ou grupos em condições de vulnerabilidades com prejuízos de qualificar e organizar suas rotinas, enquanto dimensões para a participação da vida social. Posteriormente, a Ciência Ocupacional, nos fins dos anos 1980, inicia-se como ciência básica e interdisciplinar focada nos estudos da ocupação, enquanto unidade e/ou objeto de estudo acadêmico, a fim de compreender como as pessoas e grupos fazem/produzem ocupações em suas vidas cotidianas (Zemke & Clark, 1996Zemke, R., & Clark, F. (1996). Occupational science: the evolving discipline. Philadelphia: FA Davis Company.).

A Ciência Ocupacional foi inicialmente proposta por Elizabeth Yerxa, Terapeuta Ocupacional e professora da University of Southern California, EUA, como programa de pós-graduação em nível de doutorado. O contexto de surgimento da Ciência Ocupacional se deu pela necessidade de criar e defender, no patamar das demais Ciências, estruturas e leis que poderiam reger a intervenção da Terapia Ocupacional, oferecendo-lhe bases e condições científicas para compreender/explicar os diversos modos como indivíduos e coletivos criam e produzem suas ocupações em uma dada realidade (Yerxa, 1990Yerxa, E. J. (1990). An introduction to occupational science, a foundation for occupational therapy in the 21st century. Occupational Therapy in Health Care, 6(4), 1-17.).

Então, inicialmente, uma distinção mais normativa que temos é a ocupação como uma ferramenta de intervenção para a Terapia Ocupacional e objeto de estudo para a Ciência Ocupacional (Morrison, 2013Morrison, R. (2013). ¿Por qué necesitamos mirar hacia atrás? Volviendo a lo esencial: un enfoque epistemológico al “árbol de la terapia ocupacional”. Revista Electrónica de Terapia Ocupacional Galicia, 10(18), 1-28.).

Ao identificar e articular uma base científica para a prática, a Ciência Ocupacional poderá fornecer aos profissionais apoio para o que eles fazem, justificar o significado da terapia ocupacional para a saúde e diferenciar a terapia ocupacional de outras disciplinas. Isso poderá fornecer uma nova compreensão do que significa ser cronicamente incapacitado na sociedade americana, permitindo, assim, que terapeutas ocupacionais sejam defensores mais eficazes de, e aliados com, pessoas com deficiências. A Ciência Ocupacional poderá ajudar a profissão a contribuir com novos conhecimentos e habilidades para a erradicação de problemas complexos que afetam a todos na sociedade. Mas, o mais importante, fornecerá ao terapeuta ocupacional ideias e abordagens eficazes para a prática, permitindo que ele ou ela faça um trabalho melhor com os pacientes (Yerxa, 1990Yerxa, E. J. (1990). An introduction to occupational science, a foundation for occupational therapy in the 21st century. Occupational Therapy in Health Care, 6(4), 1-17., p. 3. tradução nossa).

Essa dicotomia, que nos soa entre as disciplinas, parece ser uma resposta dada ao contexto estadunidense de ajustamento da produção de conhecimento em torno do objeto de intervenção da Terapia Ocupacional, que, ao longo do seu desenvolvimento, em especial a partir dos anos 1950, foi se sustentando nos modelos mecanicistas da Medicina, enquanto processo de validação interna e, sobretudo, externa. Como resultado, houve a produção de práticas biomédicas em reabilitação física e psiquiátrica, e foi priorizada a funcionalidade em detrimento ao envolvimento nas ocupações cotidianas, ou como uma doença que afetava a vida de uma pessoa.

Logo, nos primeiros anos da Ciência Ocupacional, tornou-se emergente a busca/resgate pelos “reais” fundamentos da ocupação humana. No entanto, isso não produziu necessariamente uma validação ou noção de identidade para a Terapia Ocupacional, mesmo nos EUA. Isso porque, desde a sua fundação, a Terapia Ocupacional já se constituía sustentada em um corpo de conhecimentos sobre a ocupação como fenômeno, e o seu emprego enquanto intervenção em diversas realidades (Gordon, 2002Gordon, D. (2002). Therapeutics and science in the history of occupational therapy (Thesis). University of Southern California, Los Angeles.).

Em nossa perspectiva, foi essa compreensão que justificou a fundação da Terapia Ocupacional enquanto uma nova profissão e não somente uma técnica que poderia ser utilizada por outras profissões. Eleanor Clarke Slagle já compreendia a importância e a especificidade de haver uma profissão que promovesse o bom uso do tempo e o bem-estar pela ocupação, e, portanto, já compreendia os limites que definiam a sua identidade (Slagle, 1934aSlagle, E. C. (1934a). The occupational therapy programme in the State of New York. The Journal of Mental Science, 80(331), 639-649.).

Assim, é possível compreender a Ciência Ocupacional como outra disciplina, distinta da Terapia Ocupacional, porém, que surgiu quase que numa sobreposição dela, com o intuito de oferecer estruturas e leis básicas para explicar as realidades ocupacionais, dentro de um sistema científico tradicional. No entanto, propagou um discurso político único para a época, de que, antes da Ciência Ocupacional, a Terapia Ocupacional não produzia conhecimento e não possuía identidade, ou que a teria perdido, em relação ao seu objeto de intervenção (Frank, 2012Frank, G. (2012). The 2010 Ruth Zemke lecture in occupational science occupational therapy/occupational science/occupational justice: moral commitments and global assemblages. Journal of Occupational Science, 19(1), 25-35. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2011.607792.
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).

Sob o nosso ponto de vista, contextualizado na literatura e no pragmatismo, em especial nos primeiros anos de fundação da Ciência Ocupacional divulgado por Yerxa (1990)Yerxa, E. J. (1990). An introduction to occupational science, a foundation for occupational therapy in the 21st century. Occupational Therapy in Health Care, 6(4), 1-17., a compreensão sobre a propagação do discurso único se refere à argumentação de que a criação desta nova ciência promoveria respostas para uma “lacuna” no conhecimento em Terapia Ocupacional, sobretudo, para suprir a ausência de bases primárias para justificar, explicar e conduzir a realidade ocupacional de diversas populações, da mesma forma, inserir a ocupação como um possível determinante dos estados e condições de saúde. Tal argumento inicial produziu, de certa maneira, ondas de representações sociais sobre a Terapia Ocupacional, desconsiderando parte do conhecimento centrado na ocupação que impulsionou a sua fundação, desde seus antecedentes na Hull House até 1917, com a fundação da Sociedade Nacional para a Promoção da Terapia Ocupacional, com Slagle (Morrison, 2017Morrison, R. (2017). Terapia ocupacional y pragmatismo. Contribuciones teóricas para la práctica. Santiago de Chile: Editorial Universitaria.), e a noção complexa da interdisciplinaridade na formação do objeto científico do conhecimento em ocupação.

Desta forma, compreendendo que o conhecimento não se constrói a partir do nada, e que as novas ideias se sustentam em críticas às perspectivas anteriores (Kuhn, 1970Kuhn, T. (1970). The structure of scientific revolutions. Chicago: University of Chicago Press.), a verdade sempre estará em constante transformação, como propõe a Filosofia Pragmatista.

Nesta mesma direção, Mary Reilly, reconhecida por cientistas ocupacionais como a precursora da Ciência Ocupacional, inaugurou os estudos do Comportamento Ocupacional desde os princípios constitutivos da Terapia Ocupacional. Dessa forma e devido ao contexto, a Ciência Ocupacional mais atual tem resgatado os fundamentos iniciais propostos por Meyer, Slagle e outras personagens históricas importantes da época, repensando suas teorizações para a atualidade (Kielhofner, 2009Kielhofner, G. (2009). Conceptual foundations of occupational therapy practice. Philadelphia: FA Davis.). Além disso, tem buscado focar a relação entre ocupação e saúde (inicialmente), erradicando complexos problemas que afetam a sociedade, brindando novos conhecimentos sobre a ocupação e fornecendo novas ferramentas teóricas às terapeutas ocupacionais (Yerxa, 1990Yerxa, E. J. (1990). An introduction to occupational science, a foundation for occupational therapy in the 21st century. Occupational Therapy in Health Care, 6(4), 1-17.).

Assim, em nossa análise, não consideramos que a fundação da Ciência Ocupacional desconsiderou toda a história da Terapia Ocupacional, mas, provavelmente, ignorou a complexidade epistêmica da construção de um objeto do conhecimento, simplificando-o em racionalidade técnica versus disciplina básica, inspirando-se nos moldes das ciências naturais e justificando os argumentos na estrutura e tensionamento político e sistemático da Pós-Graduação no contexto político-sociocultural dos EUA daquela época (Frank, 2012Frank, G. (2012). The 2010 Ruth Zemke lecture in occupational science occupational therapy/occupational science/occupational justice: moral commitments and global assemblages. Journal of Occupational Science, 19(1), 25-35. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2011.607792.
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; Morrison, 2013Morrison, R. (2013). ¿Por qué necesitamos mirar hacia atrás? Volviendo a lo esencial: un enfoque epistemológico al “árbol de la terapia ocupacional”. Revista Electrónica de Terapia Ocupacional Galicia, 10(18), 1-28.).

Afinal, trata-se de um campo de lutas e disputas, assim, há diferentes estratégias e dispositivos epistêmico-políticos para a evidência ou invisibilidade também na vida social das Ciências (Bourdieu, 2004Bourdieu, P. (2004). Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP.). Com base no pragmatismo, como argumenta Morrison (2017)Morrison, R. (2017). Terapia ocupacional y pragmatismo. Contribuciones teóricas para la práctica. Santiago de Chile: Editorial Universitaria., compreende-se que na construção de uma ciência são considerados válidos aqueles saberes que tiveram repercussões na prática e aceites entre seus pares. Portanto, a compreensão da totalidade de um objeto deve considerar os seus efeitos na realidade em movimento. Isso implica, muitas vezes, o esquecimento do conhecimento anterior, acarretando uma postura que coloca o objeto do conhecimento como totalmente único e original.

Voltando à Ciência Ocupacional, temos que seu desenvolvimento não foi o mesmo em todo o mundo. Na América Latina, por exemplo, coexistem a estas construções epistemológicas uma produção que não se remete apenas à ocupação, como também a outros sentidos e significados com base em outras compreensões e lógicas técnico-científicas (Simó et al., 2016Simó, S., Guajardo, A., Oliver, F. C., Galheigo, S., & García-Ruiz, S. (2016). Terapias ocupacionales desde el Sur. Derechos humanos, ciudadanía y participación. Chile: Editorial UACh.; Trujillo Rojas et al., 2011Trujillo Rojas, A., Sanabria Camacho, L., Carrizosa Ferrer, L., Parra Esquivel, E., Rubio Viscaya, S., Uribe Sarmiento, J., & Méndez Montaño, J. (2011). Ocupación: sentido, realizacion y libertad. Dialogos ocupacionales en torno al sujeto, la sociedad y el medio ambiente. Bogotá: Editorial Universidad Nacional de Colombia.; Núñez, 2019Núñez, C. M. V. (2019). South occupational therapies: a proposal for its understanding. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(3), 671-680. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF1859.
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). Tal compreensão produz um discurso polifônico, polissêmico2 2 Isso não significa que dizer que na literatura anglófona o conceito de ocupação não seja polissêmico. Essa afirmação se refere ao seu uso na prática e nos discursos usuais da terapia ocupacional latino-americana. e uma série de termos são utilizados para enunciar os fazeres e a construção de conhecimento em Terapia Ocupacional, tal como as atividades humanas e cotidiano, que se destacam entre os construtos de maior utilização no Brasil (Lima et al., 2013Lima, E. M. F. A., Okuma, D. G., & Pastore, M. D. N. (2013). Atividade, ação, fazer e ocupação: a discussão dos termos na terapia ocupacional brasileira. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 21(2), 243-254.; Salles & Matsukura, 2013Salles, M. M., & Matsukura, T. S. (2013). Estudo de revisão sistemática sobre o uso do conceito de cotidiano no campo da terapia ocupacional no Brasil. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 21(2), 265-273. http://dx.doi.org/10.4322/cto.2013.028.
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; Poellnitz, 2018Poellnitz, J. C. V. (2018). Atividade, cotidiano e ocupação na terapia ocupacional no Brasil: usos e conceitos em disputa (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Poellnitz & Silva, 2019Poellnitz, J. C. V., & Silva, C.R. (2019). Sobre a linguagem: sentidos para uso de termos e conceitos. In C. R. Silva (Org.), Atividades humanas e terapia ocupacional: saber-fazer, política, cultura e outras resistências (pp. 80-96). São Paulo: HUCITEC.).

Do mesmo modo, a Ciência Ocupacional pode receber diferentes denominações, dependendo da região em que foi criada ou que está em processo de institucionalização (Magalhães et al., 2019Magalhães, L., Farias, L., Rivas-Quarneti, N., Alvarez, L., & Malfitano, A. P. S. (2019). El desarrollo de la ciencia ocupacional fuera del ámbito anglófono: promoviendo la colaboración global. Journal of Occupational Science, 26(2), iii-xv. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2018.1551048.
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). Predominantemente nos países anglófonos, é chamada de Ciência Ocupacional, tendo o “ocupacional” associado politicamente à ideia de ocupação como um objeto específico de estudo e distinto das concepções advindas da Geografia, Sociologia e Antropologia enquanto estudos de mobilidade, apropriação e uso da terra e/ou espaço social; e, Ciência da Ocupação, como mormente utilizado na América Latina, mas sem qualquer dimensão conceitual precisa ou institucionalizada.

Apesar de terapeutas ocupacionais estudarem, pesquisarem e utilizarem a Ciência da Ocupação na América Latina, a única agremiação científica que reúne estudiosos e profissionais entorno dos estudos da ocupação é a Sociedad Chilena de Ciencias de la Ocupación (SoChCO), iniciada por terapeutas ocupacionais do Chile, em 2006. A SoChCO, desde a sua criação, vem trabalhando para definir construtos que orientam a compreensão da ocupação no contexto chileno, sobretudo pelos aspectos sociais que determinam a própria realidade latino-americana, e desenvolvendo pesquisas para apoiar o fortalecimento da disciplina, assim como a produção de conhecimento para uma Terapia Ocupacional baseada na ocupação (Álvarez et al., 2007Álvarez, E., Gómez, S., Muñoz, I., Navarrete, E., Riveros, M. E., Rueda, L., & Valdebenito, A. (2007). Definición y desarrollo del concepto de ocupación: ensayo sobre la experiencia de construcción teórica desde una identidad local. Revista Chilena de Terapia Ocupacional, 7(1), 76-82.).

Ainda não são muito evidentes os fatores que contribuíram e contribuem para a incorporação da Ciência Ocupacional no contexto latino-americano, mas, sem sombra de dúvidas, um deles é a validação identitária enquanto definição do objeto e alcance/reconhecimento científico-social (Morrison et al., 2017Morrison, R., Gomez, S., Henny, E., Tapia, M. J., & Rueda, L. (2017). Principal approaches to understanding occupation and occupational science found in the chilean Journal of Occupational Therapy (2001-2012). Occupational Therapy International, 2017(4), 1-11. http://dx.doi.org/10.1155/2017/5413628.
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).

Para melhor compreensão, é preciso contextualizar o início da Terapia Ocupacional. Quando foi instituída, por volta dos anos 1950, na América Latina, a profissão foi institucionalizada sob o crivo do paradigma reducionista vivido no contexto estadunidense. Condicionada aos fundamentos biomédicos e de funcionalidade, esteve, assim, tecnicamente voltada às demandas dos serviços médicos de “reabilitação” (Monzeli et al., 2019Monzeli, G., Morrison, R., & Lopes, R. E. (2019). Histórias da terapia ocupacional na América Latina: a primeira década de criação dos programas de formação profissional. Cadernos Brasileiros de Terapia ocupacional, 27(2), 235-250. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao163.
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; Cardinalli, 2017Cardinalli, I. (2017). Conhecimentos da terapia ocupacional no Brasil: um estudo sobre trajetórias e produções (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Testa, 2012Testa, D. (2012). Aportes para el debate sobre los inicios de la profesionalización de la terapia ocupacional en Argentina. Revista Chilena de Terapia Ocupacional, 12(1), 72-87. https://doi.org/10.5354/0719-5346.2012.22054.
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; Soares, 1991Soares, L. B. T. (1991). Terapia ocupacional: lógica do capital ou do trabalho? São Paulo: Editora Hucitec.).

Desta forma, a “atividade funcional” ou a “atividade terapêutica” começou a ser aplicada como um método terapêutico ocupacional e valorizada pelos seus recursos, e não necessariamente pelos construtos iniciais sobre a ocupação enquanto o envolvimento na vida social. Assim, verificaremos que a identidade (objeto) da Terapia Ocupacional na América Latina já nasce em um contexto de crise, e que, ao longo do seu desenvolvimento, irá mudar de sentido, o que certamente alterará todo o rumo histórico da profissão (Morrison, 2018Morrison, R. (2018). O que une a Terapia ocupacional? Paradigmas e perspectivas ontológicas da ocupação humana. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 2(1), 182-203. https://doi.org/10.47222/2526-3544.rbto12699.
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). Uma das heranças promovidas neste percurso se relaciona com a incompreensão de que muitas/os terapeutas ocupacionais têm sobre a própria profissão, sua especificidade, métodos, técnicas ou abordagens que não se diferenciam, por exemplo, de outras profissões. Assim, a versão oficial da Ciência Ocupacional estadunidense parece, em algum momento, colocar-se no contexto latino-americano como aquela que também irá resgatar a Terapia Ocupacional desta crise e tentar procurar um “eixo central de sua identidade”.

Esta afirmação nos impõe divergências e equívocos propagados sobre as relações entre Ciência Ocupacional e Terapia Ocupacional na América Latina, considerando, sobretudo, a demora e as resistências para o debate internacional a respeito desta questão (Magalhães et al., 2019Magalhães, L., Farias, L., Rivas-Quarneti, N., Alvarez, L., & Malfitano, A. P. S. (2019). El desarrollo de la ciencia ocupacional fuera del ámbito anglófono: promoviendo la colaboración global. Journal of Occupational Science, 26(2), iii-xv. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2018.1551048.
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), assim como as dificuldades que temos em colocar em debate e confronto nossas estruturas epistêmicas para a compreensão da Terapia Ocupacional latino-americana.

Isso nos parece um processo esperado, para além da Terapia Ocupacional, ao se tratar de uma região sistematicamente explorada pelos colonizadores do Norte global, no passado e no presente, que diluem, sobremaneira, a capacidade da América latina pensar sobre si, produzindo um funcionamento social de “descrença” sobre a sua própria capacidade de ser.

Neste caso, é interessante notar que, mesmo na “eterna” crise identitária-colonizadora da Terapia Ocupacional latino-americana, muitos investimentos técnico-epistêmicos foram realizados por terapeutas ocupacionais, os quais passaram a instituir distintos modos de fazer Terapia Ocupacional. Muitos deles deslocados do eixo dominante e colonizador, reconhecendo a Terapia Ocupacional também como área de conhecimento, responsável por produzir práticas e saberes para os problemas urgentes e situados na região latino-americana, como também do mundo, ainda que sejam inegáveis os processos de silenciamento e repressão para com produções de resistência aos modelos epistêmicos hegemônicos. Além disso, há a reprodução desses modelos sem necessariamente seus usos críticos, contextualizados para realidade latino-americana e em constante embate do campo de forma subserviente.

Assim, a noção de objeto de uma disciplina (ou profissão) deve contemplar não apenas a busca essencialista e isolada das questões e estruturas de um núcleo, mas, também, a análise das transformações dos processos histórico-sociais que, por convergências e conflitos, interpelam a produção do objeto do conhecimento (Padúa & Feriotti, 2013Padúa, E., & Feriotti, M. (2013). Terapia ocupacional e complexidade. Práticas multidimensionais. Curitiba: Editora CRVed.).

Neste sentido, é preciso considerar o processo de desenvolvimento histórico, político e cultural de uma disciplina científica, como ela é lida, interpretada e incorporada em um determinado tempo e espaço, com base em conjunturas epistêmicas e sociais por parte de pesquisadores/as, seus/suas profissionais e interlocutores/as.

A Terapia Ocupacional Nasce como Área de Conhecimento sobre a Ocupação Humana

A (re)construção histórica, que marca a origem da Ciência Ocupacional e da Terapia Ocupacional como disciplinas científicas que focalizam o estudo na ocupação, retoma períodos anteriores à década de 1980.

Morrison abordou em sua tese de doutorado pilares epistemológicos para a formação inicial da Terapia Ocupacional, com base em uma perspectiva feminista. O autor apresenta contribuições para história da Terapia Ocupacional ao desvelar a invisibilidade de mulheres extremamente importantes, pouco citadas e reconhecidas, dada a evidente imposição de gênero que atravessa a história da humanidade. Assim, associado a elas há todo um corpo de saberes, conhecimentos e teorias baseadas na ocupação que não foram consideradas pela história oficial da Terapia Ocupacional (Morrison, 2014Morrison, R. (2014). La filosofía pragmatista en la terapia ocupacional de Eleanor Clarke Slagle: antecedentes epistemológicos e históricos desde los estudios feministas sobre la ciencia (Thesis). Universidad de Salamanca, España.).

Apesar de termos alguns autores e algumas autoras que pontuam sobre isso (Breines, 1986Breines, E. (1986). Origins and adaptations: a philosophy of practice. New Jersey: Geri-Rehab.; Gordon, 2002Gordon, D. (2002). Therapeutics and science in the history of occupational therapy (Thesis). University of Southern California, Los Angeles.), ainda parece não haver importância atual sobre o assunto e isso se dá por várias razões. Consideramos que a principal delas tenha relação com a maneira em compreender o conhecimento sempre “à frente”, ou seja, considerar a construção de saberes a partir da atualidade, hierarquizando o saber de forma que o atual sempre parece melhor que o anterior. Este processo desvaloriza e, muitas vezes, direciona a história, antes de conhecê-la ou considerá-la em um contexto socio-histórico longitudinal. Outra questão associada se refere a uma visão hegemônica da história que considera a construção de saberes de forma sincrônica, única e linear.

Neste sentido, nega-se a historicidade e as condições “externo-sociais” da geração do mesmo conhecimento; o que é, no sentido pragmatista, construir um estado de crença fixa que não duvida de si mesmo, e se constitui como um hábito-crença que se replica de forma não reflexiva e permanente, sem um questionamento sobre as suas bases (Morrison, 2017Morrison, R. (2017). Terapia ocupacional y pragmatismo. Contribuciones teóricas para la práctica. Santiago de Chile: Editorial Universitaria.).

Assim, ao longo do tempo, os paradigmas na e da profissão se transformaram de forma a responder a determinadas demandas contextualizadas nos processos sociohistóricos, compondo, de forma múltipla, os diferentes campos de forças que os constituem (Bourdieu, 2004Bourdieu, P. (2004). Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP.).

A história hegemônica e reproduzida da Ciência Ocupacional relata seu início com o questionamento “o que é ocupação?”, “como as pessoas se ocupam?”, em geral, na busca pela construção de convergências da relação entre ocupação e saúde. Contudo, isto já foi dito anos atrás com os trabalhos de Slagle (Morrison, 2014Morrison, R. (2014). La filosofía pragmatista en la terapia ocupacional de Eleanor Clarke Slagle: antecedentes epistemológicos e históricos desde los estudios feministas sobre la ciencia (Thesis). Universidad de Salamanca, España.). Quase 70 anos depois do nascimento da Terapia Ocupacional nos Estados Unidos, a Ciência Ocupacional ainda se questiona “o que é ocupação”, e ainda muitas vezes a considera como uma questão recente para as/os terapeutas ocupacionais.

Quando retomamos a história da Terapia Ocupacional e suas ideias iniciais ou fundacionais, como o Tratamento Moral, o Movimento de Artes e Ofícios, o Pragmatismo, ou a Higiene Mental (Breines, 1986Breines, E. (1986). Origins and adaptations: a philosophy of practice. New Jersey: Geri-Rehab.; Morrison, 2017Morrison, R. (2017). Terapia ocupacional y pragmatismo. Contribuciones teóricas para la práctica. Santiago de Chile: Editorial Universitaria.; Quiroga, 1995Quiroga, V. (1995). Occupational therapy: the first thirty years, 1900-1930. Bethesda: American Occupational Therapy Association.), as terapeutas ocupacionais, alguns médicos e arquitetos começam a refletir sobre como o fazer e/ou as ocupações podem melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas. Mas, não é só o “simples fazer”, elas/eles discursaram sobre um fazer prolongado com sentido e que tivesse importância para a pessoa e que deveria orientar a intervenção da terapeuta ocupacional (Meyer, 1977Meyer, A. (1977). The philosophy of occupation therapy. Reprinted from the Archives of Occupational Therapy, Volume 1, pp. 1-10, 1922. The American journal of occupational therapy: official publication of the American Occupational Therapy Association, 31(10), 639-642. PMID: 341715.; Slagle, 1922Slagle, E. C. (1922). Training aides for mental patients. The American Journal of Occupational Therapy, 1(1), 11-18., 1934aSlagle, E. C. (1934a). The occupational therapy programme in the State of New York. The Journal of Mental Science, 80(331), 639-649.).

Dessa forma, a ocupação passa a ser entendida como um tratamento, como prevenção de doenças, como um processo educativo e como uma ferramenta para a participação social. Os estudos, as reflexões e as análises da ocupação passam a constituir a base epistêmica e instrumental da Terapia Ocupacional, não sendo perspectivas diferentes, desconstruindo, assim, a ideia de ciência básica e aplicada.

Por exemplo, Eleanor Clarke Slagle ressaltou que o emprego de ocupações nos tratamentos de doenças ou junto às pessoas com deficiência não era uma ideia nova, mas, sim, um planejamento consciente e o desenvolvimento de um programa progressivo baseado no descanso, no jogo, no trabalho e no exercício, ou seja, um programa ocupacional (Slagle, 1922Slagle, E. C. (1922). Training aides for mental patients. The American Journal of Occupational Therapy, 1(1), 11-18., 1934aSlagle, E. C. (1934a). The occupational therapy programme in the State of New York. The Journal of Mental Science, 80(331), 639-649., 1934bSlagle, E. C. (1934b). Occupational therapy: recent methods and advances in the United States. American Journal of Physical Medicine & Rehabilitation, 13(5), 289-298.). O balance ou equilíbrio ocupacional foi um dos princípios da Terapia Ocupacional, sendo a ideia de que o equilíbrio no envolvimento em ocupações ajuda no estabelecimento da saúde e bem-estar.

Slagle (1934b)Slagle, E. C. (1934b). Occupational therapy: recent methods and advances in the United States. American Journal of Physical Medicine & Rehabilitation, 13(5), 289-298. considerou ainda que havia uma “energia vital” que impulsionava a realização de ocupações, só que, no caso de pacientes psiquiátricos, essa energia era “desorganizada” ou alterada em uma “energia nervosa” (Gordon, 2002Gordon, D. (2002). Therapeutics and science in the history of occupational therapy (Thesis). University of Southern California, Los Angeles.). Isto produzia, segundo Slagle (1934b)Slagle, E. C. (1934b). Occupational therapy: recent methods and advances in the United States. American Journal of Physical Medicine & Rehabilitation, 13(5), 289-298., comportamentos desordenados e irruptivos. Além disso, “fazer por fazer” poderia não corresponder a essa energia, porque poderia ser considerada como uma expressão de “mera excitabilidade”. Por isso, justificava o manejo por uma terapeuta ocupacional.

Desta forma, Slagle (1934b)Slagle, E. C. (1934b). Occupational therapy: recent methods and advances in the United States. American Journal of Physical Medicine & Rehabilitation, 13(5), 289-298. explicita que o valor terapêutico de um exercício é reconhecido em conexão com tratamentos médicos, mas estes seriam monótonos ou muito formais e desinteressantes para os pacientes. Em contrapartida, a Terapia Ocupacional reconheceria o significado da atitude mental que as pessoas tomam por sua doença e tentaria tornar essa atitude mais saudável, fornecendo atividades adaptadas às capacidades individuais de cada paciente, tentando desviar sua atenção de seus próprios problemas ou buscando caminhos para resolvê-los. Então, a ocupação toma um valor especial e diferenciado do fazer, inserindo as atividades no contexto cotidiano (Slagle, 1934bSlagle, E. C. (1934b). Occupational therapy: recent methods and advances in the United States. American Journal of Physical Medicine & Rehabilitation, 13(5), 289-298.).

Assim, a concepção da atividade com propósito, sentido, equilíbrio ocupacional, reflexões sobre ocupação, pesquisas sobre ocupação e muitas outras maneiras de estudar e investigar a ocupação humana não apareceram somente a partir dos anos oitenta, mas, sim, desde o início da fundação e institucionalização da Terapia Ocupacional.

No entanto, por mais que estudos anglófonos avançaram na “virada crítica” da Ciência Ocupacional, como argumenta Rudman (2018)Rudman, D. (2018). Occupational therapy and occupational science: building critical and transformative alliances. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(1), 241-249. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoEN1246.
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, compreendendo a constituição e os efeitos da ocupação por forças políticas, econômicas, culturais e sociais, em particular os valores coloniais e imperialistas do Norte Global. Ainda na América Latina este debate parece não ter tomado proporção suficiente que permita o diálogo e as alianças em estudos e pesquisas no cenário internacional, como apontam Magalhães et al. (2019)Magalhães, L., Farias, L., Rivas-Quarneti, N., Alvarez, L., & Malfitano, A. P. S. (2019). El desarrollo de la ciencia ocupacional fuera del ámbito anglófono: promoviendo la colaboración global. Journal of Occupational Science, 26(2), iii-xv. http://dx.doi.org/10.1080/14427591.2018.1551048.
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.

Para as autoras, em uma pesquisa realizada com terapeutas ocupacionais de países não anglófonos sobre a incorporação da Ciência Ocupacional em seus países, verificou-se que questões relacionadas à barreira do idioma, majoritariamente inglês, a tradução linguística de construtos e conceitos sustentados em valores culturais dificultavam o acesso e a produção de conhecimento em Ciência Ocupacional. Contraditoriamente, 37% das participantes mencionaram que “várias pessoas”, em seus países, consideravam a declaração de que a Ciência Ocupacional já era incorporada no fazer da Terapia Ocupacional muito antes de ela ser reconhecida formalmente nos EUA.

Então, por que se propaga, no contexto da América Latina, os preceitos da ocupação humana como novos? Por que, tomando o Brasil como exemplo, majoritária e hegemonicamente utilizam a noção de atividade? Por que terapeutas ocupacionais latino-americanas/os questionam o que é a Ciência Ocupacional? É preciso retomar o momento e as contradições históricas, imersas pela perspectiva reducionista da profissão, produto das Grandes Guerras na Europa e América do Norte, a mudança do paradigma científico, e as tensões e barreiras existentes (colonizadoras) na produção do conhecimento sobre a ocupação humana entre a Terapia Ocupacional e a Ciência Ocupacional. Também é preciso reconhecer a Terapia Ocupacional como uma disciplina ampla e plural que produziu diferentes formas de pensar e fazer suas práticas e construção de conhecimento, por isso sendo reconhecida como profissão em diferentes setores e campos de atuação, com todos os cursos e ciclos de vidas, nos mais diferentes contextos e problemáticas.

O discurso para entender a profissão e seus conceitos são direcionados para uma compreensão biomédica, reproduzida por muitas décadas. Alguns questionamentos voltam a ganhar força nos anos 1960, a fim de ampliar a forma de compreender a profissão. Nos anos 1970 e 1980, muitas pesquisas começam a retomar as discussões sobre ocupação, entre elas, as promovidas por Yerxa, Nelson, Zemke, Clarke, entre outros, que irão reconsiderar a origem da Ciência Ocupacional (Kielhofner, 2009Kielhofner, G. (2009). Conceptual foundations of occupational therapy practice. Philadelphia: FA Davis.). Contudo, ressalta-se que não parece uma nova forma de delimitar o campo de estudo da ocupação, ou produzi-lo como um novo campo, mas principalmente tem o intuito de retomar perspectivas, concepções e práticas esquecidas (Morrison et al., 2016Morrison, R., Guajardo, A., & Schliebener, M. (2016). Conferencia: debates y reflexiones para una Ciencia de la Ocupación crítica y social. Diálogos para comprender la ocupación humana. Revista Argentina de Terapia Ocupacional, 1(2), 40-58.).

Destarte, a crítica tecida aqui, sobre a centralidade histórica da ocupação na constituição identitária da Terapia Ocupacional, “perdida” nos fins dos anos 1970 e “resgatada” pela Ciência Ocupacional nos fins dos 1980, não afirma dizer que a Ciência Ocupacional sempre esteve presente na Terapia Ocupacional, pois, novamente, havia desde sua fundação perspectivas ocupacionais como centrais na disciplina. Ademais, em certa medida houve fundamental importância da Ciência Ocupacional em apontar a problemática e promover estudos mais sistemáticos e aprofundados sobre a ocupação humana. Mas, evidentemente, esta não é a única forma de sistematizar e nem de aprofundar os estudos sobre a ocupação humana.

Recordemos, com isso, que, na década de 1970, em muitos países, começou-se a questionar o modelo biomédico da Terapia Ocupacional, e a partir daí temos diferentes resultados desde a produção de práticas e concepções mais sociais, em especial na Terapia Ocupacional dos países do Sul Global, América Latina (América do Sul, do Norte – México e Central) e África, que, motivados por suas questões sociohistóricas e políticas específicas destas regiões, desenharam um outro corpo para a Terapia Ocupacional (Guajardo et al., 2015Guajardo, A., Kronenberg, F., & Ramugondo, E. L. (2015). Southern occupational therapies: emerging identities, epistemologies and practices. South African Journal of Occupational Therapy, 45(1), 3-10.; Simó et al., 2016Simó, S., Guajardo, A., Oliver, F. C., Galheigo, S., & García-Ruiz, S. (2016). Terapias ocupacionales desde el Sur. Derechos humanos, ciudadanía y participación. Chile: Editorial UACh.; Monzeli et al., 2019Monzeli, G., Morrison, R., & Lopes, R. E. (2019). Histórias da terapia ocupacional na América Latina: a primeira década de criação dos programas de formação profissional. Cadernos Brasileiros de Terapia ocupacional, 27(2), 235-250. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao163.
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).

Então, dizer que a Ciência Ocupacional não nasceu como tal nos anos 1980 não quer dizer que esta não exista. A Ciência Ocupacional existe, pode ser muito válida e útil para a Terapia Ocupacional; contudo, parece um equívoco ser compreendida como a própria Terapia Ocupacional. Compreendê-la como uma disciplina derivada dela, uma parte dela, ou algo diretamente associado a ela apresenta-se como uma melhor opção.

Considerações Finais

Apresentamos neste ensaio um debate a respeito das semelhanças e divergências entre Ciência Ocupacional e Terapia Ocupacional. Consideramos que se trata de disciplinas distintas, instituídas por processos sociohistóricoculturais específicos e que, portanto, merecem atenção, sobretudo, na incorporação de seus fundamentos no contexto latino-americano, a fim de identificar os modos de validação das áreas, da construção identitária profissional, alcance social e difusão de representações e discursos. Ademais, embora a Ciência Ocupacional tenha sido entendida como uma “nova disciplina” sobre o estudo da ocupação humana, esses sempre existiram desde que a Terapia Ocupacional foi criada, e, cabe dizer, até mesmo antes de sua fundação.

Então, por fim, perguntamo-nos: Por que uma Ciência Ocupacional na América Latina? Para o desenvolvimento de qualquer área de conhecimento e profissional, suas bases precisam ser flexíveis e amplas o suficiente para promoverem compreensões e intervenções mais complexas da realidade social. Neste sentido, a Ciência Ocupacional colabora com a Terapia Ocupacional, aprofundando os estudos sobre a ocupação humana, e a Terapia Ocupacional colabora com a Ciência Ocupacional em traduzir respostas às demandas da vida cotidiana que exigem métodos e abordagens para a produção de bem-estar.

Devemos considerar que ambas são complementares e não dependentes, e que, juntas ou separadas, direcionam-se para as transformações sociais. No entanto, parece-nos que no contexto da América Latina essa compreensão não é uma realidade, visto que o engendramento das questões que ainda mantêm o status de “crise identitária” da Terapia Ocupacional dificulta a compreensão de outros mecanismos de leitura sobre as histórias e fundamentos da área, como os processos de colonização e de confronto e reconhecimento de nossas bases epistêmicas.

Assim, como propõe o pragmatismo, as transformações sociais só surtem efeito quando se duvida das certezas que assumimos como verdades estáticas (estados fixos de crença). Uma possibilidade de melhorar nossa disciplina reside no questionamento constante e na ação como elemento central, ou seja: temos que colocar em prática velhas e novas crenças. A Ciência Ocupacional, portanto, pode contribuir para o nosso trabalho se dermos a oportunidade de introduzi-la em nossa prática cotidiana, mas devidamente de maneira crítica, situada, contextualizada e pertinente aos nossos problemas e realidades, tão urgentes e complexos.

  • 1
    Para realizar uma distinção conceitual entre profissão e disciplina, sem centralizar na dicotomia, poderíamos recorrer às propostas kuhnianas sobre comunidades científicas e paradigmas disciplinares (Kuhn, 1970Kuhn, T. (1970). The structure of scientific revolutions. Chicago: University of Chicago Press.). Com base nessas perspectivas, compreende-se uma disciplina como um conjunto de conhecimentos estruturados que permitem identificar um objeto de estudo particular, já a profissão permitiria o exercício técnico e prático de uma disciplina, orientando-se mais por uma visão aplicada do conhecimento. No entanto, consideramos essas distinções somente como um nível de compreensão didática e abstrata, porque consideramos que em realidade estas distinções se fundem e não são nitidamente identificáveis, como é o caso da Terapia Ocupacional e a sua relação com a Ciência Ocupacional. Na teoria, a primeira seria uma profissão e a segunda uma disciplina, mas essa seria uma forma dicotômica e reduzida para a compreensão de ambas.
  • 2
    Isso não significa que dizer que na literatura anglófona o conceito de ocupação não seja polissêmico. Essa afirmação se refere ao seu uso na prática e nos discursos usuais da terapia ocupacional latino-americana.
  • Como citar: Morrison, R., Silva, C. R., Correia, R. L., & Wertheimer, L. (2021). Por que uma Ciência Ocupacional na América Latina? Possíveis relações com a Terapia Ocupacional com base em uma perspectiva pragmatista. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, e2081. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoEN2081

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Editado por

Editora de seção

Ana Paula Serrata Malfitano

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2020
  • Revisado
    11 Jun 2020
  • Aceito
    07 Jul 2020
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