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Retificando o gênero ou ratificando a norma?

RECTIFYING THE GENDER OR RATIFYING THE NORM?

Resumo

O presente artigo tem como intuito principal analisar os discursos judiciais referentes às demandas de retificação de nome e sexo no registro civil antes da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275 proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 2018. Para isso, trabalhamos com os pressupostos teórico-metodológicos na análise do discurso de matriz francesa e base foucaultiana. Nossa metodologia de análise consiste no estudo de caso, e utilizamos como técnica de pesquisa a análise documental. Os documentos examinados são três decisões do Superior Tribunal de Justiça envolvendo a retificação de dados no registro civil de pessoas transexuais. Será apresentado que as decisões judiciais concernentes à retificação de nome e sexo no registro civil de pessoas transexuais (re)produzem verdades que fortalecem as normas de gênero responsáveis pela hierarquização de algumas experiências identitárias, incluindo a transexual. Dessa maneira, a decisão do Supremo Tribunal Federal aparece como um grande avanço na concretização dos direitos humanos e fundamentais de pessoas transexuais, tendo em vista que, além de possibilitar que a retificação dos dados seja realizada sem cirurgia de transgenitalização ou laudo médico patologizante, também permite que o pedido seja realizado diretamente no cartório de registro civil, sem a necessidade de decisão judicial.

Palavras-chave:
Discurso judiciário; gênero; transexualidade; nome; sexo

Abstract

The main purpose of this article is analyze the judicial discourses referring to the demands for name and sex rectification in the civil registry before the Direct Action of Unconstitutionality 4.275 issued by the Brazilian Supreme Court in 2018. For this, theoretical-methodological assumptions in discourse analysis of French matrix and a Foucaultian base were employed. The methodology consists of the case study analysis, and document analysis has been used as the research technique. The documents examined are three decisions of the Superior Court of Justice involving data rectification in the civil registry of transsexual people. It will be shown that judicial decisions concerning name and sex rectification in the civil registry of transsexual people (re)produce truths that strengthen gender norms responsible for the hierarchy of some identity experiences, including the transsexual one. Thus, the decision of Brazilian Supreme Court appears as a great advance in the realization of the human and fundamental rights of transsexual people, since it enables data rectification without the need of a transgenitalization surgery or a pathological medical report. It also allows a directly request at the civil registry, without the need of a judicial decision.

Keywords:
Judicial speech; gender; transsexuality; name; sex

Introdução

Até o ano de 2018, antes do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.275 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pessoas transexuais precisavam recorrer ao Poder Judiciário para a retificação do nome e do sexo no registro civil. Como a Lei de Registros Públicos (LRP) nada diz sobre situações que envolvem esse tipo de litígio, as interpretações sobre o indeferimento ou o deferimento das demandas dependiam de várias linhas argumentativas que foram produzidas ao longo dos anos no seio das práticas da comunidade interpretativa.

Levando em consideração o poder de (re)produzir verdades performativas através de seus enunciados, o Poder Judiciário, na prática de julgar os casos que envolviam a demanda de retificação de dados de pessoas transexuais no registro civil, acabava por fortalecer determinados ideais normativos responsáveis pela hierarquização de algumas identidades em detrimento de outras, especialmente no que concerne ao gênero e à transexualidade.

Partindo dessas considerações, o presente artigo tem como objetivo analisar os discursos produzidos no campo jurídico antes da decisão do STF. Assim, o problema deste trabalho parte da seguinte questão principal: quais ideais normativos de sexo, gênero e transexualidade podem ser observados nas decisões de retificação de dados de pessoas transexuais antes da ADI 4.275?

Nossa hipótese parte da ideia de que antes da ADI 4.275 o Poder Judiciário analisava e julgava as demandas de retificação de dados de pessoas transexuais sem romper com a linguagem binária hegemônica responsável por classificar a performance de gênero desses sujeitos como anormal, tendo em vista que tais experiências violam as normas que determinam que a “pessoa”, para ser inteligível, precisa expressar coerência e continuidade entre o sexo, o gênero e a sexualidade. Como a ADI 4.275 possibilita que pessoas trans possam solicitar a retificação dos dados diretamente no cartório, independentemente de laudo médico, realização de cirurgia de redesignação sexual ou decisão judicial, retira-se do Judiciário o poder de emanar e ratificar verdades que afetam de maneira discursiva a produção identitária desses sujeitos.

A fim de responder à questão principal e testar a nossa hipótese, trabalhamos com o pressuposto teórico-metodológico da análise do discurso (AD) de matriz francesa e base foucaultiana. Para essa escola de pensamento, o discurso, ainda que necessite da língua para ter existência material, implica uma exterioridade: aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando são enunciadas por sujeitos em interlocução. É a partir do diálogo executado entre os sujeitos falantes que podemos encontrar a noção de sentido, cujos efeitos são decorrentes da forma como compreendem a realidade política e social em que estão inseridos. Analisar o discurso significa interpretar os sujeitos falando e produzindo sentido como parte de suas realidades sociais. É importante frisar que os sentidos não são fixos, pois dependem dos sujeitos ideologicamente marcados em interlocução. Portanto, a língua se insere na história para produzir sentido, e a análise destina-se a evidenciar os sentidos do discurso, tendo em vista suas condições sócio-históricas e ideológicas de produção (FERNANDES, 2006FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do discurso: reflexões introdutórias. São Carlos, SP: Claraluz, 2006.; ORLANDI, 2012ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012.).

Nosso método de análise é o estudo de caso. Segundo Van Evera (1997), esse tipo de exame consiste em uma profunda investigação de um problema em um ou mais cenários reais sobre determinado período. Neste trabalho, nosso caso consubstancia-se nos discursos proferidos pelo STJ nas decisões que envolvem demandas de retificação de nome e sexo no registro civil de pessoas transexuais.

Como técnica de coleta de dados, utilizamos a análise documental. Para isso, trabalhamos com as três decisões existentes no STJ que versam sobre retificação de dados no registro civil de pessoas transexuais. Trata-se do Recurso Especial n. 737.993-MG (BRASIL, 2009aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 737.993-MG. Recorrente: R.N.R. Recorrido: Ministério Público de Minas Gerais. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, 2009a.), do Recurso Especial n. 1.008.398-SP (BRASIL, 2009bBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 737.993-MG. Recorrente: R.N.R. Recorrido: Ministério Público de Minas Gerais. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, 2009a.) e do Recurso Especial n. 1.626.739-RS (BRASIL, 2017BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.626.739-RS. Recorrente: Ministério Público do Rio Grande do Sul. Interessado: M.D.L.R. Brasília, 2017.). As três decisões foram encontradas no website1 1 Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/. Acesso em: 4 jul. 2019. do STJ através da busca das seguintes palavras-chave: “transexualidade”, “transexual” e “transexualismo”.

Os três primeiros processos versam sobre o pedido de retificação de nome e sexo de três mulheres transexuais: duas delas realizaram cirurgia transexualizadora, e uma não fez o procedimento, tendo investido em cirurgias secundárias e hormonização.

O artigo está dividido em quatro partes: na primeira seção, discorremos sobre as três categorias principais deste trabalho, a saber, sexo, gênero e transexualidade, a partir da teoria feminista desenvolvida por Judith Butler, dos estudos queer e de etnografias brasileiras sobre a transexualidade. Na segunda seção, examinamos os conceitos de direito como prática e situamos o Poder Judiciário no campo da discursividade. Na terceira seção, fazemos a análise qualitativa das decisões proferidas pelo STJ. Na última seção, examinamos brevemente alguns dos fundamentos utilizados pelo STF para o deferimento da ADI 4.275.

1. Sexo, gênero e transexualidade

A transexualidade é uma experiência identitária que desafia as regulações binárias do Estado. Isso, porque as pessoas trans, homens e mulheres transexuais, são aqueles sujeitos que, no momento do nascimento, são designadas como possuidoras de determinado sexo, mas se reconhecem como pertencentes a outro gênero ou a nenhum.

Na legislação brasileira sobre o registro de pessoas vivas, o sexo jurídico é determinado no momento de registro da pessoa, seguindo as prescrições médicas, enquanto a performance de gênero só é possível de ser identificada mais tarde. Como consequência, é plausível que ocorram conflitos entre algumas práticas de gênero e o Direito, como no caso em que alguém foi registrado como menino, quando se reconhece como mulher, ou foi registrado como menina, mas se reconhece como homem.

Até o ano de 2018 - momento em que o STF prolatou decisão autorizando a retificação de dados de pessoas transexuais através de procedimento administrativo cartorial - sujeitos trans necessitavam de decisão judicial para alteração de nome e sexo no registro civil, o que significava que seus pedidos podiam ser negados em decorrência da falta de laudo médico ou cirurgia de redesignação sexual. Como argumentaremos, as consequências dessas decisões ultrapassam o efeito imediato da negativa de um direito, tendo em vista que os discursos enunciados pela autoridade judiciária têm o poder de (re)produzir verdades essenciais para o (não) reconhecimento de pessoas transexuais. Para examinarmos melhor o objeto desse trabalho, precisamos, antes, analisar alguns conceitos que fazem parte do nosso pressuposto teórico-metodológico: sexo, gênero e transexualidade. Buscamos trabalhar com categorias do campo de estudos queer, da teoria feminista de Judith Butler e de etnografias brasileiras sobre a experiência de homens e mulheres transexuais.

Em geral, os enunciados sexo e gênero causam certa confusão àqueles que não estão completamente familiarizados com essas discussões. É comum que algumas pessoas compreendam que a identidade de homens e mulheres são advindas de seus sexos biológicos, não refletindo sobre os aspectos culturais envolvidos na produção desses papéis. Assim, uma mulher só pode ser entendida como aquela que possui uma genitália feminina, enquanto o homem é aquele que nasceu com o sexo masculino. Além disso, as caraterísticas sexuais já manifestariam o princípio fundante do desejo natural: o heterossexual.

É a teoria feminista que inicialmente se debruça em reflexões mais profundas sobre a relação existente entre os homens e as mulheres, delineando um campo de estudos voltado para a compreensão dos jogos de poder envolvidos nessa relação e fraturando concepções naturalizantes sobre esses papéis.

O termo gênero foi utilizado pela primeira vez em uma reflexão feminista no final da década de 1970, quando Gayle Rubin (1993)RUBIN, Gayle. Tráfico de mulheres: notas sobre a “economia política do sexo”. Recife: S.O.S. Corpo, 1993. escreveu o ensaio Tráfico de mulheres: notas sobre a “economia política do sexo”. Nesse texto, a autora afirma que a identidade das mulheres não pode ser expressão de um atributo biológico como o sexo, mas de um construto social. Portanto, o sexo é um predicado natural passivo em que os significados culturais se inscrevem, sendo os papéis de homens e mulheres resultados desse sistema de significação. A categoria teórica sistema sexo-gênero é cunhada por Rubin para dar sentido a essa diferenciação entre sexo natural e gênero socialmente construído.

Mais tarde, o sistema sexo-gênero passou a sofrer uma série de críticas por outras leituras feministas. A crítica que nos interessa está nas reflexões de Butler (2015a)BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015a., especialmente pela aproximação da teoria da autora com as ideias de Michel Foucault. Tanto para Butler (2004aBUTLER, Judith. Precarious life: the life of mournig violence. New York: Verso, 2004a.; 2015bBUTLER, Judith. Undoing gender. New York: Routledge , 2004b.; 2015c)BUTLER, Judith. Senses of the subject. New York: Fordham University Press, 2015c. quanto para Foucault (2009FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edição Graal, 2009.; 2011)FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 39. ed. Petrópolis: Vozes, 2011., o sujeito é produzido por um conjunto de normas sociais e historicamente dispostas. Essas normas criam determinada representação de pessoa e as condições necessárias para que alguém seja reconhecido: há um enquadramento da percepção através de molduras epistemológicas que definem os elementos necessários ao reconhecimento.

No caso do gênero, há normas específicas que atribuem inteligibilidade à pessoa. Essas normas atuam, desde o início, na produção das representações de humanidade e exigem a coerência e a continuidade entre o que se compreende como sexo natural, gênero cultural e desejo heterossexual. Isso significa dizer que o sistema sexo-gênero encontra limites normativos desde o início, pois a linguagem hegemônica limita a análise discursiva da experiência, operando através da determinação de que corpos-fêmeas só podem ser significados como pertencentes às mulheres, enquanto corpos-machos só podem ser significados como pertencentes aos homens, enquanto essas duas identidades podem apenas direcionar seus desejos uma para a outra (BUTLER, 2015aBUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015a.).

Qualquer desvio a essa coerência e continuidade entre o sexo, o gênero e a sexualidade pode minar a pessoalidade de alguém. Isso, porque ocorrerá um deslocamento da correspondência entre a representação do humano e a expressão identitária desse sujeito. Como consequência, essa pessoa pode não ser reconhecida, ou somente ser mal reconhecida, ocasionando uma situação na qual a humanidade é distribuída para alguns, ao mesmo tempo que outros são considerados menos humanos ou inumanos (BUTLER, 2015aBUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015a.; 2004b)BUTLER, Judith. Undoing gender. New York: Routledge , 2004b..

Partindo dessas operações de poder, o conceito de gênero que Butler (2015aBUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015a.; 2004b)BUTLER, Judith. Undoing gender. New York: Routledge , 2004b. oferece leva em consideração duas ideias fundamentais: em primeiro lugar, o sexo não é uma entidade pré-discursiva passiva que espera a cultura se inscrever nele para ganhar sentido − pelo contrário, ele se apresenta como sendo gênero desde o início; depois, o gênero não é nem uma substância, nem uma propriedade, ele é uma performance.

No primeiro caso, a autora afirma que o sexo é tão discursivo quanto o gênero, tendo em vista que a linguagem é a única ferramenta apta a significá-lo e torná-lo inteligível, estando, desde o início, saturada de relações de poder e saber. Isso não significa dizer que o sexo inexiste, mas que os discursos que o envolvem possuem aquilo que Foucault designou como poder produtivo: um poder que fabrica sujeitos a partir de efeitos de verdade.

Isso fica muito claro na pesquisa de Laqueur (2001)LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 2001., quando o autor demonstra que a biologização das identidades de homens e mulheres teve como condição de possibilidade as relações políticas pós-Revolução Francesa que objetivavam tanto afastar as mulheres da seara pública quanto restringir seus direitos sob o fundamento de que eram naturalmente inferiores aos homens.

Como consequência, a naturalização do sexo delimita a linha que separa o mundo dos homens do mundo das mulheres, atribuindo aos símbolos definidos como femininos um menor valor, e produzindo uma ordem social binária de classificação dos corpos e das identidades fundamentada na ideia de que a heterossexualidade é o único direcionamento do desejo natural e, portanto, normal. E, assim, práticas sexuais e expressões de gênero que não seguem essa lógica são consideradas doentes ou anormais, tais quais as formas de desejo e afeto de gays, lésbicas e bissexuais, ou as identidades de pessoas transexuais, travestis e intersexuais (BUTLER, 2015aBUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015a.; 2004b)BUTLER, Judith. Undoing gender. New York: Routledge , 2004b..

No segundo caso, dizer que o gênero é performativo é sublinhar que os sujeitos o fazem em um ambiente de constrição normativa. Essas normas delimitam as configurações possíveis do gênero com as quais as pessoas poderão fazê-lo. Assim, como ninguém tem a possibilidade de escolher o gênero que quer, porque esse não é um processo completamente consciente, também não o faz sozinho, pois essa é uma atividade constante que depende de uma sociabilidade exterior cujos termos não são definidos por uma única pessoa. Portanto, a performance de gênero aproxima-se da afirmação de Beauvoir (2000, p. 9)BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.: “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, em que o tornar-se aparece como uma atividade performativa constante que não se concretiza nunca (BUTLER, 2015aBUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015a.; 2004b)BUTLER, Judith. Undoing gender. New York: Routledge , 2004b..

As pessoas transexuais fazem seu gênero em uma relação transgressora com as normas de gênero; isso, porque suas expressões não seguem a coerência e a continuidade entre sexo, gênero e desejo, borrando as barreiras que determinam os espaços de feminilidade e masculinidade segundo critérios biológicos. Como consequência, essas pessoas estão sujeitas a uma série de violências, entre elas, a classificação dessas experiências como uma doença (BENTO, 2006BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.; 2008; LEITE JÚNIOR, 2011LEITE JÚNIOR, Jorge. Nossos corpos também mudam: a invenção das categorias “travesti” e “transexual” no discurso científico. São Paulo, Annablume, 2011., TEIXEIRA, 2013TEIXEIRA, Flávia. Dispositivos de dor: saberes - poderes que (con)formam a transexualidade. São Paulo: AnnaBlume, 2013.).

De acordo com o Código Internacional de Doenças (CID-11), da Organização Mundial de Saúde (OMS), a expressão de gênero de pessoas transexuais é conhecida sob o nome de “Incongruência de Gênero”,2 2 Antes da publicação da CID-11, o CID-10 considerava, sob o nome de “transexualismo”, a transexualidade como uma doença mental. O objetivo da mudança esteve pautado na tentativa da OMS em tentar diminuir os estigmas de patologização da experiência transexual, ao mesmo tempo que possibilita a garantia de determinados cuidados médicos essenciais para essa experiência identitária. enquanto para o Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM-V), da Associação Americana de Psiquiatria, chama-se “Disforia de Gênero”. No Brasil, os dois documentos são levados em consideração pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para a efetivação do diagnóstico necessário à realização de cirurgia de transgenitalização. Como pode ser observado na Resolução CFM n. 1.955/2010 (2010, s./p.), para o campo médico brasileiro, o indivíduo transexual é considerado “portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio”. Vale ressaltar que “transexualismo” é a nomenclatura utilizada pelo CFM para designar o diagnóstico necessário à realização de cirurgia de redesignação sexual no Brasil.

A patologização da experiência transexual é uma das formas mais perniciosas de violência por inúmeras razões: primeiramente, reitera as normas de gênero com o consequente reforço do binarismo e da naturalização das identidades de homens e mulheres; classifica como doente e anormal as práticas de gênero que não estão de acordo com as normas de gênero; aumenta os fatores discriminatórios em relação aos sujeitos dissidentes de gênero, vez que mantêm intactas as condições de reconhecimento do humano e do inumano; impede que homens e mulheres transexuais possam realizar livremente a cirurgia de transgenitalização, pois a Resolução CFM n. 1.955/2010 impõe os critérios necessários para o diagnóstico, limitando o tratamento - intervenção cirúrgica - a apenas aqueles que se enquadram no papel de “transexual verdadeiro”.3 3 O termo “transexual verdadeiro” é utilizado por Bento (2006; 2008), Leite Júnior (2011) e Teixeira (2013) para se referir aos ideais médicos que circundam o diagnóstico necessário à realização de cirurgia de redesignação sexual no Brasil. Trata-se de um enunciado cujos sentidos são responsáveis pela separação existente entre as experiências identitárias que se encaixam naquilo que os médicos e psicólogos esperam ouvir e as experiências que não se enquadram nos ideais delineados pelas verdades das ciências médicas e psicológicas. Vale ressaltar que a transexualidade é uma prática identitária que se manifesta de inúmeras formas, inclusive em contraste com os ideais médicos.

Para o CFM (2010)CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM n. 1.955/2010. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2010/1955_2010.htm. Acesso em: 18 dez. 2017.
http://www.portalmedico.org.br/resolucoe...
, o “transexual verdadeiro” é aquele que: 1) sente desconforto com o sexo anatômico natural; 2) sente desejo expresso de eliminar os genitais; 3) apresenta esses desejos de forma contínua e permanente por, pelo menos, dois anos; 4) não possui transtornos mentais.

O “transexual verdadeiro” é uma ficção médica. Como podemos observar nos estudos de Bento (2006BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.; 2008)BENTO, Berenice. O que é transexualidade. São Paulo: Brasiliense, 2008., Teixeira (2013)TEIXEIRA, Flávia. Dispositivos de dor: saberes - poderes que (con)formam a transexualidade. São Paulo: AnnaBlume, 2013. e Leite Júnior (2011)LEITE JÚNIOR, Jorge. Nossos corpos também mudam: a invenção das categorias “travesti” e “transexual” no discurso científico. São Paulo, Annablume, 2011., existem diversas maneiras de vivenciar a transexualidade, muitas delas em contraste com os critérios nacionais e internacionais de diagnóstico. É possível perceber mulheres e homens transexuais que não possuem vontade de realizar intervenções cirúrgicas nos genitais, ou que sentem esse desejo, mas que não experienciam desconforto em relação a eles. A saída para quem deseja realizar a cirurgia de transgenitalização é tentar se adequar àquilo que os médicos querem ouvir - ainda que não seja verdade - através de narrativas que envolvem profundas depressões, vontade de automutilação e assexualidade ou heterossexualidade.

Outro obstáculo na vida de pessoas transexuais são seus documentos. Isso, porque elas são registradas logo após terem nascido, constando em seu registro um nome e um sexo que não condizem com sua vivência de gênero. Como mencionado anteriormente, a saída para esses sujeitos, até 2018, dependia do Poder Judiciário: veremos mais à frente as consequências advindas das decisões proferidas sobre esse assunto.

2. Direito e discursividade

No Direito brasileiro, o nome é, ao mesmo tempo, um direito e uma obrigação. Um direito porque está disposto no art. 16 do Código Civil de 2002 (CC/2002) como personalíssimo, intransmissível e irrenunciável, protegido, inclusive, contra a difamação e o desprezo público (art. 17), não podendo ser utilizado em propaganda comercial sem autorização (art. 18). Nesse aspecto, o nome, por ser um dos direitos da personalidade, está diretamente ligado ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana. Como uma obrigação, ele aparece como instrumento de controle estatal e de segurança das relações jurídicas, sendo, nos termos do art. 58 da LRP, definitivo (SOUSA, 2016SOUSA, Tunny Soeiro. O nome que eu (não) sou: retificação de nome e sexo de pessoas transexuais e travestis no registro civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.).

A despeito do princípio da imutabilidade do nome previsto pela LRP, a própria legislação regula as situações em que o nome pode ser modificado, tais sejam: 1 − quando expor a pessoa ao ridículo (art. 55, parágrafo único); 2 − quando houver erro gráfico no prenome (art. 110); 3 − quando houver solicitação de alteração de prenome para incluir apelido público e notório (art. 58); 4 − quando houver a solicitação de alteração de nome para a proteção de vítima ou testemunha (art. 58).

Como inexiste dispositivo concernente aos casos que envolvam a transexualidade na LRP, cabia - até a decisão do STF em 2018 - ao Poder Judiciário deferir ou indeferir as demandas de retificação de nome e sexo no registro civil desses sujeitos. No âmbito dessas práticas, observava-se uma tendência majoritária a deferir os pedidos nos casos que envolviam cirurgia transexualizadora, desde que realizada nos termos exigidos pelo CFM, e uma tendência a indeferir as demandas nos casos em que a cirurgia não era verificada. O deferimento do pedido nos casos de pessoas que não realizaram cirurgia apresentava-se como prática minoritária (ZAMBRANO, 2003ZAMBRANO, Elizabeth. Trocando os documentos: um estudo antropológico sobre a cirurgia de troca de sexo. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.; VENTURA, 2007VENTURA, Miriam. Transexualidade: algumas reflexões jurídicas sobre a autonomia corporal e autodeterminação da identidade sexual. In: RIOS, Roger Raupp (org.). Em defesa dos direitos sexuais. Belo Horizonte: Autêntica , 2007. e 2010VENTURA, Miriam. A transexualidade no tribunal: saúde e cidadania. Rio de Janeiro: Editora Uerj, 2010.; SOUSA, 2016SOUSA, Tunny Soeiro. O nome que eu (não) sou: retificação de nome e sexo de pessoas transexuais e travestis no registro civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.).

Diante dessa realidade, a Procuradoria-Geral da República (PGR) impetrou a ADI 4.275 perante o STF no intuito de atribuir interpretação conforme a Constituição ao art. 58 da LRP com base na ideia de que existiria um direito fundamental à identidade de gênero inferido pelos princípios da dignidade humana, da igualdade, da vedação de discriminação odiosa, da liberdade e da privacidade. O objetivo central da ação estava no reconhecimento do direito à mudança de nome e gênero das pessoas trans no registro civil, independentemente de prova de intervenção médica.

Em março de 2018, o STF julgou procedente a ADI 4.275 para dar interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art. 58 da LRP, de modo a reconhecer às pessoas transexuais, independentemente de cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à retificação de nome e sexo diretamente no registro civil. Isso significa que, para que a mudança dos dados aconteça, as pessoas transexuais não necessitam mais entrar com uma ação perante o Poder Judiciário, podendo realizar a alteração diretamente no cartório.

Para entendermos o impacto da decisão do STF na vida de pessoas trans, é preciso analisar os efeitos discursivos das decisões judiciais proferidas antes da ADI 4.275 em sua relação com a (re)produção das normas de gênero. Para isso, situamos o Direito no âmbito das práticas discursivas.

Segundo Santoro (2005SANTORO, Emílio. Estado de Direito e interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do Estado de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.; 2010)SANTORO, Emílio. Diritto come questione sociale: la perspectiva della sociologia del diritto. In: SANTORO, Emilio (org.). Diritto come questione sociale. Torino: G. Giappichelli Editore, 2010., o Direito não é lei nem ordenamento jurídico, mas, sim, uma prática exercida dentro de uma comunidade de intérpretes. Há aqui um deslocamento da ideia de que o Estado de Direito necessita de leis para a autolimitação de suas atividades e para a garantia dos direitos fundamentais de seus cidadãos. Nesse paradigma legicêntrico, os juízos empíricos são verdadeiros ou falsos, existindo critérios racionais capazes de garantir o acordo a respeito da correta aplicação da lei.

Entretanto, na noção de Direito como prática, o jurista produz o texto prescritivo ao mesmo tempo que é construído por ele e pelo modo de lê-lo. Ser juiz significa ter apreendido um conjunto de técnicas interpretativas e os instrumentos basilares para construir o texto como jurídico, atribuindo-lhe significado, interpretando-o e reescrevendo-o a partir do próprio habitus. O jurista faz parte de um grupo específico responsável por conhecer “com autoridade” o âmbito de experiência que os textos normativos regulam. Esse grupo de profissionais, a comunidade de intérpretes, elabora os padrões de reconhecimento e de aceitação dos métodos, estilos e objetos que fazem parte do discurso jurídico.

Partindo da teoria dos jogos linguísticos de Wittgenstein, Santoro (2005)SANTORO, Emílio. Estado de Direito e interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do Estado de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. identifica a comunidade de intérpretes como uma comunidade linguística no interior da qual uma vida comum se manifesta através do compartilhamento de uma linguagem. A linguagem não se manifesta como condição de verdade, mas como condição de afirmabilidade ou condição de justificação. Os membros da comunidade acreditam dispor de justificativa para estabelecer se os outros seguem as regras de uma maneira correta ou incorreta. Portanto, os enunciados axiológicos dependem das condições de afirmabilidades vigentes em uma determinada comunidade. Percebe-se, assim, que a comunidade interpretativa impõe obediência a certo número de regras, e o jurista, para reafirmar que está seguindo uma regra e suas condições de afirmabilidade, comporta-se de acordo com as expectativas da comunidade interpretativa.

Logo, a falta de legislação específica para a retificação de nome e sexo no registro civil não determinava de pronto o indeferimento do pedido, pois o papel do juiz, a partir da compreensão do Direito como prática, extrapola o ideal “juiz boca da lei” para apresentá-lo como um sujeito que produz o texto normativo de acordo com as regras e expectativas da comunidade de intérpretes.

Além disso, situar o Poder Judiciário no campo da discursividade significa, antes de tudo, que aquilo que é enunciado pode ser classificado como um discurso cujo sentido só tem como ser apreendido no social e no seio da história, porque as palavras, as sentenças, as frases e as proposições não possuem sentido imanente. Como explica Foucault (2013)FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013., esses elementos só aparecem quando referenciados por um enunciado. O enunciado é uma função de existência que atravessa os saberes, dotando de identidade determinadas formações discursivas. É aquilo mesmo que nos leva a questionar por que um discurso foi enunciado, e não outro em seu lugar.

Depois, não existe saber que já não esteja implicado em alguma relação de poder, portanto, a atividade de nomear coisas já é, desde o início, uma luta pelo poder de dizer a verdade. Para Foucault (2012)FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2012., existem mecanismos internos e externos de controle do discurso, sendo esses mecanismos os instrumentos através dos quais os discursos são hierarquizados e dotados de uma ordem. Um dos mecanismos mais importantes para a modernidade é a vontade de verdade; o desejo de separar o discurso verdadeiro do falso, atribuindo a este um valor nulo, mas encobrindo o aspecto político inerente à produção da verdade. Vale relembrar que, para o autor, o discurso tem o poder de produzir coisas, de materializá-las.

Nesse sentido, o discurso que é enunciado por um juiz no momento de decidir um conflito não é uma imparcial e neutra interpretação da lei, é uma prática discursiva permeada por jogos de poder. Além disso, se o discurso tem um papel produtivo, aquilo que o juiz enuncia não só descreve uma realidade, ou seja, “a verdade”, mas interpela sujeitos e efetivamente produz algo com as palavras.

A interpelação é um conceito de Althusser (1970)ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Editorial Presença, 1970. e diz respeito ao chamado que alguém precisa receber para ganhar espaço na linguagem. Essa chamada só tem eficácia quando realizada por um sujeito já anteriormente interpelado no contexto de uma convenção. Assim, o exemplo oferecido pelo autor descreve a cena em que um policial realiza um chamado em meio a uma multidão, enquanto um transeunte que passava próximo ao policial escuta e responde à interpelação por força da culpa: o policial já encontrou seu lugar na linguagem e agora interpela o “culpado”, o transeunte que responde ao chamado. A interpelação é algo que se processa durante toda a vida dos sujeitos: eles são chamados a ocupar locais sociais distintos e a assumir identidades de gênero, raça, classe social, nacionalidade.

Butler (1997)BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997. explica que nem sempre a primeira interpelação funciona de uma vez por todas, pois pode acontecer de o policial realizar o chamado e ninguém responder. Isso, porque, por mais que a linguagem se expresse como normas, o caráter histórico e social delas torna o chamado não determinativo: há sempre um excesso que não pode ser completamente apreendido, e é a partir da eterna possibilidade de fracasso normativo que os sujeitos podem exercer uma agência limitada.

Isso também pode se depreender das ideias de Austin (1962)AUSTIN, J.L. How to do things with words. Oxford: Claredon Press, 1962., quando apresenta sua teoria dos atos de fala (speech act). Para o autor, a situação de fala total é composta por dois tipos de atos de fala: perlocucionários e ilocucionários. Os primeiros são aqueles a partir dos quais efeitos surgem, enquanto os segundos produzem aquilo que é falado no momento da enunciação. Os atos de fala ilocucionário agem com as palavras, desde que tenham sido enunciados no “momento” de um ritual.

Um exemplo paradigmático de um ato de fala ilocucionário é o momento em que a autoridade judiciária anuncia: “então eu os declaro: marido e mulher” no contexto de um casamento. Com essas palavras, a autoridade não está descrevendo uma situação, está fabricando aquilo que diz, porque as pessoas efetivamente se casaram. Entretanto, Butler (1997)BUTLER, Judith. Excitable speech: a politics of the performative. New York: Routledge, 1997. afirma que esse “momento” é a condensação de uma historicidade: do passado, do presente e do futuro. Como o futuro é apenas uma possibilidade, e jamais pode ser completamente apreendido, não pode inferir-se que os atos de fala ilocucionários terão eficácia em todos os momentos de enunciação. Mais uma vez a linguagem se vê afrontada pela possibilidade de fracasso.

Nas decisões sobre demandas envolvendo a retificação de dados de pessoas transexuais proferidas pelo Poder Judiciário, pode-se analisar tanto o poder de produção de verdades - sobre o gênero, o sexo, a transexualidade - quanto o poder de produção de sujeitos pela interpelação ou pelo efeito ilocucionário que esses atos de fala adquirem. Dessa forma, reconhecer a transexualidade a partir do modelo do “verdadeiro transexual” tem como consequência não somente os efeitos procedimentais da decisão, mas também efeitos discursivos que trabalham chamando as pessoas trans a ocuparem esse local de verdade e fortalecendo ideais normativos.

Na próxima seção, examinaremos como esse processo de produção de ideais normativos de gênero funcionavam através de decisões judiciais a partir da análise de três decisões proferidas pelo STJ.

3. Decisões

Para a realização da presente análise, escolhemos trabalhar com as três decisões que versam sobre a retificação de dados de pessoas transexuais proferidas pelo STF. Trata-se do Recurso Especial n. 737.993-MG (BRASIL, 2009aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.008.398-SP. Recorrente: C.P.V. Recorrido: Ministério Público Federal. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, 2009b. ), do Recurso Especial n. 1.008.398-SP (BRASIL, 2009bBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.008.398-SP. Recorrente: C.P.V. Recorrido: Ministério Público Federal. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, 2009b. ) e do Recurso Especial n. 1.626.739-RS (BRASIL, 2017BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.626.739-RS. Recorrente: Ministério Público do Rio Grande do Sul. Interessado: M.D.L.R. Brasília, 2017.).

As decisões referem-se às tramas de três mulheres transexuais, duas das quais realizaram cirurgia transexualizadora, enquanto uma investiu apenas em cirurgias secundárias, tais sejam, aquelas que tem como intuito feminilizar o corpo sem a operação genital. Nos três processos houve deferimento das demandas de retificação tanto do sexo quanto do nome, o que, por si só, já se apresenta como um grande avanço judicial no que concerne ao reconhecimento de direitos de pessoas trans.

Procuramos, por outro lado, examinar os ideais normativos que circundam a noção de gênero e transexualidade nesses documentos, partindo do pressuposto de que o campo jurídico é um local privilegiado de produção de verdades; verdades essas que reiteram normas de gênero que distribuem diferentemente o status de humanidade. Logo, se por um lado, o Judiciário tem o poder de amenizar algumas das circunstâncias discriminatórias que assombram a vida de homens e mulheres transexuais, por outro, reanima discursos que são responsáveis pelo enrijecimento dos regimes regulatórios responsáveis pela hierarquização e pela violência de algumas experiências de gênero.

No Recurso Especial n. 737.993-MG, o juiz singular deferiu o pedido de retificação de nome e gênero sob o argumento de que o Direito não pode fechar os olhos para a realidade, devendo decidir sobre questões envolvendo a transexualidade. Dessa sentença, houve apelação por parte do Ministério Público, tendo sido reformulada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que entendeu inexistir previsão legal para a retificação do nome e do sexo, mantendo a decisão no julgamento dos embargos infringentes.

No Recurso Especial n. 1.008.398-SP, o Ministério Público opinou pelo indeferimento do pedido sob o argumento de que não existe possibilidade legal de retificar os dados em razão da transexualidade. O juiz singular julgou procedente o pedido, alegando que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto, não devendo o Direito negar a realidade dessas pessoas. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reformou a sentença após apreciar o recurso do Ministério Público, argumentando que no registro civil deve prevalecer a regra geral da imutabilidade do nome a fim de manter a veracidade dos registros.

No Recurso Especial n. 1.626.739-RS, a sentença do juiz singular julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida na inicial, determinando a alteração do prenome, mas rejeitando o pedido de retificação do sexo em razão da não realização de cirurgia transexualizadora. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul negou o recurso da autora sob o argumento de que a alteração do sexo só deve ser realizada mediante cirurgia de transgenitalização.

Para uma melhor análise dessas três decisões, esta seção será subdividida em duas outras: na primeira, serão analisadas as narrativas apresentadas ao Poder Judiciário pelas mulheres transexuais; na segunda, será analisado o conteúdo das decisões.

3.1. As narrativas

No Recurso Extraordinário (REsp) n. 737.993-MG, R.N.R.4 4 Optamos por indicar o nome das mulheres trans somente pelas iniciais para garantir sua privacidade. Além disso, a inicial do prenome condiz com o nome social. aparece alegando que, embora “nascida” com a genitália masculina, a partir dos dez anos começou a “travestir-se” e a utilizar hormônios femininos. Além disso, afirma que viveu maritalmente com um indivíduo do sexo masculino e que nunca teve relação sexual com seu genital masculino. Realizou cirurgia transexualizadora após longo tratamento psiquiátrico e psicoterápico.

Já no REsp n. 1.008.398-SP, C.P.V. narra que cresceu e se desenvolveu como mulher, com hábitos, reações e comportamento físico tipicamente femininos. Além disso, submeteu-se a tratamento multidisciplinar, momento em que identificou os transtornos e as dúvidas existentes ao longo de sua vida, tendo recebido o diagnóstico de “transexualismo”. Assim como R.N.R., passou por procedimento cirúrgico transexualizador no Brasil.

A interessada do REsp n. 1.626.739-RS, M.D.L.R., afirma que, desde a infância, identifica-se com atitudes de crianças do sexo feminino, ainda que tenha “nascido” com a genitália masculina, o que levou seus pais a procurarem atendimento psicológico. Nesse atendimento, foi diagnosticada como “portadora de transtorno de identidade de gênero”, conforme nomenclatura dada pelo DSM-IV em decorrência da inadequação entre a identidade biológica e a condição psicológica, viabilizando seu ingresso no grupo do Programa de Identidade de Gênero (Protig) do Hospital das Clínicas em Porto Alegre. M.D.L.R. informou, ainda, que realizara intervenções hormonais e cirúrgicas (diferentes da cirurgia transexualizadora) para conformar sua aparência física feminina à sua “inversão psíquica”.

Nessas três narrativas, podemos observar duas coisas em comum: primeiramente, a menção à “experiência invertida” do gênero; depois, a reprodução de discursos médicos como o instrumento de constatação da “verdade” acerca do fenômeno transexual. De uma forma ou de outra, esses elementos estão imbrincados, porque, de um lado, há normas de gênero que influenciam a gramática médica, enquanto, de outro, a gramática médica reitera e (re)produz as normas de gênero.

A experiência invertida está diretamente ligada com a divisão cartesiana entre o corpo e a mente. Aqui, não existe relação entre identidade e corpo; o corpo é esse acidente através do qual a alma “feminina” surge aprisionada, por isso a alegação de que “nasceram” meninos, mas identificam-se enquanto mulheres. A ocasião do nascimento se apresenta como o momento decisivo e determinativo de marcação do gênero através do sexo, não restando alternativas que, de uma só vez, possam trabalhar a modulação do corpo com o intuito de adequá-lo aos padrões de feminilidade.

Entretanto, como falamos anteriormente, o corpo não é uma matéria inerte, e, sim, o efeito de discursos de verdade que materializam o sexo como natural. O sistema binário, no qual corpos-machos e corpos-fêmeas são significados simultaneamente como homens e mulheres, transforma o corpo nessa estrutura material e imutável que carrega feito prisão a substância do gênero.

Por outro lado, essas histórias enredam os processos através dos quais o tornar-se menina e o tornar-se mulher desvelam o caráter performativo do próprio gênero através da prática da feminilidade e dos investimentos nas técnicas de transformação corporal. Frisa-se que esses são processos pelos quais passam todos os sujeitos, mas que aparecem como marca somente da transexualidade, na medida em que o sexo é apresentado como natural.

Os discursos médicos sobre a transexualidade reforçam o sistema binário e sua lógica de inteligibilidade sexo-gênero, por isso classificam a experiência como uma doença, pois não compreendem que pode existir expressão identitária de gênero fora da determinação biológica. Ainda assim - ou por isso mesmo - esses discursos são utilizados nas demandas judiciais como forma de assinalar a extrema necessidade de se provar a condição transexual da pessoa.

R.N.R., por exemplo, relata seu relacionamento duradouro com um homem, deixando explícito o fato de nunca ter utilizado seus genitais nas relações sexuais. Esse dado íntimo não aparece no processo por acaso, ele tem uma função específica: reiterar que se trata realmente de uma pessoa transexual. Isso, porque, para a medicina, existem somente duas sexualidades legítimas ao “verdadeiro transexual”: a assexualidade ou a heterossexualidade.

A assexualidade pode ser compreendida como sendo a expressão do desejo em que um sujeito demonstra não sentir interesse na prática sexual com outra pessoa. Ela foi definida como um sintoma do “transexualismo” por Harry Benjamin5 5 Harry Benjamin foi o médico responsável pela “descoberta” do “transexualismo”. (1999), que também designou como sintoma a profunda aversão aos órgãos genitais. Entretanto, os médicos brasileiros também levam em consideração para o diagnóstico a heterossexualidade, ou seja, o desejo de manter relações sexuais e afetivas com pessoas do outro gênero, reforçando o caráter heterossexista do discurso (BENTO, 2006BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. e 2008BENTO, Berenice. O que é transexualidade. São Paulo: Brasiliense, 2008.; TEIXEIRA, 2013TEIXEIRA, Flávia. Dispositivos de dor: saberes - poderes que (con)formam a transexualidade. São Paulo: AnnaBlume, 2013.).

Em contrapartida, a transexualidade é uma experiência de gênero não necessariamente dependente de um tipo específico de sexualidade. Existem mulheres transexuais lésbicas e homens transexuais gays, isto é, que sentem atração por pessoas do mesmo gênero; assim como há pessoas transexuais que utilizam seus órgãos genitais nas atividades sexuais sem que sintam desconforto com eles. Lembrando, a transexualidade é uma experiência plural e que se manifesta de inúmeras formas (BENTO, 2006BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. e 2008BENTO, Berenice. O que é transexualidade. São Paulo: Brasiliense, 2008.; TEIXEIRA, 2013TEIXEIRA, Flávia. Dispositivos de dor: saberes - poderes que (con)formam a transexualidade. São Paulo: AnnaBlume, 2013.).

Ainda assim, como existe a imagem de um “transexual verdadeiro” assexual ou heterossexual, a narrativa apresentada aos médicos leva em consideração aquilo que os homens e as mulheres transexuais acham que esses médicos querem ouvir, mesmo que não se identifiquem completamente com ela. E, como a medicina é esse campo privilegiado para dizer a verdade sobre a transexualidade, essa estória é contada da mesma forma diante do Poder Judiciário.

Ademais, o fato de todas as mulheres trans citadas terem reafirmado que passaram por “tratamento” psiquiátrico e psicoterápico, que receberam o diagnóstico de “transexualismo” ou “transtorno de identidade de gênero”, que passaram por cirurgias de transexualização (nos dois primeiros casos) ou cirurgias secundárias e hormonização (no terceiro caso), revela o poder que o discurso médico tem para dizer a verdade sobre quem são e para tornar, através de técnicas de modificação corporal, seus corpos de acordo com aquilo que sentem, e é essa “verdade corporal”, não mais condizente com os documentos de identidade, que fundamenta os pedidos ao STJ.

É aqui que observamos se entrelaçar a verdade médica com a verdade jurídica, pois, se os documentos precisam expressar a “real” condição das pessoas, então os parâmetros de definição de realidade dependerão de como os jogos de poder articulam esses saberes na produção da realidade, como veremos a seguir.

3.2. O sexo e a transexualidade

As normas que interpelam o sujeito a encontrar um local na linguagem funcionam em um momento próprio. Se o tempo da norma não é o tempo do sujeito, então pode acontecer de uma norma existir sem que o sujeito tenha ainda chegado ao mundo (BUTLER, 2015cBUTLER, Judith. Senses of the subject. New York: Fordham University Press, 2015c.). É o que acontece com as normas de gênero. Antes mesmo de uma criança nascer, uma série de discursos disputam os sentidos da feminilidade e da masculinidade. As palavras do médico “é uma menina” engendram o contexto da interpelação, o momento no qual o recém-nascido é chamado a ocupar um lugar na ordem discursiva do gênero. Entretanto, a ocasião do nascimento, com seu primeiro chamado, precisa ser reiterada por muitas outras instituições para que as palavras possam atribuir suas marcas nos corpos do sujeito. Uma dessas instituições é o Estado.

As palavras do médico tornam-se documentos jurídicos com a formalização do registro de nascimento. O Estado trabalha, portanto, sob uma ótica em que a verdade médica lhe serve de base para que a verdade acerca da “pessoa” esteja consubstanciada em seus documentos. E, se a verdade sobre a “pessoa humana” requer a coerência e a continuidade entre o sexo, o gênero e a sexualidade dentro de um sistema binário, então o registro, com seu efeito linguístico ilocucionário, transforma-a em sedimento.

As demandas de retificação de nome e sexo no registro civil de pessoas transexuais são exemplos concretos de como essas verdades não são absolutas. O fenômeno transexual, enquanto expressão de gênero dissidente, assombra as estruturas binárias e o sonho estatal de segurança jurídica ao contestar suas nomeações e, por conseguinte, seus poderes. São nesses processos judiciais que a instituição jurídica e a instituição médica voltam a se encontrar para revisitar seus discursos e suas normas.

Foucault (2001)FOUCAULT, Michel. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001. já identificara a dinâmica existente entre o Direito e a Medicina, assinalando que o ponto de encontro entre as duas instituições fabrica discursos verdadeiros com efeitos judiciários que excedem as regras de formação dos discursos científicos e as regras do Direito. Trata-se, na opinião do autor, de um encontro grotesco, pois atribui um poder descontrolado, através de um aparelho de justiça, a um discurso de verdade. Nos processos em análise, discursos médicos sobre o sexo e sobre a transexualidade são enunciados diversas vezes pela instituição judiciária.

No caso de C.P.V., a ministra relatora iniciou seu voto afirmando: “Muito embora o recorrente se considere verdadeira mulher, é certo que o referido ato cirúrgico de redesignação sexual, por si só, não modifica o sexo de uma pessoa” (2009b, p. 8). Aqui, é possível perceber que a autodeterminação não é suficiente para que uma pessoa seja considerada “mulher de verdade”, tampouco a cirurgia transexualizadora pode, por si mesma, comprovar a veracidade desse fato. Portanto, para avaliar se os dados da requerente podem ser modificados, a ministra, implicitamente, mantém o “sexo biológico” como a matéria da “verdadeira mulher”, ao mesmo tempo que exige o exame de mais provas para atestar a mulheridade de C.P.V.

Mais à frente, ela demonstra isso ao reiterar a transexualidade não só como uma doença, mas também como uma experiência invertida: “Os transexuais não são pessoas de um sexo que desejam se tornar de outro sexo; psicologicamente eles já são de um sexo oposto ao biológico, o que gera o transtorno de identidade transexual, incluída na 10ª versão da Classificação Internacional de Doenças” (BRASIL, 2009bBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.008.398-SP. Recorrente: C.P.V. Recorrido: Ministério Público Federal. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, 2009b. , p. 13). Não é o gênero que aparece como experiência da transexualidade, mas o “sexo invertido”, pertencer “psicologicamente” ao outro sexo enquanto seu próprio lhe aprisiona. Observa-se algo semelhante na decisão de R.N.R.: “Ele na verdade, no íntimo dele, é do sexo oposto. Ele não se comporta... não é só a mudança física, é uma mudança psicológica e psicossomática” (BRASIL, 2009aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 737.993-MG. Recorrente: R.N.R. Recorrido: Ministério Público de Minas Gerais. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, 2009a., p. 11).

Há a possibilidade de reconhecimento dessa inversão pelo Judiciário, mas isso só é possível através da constatação de que se trata de uma doença:

O transexual, na literatura médica, experimenta a insustentável condição de nascer com cromossomos, genitais e hormônios de um sexo, mas com a convicção íntima de pertencer ao gênero oposto. Repudia o que a natureza lhe legou, vivendo um estranhamento em relação ao próprio corpo, o que desencadeia grande frustração e desconforto, rejeição do fenótipo, bem como tentativas de automutilação e até mesmo autoextermínio. (BRASIL, 2009bBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.008.398-SP. Recorrente: C.P.V. Recorrido: Ministério Público Federal. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, 2009b. , p. 12 e 13)

Nota-se, nesse trecho, a referência judiciária ao “verdadeiro transexual” da medicina. Como falamos anteriormente, essa categoria médica é utilizada como forma de examinar os sintomas da “patologia” para que o diagnóstico seja feito e o sujeito trans possa realizar a cirurgia transgenitalizadora. No Direito, ela serve como instrumento de constatação de uma verdade: a pessoa tem uma doença e, em decorrência disso, pode-se deferir a demanda de retificação de dados.

Percebe-se que essas decisões trabalham com um jogo de verdade/realidade versus fantasia. A verdade médica e judiciária repousa sobre a realidade, dotando-a de sentido, e é através dessas molduras de saber/poder que a “realidade” transexual é enquadrada, pois “os documentos públicos devem ser fiéis aos fatos da vida” (BRASIL, 2009aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 737.993-MG. Recorrente: R.N.R. Recorrido: Ministério Público de Minas Gerais. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, 2009a., p. 9). Existem dois fatos a serem constatados: primeiramente, o sexo modificado por intervenções cirúrgicas, depois, o diagnóstico de “transexualismo”.

A fantasia percorre os espectros desses discursos com aquelas experiências que atravessam as molduras com práticas de gênero que não se adequam aos sintomas da doença e não procuram a conformação da cirurgia transexualizadora. Como explica Butler (2004b)BUTLER, Judith. Undoing gender. New York: Routledge , 2004b., a fantasia é a articulação do que é possível; ela se move além do presente, dentro de um reino de possibilidade. A fantasia é o oposto da “realidade”; é aquilo que a “realidade” exclui e, como resultado, fabrica a fantasia como constitutiva outsider.

Logo, todos os sujeitos que não se adequam à “realidade” pertencem ao mundo da fantasia, e, como “práticas fantasiosas”, não podem alterar seus dados no registro, pois não dizem a verdade acerca de si mesmas. É o que ocorre com a identidade travesti. Na literatura médica, o “travestismo” é nome dado para o fetiche que uma pessoa tem em se vestir como o gênero oposto. Os sintomas do “transexualismo” não seriam verificados aqui, pois não há um sofrimento interno ligado à “inversão psíquica”, nem aversão ou desejo de mutilação dos genitais. Entretanto, as diferenças entre a transexualidade e a travestilidade encontram-se no campo da identidade, não na experiência do gênero e, por isso, existem demandas de retificação dos dados por parte de travestis (BENTO, 2006BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. e 2008; LEITE JÚNIOR, 2011LEITE JÚNIOR, Jorge. Nossos corpos também mudam: a invenção das categorias “travesti” e “transexual” no discurso científico. São Paulo, Annablume, 2011.; TEIXEIRA, 2013TEIXEIRA, Flávia. Dispositivos de dor: saberes - poderes que (con)formam a transexualidade. São Paulo: AnnaBlume, 2013.). Isso também acontece com os homens e as mulheres transexuais que não querem passar pela cirurgia transexualizadora, ou que desejam pessoas do mesmo gênero. Toda essa pluralidade de práticas e experiências ocupam o local da fantasia.

O caso de M.D.L.R. é diferente dois demais, pois não há cirurgia transexualizadora e, portanto, a “verdade corpórea” está de acordo com a verdade “documental” que se pretende retificar. M.D.L.R. encontra-se em um limite perigoso entre a “realidade” e a “fantasia”. Em meio a esse maior grau de complexidade, o caráter argumentativo dessa decisão aproxima-se e distancia-se do das demais, enredando um diálogo entre os discursos médicos e os discursos psicossociais.

Nesse caso, o sexo é entendido “como um parâmetro distintivo dos seres humanos, os quais são identificados como mulheres/fêmeas ou homens/machos, à luz de fatores biológicos, psicológicos e sociais” (BRASIL, 2017BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.626.739-RS. Recorrente: Ministério Público do Rio Grande do Sul. Interessado: M.D.L.R. Brasília, 2017., p. 13). O caráter psicossocial do sexo diz respeito à “concepção de gênero da pessoa sobre si mesma” (BRASIL, 2017BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.626.739-RS. Recorrente: Ministério Público do Rio Grande do Sul. Interessado: M.D.L.R. Brasília, 2017., p. 13). Apesar de apresentar um conceito de sexo do qual não se desvencilha completamente no percurso da argumentação, o ministro relator também trabalha com o conceito de identidade de gênero, compreendendo-a como “atrelada ao conceito de pertencimento de cada um, na sua sensação ou percepção pessoal quanto a qual seja o seu gênero” (BRASIL, 2017BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.626.739-RS. Recorrente: Ministério Público do Rio Grande do Sul. Interessado: M.D.L.R. Brasília, 2017., p. 14).

O ministro instrumentaliza categorias que se aproximam bastante do sistema sexo-gênero de Rubin (1993)RUBIN, Gayle. Tráfico de mulheres: notas sobre a “economia política do sexo”. Recife: S.O.S. Corpo, 1993. , compreendendo a transexualidade como uma experiência biológica e psicossocial, com a peculiaridade de não desvencilhar o “sexo natural” da prática do gênero, tornando-o um dos fatores a ser levado em consideração na performance. Mais uma vez o sexo aparece como um predicado pré-discursivo; a argumentação não é ainda capaz de superá-lo, ainda que precise recorrer a outras categorias não médicas para deferir a demanda.

Esse não distanciamento da linguagem médica se reflete nos conceitos de transexualidade utilizados pelo ministro. De um lado, a transexualidade é definida como “disforia de gênero” (BRASIL, 2017BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.626.739-RS. Recorrente: Ministério Público do Rio Grande do Sul. Interessado: M.D.L.R. Brasília, 2017., p. 14), nos termos do DSM-V, e de outro:

[...] os transexuais são indivíduos que repudiam a sua identidade sexual genética e morfológica, afirmando a certeza de pertencerem ao gênero oposto àquele designado no nascimento. São pessoas que se rebelam contra a anatomia sexual apresentada, por considerá-la incompatível com a identidade psíquica de gênero que possuem. (BRASIL, 2017BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.626.739-RS. Recorrente: Ministério Público do Rio Grande do Sul. Interessado: M.D.L.R. Brasília, 2017., p. 14)

Logo, mesmo o enfoque antropológico do discurso enunciado faz referência a uma compreensão médica do que seja transexualidade, tal seja, a “experiência invertida” do gênero. Na tentativa de justificar os motivos pelos quais o sexo jurídico deve ser modificado, em vez da argumentação recorrer a aspectos não biológicos, o corpo apresenta-se, a todo instante, como a torre de marfim da alma. Ademais, o gênero é sempre indicado como essa vivência individual atomizante, também substantiva e, por isso, determinativa; não algo que se faz - e que se faz em conjunto -, mas algo que se é.

Percebe-se, portanto, que nesses três casos o STJ não só não consegue se distanciar das normas de gênero, como também as reitera através do recurso constante aos discursos médicos. Essas são, sem dúvida, decisões importantes, inclusive porque atualizam as regras da comunidade de intérpretes, possibilitando que outros juízes possam resolver litígios semelhantes com base nesses processos. No entanto, os efeitos discursivos da argumentação não conseguem romper com aquilo mesmo que se apresenta como a causa da discriminação e da violência, criando um efeito cíclico no qual pessoas transexuais demandam a retificação dos dados em decorrência da discriminação, mas que no momento de enunciação do discurso são novamente violentadas com as palavras e seus poderes produtivos.

Tal problema começa a ser enfrentado de maneira mais eficaz com o julgamento da ADI 4.275 pelo STF, que, além de afirmar não haver necessidade de cirurgia de redesignação sexual ou laudo médico patologizante, permitiu que pessoas transexuais possam retificar seus dados diretamente no registro civil, como será visto a seguir.

4. ADI 4.275

Se o Direito é uma prática discursiva, isso significa que ele encontra seus sentidos no seio das lutas políticas e históricas. Logo, atravessado pelo antagonismo, o discurso jurídico não se encerra em si mesmo, estando sempre suscetível a modificações. No caso da retificação de dados no registro civil de pessoas transexuais, podemos verificar, através da análise da ADI 4.275, uma ruptura radical com determinados ideais normativos que circundavam a argumentação das decisões judiciais antes de 2018.

Ao contrário do que é percebido nos julgados do STJ, a linha argumentativa do STF não abarca concepções médicas e biologizantes acerca da transexualidade. É interessante notar que, em nenhum dos votos, a transexualidade, o gênero ou a sexualidade aparecem conceituados diretamente, ou seja, não há marcadores de sentido encerrando cada categoria. Por outro lado, esses enunciados aparecem de modo transversal em uma linguagem de direitos que reifica seus sentidos na identidade do indivíduo, ao mesmo tempo que reconhece seu poder e sua autonomia para determinar quem se é. É a partir de uma percepção marcada pelos direitos sexuais que os ministros do STF vislumbram a possibilidade de retificação dos dados de pessoas transexuais sem necessidade de cirurgia transexualizadora ou laudo médico patologizador.

Os direitos sexuais se expressam a partir de um conjunto disperso e heterogêneo de princípios, demandas, incômodos e subjetividades políticas. Trata-se, pois, não somente de afirmações perante o ordenamento jurídico, mas de articulações e solidariedade entre sujeitos sexuais (VIANNA, 2012VIANNA, Adriana. Atos, sujeitos e enunciados dissonantes: algumas notas sobre a construção dos direitos sexuais. In: MISKOLCI, Richard; PELÚCIO, Larissa (orgs.). Discursos fora de ordem: sexualidades, saberes e direitos. São Paulo: Annablume, 2012.). Entre alguns desses direitos, podemos observar o direito à atividade sexual, o direito ao prazer, o direito à autodeterminação sexual e reprodutiva, o direito à expressão, o direito à autorrealização, o direito ao consentimento sexual, o direito à livre escolha do parceiro sexual e o direito ao reconhecimento público dos relacionamentos (MONICA e MARTINS, 2017MONICA, Eder Fernandes; MARTINS, Ana Paula Antunes. Conceitos para pensar sobre política sexual no Direito brasileiro. In: MONICA, Eder Fernandes; MARTINS, Ana Paula Antunes (orgs.). Qual o futuro da sexualidade no Direito? Rio de Janeiro: Bonecker; PPGSD, 2017.).

No caso específico da ADI 4.275, afirma-se o direito à identidade de gênero com base no princípio da dignidade humana, da liberdade, da não discriminação e da privacidade. Partindo desses direitos, os ministros reconhecem a necessidade de interpretação do art. 58 da LRP de acordo com a Constituição.

Em sua argumentação, o Ministro Celso de Mello afirma que a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais para a dignidade humana de cada pessoa, não devendo ser motivo de discriminação e abuso. Nesse sentido, existiria um direito à autodeterminação do próprio gênero enquanto expressão do princípio do livre desenvolvimento da personalidade. Logo, o Estado não deveria entrar na esfera da vida individual de pessoas transexuais para determinar como devem viver seus gêneros. Isso inclui o reconhecimento e o tratamento da identidade de gênero em consonância com a autopercepção revelada pela pessoa transexual. Como consequência, a exigência de cirurgia de transgenitalização como requisito para o procedimento de adequação do nome e do sexo no registro civil mostra-se incompatível com o direito à identidade de gênero, como pode ser observado no voto do ministro:

É por tal razão que o magistério da doutrina - apoiando-seem valiosa hermenêutica construtiva e emancipadorae invocando princípios fundamentais (como o da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) - tem revelado admirável percepção quanto ao significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à identidade de gênero quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica do procedimento de adequação dos assentamentos registrais ao nome social e à imagem dos transgêneros, independentemente de prévia cirurgia de transgenitalização, em ordem a permitir que se extraiam, em favor dessas mesmas pessoas, relevantes consequências no plano do Direito e, também, na esfera de suas relações sociais, familiares e afetivas. (BRASIL, 2018, p. 3-4, grifo no original)

Nessa linha argumentativa, o gênero aparece como uma substância da identidade, campo privilegiado da esfera individual na qual o Estado não pode interferir, pois, a partir da autonomia, somente o próprio sujeito pode tomar decisões que impactem em sua identidade. Por mais que tal discurso perceba o gênero como algo pertencente à ontologia do sujeito - e não como uma prática conjunta nos termos de Butler (2004b)BUTLER, Judith. Undoing gender. New York: Routledge , 2004b. -, reconhece a possibilidade de se retificar os dados de pessoas transexuais a partir não de uma verdade médica, mas da percepção assumida e revelada por elas. Logo, quem tem o poder de afirmar ser um homem ou uma mulher diante do registro civil não é nem o Estado, nem a autoridade médica ou psicológica, mas o próprio sujeito transexual.

Em posicionamento similar, o Ministro Gilmar Mendes cita a Opinião Consultiva 24/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos ao examinar o caso Y.Y. vs. Turquia. Naquela, o CIDH afirmou que viola o direito humano e constitucional ao livre desenvolvimento da personalidade a exigência de laudos de profissionais de saúde para a retificação de dados de pessoas transexuais no registro civil, por se tratar a identificação de gênero algo relativo à profunda intimidade, razão pela qual a autodeterminação é soberana. Neste, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos decidiu que viola o art. 8 do Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais exigir que pessoas transexuais se submetam à esterilização a fim de conseguir documentos legais que reflitam sua identidade de gênero.

Aparece ainda no voto do Ministro Celso de Mello a necessidade de proteção do direito à busca de felicidade, pois ele pode ser gravemente comprometido por influência de correntes majoritárias, devendo o Estado garantir a fruição dos direitos fundamentais de grupos minoritários, conforme as próprias exigências de uma sociedade democrática. Nesse caso, por mais que haja um sério problema envolvendo o reconhecimento social da transexualidade por grupos majoritários - o que fica bastante explícito na forma como são tratadas pessoas transexuais no Brasil (SOUSA e CRUZ, 2014SOUSA, Tuanny Soeiro; CRUZ, Mônica da Silva. Transfobia mata! Homicídio e violência na experiência trans. Revista do Curso de Direito/UFMA. São Luís, ano IV, n. 8, jul./dez. 2014.; SOUSA e BATISTA, 2018SOUSA, Tuanny Soeiro; BATISTA, Gustavo Barbosa de Mesquita. Travestilidades e violência: perspectivas queer. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 26, v. 146, ago. 2018.) -, é dever do Estado garantir o exercício tanto do direito à felicidade quanto do direito à identidade de gênero.

O Ministro Edson Fachin também entende que a solução para a demanda deve necessariamente passar pela filtragem da dignidade humana e pela cláusula de abertura prevista no §2º do art. 5º da Constituição. Para Fachin, o caso transcende a análise da normatização infraconstitucional dos registros públicos, devendo ser solucionado à luz dos direitos fundamentais, de sua eficácia horizontal e dos direitos da personalidade. Além disso, a cláusula de abertura permite que o dispositivo em análise seja também interpretado conforme o Pacto de São José da Costa Rica, que, em seu art. 1º, afasta qualquer tipo de discriminação por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

O Ministro Lewandowski, em seu voto, relata a importância do reconhecimento na concretização do princípio da igualdade, especialmente no que concerne às demandas dos grupos minoritários. Partindo de Nancy Fraser e Axel Honneth, o ministro afirma que a demanda por justiça social prestigia, cada dia mais, a política de reconhecimento. O não reconhecimento pode se manifestar tanto através de atitudes preconceituosas quanto de padrões institucionalizados de valor cultural que impedem a igual participação na vida social. Levando isso em consideração, a autodeterminação dos sujeitos transexuais deve integrar o patrimônio normativo na luta por reconhecimento desse grupo minoritário. Como afirma Lewandowski: “Isso quer dizer que, numa sociedade igualitária e democrática, que respeite os direitos fundamentais, as pessoas devem ver reconhecido seu direito ao nome e ao gênero de acordo com sua autoidentificação, sem que possam ser exigidas condições irrazoáveis” (BRASIL, 2018BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade 4.275. Distrito Federal. Requerente: Procuradoria-Geral da República. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 2018., p. 6).

O reconhecimento intersubjetivo é essencial para que um sujeito tenha uma vida harmoniosa. Aliás, é fundamental para que alguém seja compreendido enquanto pessoa, enquanto humano. A humanidade, como afirma Butler (2004a)BUTLER, Judith. Precarious life: the life of mournig violence. New York: Verso, 2004a., não é algo inerente aos sujeitos, mas que depende de relações de poder a determinar as molduras epistemológicas que definem os contornos da pessoa. Todos aqueles que não manifestam os ideais normativos da humanidade nos termos definidos pelos discursos hegemônicos correm sérios riscos de serem não somente expurgados para as margens sociais, como também de serem literalmente exterminados.

Como afirmam Vianna e Lowenkron (2017)VIANNA, Adriana; LOWENKRON, Laura. O duplo fazer do gênero e do Estado. Interconexões, materialidades e linguagens. Cadernos Pagu, n. 51, 2017., a linguagem do Estado está sempre atravessada pelo gênero, assim como o gênero está sempre (re)definindo a linguagem estatal. São, por isso mesmo, mutuamente constitutivos. Dentro dessa abordagem, não podemos nos esquecer das reflexões de Bourdieu (1996BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.; 2012)BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. acerca do poder do Estado em produzir o mundo social; não é à toa que os sujeitos políticos buscam nele o reconhecimento necessário para a afirmação da própria existência, seja linguística ou material. Entretanto, tal demanda de reconhecimento não deixa de conjurar perigos, pois, como explica Mitchell (2006)MITCHELL, Timothy. Society, economy and the State Effect. In: SHARMA, Aradhana; GUPTA, Akhil (orgs.). The anthropology of the State: a reader. Malden: Blackwell Publishing, 2006., o poder disciplinar do Estado atua de forma a produzir o indivíduo moderno como sujeito isolado, disciplinado, receptivo e diligente.

O poder do Estado em produzir com as palavras a partir de uma perspectiva hegemônica de gênero pode ser bem ilustrado nas decisões do STJ anteriormente analisadas. Na busca pelo reconhecimento de sua expressão de gênero, pessoas transexuais esbarravam em produções discursivas responsáveis pela cristalização de verdades estigmatizadoras e excludentes. Por mais que, em alguns momentos, seja possível verificar uma tentativa de superação de fundamentos estritamente biológicos ou patologizantes, eram esses mesmos discursos que o STJ reiterava.

No caso do STF, percebe-se algo diferente. Podemos apontar como principal consequência a afirmação do direito à identidade de gênero, um dos que fazem parte do rol sempre em construção dos direitos sexuais. É a partir dele que surge a possibilidade de reconhecimento não somente do gênero das pessoas transexuais, como de sua própria existência. Aqui, o sexo enquanto fundamento de inteligibilidade da pessoa é completamente pulverizado, tendo em vista que o direito à autodeterminação do gênero abarca a possibilidade de reconhecimento da identidade-homem ou da identidade-mulher a partir da afirmação pessoal.

É partindo dessa ideia que os Ministros Fachin, Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello reconhecem não somente o direito de as pessoas transexuais retificarem seus dados sem a necessidade de laudo médico ou cirurgia de redesignação sexual, como também de decisão judicial, como fica claro no voto de Celso de Mello:

Julgo procedente a presente ação direta para dar interpretação, conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica, ao art. 58 da Lei 6.015/73, de modo a reconhecer aos transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil. (BRASIL, 2018BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade 4.275. Distrito Federal. Requerente: Procuradoria-Geral da República. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 2018., p. 13-14, grifo nosso)

Tira-se, portanto, da esfera judiciária o poder de decidir os destinos das pessoas transexuais no que concerne à retificação dos dados no registro civil − algo linguística e materialmente importante para essa população, tendo em vista a capacidade que o Poder Judiciário tem em reproduzir ideais normativos, além da própria demora relativa à resolução de conflitos através de processos judiciais. Entretanto, cabe frisar que nem todos os ministros decidiram nesse sentido. Foram votos vencidos o do Ministro Marco Aurélio, que considerou necessário procedimento de jurisdição voluntária, e os dos Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que exigiam autorização judicial.

Em seu voto, Gilmar Mendes afirma que o conflito entre a autodeterminação do cidadão e a proteção da higidez dos registros públicos é bastante sensível, uma vez que não há como se antever todas as consequências que a alteração no registro pode trazer, como nas relações de direito patrimonial entre particulares. Defende o ministro, por isso, que haja tanto decisão judicial para a retificação de dados de pessoas transexuais no registro civil como averbação à margem do assento de nascimento, de modo a conservar, ainda que de maneira sigilosa, algumas informações sobre os atos de registro civil originários.

Tal posicionamento encontra respaldo entre as correntes de direito civil que privilegiam a segurança jurídica em detrimento da dignidade da pessoa humana. O Código Civil Brasileiro de 2002 (CCB 2002), em consonância com os direitos fundamentais, traz positivados os direitos da personalidade que têm como intuito maior a garantia da dignidade humana. Entretanto, como observa Fachin (2012)FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil: à luz do novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2012., por mais que o CCB 2002 tenha privilegiado a pessoa através da proteção aos direitos da personalidade, continua a perpetuar fundamentos patrimonialistas através de seus três pilares de sustentação: o trânsito jurídico, representado pelas noções de contrato, obrigações e suas modalidades; as titularidades, representadas pela posse e pela propriedade; e o projeto parental, encontrado na noção de família. Nesse sentido, a “pessoa” protegida pelo Direito Civil é aquela que está enquadrada no papel de sujeito que contrata e se obriga a isso, que é senhor de titularidades, que pode realizar um projeto parental e transmitir seu legado mediante testamento. Esses três pilares se encontram espelhados em torno de um sujeito que só pode ser pensado a partir da relação jurídica.

Portanto, de um lado, Gilmar Mendes afirma o direito à autodeterminação, imprescindível para a concretização da dignidade humana, ao defender a possibilidade de retificação de dados de pessoas transexuais no registro civil sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual ou lado médico. Por outro, coloca a segurança jurídica na frente da “pessoa” ao exigir decisão judicial e averbação à margem do assento de nascimento para a proteção das relações jurídicas. De qualquer forma, restou como posição vencida.

Ainda é muito cedo para mensurar os impactos concretos que tal decisão pode trazer à vida de indivíduos trans, uma vez que outras linguagens de Estado são demandadas no cotidiano das práticas burocráticas necessárias à solicitação de retificação de dados nos cartórios de registro civil − linguagem essa que não deixa de atuar a partir de percepções hegemônicas de gênero. Entretanto, a afirmação do STF sobre a não necessidade de cirurgia de redesignação sexual ou laudo médico para a retificação de dados aparece como uma das batalhas linguísticas vencidas na luta pelo reconhecimento da identidade de sujeitos trans.

Conclusão

O presente artigo analisou três decisões do STJ em relação à demanda de retificação de dados no registro civil de pessoas transexuais. Nosso objetivo era examinar os efeitos discursivos das decisões judiciais antes do julgamento da ADI 4.275 em 2018, no intuito de observar os ideais normativos que rondavam tais decisões.

Como pudemos perceber na primeira seção, a performance de gênero está circundada de discursos hegemônicos que exigem a coerência e a continuidade entre o sexo, o gênero e a sexualidade para que uma pessoa possa ser considerada inteligível. Todos os sujeitos estão suscetíveis às normas de gênero, tendo em vista que a humanização depende fundamentalmente da produção da pessoa enquanto homem ou mulher nos termos da interpelação médica.

Nesse sentido, a transexualidade, enquanto experiência identitária que transita entre as fronteiras da feminilidade e da masculinidade, confrontando as normas de gênero, corre o risco de se tornar uma prática ininteligível, pois se constitui em contraste com as determinações de coerência e continuidade entre o sexo, o gênero e a sexualidade. Uma das formas de conferir inteligibilidade para a experiência transexual está em sua patologização, pois é através da afirmação de que se trata de uma anormalidade que precisa ser “consertada” através de cirurgia transexualizadora que se consegue legitimar um espaço dentro do discurso médico para esses sujeitos.

Ainda que a OMS tenha removido a transexualidade do rol de doenças mentais do Código Internacional de Doenças, para o CFM, a cirurgia de redesignação sexual ainda depende do diagnóstico de “transexualismo” que leva em consideração sintomas definidos pela Resolução CFM n. 1.955/2010. Tal disposição legal produz a imagem do “verdadeiro transexual”, ou seja, ideais normativos que separam as experiências transexuais legítimas − que se enquadram nos sintomas cunhados pelas verdades médicas e psicológicas − e as experiências ilegítimas − aquelas que não serão acolhidas pela medicina.

No que concerne à retificação de dados no registro civil, antes do julgamento ADI 4.275, todas as pessoas transexuais precisavam judicializar suas demandas de retificação de dados (nome e sexo) nele. Inexistindo critério legal para deferimento ou indeferimento da demanda, as resoluções dos casos dependiam, em grande parte, da exigência de cirurgia transexualizadora ou laudo médico indicando que a pessoa transexual era portadora de uma patologia.

Em meio a essa multiplicação discursiva sobre o gênero, o sexo e a transexualidade nas demandas de retificação de dados no registro civil de pessoas trans, o presente trabalho intentou analisar os ideais normativos presentes nas três decisões proferidas pelo STJ antes da decisão do STF. Nessa análise, percebemos que, ainda que o STJ tenha deferido os pedidos dos três casos (dois deles concernentes a mulheres transexuais cirurgiadas e um concernente a uma mulher transexual não cirurgiada), os sentidos do gênero, do sexo e da transexualidade não ultrapassavam os limites definidos pelos discursos hegemônicos de gênero. Isso ficou claro a partir de duas perspectivas: de um lado, nas narrativas das demandantes; e, de outro, na própria maneira como os ministros definiam tais enunciados.

No primeiro caso, é perceptível a adequação da narrativa das demandantes aos discursos médicos produtores da imagem do “verdadeiro transexual”. Nesse contexto, as demandantes afirmaram passar por uma “experiência invertida de gênero”, ou seja, que suas identidades não condizem com seu corpo, como se a matéria física masculina se apresentasse, de alguma forma, como a “prisão da alma” feminina. Logo, o sexo se manifesta como um destino fatídico que deve ser “consertado” através de procedimentos cirúrgicos. Além disso, os laudos patologizadores apresentam-se como prova (médica) cabal de que a transexualidade é “verdadeira”.

Já na fundamentação das demandas pelos ministros, é possível observar um diálogo constante entre os discursos judiciários e os discursos médicos. Estes dão sustentação para os sentidos empreendidos na argumentação das decisões. Logo, é possível perceber, especialmente nos casos das mulheres transexuais cirurgiadas, uma tendência a naturalizar o sexo, sem uma reflexão profunda acerca dos parâmetros sociais do gênero. Somente em uma decisão o gênero aparece enquanto construção social; entretanto, a experiência transexual não deixa de ser apresentada como uma doença. Aliás, essa é uma característica que se repete em todos os casos: em nenhum deles a transexualidade deixa de ser considerada uma patologia.

Portanto, a fundamentação de todas as decisões leva em consideração ideais normativos binários: há o fortalecimento do discurso de gênero hegemônico a determinar que a pessoa “normal” é aquela que possui coerência e continuidade entre o sexo, o gênero e a sexualidade. No caso das pessoas transexuais, só existe possibilidade de retificação dos dados no registro civil quando houver o reconhecimento de que se trata de pessoas doentes e anormais que necessitam viver conforme o gênero oposto ao determinado no momento do nascimento. É o sofrimento advindo da “experiência invertida” que merece ser atenuado, não o respeito à expressão do gênero.

A reprodução de tais ideais normativos pelo Direito não tem apenas efeitos descritivos. Enquanto instituição estatal, o Direito tem o poder de produzir com as palavras. Isso significa que aquilo que é enunciado através de seus ritos pode afetar materialmente a vida de pessoas transexuais, em especial no que concerne ao reconhecimento.

O reconhecimento intersubjetivo depende de relações de poder a definir as molduras epistemológicas que delineiam a imagem do humano e borram a do inumano. Nesse caso, aqueles que atravessam tais molduras ficam suscetíveis à marginalização social e à precarização da vida. Sendo os discursos judiciários, com outros discursos estatais, responsáveis pela atualização discursiva dos parâmetros dessas molduras, há o fortalecimento de determinados ideais de gênero e transexualidade que podem minar a humanidade de alguns sujeitos, contribuindo para sua ininteligibilidade social.

Por outro lado, a decisão do STF torna-se paradigmática para a comunidade trans. Não somente porque ajuda a fortalecer o direito à identidade de gênero, que faz parte do rol de direitos sexuais pelos quais há anos ativistas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e queers (LGBTQ) lutam para que sejam reconhecidos, como também porque não exige cirurgia de redesignação sexual, laudo médico ou decisão judicial para que os dados dessa população sejam retificados no registro civil. Agora, tal procedimento pode ser diretamente requisitado no cartório, o que retira do âmbito judicial a competência para decidir sobre questões linguísticas e materiais de suas vidas.

  • 1
    Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/. Acesso em: 4 jul. 2019.
  • 2
    Antes da publicação da CID-11, o CID-10 considerava, sob o nome de “transexualismo”, a transexualidade como uma doença mental. O objetivo da mudança esteve pautado na tentativa da OMS em tentar diminuir os estigmas de patologização da experiência transexual, ao mesmo tempo que possibilita a garantia de determinados cuidados médicos essenciais para essa experiência identitária.
  • 3
    O termo “transexual verdadeiro” é utilizado por Bento (2006BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.; 2008)BENTO, Berenice. O que é transexualidade. São Paulo: Brasiliense, 2008., Leite Júnior (2011)LEITE JÚNIOR, Jorge. Nossos corpos também mudam: a invenção das categorias “travesti” e “transexual” no discurso científico. São Paulo, Annablume, 2011. e Teixeira (2013)TEIXEIRA, Flávia. Dispositivos de dor: saberes - poderes que (con)formam a transexualidade. São Paulo: AnnaBlume, 2013. para se referir aos ideais médicos que circundam o diagnóstico necessário à realização de cirurgia de redesignação sexual no Brasil. Trata-se de um enunciado cujos sentidos são responsáveis pela separação existente entre as experiências identitárias que se encaixam naquilo que os médicos e psicólogos esperam ouvir e as experiências que não se enquadram nos ideais delineados pelas verdades das ciências médicas e psicológicas. Vale ressaltar que a transexualidade é uma prática identitária que se manifesta de inúmeras formas, inclusive em contraste com os ideais médicos.
  • 4
    Optamos por indicar o nome das mulheres trans somente pelas iniciais para garantir sua privacidade. Além disso, a inicial do prenome condiz com o nome social.
  • 5
    Harry Benjamin foi o médico responsável pela “descoberta” do “transexualismo”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2018
  • Aceito
    03 Abr 2019
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