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A relação público/privada na juventude mediada pelas plataformas de redes sociais digitais

Resumo

O presente artigo visa discutir, por meio de uma pesquisa exploratória e bibliográfica, as relações entre o público e o privado na vida juvenil mediada por plataformas de redes sociais digitais. O início do artigo versa sobre as principais características dessa população, para adiante explicar acerca das plataformas de redes sociais digitais e seus algoritmos. Em sua última parte, o texto aborda a relação público/privada para os jovens urbanos em suas redes sociais digitais. O principal resultado é a discussão aprofundada sobre a conflituosa relação entre as plataformas capitalistas de redes sociais digitais e a mente juvenil que pouco consegue perceber a diferença entre o que é público e o que é privado.

redes sociais; juventude; público; privado

Abstract

This article aims to discuss, through exploratory and bibliographic research, the relationships between the public and the private in the life of young people mediated by digital social media platforms. Initially, the article approaches the main characteristics of this population, and then throws light on digital social media platforms and their algorithms. The last part of the text addresses the public/private relationship for urban youths in their digital social media. The main result is an in-depth discussion about the conflicting relationship between capitalist platforms of digital social media and the young mind that barely manages to perceive the difference between public and private.

social media; youth; public; private

Introdução

O presente artigo pretende discutir a atual juventude e sua relação com o público e o privado, sempre mediados pelas plataformas de redes sociais digitais que permeiam a sociedade. Em seu início, o artigo abordará as principais características desse grupo de indivíduos, cada vez mais diverso e singular, tentando, de forma abrangente, sintetizar alguns atributos que são comuns aos seus partícipes. Em seguida, o artigo abordará as características das plataformas de redes sociais digitais e a sua orientação algorítmica e capitalista, para, só então, abordar a questão premente da relação entre a juventude e o binômio público/privado mediados pelas redes sociais.

Este texto é de caráter bibliográfico e propõe uma pesquisa exploratória ( Moreira e Caleffe, 2008MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. (2008). Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro, Lamparina. ) que visa a ampliar a discussão dos temas tanto das redes sociais digitais quanto da relação entre o que é público e o que é privado para a juventude do século XXI. Buscaram-se literaturas nacionais e internacionais, tentando traçar algumas características que, embora não se apliquem de forma individual, podem ser úteis na leitura de algumas das características da juventude atual no Brasil e no mundo.

A juventude no alvorecer da terceira década do século XXI

Parece haver poucas dúvidas que nos deparamos com uma outra cultura quando discutimos a juventude urbana nesta terceira década do século XXI. E é urgente e necessária a tentativa de compreender suas características. Do ponto de vista na nomenclatura, são várias possíveis, como Pós-millenials, Centennials , Geração i, iGen ou Geração Z ( Twenge, 2018TWENGE, J. M. (2018). iGen. São Paulo, nVersos. ). Neste texto, utilizaremos todos esses termos como sinônimos e buscaremos mapear as principais características dessa geração e de sua relação entre o que é público e o que é privado.

Naturalmente, o mapeamento de características de um grupo muito abrangente não consegue compreender ou explicitar a subjetividade do indivíduo. Ainda assim, pode ajudar na compreensão de determinadas facetas que, tanto quanto no grupo, se encontram nos sujeitos. Há, mesmo nos casos aqui apontados, matizes, diferenças, que podem ser regionais, circunstanciais ou informacionais. Entretanto, buscamos, ainda que de forma imprecisa, entender a sociedade dentro de um contexto mais amplo e, para tanto, certas generalizações precisaram ser feitas.

Normalmente as gerações são marcadas e rotuladas a partir de algum acontecimento cultural, social ou econômico que modifica características de uma grande parcela da sociedade. É dessa forma que os nascidos imediatamente após a Segunda Guerra Mundial até aproximadamente 1964 foram intitulados baby boomers e tinham como principal qualidade a esperança no futuro ( Emmanuel, 2020EMMANUEL, S. (2020). Geração Z: quem são e como se comportam os jovens nascidos na era digital. eBook Kindle. ). A geração subsequente, que nasceu entre 1965 e 1984, aproximadamente, é chamada de Geração X e teve como principal componente cotidiano a convivência com a Guerra Fria. Com a ameaça permanente de uma guerra nuclear, que dizimaria a própria raça humana da face da Terra, é uma geração muito menos esperançosa. Além disso, foi a primeira geração na qual as mulheres conquistaram seu lugar no mercado de trabalho de forma maciça, além de haver uma migração forte para as cidades. Essas duas características somadas levaram à diminuição do número de filhos na família. Do ponto de vista cultural, a Geração X teve um acesso à televisão muito maior do que a anterior, e esse equipamento foi crucial no desenvolvimento cultural desses indivíduos que eram, majoritariamente, urbanos, uma vez que até 1960 o Brasil ainda era um país majoritariamente rural ( Oliveira, 2016OLIVEIRA, S. (2016). Gerações: encontros, desencontros e novas perspectivas. São Paulo, Integrare. ).

A geração posterior surge com a queda do Muro de Berlim e o consequente final da Guerra Fria. Sem uma ameaça constante de um inverno nuclear, a geração nascida entre 1985 e 1994, chamada de Geração Y ou Millenial, é muito mais esperançosa em relação ao futuro. O ambiente em que os nascidos dessa época foram criados tinha maior otimismo e, uma vez que as famílias reduziram muito a quantidade de filhos, ficando boa parte delas com apenas um, eles tinham menos irmãos ao lado. Com isso, pode-se dizer que os frutos dessa época são mais narcisistas, seguros de si e hedonistas ( Twenge e Campbell, 2009TWENGE, J. M.; CAMPBELL, W. K. (2009). The narcisism epidemic. Nova York, Simon & Schuster. ).

A geração, porém, sobre a qual nos debruçaremos neste artigo, é aquela nascida a partir de 1995, que tem como grande divisor de águas a popularização da internet comercial. É a primeira geração que já nasceu com a rede mundial de computadores e que teve acesso aos smartphones desde muito cedo em sua vida ( Twenge, 2018TWENGE, J. M. (2018). iGen. São Paulo, nVersos. ).

Não seremos, porém, tão ingênuos a ponto de acreditar que um mero mapeamento por ano de nascimento corresponda a uma realidade objetiva. Sabemos que a realidade de uma pessoa nascida em 2001, em Sidney, na Austrália, é diferente de uma pessoa nascida no mesmo ano em La Paz, na Bolívia, por exemplo. A “geração” é muito mais definida por características socioeconômicas e culturais do que pelo simples ano de nascimento. Mais do que isso, quando são pesquisadas gerações, autores dificilmente convergem nos anos de início e final de cada etapa.

Essa dificuldade, entretanto, não entrará em nosso breve estudo. Aqui, tomaremos por base a ideia de que todas as pessoas incluídas no grupo a ser estudado já nasceram com a internet em suas vidas, e muito provavelmente sua primeira forma de distração, sua primeira chupeta digital, foi a tela de um computador ou de um smartphone . São pessoas que têm uma vida muito diferente daquela vivida pela geração imediatamente anterior à sua.

Talvez a principal característica da iGen seja se comunicar mais de forma digital do que de forma presencial. Nessa geração, a maior parte dos encontros, das amizades e das paqueras é criada e mantida por meio de uma tela de vidro brilhante. Para essa geração, o smartphone é praticamente um apêndice do corpo. Em nosso País, 96% dos habitantes possui um telefone celular, e um jovem passa, normalmente, entre nove e dezessete horas diárias conectado à internet ( DataReportal, 2020DATAREPORTAL (2020). Digital 2020: Brazil. Disponível em: https://datareportal.com/reports/digital-2020-brazil. Acesso em: 2 jun 2021.
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). Em uma análise breve, podemos dizer que, para boa parte da população, mais da metade do tempo desperto do indivíduo é filtrado por uma tela iluminada. E a maior parte do tempo no aparelho é gasta com as plataformas de redes sociais digitais.

As plataformas de redes sociais digitais são onipresentes no cotidiano de um típico jovem de classe média urbana em todo o Ocidente. Ao acordar, a primeira coisa que esse jovem faz é olhar suas redes sociais E a última, antes de dormir, é checar novamente tais plataformas. Além disso, ao longo do dia, o tempo de utilização desses ambientes é de mais de nove horas (ibid.). A internet e o smartphone são como um apêndice ao corpo juvenil.

A adolescência na terceira década do século XXI parece ser conduzida on-line . A maior parte das relações sociais é, portanto, mediada por plataformas que, como veremos, são movidas pelo engajamento e motivadas exclusivamente pelo lucro. Os jovens passam seus dias e noites interagindo com uma tela brilhante que cabe na palma na mão. Desse modo, relações de poder, amizade, afeto, amor, etc., são observadas, filtradas e manipuladas por algoritmos. Em nosso País, a maior forma de comunicação juvenil é a rede social Facebook, de propriedade de Mark Zuckerberg. A segunda maior ferramenta de interação é o mensageiro Whatsapp , também de propriedade de Zuckerberg. A terceira forma de interação é o Instagram , que, novamente, é propriedade de Mark Zuckerberg (ibid.). Assim, podemos dizer que uma empresa norte-americana sabe mais sobre os adolescentes brasileiros do que nosso próprio governo ou institutos de pesquisa. Para piorar esse cenário, a pandemia de Covid-19 deixou essas ferramentas ainda mais poderosas, uma vez que qualquer tipo de comunicação, supostamente, deveria ser feito por meio de aplicativos digitais, para evitar o convívio social e o contágio com o vírus.

Também existe uma pressão social, antes mesmo da pandemia, para a utilização das redes sociais digitais. Em 2008, quando o Facebook estava se tornando a mais utilizada plataforma de rede social digital do Brasil, ter uma conta em uma rede social digital era uma opção para um adolescente. Em 2022, parece ser uma obrigação social. Um jovem urbano sem redes sociais é um jovem silenciado, morto socialmente. Uma vez que boa parte das relações sociais são constituídas dentro da plataforma, não há escolha possível para boa parte da juventude. A comunicação mediada pelas redes parece ser obrigatória. Haja vista que a adolescência é o momento da vida no qual os indivíduos definem sua identidade e se juntam em grupos afins, é difícil evitar o uso das plataformas de redes sociais digitais. Em entrevistas, adolescentes dizem ser impossível sair das redes, pois é por lá que todos os seus amigos interagem ( Twenge e Campbell, 2009TWENGE, J. M.; CAMPBELL, W. K. (2009). The narcisism epidemic. Nova York, Simon & Schuster. ).

Há uma dificuldade enorme em socializar pessoalmente. A maior parte da socialização é feita por meio de aplicativos e aparatos digitais. Até mesmo na escola não é raro encontrar alunos que se relacionam mais com seu smartphone do que com os colegas ( Desmurget, 2021DESMURGET, M. (2021). A fábrica de cretinos digitais: os perigos das telas para nossas crianças. Belo Horizonte, Vestígio. ). Além disso, mesmo quando se relacionam em grupos presenciais, a tela brilhante do aparelho celular e a presença das plataformas de redes sociais digitais não abandonam os indivíduos. Podemos até mesmo afirmar que sempre há mais pessoas do que podemos perceber pela contagem de corpos na conversa. Parece haver sempre um ou mais corpos virtuais, que se manifestam por meio de chats, interações e memes. Podemos afirmar com relativa segurança que, por conta das plataformas de redes sociais digitais e dos smartphones, raramente os adolescentes estão em uma discussão apenas com os seus pares que se encontram fisicamente. Um casal adolescente, por exemplo, normalmente nunca está sozinho. Sempre há um ou mais smartphones ligados, com conversas paralelas.

Como as relações on-line mediadas por redes sociais têm a característica de serem mais frágeis, não é raro encontrar a crueldade em rompimentos de relacionamentos amorosos, uma vez que, para terminar um relacionamento, basta bloquear a pessoa nas plataformas sociais. Uma conversa, uma explicação não são necessárias. Basta um impiedoso bloquear, e a relação se acaba. Dessa forma, os laços, que já eram fracos por utilizarem em demasia plataformas mediadas por algoritmos, acabam sendo ainda mais rasos, já que as pessoas introjetam que esta é a forma vigente de se relacionar ( Bauman, 2004BAUMAN, Z. (2004). Amor Líquido. Rio de Janeiro, Zahar. ), surgindo uma dificuldade em forjar laços mais enraizados.

Essa fragilidade nos laços sociais pode ter outra consequência, que é insegurança e a baixa autoestima generalizada da geração i. Os laços mais frágeis somam-se à fantasia alimentada diuturnamente pelas plataformas sociais, uma fantasia de sucesso propagada pelas postagens no Facebook e pelas fotografias no Instagram ( Araújo et al., 2020ARAÚJO, R. B. de; SILVA, M. C. da; MELO, C. M. de; CÂMARA, C. M. F. (2020). Instagram e saúde mental: a influência dos padrões de beleza na autoestima de jovens. In: XVI ENCONTRO DE EXTENSÃO, DOCÊNCIA E INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 7. Anais... Quixadá, Ceará. ). Padrões de beleza e de ganhos financeiros são lidos, vistos e ouvidos por jovens que ainda não conseguem ter um discernimento muito efetivo entre aquilo que é realidade e aquilo que é um exagero promovido pela necessidade de ostentação típica da época em que vivemos, na qual público e privado se confundem, como veremos. Atingir a felicidade plena e perene parece ser um dos objetivos mais propagados pela atual indústria das plataformas de redes sociais digitais. O problema é que tal utopia não existe, e o que se tem, no entanto, são jovens cada vez mais deprimidos, uma vez que estão distantes de tais objetivos e não possuem a capacidade de crítica de avaliação da própria postagem que está observando.

As redes sociais podem ter um aspecto muito negativo na saúde mental juvenil, uma vez que aparentemente eles estão mais ansiosos e mais depressivos que as gerações passadas, e isso desde a proliferação dos smartphones e das plataformas de redes sociais digitais ( Fidalgo, 2018FIDALGO, J. M. P. (2018). O impacto das redes sociais na saúde mental dos jovens. Universidade de Lisboa. ), sendo a ansiedade, inclusive, considerada um dos grandes desastres ou riscos envolvendo as plataformas de redes sociais.

A depressão, quando em estado grave, pode levar ao suicídio, e, infelizmente, as taxas dessa prática estão aumentando assustadoramente no mundo todo desde a massificação dos smartphones , em 2011, e a utilização mais crescente da internet ( Twenge, 2018TWENGE, J. M. (2018). iGen. São Paulo, nVersos. ). No Brasil, a situação não é muito diferente, uma vez que a taxa de suicídios aumentou em mais de 250% em apenas 30 anos, com um agravamento da curva a partir dos anos 2000 ( Globo.com, 2014Globo.com. (2014). Mapa do desemprego no Brasil. EconomiA. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/83. Acesso em: 2 jun 2021.
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), quando a internet se tornou mais presente no cotidiano dos jovens. Entre 2000 e 2015, foram observadas 11.947 mortes por suicídio em adolescentes no Brasil, e estes números não parecem parar de crescer ( Cicogna, Hillesheim e Hallal, 2019CICOGNA, J. I. R.; HILLESHEIM, D.; HALLAL, A. L. de L. C. (2019). Mortalidade por suicídio de adolescentes no Brasil: tendência temporal de crescimento entre 2000 e 2015. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 68, n. 1. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0047-2085000000218. Acesso em: 2 jun 2021.
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). Há, inclusive, a crescente relevância da expressão “epidemia de suicídios” ou “suicídio contagioso”, o que mostra o tamanho do problema de saúde pública. A maior parte dos suicídios juvenis é associada ao uso da internet e, em particular, ao uso das plataformas de redes sociais digitais ( Fidalgo, 2018FIDALGO, J. M. P. (2018). O impacto das redes sociais na saúde mental dos jovens. Universidade de Lisboa. ). Parece-nos de grande importância a presença dos atores sociais no processo de mitigar tais desastres e na construção de políticas públicas relativas ao uso das plataformas de redes sociais digitais. O uso das redes e os possíveis desastres podem ir além da capacidade de pais e filhos. Em muitos casos, pode ser um problema de Estado ( Desmurget, 2021DESMURGET, M. (2021). A fábrica de cretinos digitais: os perigos das telas para nossas crianças. Belo Horizonte, Vestígio. ).

A autoimagem, muito relacionada à relação público/privada, também parece ser um problema aos jovens da terceira década do século XXI. Adolescentes historicamente têm problemas de aceitação com o próprio corpo, e isto é um processo quase que natural nessa fase da vida. Entretanto, um aplicativo como o Instagram , por exemplo, reforça um padrão de corpo inacessível para a maior parte das pessoas, o que acaba conferindo mais um grau no sentimento de inadequação e baixa autoestima no jovem. Mas não é apenas o padrão de corpo que é propagado nessa plataforma. Há também o padrão social. Casas, carros, relógios, roupas... A ostentação parece ser uma constante na timeline juvenil. Ver cotidianamente fotografias lindas, de pessoas – amigos ou desconhecidos – aproveitando hedonisticamente pode promover sentimentos de inveja e inadequação em mentes mais frágeis.

Outra característica é os jovens parecerem ser multitarefas, inclusive há um discurso muito forte na sociedade exaltando tal característica. Entretanto, a capacidade cognitiva do ser humano é limitada, e fazer mais coisas ao mesmo tempo indica apenas a superficialidade de tais ações. Um processo mecânico pode, evidentemente, ser compartilhado com outro processo mecânico. Mas um processo cognitivo complexo, uma reflexão profunda, parece-nos incompatível com a multitarefa. Assim, o jovem pensa ter uma capacidade cognitiva maior por realizar mais tarefas ao mesmo tempo, quando, em geral, parece estar perdendo parte de sua capacidade cognitiva pela dificuldade de concentração ( Bontempo, 2018BONTEMPO, V. L. (2018). Sociedade do cansaço. Sapere Aude, v. 9, Issue 17.. Rio de Janeiro, Vozes. Disponível em: https://doi.org/10.5752/p.2177-6342.2018v9n17p348-354. Acesso em: 1º jun 2021.
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). Pesquisas, inclusive, demonstraram uma forte queda no desempenho escolar pela falta de capacidade de concentração e reflexão mais aprofundadas ( Desmurget, 2021DESMURGET, M. (2021). A fábrica de cretinos digitais: os perigos das telas para nossas crianças. Belo Horizonte, Vestígio. ).

Há também um certo desinteresse com os estudos e a escola. Muito desse desinteresse se dá pela confusão entre informação e conhecimento. A escola, que durante centenas de anos foi a principal provedora de informação, já que os professores tinham acesso a mais conteúdos, não é mais a única detentora de informação. Sequer é a principal, uma vez que o Google retém muito mais informação do que todos os professores do planeta em conjunto. Mas a escola do século XXI não pode pretender ser fonte de informação. Ela deveria se pautar em ser curadora da informação, separando o que é interessante e o que não é, ao mesmo tempo, ser uma fomentadora de pensamento crítico, ou seja, uma entidade que busca alterar a percepção do indivíduo no mundo. Cada professor, em cada disciplina curricular, deve tentar fazer com que seus alunos desenvolvam um processo interno de reflexão e, por meio deste, adquiram, individualmente, o conhecimento ( Freire, 1997FREIRE, P. (1997). Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro, Paz & Terra. ).

Também não podemos esquecer os “futurólogos”, que de tempos em tempos aparecem nas televisões e nas redes sociais afirmando categoricamente que o que o jovem está aprendendo hoje será inútil daqui alguns poucos anos e que estudar é perda de tempo. Com isso, a motivação para o estudo, que é indispensável para o aprendizado, cai por terra.

Além de gastar um enorme tempo na internet e nas telas que promovem acesso às plataformas de redes sociais digitais, outra característica dos jovens da iGen é o prolongamento da infância. Há várias razões para tal. A primeira delas é o fato de ser uma geração monitorada. A maior parte dos integrantes da geração i são monitorados pelos pais desde seu nascimento. Sempre estão com seus aparelhos de telefonia celular com o modo de localização ligado, para que seus progenitores sempre possam saber onde estão e, mais, são de certa forma obrigados a indicar de tempos em tempos onde estão e o que estão fazendo. Essa geração praticamente não sai de casa sem os pais, sendo a escola (onde são monitorados por outros adultos, os professores) normalmente a única exceção ( Twenge, 2018TWENGE, J. M. (2018). iGen. São Paulo, nVersos. ).

Se há 30 anos era comum uma criança de classe média de 11 ou 12 anos pegar um ônibus sozinha para ir à escola, isso atualmente é impensável para a maioria delas. Da mesma forma que brincar solto nas ruas de uma grande metrópole parece ser inadmissível. Até a brincadeira só é possível com a supervisão de adultos ou câmeras ( Santos, 2022bSANTOS, R. O. dos (2022b). Redes sociais digitais na educação brasileira: seus perigos e suas possibilidades. São Paulo, Artesanato Educacional. ). Entendemos que existe efetivamente um aumento na violência em nosso País, mas talvez haja vigilância em excesso, o que acaba por gerar uma falta de liberdade. E com falta de liberdade e excesso de vigilância podem ser criados indivíduos medrosos. Em muitos casos, não é apenas uma imposição dos pais a falta de liberdade. É uma escolha também dos jovens, que têm medo de encarar a vida adulta e preferem aderir ao comportamento de ninho, no qual ficam protegidos sob as asas de seus pais.

A consequência desse comportamento normalmente é um prolongamento da infância, momento no qual o ser humano depende mais dos seus pais, é menos autônomo e precisa de supervisão constante.

A última das características que iremos apresentar neste breve estudo é a questão do vício comportamental que os jovens estão enfrentando no que tange às plataformas de redes sociais digitais. Já falamos anteriormente que os telefones celulares são praticamente apêndices dos corpos juvenis. Ainda que haja uma controvérsia em respeito à palavra vício, uma vez que ela se refere normalmente a drogas ingeríveis, sua definição parece ser adequada, já que vício diz respeito ao uso prolongado de substâncias ou comportamentos que causam prejuízo ou sofrimento significativos na vida do indivíduo, como não conseguir trabalhar, estudar ou se relacionar com a família e amigos. Além disso, o abuso dessa substância ou comportamento coloca o indivíduo em situações perigosas, e o sujeito acha-se incapaz de controlar seu consumo ( Barlow e Durand, 2008BARLOW, D. H.; DURAND, V. M. (2008). Psicopatologia: uma abordagem integrada. Stamford, Cengage Learning. ).

Com essa definição, podemos entender, então, o uso excessivo e prejudicial das plataformas de redes sociais digitais como um vício comportamental. Nesse caso, há dois graves problemas. O primeiro deles é que a sociedade tem muita dificuldade em aceitar que existam vícios comportamentais ( Alter, 2018ALTER, A. (2018). Irresistível. São Paulo, Objetiva. ). Como a maior parte das pessoas utiliza as plataformas cotidianamente e não se vicia, há uma tendência a acreditar que não é possível se viciar, portanto não se toma nenhuma providência quando as situações fogem do controle, não procurando ajuda médica ou psicológica. O outro problema parece ser ainda mais grave, uma vez que é praticamente impossível viver no século XXI sem plataformas de redes sociais digitais. Com a pandemia de Covid-19 isso ficou muito evidente. Uma pessoa urbana sem acesso às redes praticamente estava fadada a ficar sem emprego.

Para a geração Z, na maior parte das vezes, a vida on-line é mais importante que a vida real ou, no mínimo, tão importante quanto. A fronteira entre o que é virtual e o que é real está a cada dia que passa mais borrada, mais difusa. Tirar um smartphone de um adolescente é como alijá-lo de pelo menos metade da sua vida e, na maior parte das vezes, de mais do que isso. É tirar sua identidade, sua forma de se relacionar, seu contato com o mundo. Para o adolescente do século XXI, a maior parte de suas relações públicas e privadas é mediada por uma caixa brilhante com aproximadamente seis polegadas, que carrega consigo as redes e os algoritmos necessários à sua sobrevivência social.

Plataformas de redes sociais digitais e algoritmos

Neste ponto, é necessário fazer uma distinção entre rede social e plataforma de rede social digital. Isso porque todo agrupamento recorrente de seres humanos pode ser chamado de rede social. Uma rede social é um emaranhado de conexões que liga múltiplos indivíduos que possuem alguma forma de vínculo social. As redes sociais possuem múltiplas dimensões, tais como tamanho, densidade, integração dos contatos, dispersão geográfica, enraizamento social, simetria e homogeneidade entre os membros ( Martino, 2016MARTINO, L. M. S. (2016). Teorias das mídias digitais: linguagens, ambientes e redes. Temática, v. 12, n. 5. Petrópolis, Vozes. ). A relação que as redes sociais promovem nos indivíduos é pautada pela dinâmica entre eles e a flexibilidade de sua estrutura. Normalmente não possui uma hierarquia muito rígida, ao passo que seus laços são criados e adensados por interesses mútuos, além de tender a serem mais fluidos, com mais fácil criação e dissolução.

Com isso, podemos dizer que as redes sociais são “o conjunto das relações que um indivíduo faz com outros indivíduos e estes com o primeiro, normalmente mediadas por uma estrutura relativamente flexível” ( Santos, 2022bSANTOS, R. O. dos (2022b). Redes sociais digitais na educação brasileira: seus perigos e suas possibilidades. São Paulo, Artesanato Educacional. , p. 52). E é na dinâmica dos sujeitos que a rede social efetivamente se constrói. É com base nos indivíduos que a rede vai ser maior ou menor, mais abrangente ou mais exclusiva, por exemplo. Podemos então dizer que as redes sociais são moldadas pelos seus participantes, ao mesmo tempo que molda aqueles que dela participam, em um processo de reflexão e refração já estudado pela semiótica ( Bakhtin, 2006BAKHTIN, M. (2006). Estética da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes. ).

Assim, podemos afirmar que as primeiras redes sociais surgiram há muito tempo, desde os primeiros agrupamentos humanos que interagiam com outras comunidades. Do ponto de vista histórico, as primeiras redes sociais, portanto, foram forjadas pelo comércio, depois as cidades, a fábrica, a escola e assim por diante ( Santos, 2022bSANTOS, R. O. dos (2022b). Redes sociais digitais na educação brasileira: seus perigos e suas possibilidades. São Paulo, Artesanato Educacional. ).

Há algo de novo no horizonte, porém, quando falamos de plataformas como Facebook ou Twitter . Nesse caso, o senso comum e a mídia costumam atribuir o rótulo de redes sociais a essas empresas capitalistas. Preferimos, porém, utilizar o termo plataformas de redes sociais digitais, uma vez que são distintas das outras formas de redes sociais conhecidas até seu surgimento. Uma plataforma de rede social digital é “suporte digital, normalmente com fins lucrativos, que agrega inúmeros recursos e atua como centralizador das redes sociais de pessoas e entidades” (ibid., p. 45).

A primeira e mais importante distinção é que são digitais, virtuais, ou seja, precisam de um suporte eletrônico para poderem existir. Equipamentos digitais trabalham em uma díade binária de zero e um. Dentro de um aplicativo qualquer, são escritas instruções que, ao fim e ao cabo, são convertidas em zeros e uns no interior da máquina para realizar uma operação. Essas instruções são chamadas de algoritmos.

O termo algoritmo deriva do nome do persa Muhammad ibn Mûsâ al-Khowârizmi, matemático que escreveu um dos primeiros textos do mundo antigo, o Kitab al-jabr wa’ l-muqabala ( Leavitt, 2009LEAVITT, D. (2009). O homem que sabia demais: Alan Turing e a invenção do computador. Ribeirão Preto, Novo Conceito. ). Centenas de anos depois, o matemático inglês Alan Turing define algoritmo como um conjunto não ambíguo e ordenado de passos executáveis que definem um processo finito ( Turing, 1936TURING, A. M. (1936). On computable numbers with an application to the Entscheidungs problem. Artificial Intelligence and Law. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10506-017-9200-2. Acesso em: 3 jun 2021.
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). Assim, pode-se dizer que um algoritmo é uma enorme fórmula matemática, um conjunto de regras e procedimentos lógicos definidos que leva à solução de um problema. As plataformas de redes sociais digitais, como todos os demais aparatos digitais, são forjadas pelos algoritmos.

Os utilizadores, porém, não veem esse sistema. Apenas o utilizam. O que as pessoas da geração i desejam é participar das interações sociais promovidas pelo algoritmo utilizado pela plataforma. E, mais ainda, as pessoas sequer percebem a plataforma. A face apresentada a elas é apenas a dos amigos e conhecidos em busca de interações mútuas.

O principal objetivo dessas plataformas, que são capitaneadas por empresas multimilionárias, é o lucro advindo da publicidade. Essa publicidade, por sua vez, é entregue aos utilizadores das plataformas de maneira individualizada. Graças aos dados inseridos pelos usuários na plataforma, esta consegue filtrar quase que individualmente os anúncios a serem publicados na timeline do utilizador. Por exemplo, um homem solteiro, na casa dos 20 anos, não receberá propaganda de fraldas, da mesma forma que uma mulher provavelmente não receberá anúncios de transplante de cabelos. Mas os algoritmos vão muito além desses exemplos simplistas que ilustram de forma grosseira o procedimento, já que os algoritmos conseguem ser tão precisos que podem aprender exatamente o que a pessoa deseja consumir, de forma que é praticamente impossível escapar ao apelo publicitário, como veremos adiante.

Tudo o que é feito nas plataformas é rastreado por elas. Cada fotografia olhada no Instagram , cada curtida no TikTok , a minutagem de cada vídeo assistido no YouTube é capturada pelos algoritmos. As plataformas têm um refinamento tão grande que até mesmo sabem quanto tempo o mouse ficou parado em uma notícia ou a barra de rolagem de um smartphone estancou para acompanhar uma piada ( Sumpter, 2019SUMPTER, D. (2019). Dominados pelos números. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. ).

Com essa quantidade incomensurável de dados (também chamado Big Data ) as empresas sabem mais e mais de seus utilizadores a cada instante, podendo gerar perfis muito detalhados de cada um de seus usuários. A plataforma Facebook , por exemplo, consegue avaliar aqueles que estão na plataforma em até 100 dimensões diferentes. Um ser humano, na melhor das hipóteses, consegue avaliar 10 ou 15 ( O’Neil, 2020O’NEIL, C. (2020). Algoritmos de destruição em massa. Santo André, Editora Rua do Sabão. ). Supercomputadores processam tais algoritmos e acabam por conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos, conhecendo sutilezas que provavelmente a pessoa desconhece. Mais do que isso, os algoritmos conseguem prever o que o usuário deseja. É, dessa forma, que plataformas de música como Spotify, Deezer ou Tidal conseguem fazer seleções de canções para serem escutadas posteriormente pelo apreciador da música. O algoritmo consegue analisar, em fração de segundos, as batidas por minuto da canção, o estilo vocal da obra ou a energia da música para entregar outras com similitudes que consigam agradar o usuário. E retê-lo cada vez mais dentro da plataforma.

Tais algoritmos são a força motriz por trás das chamadas Big Techs , ou seja, as empresas do ramo de tecnologia, normalmente sediadas nos EUA que exercem grande influência no Ocidente. Esses algoritmos, entretanto, são segredos valiosíssimos e guardados de forma que são enormes caixas pretas às quais cidadãos ou mesmo entidades sequer têm acesso (ibid.). O que as pessoas conseguem perceber são apenas inputs e outputs , entradas e saídas, sendo vedados, à sociedade, os modos de processamento.

Essas fórmulas matemáticas, portanto, acabam conseguindo prever o comportamento daqueles que as utilizam e, mais, emitem julgamentos. Por serem máquinas, os julgamentos são frios e arbitrários (ibid.). No mundo real, analógico, pessoas fazem juízo de outras pessoas a partir de dados, mas também de conjunturas, juízos morais específicos de determinada comunidade e outra sorte de sentimentos. Mais ainda, somos vistos como falhos, e existe nobreza no ato de se desculpar. Os julgamentos humanos são quentes e emocionais. Um algoritmo analisa os dados de uma pessoa e emite um veredito, sem possibilidade de redenção. E como os dados, uma vez registrados na rede mundial de computadores, não são nunca apagados, milhares de pessoas hoje estão pagando por uma atitude que tomaram em anos passados, sem que o algoritmo tenha a capacidade de entender que a pessoa pode ter mudado sua forma de pensar. Não à toa um grupo espanhol se rebelou contra a gigantesca Google pelo direito de ser esquecido ( Zuboff, 2019ZUBOFF, S. (2019). The age of surveillance capitalism. Londres, Profile Books. ). O jovem, sabendo que existe a possibilidade de sempre ser julgado, acaba desenvolvendo o comportamento dos prisioneiros do panóptico de Bentham ( Foucault, 1987FOUCAULT, M. (1987). Vigiar e punir. Petrópolis, Vozes. ), ou seja, se autocensurando.

Os algoritmos, sempre na luta por fazer com que seus utilizadores permaneçam mais tempo dentro da plataforma, acabam sempre apresentando aquilo no que a pessoa mais se engaja, ou seja, aquilo que retém mais seu tempo na plataforma, um conteúdo que ela ama ou um conteúdo que ela odeia. O importante é interagir, é ser tocado pela estrutura algorítmica e não sair da plataforma. Com isso, são promovidas duas estruturas que são muito danosas ao próprio tecido social. As chamadas bolhas-filtro e a caixa de ressonância digital ( Bartlett, 2019BARTLETT, J. (2019). The people vs. tech. Londres, Penguin Books. ).

A bolha-filtro é a maneira como o algoritmo acaba por fazer com que seus utilizadores fiquem apenas dentro de um espectro. Uma vez que o usuário, por meio de likes, deslikes e comentários vai definindo o que gosta e o que não gosta, o algoritmo vai aprendendo o que engaja e o que não engaja e entregando para esse determinado indivíduo mais e mais conteúdo que o mantenha preso na plataforma. A partir daí, notícias ou ideias diferentes daquilo que o engaja são sistematicamente afastadas do olhar do usuário, que, de forma quase que natural, passa a acreditar que existe apenas um campo correto: aquele em que está inserido ( Lanier, 2018LANIER, J. (2018). Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais. Rio de Janeiro, Intrínseca. ). Podemos então dizer que a plataforma vai iludindo, pouco a pouco, cada um de seus usuários, fazendo com que haja uma dissonância enorme entre a realidade do mundo físico e a realidade do mundo virtual. Entretanto, quanto mais tempo as pessoas – em especial os mais jovens – passam diante das plataformas, mais o mundo virtual vai englobando o real, e mais complexa vai ficando essa relação.

O outro elemento é a chamada caixa de ressonância digital, que atua em conjunto com a bolha-filtro. Esse construto social acaba por amplificar o que o indivíduo fala nas redes sociais digitais, uma vez que promove o encontro de pessoas com ideias e preconceitos semelhantes. Assim, uma pessoa com ideias preconceituosas vai encontrar, em seu canal de distribuição de notícias, centenas, talvez milhares de pessoas com as mesmas ideias, e a voz dessas pessoas, tal qual uma montanha com eco na qual o visitante não para de gritar, vai se amplificando, até não haver mais possibilidade de existir uma voz dissonante.

Por isso, diversos autores apontam que os algoritmos das plataformas de redes sociais digitais estão alterando o tecido social ( Bartlett, 2019BARTLETT, J. (2019). The people vs. tech. Londres, Penguin Books. ; Zuboff, 2019ZUBOFF, S. (2019). The age of surveillance capitalism. Londres, Profile Books. ; O’Neil, 2020O’NEIL, C. (2020). Algoritmos de destruição em massa. Santo André, Editora Rua do Sabão. ; Bridle, 2019BRIDLE, J. (2019). A nova idade das trevas - A tecnologia e o fim do futuro. São Paulo, Todavia. ; Lanier, 2018LANIER, J. (2018). Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais. Rio de Janeiro, Intrínseca. ) e, em muitos momentos, até mesmo destruindo a própria convivência possível. Com as caixas de ressonância digital e as bolhas-filtro, as certezas aumentam na cabeça das pessoas, ao mesmo tempo que as dúvidas são dirimidas. Sem dúvidas acerca de seu posicionamento, surge o radicalismo. E, com ele, a polarização. Com a polarização, a ruptura. E as pessoas desenvolvem uma dificuldade extrema em aceitar a opinião alheia contrária à sua ( Castells, 2018CASTELLS, M. (2018). Ruptura. Rio de janeiro, Zahar. ), o que vai impactar diretamente na relação público/privada dos mais jovens. Qualquer pessoa que passe muito tempo nas plataformas de redes sociais digitais perde, aos poucos, sua capacidade crítica de enxergar o mundo.

Não queremos, porém, apenas demonizar os algoritmos. É importante frisar que eles podem ser de extrema utilidade e realmente fizeram mudanças muito benéficas na sociedade. Atualmente, qualquer estudante pode pesquisar termos ou conceitos com uma agilidade jamais vista. Sabemos que há algumas restrições nesse comportamento, como, por exemplo, a homogeneização das respostas e a resposta rápida com pouca reflexão, mas não se pode negar que um adolescente, ao se deparar com um problema complexo, pode utilizar os algoritmos das plataformas de redes sociais digitais, como o YouTube ou o Twitter , para ter mais conteúdo sobre determinado tema e, assim, buscar um entendimento maior. No outro extremo, uma ferramenta como o Google Acadêmico pode proporcionar a pesquisadores mundo afora uma rápida triagem em artigos acadêmicos sobre determinado tema, o que seria virtualmente impossível até a invenção da internet , quando as pesquisas eram mais descentralizadas, e o pesquisador tinha que se deslocar para conseguir uma cópia do material. Há também uma democratização do acesso. Até a proliferação de tais algoritmos, era necessário que um pesquisador estivesse em uma cidade grande, um polo pesquisador que possuísse uma grande e variada biblioteca. A pesquisa era, em maior ou menor grau, circunscrita também geograficamente ( Chartier, 1999CHARTIER, R. (1999). A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo, Unesp. ).

Os algoritmos mexeram profundamente também com os movimentos de minorias, que nunca tiveram tanta exposição e visibilidade. Movimentos que historicamente sempre foram marginalizados, cada dia que passa, conseguem mais luz para suas causas, com suas batalhas cada vez mais visíveis à sociedade, crescendo em tamanho e em exposição, gerando um círculo virtuoso no qual mais pessoas são engajadas e contam suas histórias e lutas, visando diminuir o preconceito e promover uma sociedade mais igualitária. Em muitos casos, impulsionados pelos algoritmos, discursos privados tornam-se públicos e discursos semelhantes obtêm voz e se reforçam mutuamente.

Entretanto, ainda que os algoritmos possam, em determinadas condições, ser benéficos, a função básica deles é promover o engajamento.

Engajamento é, portanto, o termo utilizado pelas plataformas de redes sociais digitais para estimar o tempo que cada usuário fica conectado, olhando, interagindo, consumindo, criando e manipulando conteúdo. Técnicas de engajamento, como as produzidas pelos algoritmos, servem para que os indivíduos passem o maior tempo possível imersos dentro da plataforma escolhida e interajam o máximo possível, uma vez que a interação garante a permanência. Podemos afirmar, portanto, que uma pessoa está mais ou menos engajada com determinada plataforma com base na quantidade de tempo que ela ali permanece e na quantidade de interações – sejam elas passivas, como assistir a um vídeo, ou ativas, como comentar em uma postagem – realizadas ( Santos, 2022aSANTOS, R. O. dos (2022a). Algoritmos, engajamento, redes sociais e educação. Acta Scientiarum Education, v. 45, pp. 1-19. ).

E as empresas esforçam-se para garantir maior engajamento, pois é, a partir da quantidade de tempo e do tipo de interação, que se conseguem mais dados dos indivíduos. É a partir desses dados que se têm o modus operandi das empresas e sua razão capitalista. Os dados do consumidor são a moeda dessas empresas. Seu modelo de negócios consiste na venda de publicidade, o que não é desconhecido, haja vista que o rádio já o fazia no início do século XX. As pessoas ouvem programas e músicas gratuitamente e, em troca, precisam também escutar peças comerciais. A diferença, no caso das plataformas de redes sociais digitais, é que elas oferecem uma propaganda ultradirecionada. Conforme os usuários vão alimentando determinada plataforma com uma miríade de informações, e de todos os tipos possíveis, como sua localização ao longo do dia, por meio do GPS, o crescimento dos filhos, por meio das fotos, o padrão de vida, por meio de compras on-line , e fotos de viagens e até mesmo seus hábitos alimentares, por meio de fotografias e de busca de receitas, mais e mais os algoritmos vão aprendendo sobre o indivíduo, e mais certeiras as propagandas serão.

Se, na televisão, por exemplo, todos têm que assistir ao mesmo comercial durante a novela, na plataforma de rede social digital, cada usuário tem as propagandas que supostamente mais lhe interessam, que são escolhidas graças ao seu modo de vida previamente capturado pelos algoritmos, a partir dos dados inseridos pelo próprio usuário diuturnamente nas plataformas, como já mencionamos no exemplo do jovem que provavelmente não receberá propaganda de fraldas. Com isso, temos o que Zuboff (2019)ZUBOFF, S. (2019). The age of surveillance capitalism. Londres, Profile Books. chama de capitalismo de vigilância, uma invasão de privacidade nunca antes vista na história da humanidade. A experiência humana acaba por se transformar em material gratuito para extração de dados com vistas a vendas publicitárias (ibid.). Ou seja, a vida privada dos indivíduos é invadida para que poucas empresas consigam lucrar o máximo possível, já que a assertividade das propagandas se torna altíssima, uma vez que os anúncios são feitos apenas para as pessoas que tenham demonstrado, de alguma maneira, potencialidade de compra ou utilização do produto ou serviço oferecido.

A manipulação dos dados por meio dos algoritmos é tamanha que podemos afirmar que cada usuário possui uma plataforma diferente nas suas mãos quando entra em uma rede social. A partir dos dados fornecidos pelo próprio indivíduo, é gerada uma nova plataforma, individualizada, com potencial cada vez maior para o engajamento. A cada nova inserção de dados ou manipulação de conteúdo existente, mais o algoritmo sabe sobre a pessoa e melhor consegue prever o que a engajará. E, com mais engajamento, como já dissemos, mais efetiva a publicidade gerada especificamente para aquele sujeito ( Sumpter, 2019SUMPTER, D. (2019). Dominados pelos números. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. ).

Há ainda o fato de os algoritmos buscarem o tempo todo o engajamento para que as pessoas entreguem cada vez mais das suas vidas pessoais. Assim, provocam reações e incitam os indivíduos a inserir mais e mais dados, que são tratados, manipulados e reforçados, com o intuito de que o sujeito fique inserido naquele mundo promovido pela plataforma, esgarçando a linha entre o público e o privado. Tal linha, em muitos momentos, é simplesmente rompida, e a vida pública e a vida privada tornam-se a mesma coisa, misturam-se, como veremos.

Relação público/privada mediada pelas plataformas de redes sociais digitais

Se, nas gerações anteriores, havia uma diferença clara entre o que era público e o que era privado, o mesmo não ocorre na geração i. Para as pessoas nascidas há mais tempo, existia uma clara barreira física que dividia essas duas esferas da vida do indivíduo. O privado era o que ocorria entre as quatro paredes da casa e público, o que era demonstrado fora desse ambiente, nas ruas e nos estabelecimentos comunais, como a igreja, a escola ou a praça. Sempre, entretanto, houve necessidade de registrar os acontecimentos privados. Daí vieram os diários íntimos, que eram escritas invioláveis da pessoa para ela mesma no futuro. Os diários só poderiam ser abertos por outrem depois da morte de seu escritor ou após um período determinado ( Schittine, 2004SCHITTINE, D. (2004). Blog: comunicação e escrita íntima na internet. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. ).

Atualmente, porém, a existência de vidas privadas serem ou se tornarem públicas é cada vez mais comum. Em uma breve consulta na programação de canais de televisão, podemos perceber a quantidade de programas no estilo reality show, ou seja, programas que mostram as intimidades de seus participantes para uma plateia que deseja cada vez mais o contato com o privado, com o íntimo dos personagens que estão se desenvolvendo na tela. E isso não se dá apenas com participantes de programas de qualidade duvidosa, mas também com qualquer tipo de profissional que precise de exposição. Atualmente podemos dizer que todos os jovens atores e atrizes precisam – imperiosamente – ter contas em plataformas de redes sociais digitais e mostrar sua intimidade. Sua casa, sua família, o que come. Os esportistas também não escapam, e a manutenção de patrocínios está condicionada à presença maciça nas redes sociais. Comediantes, professores, músicos, arquitetos, psicólogos são escrutinados diariamente por meio das postagens que inserem nas plataformas. A máxima “quem não é visto não é lembrado” parece ter se transformado em “quem não tem conta em rede social digital não existe”. E, nessa conta, é obrigatória a inclusão de suas intimidades, sob a pena de não ser interessante e, portanto, perder público e dinheiro.

Tal qual o mundo distópico de Orwell (2018)ORWELL, G. (2018). 1984. São Paulo, Companhia das Letras. , os cidadãos têm suas vidas escrutinadas diariamente por outras pessoas. Mas, diferentemente da obra escrita em 1949, não é um governo totalitário que invade a privacidade, e sim as outras pessoas, os outros cidadãos da mesma comunidade. Podemos dizer que os membros da iGen vivem em um gigantesco panóptico onde todos vigiam todos, e não há privacidade. A sociedade atual não precisa de um “Grande Irmão”. Ela já faz esse papel.

Mas a perda da privacidade expõe cada vez mais as pessoas ao capitalismo de vigilância ( Zuboff, 2019ZUBOFF, S. (2019). The age of surveillance capitalism. Londres, Profile Books. ), ou seja, a perda da privacidade ajuda empresas capitalistas a venderem mais e mais produtos, explorando não apenas aquilo que é de caráter público, como instrumentos para o trabalho do indivíduo ou produtos genéricos, mas sim explorando o desejo íntimo de cada pessoa por produtos e serviços.

Assim, as plataformas forçam cada vez mais as pessoas a se expor. E, assim como o esportista que perde seu patrocínio se não expuser sua vida íntima, os jovens imaginam que serão relegados ao limbo, caso não façam o mesmo. Os adolescentes do século XXI expõem-se cotidianamente, pois, do ponto de vista deles, quem não se expõe não tem vida, se não está registrado, não existiu ( Twenge, 2018TWENGE, J. M. (2018). iGen. São Paulo, nVersos. ). De certa forma, parte da memória foi transferida para as plataformas de redes sociais digitais. E a memória é sempre algo íntimo. Se a memória é coletiva, não há intimidade, e quem ganha com isso são as grandes empresas que manipulam desejos de consumo dos mais jovens, ou seja, a atual geração está perdendo sua intimidade graças a uma necessidade nefasta de lucro por meio da publicidade. O que deveria ser informação reservada apenas ao indivíduo e seu círculo mais interno de convivência acaba sendo escancarado para o mundo.

Com essa noção um pouco borrada do que é público e do que é privado, em muitos casos supostos segredos de adolescentes são descobertos pelos seus pais, por meio da ação dos algoritmos que, buscando oferecer produtos, acaba denunciando os atos de seus utilizadores. É como o pai que descobre que a filha adolescente está grávida por conta dos anúncios de fraldas pipocando na tela.

A divisão entre público e privado está de tal forma modificada, que sequer uma reunião de amigos consegue ser íntima. Não há mais convívio social entre um pequeno grupo. O que existe é sempre um pequeno grupo com presença presencial, com um grupo muito maior de pessoas que está no smartphone , também participando daquele momento. Basta olharmos adolescentes em qualquer shopping center de qualquer grande cidade do País ou grupos de pessoas interagindo entre si e também com outras pessoas e grupos por meio do smartphone . Como já dissemos, o smartphone existe como uma extensão do corpo juvenil.

Mais íntimo que uma reunião de amigos é o contato sexual. E este também se modificou com a entrada maciça dos aplicativos de smartphone que promovem encontros entre pessoas. Se o ato da paquera já foi valorizado, e boa parte da produção artística mundial concentrou-se na sedução, atualmente, para muitos dos partícipes da iGen, é apenas uma escolha entre milhares ou milhões de possíveis parceiros. A pessoa, então, escolhe com quem gostaria de sair a partir de um breve texto e de muitas fotografias. Devemos salientar que fotografias são imagens com apenas duas dimensões, e mesmo estas são alteradas ( Flusser, 2019FLUSSER, V. (2019). Filosofia da Caixa Preta. Journal of Chemical Information and Modeling, v. 53, n. 9. São Paulo, É realizações. ). Na imagem visualizada na tela do smartphone não temos condições de avaliar corretamente sequer altura e largura. Muito menos outras dimensões mais importantes em uma relação amorosa ou sexual, como o cheiro, o toque da pele ou o timbre da voz.

Para obter vantagem competitiva perante os demais possíveis parceiros, o que acaba acontecendo é uma avalanche de informações íntimas – que deveriam ser privadas e descobertas aos poucos, caso a parceria desse certo – de uma só vez. Os jovens buscam realizar uma exposição da sua vida íntima e, em muitos casos e em muitos aplicativos, inclusive de seus corpos.

Ainda que a nudez não seja mais um tabu como já foi outrora, muitas pessoas não se sentem confortáveis em divulgar imagens sensuais. Entretanto, dada a voracidade dos algoritmos e das plataformas, sentem-se impelidas a isso, sob a pena de não conseguirem encontrar parceiros dentro dessas plataformas. Com tamanha exposição, um dos principais fatores do erotismo, que é a curiosidade, sofre um abalo. A privacidade do encontro ao vivo, notadamente um primeiro encontro, é de certa forma esvaziada pela privacidade que foi perdida ( Twenge, 2018TWENGE, J. M. (2018). iGen. São Paulo, nVersos. ).

Além disso, um dos fatores de maior ansiedade anterior a um primeiro encontro sexual é o constrangimento de se mostrar nu para a outra pessoa e, ao mesmo tempo, ver o corpo do outro também despido. Esse momento de tensão é parcialmente aliviado pela falta de privacidade em mensagens que exploram, antes mesmo da visão presencial, o corpo nu. Não é incomum entre jovens a troca de fotografias sem roupa, os chamados nudes ( Santos, 2022bSANTOS, R. O. dos (2022b). Redes sociais digitais na educação brasileira: seus perigos e suas possibilidades. São Paulo, Artesanato Educacional. ). Normalmente um casal jovem se encontra nu presencialmente depois de já ter apreciado fotografias sem roupa.

A relação sexual, porém, já desde o final do século passado, não garante intimidade. Se antes a relação sexual era o ápice da intimidade de um casal, a partir dos anos 1970, passou a ser uma primeira tentativa de intimidade, ou seja, um casal pode fazer sexo , mesmo assim, não ser íntimo; ao mesmo tempo que se pode ter intimidade com alguém sem nunca ter mantido relações sexuais ( Bauman, 2004BAUMAN, Z. (2004). Amor Líquido. Rio de Janeiro, Zahar. ). Há, entre uma relação sexual e um relacionamento íntimo, uma distância cada vez maior.

O relacionamento, então, só será íntimo quando efetivado em público. Se no século XX tornar o relacionamento público significava apresentar o companheiro ou companheira para os pais e amigos, no século XXI o que importa é colocar o status de relacionamento na plataforma de rede social digital. O que antes era um fato que levava certo tempo para ser conhecido pela comunidade, agora é instantâneo.

Outra característica típica dos tempos de exposição maciça da vida privada é a desnecessária e constante atualização de localização e bens de consumo. Jovens parecem ter a necessidade de registar tudo o que acontece em suas vidas, como já dissemos. Mas essa necessidade de divulgar onde está, o que está fazendo e quais seus bens de consumo parece contrastar com a segurança que eles demandam. No século XXI é muito mais comum, para o jovem de classe média urbano, ser levado para a escola ou para qualquer atividade por um de seus pais do que chegar lá por meio de uma caminhada, um ônibus ou algum outro tipo de instrumento de mobilidade ( Twenge, 2018TWENGE, J. M. (2018). iGen. São Paulo, nVersos. ). Mas, ao mesmo tempo que os jovens têm medo de sair na rua, divulgam seu modo de vida nas plataformas de redes sociais. Se pensarmos na violência urbana, a possiblidade de assalto, que diminui com a proteção do carro dos pais, aumenta quando se divulgam publicamente tudo o que se tem e quais seus hábitos. Para um criminoso, basta vigiar a conta das plataformas de redes sociais digitais por algum tempo para saber todos os hábitos e qual o melhor local e momento para uma abordagem criminosa.

É importante destacar que a humanidade nunca ficou tão exposta, ou pelo menos com tanta possibilidade de exposição. E a internet nunca esquece. Mesmo as informações mais inúteis publicadas não são apagadas. Esse assunto é tão importante que chegou a provocar um levante espanhol contra a maior empresa de buscas na internet em 2011 ( Zuboff, 2019ZUBOFF, S. (2019). The age of surveillance capitalism. Londres, Profile Books. ). A argumentação desse grupo de pessoas é que é indispensável que a privacidade dos indivíduos volte a ser privada, caso eles assim desejem. Mas não é isso que ocorre nas plataformas de redes sociais digitais. Até mesmo excluir uma conta é algo complexo. Apagar mensagens ou ideias muito antigas pode se tornar uma tarefa hercúlea, e dificultada pela plataforma que, afinal, lucra com a quantidade de conteúdo existente em seus bancos de dados.

Sabemos que cada indivíduo deve ser responsável por aquilo que insere na plataforma de rede social, da mesma forma que é responsável pelos documentos que assina e pelas palavras que profere. Entretanto, a própria estrutura de rede social parece dificultar essa compreensão. O que as pessoas veem é uma tela opaca, na qual não conseguem perceber nem o outro que fica além da tela, nem a própria ação e as possíveis consequências destas ( Schittine, 2004SCHITTINE, D. (2004). Blog: comunicação e escrita íntima na internet. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. ).

Essas características das plataformas somadas às características típicas da juventude formam um caldeirão de arrependimentos, já que a juventude é um tempo notoriamente conhecido pela experimentação e pelas decisões erradas, tomadas, em geral, pela inexperiência e impetuosidade. O arrependimento que existia em um baby boomer, por exemplo, podia durar algum tempo, até que todos esquecessem o ocorrido. Isso não ocorre mais. As falhas de um centennial estão escancaradas para que todos possam ver, a qualquer dia e hora. O arrependimento está o tempo todo presente, podendo provocar sérios danos na estrutura psíquica do sujeito.

Quando público e privado se amalgamam, há um distúrbio na sociedade. Os papeis sociais confundem-se, da mesma forma que a mente dos jovens. Ao contrário do que se pode imaginar, ao grudar o público e o privado, a sociedade não produz mais sabedoria. O que percebemos é um crescimento de crendices que anteriormente eram relegadas ao seio de alguns grupos, atingindo níveis alarmantes, como o caso das pessoas que acreditam que o planeta Terra é plano ou que vacinas provocam autismo ( Sumpter, 2019SUMPTER, D. (2019). Dominados pelos números. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. ). Ao mesmo tempo, os jovens estão sendo impelidos a publicizar mais e mais suas vidas, e sendo vigiados não por um governo totalitário, como em 1984 de Orwell, mas por seus pares. Um garoto do século XXI é constantemente vigiado pelos amigos, colegas de escola, professores, pais, etc. E não há saída, uma vez que a socialização é feita dessa forma, com a distribuição – em escala mundial – das questões íntimas dos jovens ( Desmurget, 2021DESMURGET, M. (2021). A fábrica de cretinos digitais: os perigos das telas para nossas crianças. Belo Horizonte, Vestígio. ). Vivemos em uma sociedade cada vez mais opressora, onde as plataformas de redes sociais digitais são as únicas reais vencedoras.

Considerações finais

Ao fim e ao cabo, este artigo procurou traçar algumas características da atual geração de jovens urbanos de classe média, que utilizam a internet de forma constante e, mais ainda, as plataformas de redes sociais digitais. Por isso mesmo, ao longo do artigo também buscamos informar acerca do funcionamento de tais ferramentas e de seus algoritmos. Ao fim, analisamos algumas características da relação entre o público e o privado mediadas pelas plataformas de redes sociais digitais nas mentes juvenis.

Longe de esgotarmos o assunto, recomendamos estudos mais aprofundados, principalmente na esfera da psicologia ou das ciências cognitivas, para um melhor entendimento de tal fenômeno, que aparentemente está instalado nas entranhas da sociedade. Sabemos também que o presente artigo é um retrato do período vivido, e que provavelmente várias características aqui apresentadas podem sofrer alterações em alguns anos. Mesmo assim, julgamos o debate não apenas pertinente, mas urgente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Nov 2021
  • Aceito
    30 Mar 2022
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