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Germinações sucessivas em sementes de Eugenia spp.

Sequential germinations in Eugenia spp. seeds

RESUMO

Condições ambientais desfavoráveis para a germinação, letais para a maioria das sementes recalcitrantes, podem resultar na morte das primeiras mudas produzidas pelas sementes de Eugenia, mas não impedem a propagação, já que até mesmo frações dessas sementes podem germinar e produzir mudas. Esta poderia ser uma estratégia evolutiva importante e interessante para a sobrevivência das espécies e esse foi o objetivo desta pesquisa. Sementes de Eugenia foram colocadas para germinar e eliminou-se até a terceira raiz e/ou plântula desenvolvidas, colocando-se o tecido remanescente para germinar novamente. As sementes foram capazes de produzir novas raízes e plântulas após a remoção até da terceira raiz ou plântula produzida, mesmo quando metade da semente foi inicialmente removida. Isso confirma a regenerabilidade como uma estratégia evolucionária importante que pode ter contribuído para perpetuar as espécies de Eugenia.

Palavras-chave:
sementes recalcitrantes; propagação; estratégia ecológica

ABSTRACT

Environmental unfavorable Unfavorable environmental conditions for germination, which is lethal to most of the recalcitrant seeds, may result in the death of the first seedlings produced by Eugenia seeds. However, these conditions do not prevent propagation because even fragmentsof these seeds can germinate and produce seedlings. This could be an important and interesting evolutionary strategy for species survival that was investigated in this research. Eugenia seeds were germinated and up to the third developed radicle and/or seedling was eliminated so that the remaining tissue was taken to germination again. Seeds were able to produce new roots and seedlings until the third radicle/seedling produced was removed, or even when half of the seed was initially removed. This result confirms the regeneration as an important evolutionary strategy that contributes with Eugenia species perpetuation.

Keywords:
ecological strategy; propagation; recalcitrant seeds

Introdução

A fragmentação de sementes de Eugenia spp. permite obter mais que uma planta a partir de uma semente, fato já demonstrado para diversas espécies do gênero (Anjos & Ferraz 1999Anjos, A.M.G. & Ferraz, I.D.K. 1999. Morfologia, germinação e teor de água das sementes de araçá-boi (Eugenia stipitata ssp. sororia). Acta Amazonica 29: 337-348., Silva et al. 2005Silva, C.V., Bilia, D.A.C. & Barbedo, C.J. 2005. Fracionamento e germinação de sementes de Eugenia. Revista Brasileira de Sementes 27: 86-92. , Teixeira & Barbedo 2012Teixeira, C.C. & Barbedo, C.J. 2012. The development of seedlings from fragments of monoembryonic seeds as an important survival strategy for Eugenia (Myrtaceae) tree species. Trees, Structure and Function 26: 1069-1077., Prataviera et al. 2015Prataviera, J.S., Lamarca, E.V., Teixeira, C.C. & Barbedo, C.J. 2015. The germination success of the cut seeds of Eugenia pyriformis depends on their size and origin. Journal of Seed Science 37: 47-54. , Calvi et al. 2017Calvi, G.P., Aud, F.F., Ferraz, I.D.K., Pritchard, H.W. & Kranner, I. 2017. Analyses of several seed viability markers in individual recalcitrant seeds of Eugenia stipitata McVaugh with totipotent germination. Plant Biology, v.19, p.6-13., Alonso et al. 2019Alonso, C.R., Asperti, L.M., Guardia, M.C. & Barbedo, C.J. 2019. Cutting and regeneration of roots and seedlings from seeds of Eugenia candolleana DC. at different maturity stages. Journal of Seed Science 41: 160-167.). Contudo, sem o fracionamento apenas uma planta se desenvolve, indicando algum processo de indução da formação de novas raízes e plântulas pela lesão da incisão e/ou algum bloqueio à formação de novas raízes e plântulas quando uma germinação tem início (Delgado & Barbedo 2011Delgado, L.F. & Barbedo, C.J. 2011. Atividade inibidora da germinação em extratos de sementes de Eugenia uniflora L. Revista Brasileira de Sementes 33: 463-471. , Amador & Barbedo 2011Amador, T.S., & Barbedo, C.J. 2011. Potencial de inibição da regeneração de raízes e plântulas em sementes germinadas de Eugenia pyriformis. Pesquisa Agropecuária Brasileira 46: 814-821.). Mesmo quando fracionadas há formação de apenas um novo embrião em cada fração, sugerindo mecanismos de autocontrole da germinação, permitindo que a semente economize reservas, evitando que sejam gastas em diversas germinações simultâneas (Silva et al. 2003Silva, C.V., Bilia, D.A.C., Maluf, A.M. & Barbedo, C.J. 2003. Fracionamento e germinação de sementes de uvaia (Eugenia pyriformis Cambess. - Myrtaceae). Revista Brasileira de Botânica 26: 213-221. , Amador & Barbedo 2011Amador, T.S., & Barbedo, C.J. 2011. Potencial de inibição da regeneração de raízes e plântulas em sementes germinadas de Eugenia pyriformis. Pesquisa Agropecuária Brasileira 46: 814-821.). As sementes de Eugenia spp. apresentam eixo hipocótilo-radícula distinto, dois cotilédones parcialmente unidos e, após o fracionamento, a produção de novas plantas ocorre a partir de células parenquimáticas perivasculares localizados na região apical dos cotilédones (Delgado 2010Delgado, L.F. 2010. Fracionamento, maturação e origem da capacidade regenerativa de sementes de algumas espécies brasileiras de Eugenia (Myrtaceae). Tese de Doutorado, Instituto de Botânica, São Paulo. ). Especificamente em E. pyriformis, o eixo embrionário tem menos de 1,0 mm de comprimento, enquanto os cotilédones carnosos podem variar de 1,0 a 2,0 cm. O embrião é maciço, globoso, de cor esbranquiçada e preenche todo o espaço delimitado pelo tegumento (Justo et al. 2007Justo, C.F., Alvarenga, A.A., Alves, E., Guimarães, R.M. & Strassburg, R.C. 2007. Efeito da secagem, do armazenamento e da germinação sobre a micromorfologia de sementes de Eugenia pyriformis Camb. Acta Botanica Brasilica 21: 539-551.).

A capacidade de germinar e produzir plântulas quando parte do tecido de reserva é removido ou, até mesmo, quando o eixo embrionário é perdido pode ter se originado de uma pressão de seleção natural influenciada pela predação, em que células parenquimáticas subepidérmicas se desdiferenciam e formam uma faixa meristemática, permitindo regeneração rápida dos tecidos como forma de resistência à predação (Delgado et al. 2010Delgado, L.F., Mello, J.I.O. & Barbedo, C.J. 2010. Potential for regeneration and propagation from cut seeds of Eugenia (Myrtaceae) tropical tree species. Seed Science and Technology 38: 624-634. ). Nesse sentido, é provável que exista relação entre capacidade regenerativa e predação para espécies do gênero Eugenia, permitindo que a mesma semente seja parcialmente consumida e, ainda assim, preserve sua capacidade de propagar a espécie, através de sucessivas germinações (Teixeira e Barbedo 2012Teixeira, C.C. & Barbedo, C.J. 2012. The development of seedlings from fragments of monoembryonic seeds as an important survival strategy for Eugenia (Myrtaceae) tree species. Trees, Structure and Function 26: 1069-1077., Barbedo 2018Barbedo, C.J. 2018. A new approach towards the so-called recalcitrant seeds. Journal of Seed Science 40: 221-236.).

Por outro lado, e sem necessariamente excluir a hipótese anterior, essa capacidade regenerativa pode estar associada a uma estratégia de garantir a perpetuação da espécie quando as condições do meio não são favoráveis. Assim, uma segunda germinação, caso a primeira não tenha sucesso, poderia garantir a propagação da espécie. Os estudos de fracionamento de sementes de Eugenia têm demonstrado que a semente contém reservas em quantidade muito maior do que as necessárias para uma germinação e formação de uma plântula (Silva et al. 2003Silva, C.V., Bilia, D.A.C., Maluf, A.M. & Barbedo, C.J. 2003. Fracionamento e germinação de sementes de uvaia (Eugenia pyriformis Cambess. - Myrtaceae). Revista Brasileira de Botânica 26: 213-221. , Delgado et al. 2010Delgado, L.F., Mello, J.I.O. & Barbedo, C.J. 2010. Potential for regeneration and propagation from cut seeds of Eugenia (Myrtaceae) tropical tree species. Seed Science and Technology 38: 624-634. ). Além disso, tal capacidade regenerativa é encontrada durante um longo período, desde as fases imaturas da semente, durante sua formação, até fases avançadas da germinação (Teixeira & Barbedo 2012Teixeira, C.C. & Barbedo, C.J. 2012. The development of seedlings from fragments of monoembryonic seeds as an important survival strategy for Eugenia (Myrtaceae) tree species. Trees, Structure and Function 26: 1069-1077.). Embora sejam espécies de polinização preferencialmente cruzada, a capacidade regenerativa se mantém elevada ainda que se force a autopolinização, diferentemente do que ocorre com o sucesso reprodutivo que é muito maior quando a polinização é cruzada (Fidalgo et al. 2019Fidalgo, A.O., Cécel, A.T., Mazzi, J.F.O. & Barbedo C.J. 2019. Pollination and quality of seeds and plantlets of Eugenia uniflora L. Hoehnea 46: 1-12.).

Portanto, há evidente investimento evolutivo nessa característica. Uma vez que essas sementes são intolerantes à dessecação (Delgado & Barbedo 2007Delgado, L.F. & Barbedo, C.J. 2007. Tolerância à dessecação de sementes de espécies de Eugenia. Pesquisa Agropecuária Brasileira 42: 265-272.), não teriam condições de formar bancos de sementes no solo, como ocorre com sementes ortodoxas (Barbedo 2018Barbedo, C.J. 2018. A new approach towards the so-called recalcitrant seeds. Journal of Seed Science 40: 221-236.). Uma vez dispersas, as sementes intolerantes à dessecação dependem de imediata germinação e formação de novas plantas, ou tais sementes podem rapidamente se deteriora. Contudo, as sementes de Eugenia podem se manter viáveis no solo por longos períodos, pois cada vez que há uma germinação, sem condições de estabelecimento de uma nova planta, a semente manterá condições de produzir uma nova germinação e garantir a propagação da espécie. Portanto, mesmo sendo intolerante à dessecação, caso não germine não terá rápida deterioração, como ocorre com a maioria das sementes sensíveis à dessecação (Barbedo et al. 2013Barbedo, C.J., Centeno, D.C., Figueiredo-Ribeiro, R.C.L. 2013. Do recalcitrant seeds really exist? Hoehnea 40: 583-593.). Adicione-se a isso o fato de que cada nova regeneração de tecidos germinativos demanda um período maior para a emissão da primeira raiz e, consequentemente, do desenvolvimento da nova planta, o que manteria materiais com potencial reprodutivo durante longos períodos no campo (Alonso et al. 2019Alonso, C.R., Asperti, L.M., Guardia, M.C. & Barbedo, C.J. 2019. Cutting and regeneration of roots and seedlings from seeds of Eugenia candolleana DC. at different maturity stages. Journal of Seed Science 41: 160-167.).

Portanto, o estudo do fracionamento em sementes de Eugenia possui grande importância para a compreensão do comportamento dessas espécies perante a regeneração de novas raízes e plântulas, sugerindo vantagem ecológica para estas espécies. Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar o potencial de sementes de Eugenia em formar novas raízes e plântulas quando as primeiras germinações e plântulas são eliminadas, mesmo com a metade de suas reservas, empregando duas espécies como modelo, Eugenia involucrata DC. e E. brasiliensis Lam. Para tanto, inicialmente se verificou a capacidade de novas germinações quando, sucessiva e intencionalmente, se eliminam as germinações que surgem. Em seguida, se avaliou a capacidade de manutenção dessa germinação sucessiva quando grande parte das reservas é removida. Finalmente, se verificou a manutenção dessa capacidade quando as sementes já iniciam a germinação durante o armazenamento.

Material e métodos

Obtenção do material vegetal - Frutos recém-dispersos de E. involucrata e E. brasiliensis foram coletados diretamente do solo em matrizes localizadas no Jardim Botânico de São Paulo, SP (23°38'S e 46°37'W), no mês de outubro (início da primavera), e encaminhados ao laboratório para extração das sementes. Para garantir que frutos caídos anteriormente não fossem incluídos no lote, uma tela plástica foi colocada sob a copa das árvores, inclusive evitando o contato direto do fruto com o solo.

As sementes foram extraídas dos frutos manualmente, com auxílio de peneira, retirando-se os resíduos de polpa em água corrente, sendo imediatamente retirado o excesso de água em papel toalha. Após, as sementes das duas espécies foram separadas visualmente em grandes e pequenas (figura 1), medidas em seu maior diâmetro e acondicionadas em sacos de polietileno perfurados, permanecendo a 10 °C e 45% de umidade relativa (Kohama et al. 2006Kohama, S., Maluf, A.M., Bilia, D.A.C. & Barbedo, C.J. 2006. Secagem e armazenamento de sementes de Eugenia brasiliensis Lam. (grumixameira). Revista Brasileira de Sementes 28: 72-78. ) até a instalação dos experimentos, não excedendo o período de 15 dias.

Figura 1
Sementes grandes (à esquerda) e pequenas (à direita) de Eugenia involucrata DC. (no alto) e E. brasiliensis Lam. (em baixo). Escala: 1 cm.
Figure 1
Large (left) and small (right) seeds of Eugenia involucrata DC. (at the top) and E. brasiliensis Lam. (bottom). Scale: 1 cm.

Avaliações físicas e fisiológicas - A massa seca (em g semente-1) e o teor inicial de água nas sementes (%, base úmida) foram determinados pelo método de estufa com circulação de ar, por 17 horas a 103 °C (MAPA 2009MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). 2009. Regras para análise de sementes. Secretaria da Defesa Agropecuária/MAPA, Brasília.). A massa fresca (em g semente-1) foi determinada utilizando-se a amostra para determinação do teor de água, antes de seu envio à estufa. O potencial de água das sementes (em MPa) foi medido por equipamento WP4 (Decagon, Pullmann, USA) com base na temperatura do ponto de orvalho (Decagon 2001Decagon. 2001. WP4 Dewpoint Potentiameter Operator’s Manual. Decagon Devices, Pullman.), conforme metodologia descrita por Delgado & Barbedo (2012)Delgado, L.F. & Barbedo, C.J. 2012. Water potential and viability of seeds of Eugenia (Myrtaceae), a tropical tree species, based upon different levels of drying. Brazilian Archives of Biology and Technology 55: 583-590.. Para essas avaliações foram utilizadas quatro repetições de 5 sementes.

Para os testes de germinação, as sementes foram acondicionadas em gerbox transparente, contendo uma camada de dois centímetros de vermiculita como substrato, umedecida com água de torneira até o limite de saturação. Os testes foram conduzidos em câmara de germinação com luz branca contínua na temperatura constante de 25 °C, com quatro repetições de vinte sementes e avaliações em dias alternados. A germinação foi registrada quando as sementes tiveram emissão de raiz primária de 0,5 cm e o desenvolvimento foi registrado quando produziram plântulas com raízes normais e cerca de 2 cm de parte aérea.

Capacidade das sementes recém-colhidas em produzir sucessivas germinações - Num primeiro experimento, as sementes grandes e pequenas de E. involucrata foram colocadas para germinar e as raízes e partes aéreas que surgiram foram sucessivamente eliminadas, conforme os tratamentos descritos a seguir: 1) germinação natural (GN) - sem qualquer interferência, simulando condições naturais; 2) eliminação da primeira germinação (EPG) - sementes foram colocadas para germinar e, imediatamente após a raiz primária ter atingido 2 cm, foi removida por corte com bisturi rente à superfície da semente (figura 2a e b) e colocada para germinar novamente; 3) eliminação da segunda germinação (ESG) - os procedimentos realizados em EPG foram repetidos uma segunda vez; 4) eliminação da terceira germinação (ETG) - os procedimentos realizados em EPG foram repetidos duas vezes; 5) eliminação do primeiro desenvolvimento (EPD) - semelhante a EPG, porém desta vez esperou-se que a semente formasse uma plântula normal (figura 2c, seguindo descrições de Delgado & Barbedo 2007Delgado, L.F. & Barbedo, C.J. 2007. Tolerância à dessecação de sementes de espécies de Eugenia. Pesquisa Agropecuária Brasileira 42: 265-272.), para se eliminar tanto raiz quanto parte aérea, com auxílio de bisturi, rente à superfície da semente, retirando todo tecido proveniente da plântula (figura 2d). Em seguida, o restante da semente foi colocado para germinar novamente; 6) eliminação do segundo desenvolvimento (ESD) - procedimento aplicado em EPD foi repetido uma segunda vez; 7) eliminação do terceiro desenvolvimento (ETD) - o procedimento realizado em EPD foi repetido mais duas vezes.

Figura 2
Detalhamento das eliminações de raízes (a e b) e plântulas (c e d) em sementes de Eugenia. Escala 1cm
Figure 2
Detail of the roots (a and b) and seedlings (c and d) elimination in seeds of Eugenia. Scale 1cm.

As porcentagens de germinação e de desenvolvimento, neste experimento, foram calculadas tendo, como total, apenas as sementes que foram colocadas para germinar. Dessa forma, das que não tiveram remoção de raiz ou parte aérea, o total foi computado como sendo todas as sementes colocadas para germinar; porém, para as que tiveram remoção de raiz ou parte aérea, considerou-se, como total, somente as que germinaram na fase anterior, e não o total de sementes colocadas para germinar no início do experimento.

Capacidade das sementes danificadas em produzir sucessivas germinações - Num segundo experimento, sementes grandes e pequenas de E. brasiliensis foram submetidas aos tratamentos GN, EPG, ESG, EPD e ESD, do primeiro experimento e, a esses, foram acrescentados os tratamentos de remoção de parte do tecido reserva: GNF, em que a semente foi cortada ao meio (figura 3) e uma das metades foi eliminada, colocando-se a outra metade para germinar; EPGF, em que as sementes, após a eliminação da raiz, foram cortadas ao meio longitudinalmente e a metade com o hilo, que continha a raiz, foi submetida a nova germinação; ESGF, em que as frações de EPGF tiveram a nova raiz removida e retornaram para o teste de germinação; EPDF, em que as sementes, após a eliminação da plântula, foram cortadas ao meio longitudinalmente e a metade com o hilo, que continha a plântula, foi submetida a nova germinação; ESDF, em que as frações de EPDF tiveram a nova plântula removida e retornaram para o teste de germinação.

Figura 3
Representação esquemática (acima) e real (abaixo) da fragmentação das sementes de Eugenia. a. semente evidenciando o hilo; b. fragmentação por corte longitudinal, fração à direita com o hilo. Ilustração: D.M. Molizane. Escala 1cm.
Figure 3
Schematic (above) and real (below) representation of Eugenia seeds fragmentation. a. seed evidencing the hilum; b. fragmentation by a longitudinal cut, the right fraction with the hilum. Ilustration: D.M. Molizane. Scale 1cm.

As porcentagens de germinação e de desenvolvimento, neste experimento, foram calculadas como no anterior, ou seja, o total foi considerado apenas com as sementes (ou frações, no caso das que foram cortadas) que foram colocadas para germinar.

Capacidade das sementes armazenadas germinadas em regenerar - Num terceiro experimento, sementes grandes de E. involucrata permaneceram sob refrigeração (-10 °C) por 90 dias, quando então produziram raízes de 2 a 5 cm. Estas sementes germinadas foram divididas em dois grupos: SGI, em que as sementes germinadas permaneceram inteiras, e SGF, em que as sementes germinadas foram fracionadas ao meio, eliminando-se a fração que não continha a raiz. Em ambos os grupos separaram-se as sementes (ou frações, no caso de SGF) em dois subgrupos, num dos quais se eliminaram as raízes presentes. Dessa forma foram compostos os seguintes tratamentos: SGI e SGF, em que sementes e frações foram colocadas para germinar permanecendo com a raiz oriunda do armazenamento, e inteiras ou fracionadas, em que sementes e frações foram colocadas para germinar sem a raiz oriunda do armazenamento.

Desenho experimental e tratamentos estatístico dos dados - O delineamento foi inteiramente casualizado, para todos os experimentos, em esquema fatorial 2 × 7 (tamanho da semente × tratamentos de eliminação das germinações e desenvolvimentos), no primeiro experimento, 2 × 5 (sementes inteiras ou fracionadas × tratamentos de eliminação das germinações e desenvolvimentos), no segundo experimento e 2 × 2 (inteiras ou fracionadas × com ou sem raiz do armazenamento). Os dados foram submetidos à análise de variância (teste F, 5%) e as médias foram comparadas entre si pelo teste de Tukey, a 5% (Santana & Ranal 2004Santana, D.G. & Ranal, M.A. 2004. Análise da germinação: um enfoque estatístico. Editora UnB, Brasília. ).

Resultados e Discussão

Os resultados do maior diâmetro das sementes demonstraram que a separação visual em grandes e pequenas, nas duas espécies, foi eficiente. Além disso, nas sementes das duas espécies o teor de água foi mais elevado nas pequenas e as massas fresca e seca foram maiores nas grandes (tabela 1). Esses resultados sugerem que as pequenas eram mais imaturas (Barbedo et al. 2013Barbedo, C.J., Centeno, D.C., Figueiredo-Ribeiro, R.C.L. 2013. Do recalcitrant seeds really exist? Hoehnea 40: 583-593.), porém, os valores de potencial hídrico foram menores em sementes pequenas (tabela 1) indicando que, embora mais úmidas, sementes pequenas possuíam maior capacidade de retenção de água.

Tabela 1
Maior diâmetro (DS), teor de água (TA), potencial hídrico (PH), massa fresca (MF) e massa seca (MS) de sementes grandes e pequenas de Eugenia involucrata DC. e E. brasiliensis Lam.
Table 1
Larger diameter (DS), water content (TA), water potential (PH), fresh (MF) and dry mass (DM) of large and small seeds of Eugenia involucrata DC. e E. brasiliensis Lam.

Capacidade das sementes recém-colhidas em produzir sucessivas germinações - a germinação das sementes grandes de E. involucrata submetidas aos tratamentos de remoção das raízes foram sempre superiores a 90%, quando consideradas apenas as sementes que germinaram na fase anterior (figura 4a). Mesmo quando submetidas à remoção da plântula formada, a germinação na fase seguinte também foi elevada, acima de 80% (figura 4a). A eliminação da germinação também não prejudicou o desenvolvimento de plântulas na fase seguinte, mesmo quando essa eliminação ocorreu por até três vezes (figura 4b). Somente quando se eliminaram as plântulas por três vezes seguidas houve pequena redução na capacidade de produzir uma quarta plântula, porém ainda assim os valores foram elevados, acima de 60% (figura 4b).

Figura 4
Germinação (a) e desenvolvimento de plântulas (b) em sementes de Eugenia involucrata DC., de diferentes tamanhos [grandes (colunas em preto), pequenas (colunas em cinza)], sem interferência (GN) ou após serem submetidas à eliminação de primeira (EPG), segunda (ESG) e terceira (ESG) germinações e eliminação de primeiro (EPD), segundo (ESD) e terceiro (ETD) desenvolvimentos. Médias seguidas pela mesma letra (minúsculas comparando tamanhos e maiúsculas comparando os diferentes tipos de eliminações) não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5%.
Figure 4
Germination (a) and seedlings development (b) of Eugenia involucrata DC. seeds of different sizes [large (black columns), small (gray columns)], without handling (GN) or after being submitted to elimination of first (EPG), second (ESG), and third (ESG) germinations, or the first (EPD), second (ESD), and third (ETD) developments. Means followed by the same letter (lower case comparing size and upper case comparing different types of elimination) do not differ by the Tukey test at 5%.

Quando se tem como base o total de sementes colocadas para germinar inicialmente, a porcentagem de plântulas ainda é elevada: 85% para EPD, 66% para ESD e 36% para ETD. Isso equivaleria a dizer que, no campo, a cada 100 sementes que são dispersas, 85 delas poderiam produzir plântulas mesmo quando as primeiras plântulas fossem perdidas, 66 quando as segundas plântulas fossem perdidas e 36 quando as duas produções anteriores falhassem. Esta capacidade pode, portanto, ser entendida como importante estratégia de sobrevivência da espécie. É importante salientar que a produção inicial de plântulas ocorreu 10 dias após a semeadura, mas a produção de novas plântulas, quando as produzidas são eliminadas, necessitou períodos cada vez maiores (figura 5b): 35 dias para a segunda plântula (EPD), 50 dias para a terceira (ESD) e 85 dias para a quarta plântula (ETD). Isso significa que, em condições naturais, E. involucrata poderia manter, a partir de uma mesma safra, sementes com capacidade de produzir plântulas por até 180 dias. Se considerarmos que nem todas as plântulas seriam perdidas durante esse período, durante seis meses haveria plântulas em diferentes estádios de desenvolvimento aguardando condições adequadas para se estabelecer no ambiente.

Figura 5
Tempo (dias) de regeneração de novas raízes (a) e novas plântulas (b) provenientes de sementes grandes e pequenas de E. involucrata DC., submetidas a eliminação de primeira (EPG), segunda (ESG) e terceira germinação (ETG), primeiro (EPD), segundo (ESD) e terceiro desenvolvimento (ETD), ou sem eliminações (SE).
Figure 5
Time (days) for regeneration of new roots (a) and new seedlings (b) from E. involucrata DC. large or small seeds, submitted to first (EPG), second (ESG), and third germinations, and first (EPD), second (ESD), and third developments (ETD), or without handling (SE)

Por outro lado, quando se analisam os resultados das sementes pequenas verifica-se que a eficiência é substancialmente inferior à das grandes. Ao se eliminar a primeira germinação (que já era inferior à das grandes, com ca.70%, figura 4a), pouco mais de 40% das sementes conseguem uma segunda germinação (correspondendo a ca. 30% do total inicial de sementes). A perda dessa germinação acarretaria em redução ainda maior da capacidade regenerativa, pois apenas 12% do total das sementes colocadas para germinar inicialmente conseguiriam uma segunda germinação (ou seja, 40% das que germinaram quando se removeu a primeira germinação, figura 4a). Uma nova eliminação dessa germinação e apenas 7% do total inicial de sementes conseguiriam germinar novamente. Em relação à porcentagem de plântulas regeneradas quando as formadas são eliminadas, os valores são ainda mais baixos: apenas 12% das sementes conseguem produzir uma nova plântula quando a primeira plântula produzida é perdida, e, quando esta segunda plântula também é perdida, não há mais regenerações de plântulas (figura 4b).

Essa diferença nas respostas de sementes grandes e pequenas poderia ser resultado, provavelmente, de dois fatores: a quantidade de reservas capaz de nutrir raízes e plântulas que se formam, menor nas pequenas, e/ou o grau de maturidade das sementes quando são dispersas, caso as pequenas tivessem sido dispersas mais imaturas que as grandes. Isso porque quanto mais afastada do ponto de maturidade fisiológica está a semente, menor seu vigor e, consequentemente, menor sua resistência a estresses e condições adversas (Marcos Filho 2015Marcos-Filho, J. 2015. Fisiologia de sementes de plantas cultivadas. ABRATES, Londrina.). Em outra espécie de Eugenia, E. pyriformis, Lamarca et al. (2013)Lamarca, E.V., Prataviera, J.S., Borges, I.F., Delgado, L.F., Teixeira, C.C., Camargo, M.B.P., Faria, J.M.R. & Barbedo, C.J. 2013. Maturation of Eugenia pyriformis seeds under different hydric and thermal conditions. Anais da Academia Brasileira de Ciências 85: 223-233. demonstraram que sementes oriundas de frutos maduros e dispersos não necessariamente estão no mesmo grau de maturação, podendo ser dispersas ainda imaturas. Contudo, a quantidade de reservas pode ter sido o fator mais determinante para essa diferença. Silva et al. (2003)Silva, C.V., Bilia, D.A.C., Maluf, A.M. & Barbedo, C.J. 2003. Fracionamento e germinação de sementes de uvaia (Eugenia pyriformis Cambess. - Myrtaceae). Revista Brasileira de Botânica 26: 213-221. demonstraram, em sementes de E. pyriformis, que quanto menor a quantidade de reservas, menor a capacidade de germinar e forma novas plântulas. No presente trabalho, as sementes grandes de E. involucrata poderiam, talvez, produzir novas plântulas após a remoção da quarta plântula formada, pois as sementes apresentavam-se ainda firmes e vigorosas, diferente das pequenas que estavam vazias.

Capacidade das sementes danificadas em produzir sucessivas germinações - As sementes de E. brasiliensis, grandes e pequenas, apresentaram elevada capacidade para emitir novas raízes e plântulas (figura 6) quando as primeiras (tanto raízes quanto plântulas) são removidas, mesmo tendo metade de suas reservas eliminada. Com apenas metade da semente sendo colocada para germinar, a eficiência em produzir novas plântulas só diminuiu se se remove a plântula formada pela segunda vez, quando a fração da semente perde totalmente a capacidade de produzir plântulas (figura 6c e d), embora em algumas situações específicas ainda possa iniciar a germinação (figura 6b).

Figura 6
Germinação e desenvolvimento de plântulas em sementes de Eugenia brasiliensis Lam., inteiras ou fracionadas, submetidas a eliminação de primeira (EPG) e segunda (ESG) germinação, primeiro (EPD) e segundo (ESD) desenvolvimento, ou sem eliminações (GN). Médias seguidas pela mesma letra (minúsculas comparando eliminações e maiúsculas comparando inteiras e fracionadas) não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5%.
Figure 6
Germination and seedling development in whole or fractionated Eugenia brasiliensis Lam. seeds submitted to first (EPG) and second (ESG) germinations, first (EPD) and second (ESD) developments, or without eliminations (GN). Means followed by the same letter (lower case comparing eliminations and upper case comparing whole with fractionated seeds) do not differ by the Tukey test at 5%.

Em geral, sementes inteiras, tanto grandes quanto pequenas, tiveram melhor desempenho para produzir plântulas do que as fracionadas (figura 6c e d), mas não para germinar (figura 6 a e b). Novamente, portanto, há fortes indícios de que a limitação para produção de plântulas esteja na quantidade de reservas restantes (Silva et al. 2003Silva, C.V., Bilia, D.A.C., Maluf, A.M. & Barbedo, C.J. 2003. Fracionamento e germinação de sementes de uvaia (Eugenia pyriformis Cambess. - Myrtaceae). Revista Brasileira de Botânica 26: 213-221. , Alonso et al. 2019Alonso, C.R., Asperti, L.M., Guardia, M.C. & Barbedo, C.J. 2019. Cutting and regeneration of roots and seedlings from seeds of Eugenia candolleana DC. at different maturity stages. Journal of Seed Science 41: 160-167.), e não na capacidade em diferenciar tecidos que permitam novas germinações.

Em algumas situações particulares, como o desenvolvimento de plântulas após a segunda eliminação de plântulas formadas (figura 6c e d) e a germinação de sementes fracionadas também após a segunda eliminação de plântulas formadas (figura 6a e b), as sementes pequenas regeneraram melhor que grandes. Em estudos anteriores, em E. pyriformis, curiosamente sementes maiores regeneraram melhor (Prataviera et al. 2015Prataviera, J.S., Lamarca, E.V., Teixeira, C.C. & Barbedo, C.J. 2015. The germination success of the cut seeds of Eugenia pyriformis depends on their size and origin. Journal of Seed Science 37: 47-54. ); contudo, cabe lembrar que a porcentagem de germinação e/ou desenvolvimento foi feita com base somente nas sementes que germinaram/desenvolveram plântulas na fase anterior. Isso significa que pode ter ocorrida uma seleção, nas sementes pequenas, das mais adaptadas à regeneração. Quando se consideram as porcentagens em relação ao total de sementes (ou frações) colocadas inicialmente para germinar, os valores são praticamente os mesmos para grandes e pequenas nesses tratamentos: em ESD, 5% para pequenas e 3% para grandes; em ESDF, 8% para pequenas e 0% para grandes.

Neste experimento, novamente se verifica a ampliação dos períodos para as regenerações cada vez que uma raiz ou plântula é eliminada, chegando a 140 dias quando são eliminadas plântulas até o segundo desenvolvimento (figura 8). Reforça-se a ideia, portanto, de que há possibilidade de se encontrar sempre uma plântula em condições de continuar o desenvolvimento e formar novas plantas quando as condições do meio permitem, ao menos durante ca. 5 meses. Deve-se salientar, ainda, que espécies de Eugenia apresentam variações no tempo para a germinação, chegando, por exemplo aos 66 dias em E. pyriformis (Scalon et al. 2012Scalon, S.P.Q., Neves, E.M.S., Maseto, T.E. & Pereira, Z.V. 2012. Sensibilidade à dessecação e ao armazenamento em sementes de Eugenia pyriformis Cambess. (UVAIA). Revista Brasileira de Fruticultura 34: 269-276.) e 103 dias em E. dysenterica (Silva 1999, Souza et al. 2002Souza, E.B., Carneiro, I.F., Naves, R.V., Borges, J.D., Leandro, W.M. & Chaves, L.J. 2002. Crescimento e sobrevivência de mudas de cagaiteira (Eugenia dysenterica DC) nas condições de cerrado. Revista Brasileira de Fruticultura 24: 491-495. , Duarte et al. 2006Duarte, E.F., Naves, R.V., Borges, J.D. & Guimarães N.N.R. 2006. Germinação e vigor de sementes de cagaita (Eugenia dysenterica MART. ex DC.) em função de seu tamanho e tipo de coleta. Pesquisa Agropecuária Tropical 36: 173-179. ), mesmo sem eliminação de raízes ou plântulas. Essa variação sugere forte relação entre o tempo para germinar e produzir plântulas e as condições do meio, este podendo alterar as curvas de resposta da regeneração em função das condições ambientais, conforme sugerido por Barbedo (2018)Barbedo, C.J. 2018. A new approach towards the so-called recalcitrant seeds. Journal of Seed Science 40: 221-236..

Figura 7
Germinação e desenvolvimento de plântulas em sementes armazenadas de Eugenia involucrata DC., inteiras ou fracionadas, sem (colunas em preto) ou com (colunas em cinza) eliminação de raiz. Médias seguidas pela mesma letra (minúsculas comparando eliminações e maiúsculas comparando inteiras e fracionadas) não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5%.
Figure 7
Germination and development of seedlings from whole or fractionated stored seeds of Eugenia involucrata DC., without (black columns) or with (grey columns) root elimination. Means followed by the same letter (lower case comparing elimination and upper case comparing whole to fractionated) do not differ by the Tukey test at 5%.
Figura 8
Tempo (dias) de regeneração de novas raízes (a) e novas plântulas (b) provenientes de sementes grandes e pequenas, inteiras ou fracionadas, de Eugenia brasiliensis Lam., submetidas a eliminação de primeira (EPG) e segunda (ESG) germinação, eliminação de primeiro (EPD) e segundo (ESD) desenvolvimento, ou sem eliminações (SE).
Figure 8
Time (days) of regeneration of new roots (a) and new seedlings (b) from large or small, whole or fractionated seeds of Eugenia brasiliensis Lam., submitted to elimination of the first (EPG) and second (ESG) germinations, first (EPD) and second (ESD) developments, or without eliminations (SE).

Além disso, os experimentos realizados com as espécies de Eugenia duraram em média 11 meses. Desta maneira, sementes com pouca durabilidade, em decorrência a intolerância à dessecação, permaneceram em condições favoráveis durante praticamente um ano, produzindo germinações sucessivas e permanecendo viáveis, preservando sua longevidade, mantendo o potencial germinativo, sendo possível conservá-las sem que apresentem perda de viabilidade (Teixeira & Barbedo, 2012Teixeira, C.C. & Barbedo, C.J. 2012. The development of seedlings from fragments of monoembryonic seeds as an important survival strategy for Eugenia (Myrtaceae) tree species. Trees, Structure and Function 26: 1069-1077.). A cada nova produção de raízes, estima-se períodos cada vez maiores para a diferenciação desses tecidos. Considerando-se as sucessivas germinações possíveis, e o fato de germinarem quatro vezes após a eliminação de suas raízes, essas sementes podem permanecer no campo, com condições de formar novas plântulas, até que nova safra de sementes seja produzida (Barbedo 2018Barbedo, C.J. 2018. A new approach towards the so-called recalcitrant seeds. Journal of Seed Science 40: 221-236.). Sendo dispersas no início da primavera, caso as primeiras germinações não consigam sobreviver à concorrência com outras espécies nas fases de temperaturas elevadas e abundante regime de chuvas, poderiam atravessar não somente esses períodos, mas também os de outono e inverno com sementes viáveis até a primavera seguinte. Porém, isso depende da manutenção da capacidade regenerativa quando as sementes são armazenadas (sofrendo processos de deterioração) e começam a germinar nesse armazenamento, como será descrito a seguir.

Capacidade das sementes armazenadas germinadas em regenerar - Das sementes de E. involucrata que permaneceram em armazenamento por noventa dias e tiveram suas primeiras raízes (produzidas no armazenamento) eliminadas, mais de 80% mantiveram a capacidade de regenerar raízes (figura 7a) e mais de 70% de formar plântulas (figura 7b) mesmo reduzindo suas reservas pela metade.

Conforme dito anteriormente, é provável que a capacidade regenerativa em sementes de Eugenia tenha decorrido de pressão de seleção natural influenciada pela predação (Teixeira & Barbedo 2012Teixeira, C.C. & Barbedo, C.J. 2012. The development of seedlings from fragments of monoembryonic seeds as an important survival strategy for Eugenia (Myrtaceae) tree species. Trees, Structure and Function 26: 1069-1077., Barbedo 2018Barbedo, C.J. 2018. A new approach towards the so-called recalcitrant seeds. Journal of Seed Science 40: 221-236.). Contudo, a formação de plântulas nas duas metades da semente, quando é fracionada, também pode ter decorrido de evento natural ligado à predação.

Um possível ataque (larvas de insetos) que elimine grande parte das reservas da semente (predação) ou que elimine as primeiras germinações e primeiros desenvolvimentos de plântulas, não seria suficiente para eliminar a capacidade de propagação da espécie: as sementes demonstram capacidade para regenerar novas estruturas, como observado em trabalhos anteriores (Silva et al. 2003Silva, C.V., Bilia, D.A.C., Maluf, A.M. & Barbedo, C.J. 2003. Fracionamento e germinação de sementes de uvaia (Eugenia pyriformis Cambess. - Myrtaceae). Revista Brasileira de Botânica 26: 213-221. , Silva et al. 2005Silva, C.V., Bilia, D.A.C. & Barbedo, C.J. 2005. Fracionamento e germinação de sementes de Eugenia. Revista Brasileira de Sementes 27: 86-92. ). Recentemente, foi demonstrada a capacidade dessas sementes em sobreviver a condições de déficit hídrico no solo, mesmo quando a germinação já teve início (Inocente & Barbedo 2019Inocente, M.C. & Barbedo, C.J. 2019. Germination of Eugenia brasiliensis, E. involucrata, E. pyriformis, and E. uniflora (Myrtaceae) under water-deficit conditions. Journal of Seed Science 41: 76-85.). Aparentemente, há mecanismos de preservação da água remanescente em tecidos vitais à regeneração de novas plântulas, garantindo, por algum tempo, que as sementes não sejam perdidas no campo em decorrência de períodos de seca.

Portanto, a capacidade regenerativa, a grande quantidade de reservas nas sementes e os mecanismos de preservação da água nos tecidos, em espécies de Eugenia, mostram-se como importantes estratégias evolutivas com diversas vantagens: 1) permite garantir a produção de novas plântulas mesmo quando grande parte das reservas é consumida por larvas; 2) permite ampliar o número de plântulas produzidas a partir de uma mesma safra de sementes, quando há ação de aves; 3) permite espalhar a produção de plântulas no tempo (e, talvez, também no espaço), pela sucessiva regeneração de germinações e até de plântulas; 4) fornece interessante alternativa à formação de bancos de semente no solo (típico de sementes tolerantes à dessecação), pela progressiva ampliação do tempo para regenerar plântulas quando há dano mecânico ou quando há períodos de indisponibilidade hídrica no solo para a continuidade do desenvolvimento da planta.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, pela Bolsa de Mestrado concedida ao Primeiro Autor; ao Instituto de Botânica, pela permissão para as coletas; à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, pelo apoio financeiro ao Projeto 2017/50341-0.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2019
  • Aceito
    22 Nov 2019
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