Acessibilidade / Reportar erro

Teoria russa e semiótica da cultura: história e perspectivas

RESUMO

A Escola de Tártu-Moscou aceitou, como atitude profissional, reconstruir a tradição e ligar-se com as realizações - esquecidas ou reprimidas cultural e cientificamente - das primeiras décadas do séc. XX. Uma missão de Lotman como um de seus líderes foi conhecer e mediar a herança esquecida. Na situação de censura muitos contatos entre Lotman e a teoria russa não estavam visíveis. Dessa forma, a síntese de Lotman, Tynianov, Bakhtin, Vygotsky, Eisenstein e outros, num intenso diálogo implícito, pode ser a base para a formação da próxima etapa da semiótica da cultura. Enfim, a compreensão de Tynianov acerca da dinâmica literária e cultural, a teoria semiótica lotmaniana de texto e seus pensamentos sobre um modelo de espaço como uma das linguagens primárias da cultura, e a teoria bakhtiniana do cronotopo formam um complexo teórico que pode oferecer novas possibilidades para o desenvolvimento tanto dos princípios culturais teóricos e práticos quanto da análise textual.

PALAVRAS-CHAVE:
Lotman; Bakhtin; Teoria russa; Texto; Cronotopo

ABSTRACT

The Tartu‒Moscow School accepted as its professional attitude to reconstruct the tradition and connect itself to the forgotten or repressed cultural-scientific achievements of the period of the first decades of the 20th century. One mission of Lotman as one of the leaders of the Tartu-Moscow School was knowing and mediating forgotten heritage. In the situation of censorship many contacts between Lotman and Russian theory were not visible. Thus, the synthesis of Lotman, Tynianov, Bakhtin, Vygotsky, Eisenstein and others, in an implicit dialogue, can be the basis for the formation of the next stage of semiotics of culture. Finally, Tynjanov’s understanding of literary and cultural dynamics, Lotman’s semiotic theory of text and his thoughts about a model of space as one of the primary languages of culture, and Bakhtin’s theory of chronotope form this theoretical complex that can give new possibilities for developing both, theoretical and practical principles of cultural and textual analysis.

KEYWORDS:
Lotman; Bakhtin; Russian theory; Text; Chronotope

1 Panorama histórico

Na história linear da escola formalista russa, um intervalo a separa de sua recepção crítica. Depois das atividades dos anos de 1910-1920, um novo interesse no formalismo surgiu nos anos de 1960, associado com o nome de Iúri Lótman e a escola semiótica Tártu-Moscou. A próxima etapa desse interesse pelo formalismo foi representado pela reedição e estudos dos trabalhos escritos pelos formalistas (IVANOV, 2013IVANOV, V. Predislovie. In: IVANOV, V. (ed.). Russkij formalizm. (1913-2013). Mezhdunarodnyi kongress k 100-letiju russkoi formal’noi shkoly. Tezisy dokladov. Moskva: Institut slavjanovedenija RAN, 2013. pp.12-16., p.15-16). Nessa lógica histórica linear, a fase seguinte dos interesses sobre a herança do formalismo russo aconteceu no início do século XXI , quando, em 2002, se organizaram as conferências Teoria eslávica hoje: entre história e sistema, em Yale, e Estudos lotmanianos, em Moscou, com a ulterior publicação dos trabalhos no volume Teoria russa (ZENZIN, 2004).

Há, contudo, uma história menos linear do formalismo russo. Em sua introdução ao livro de resumos da conferência dedicada aos 100 anos do surgimento do movimento formalista, V. Ivánov distinguiu dois períodos: de 1910 aos meados dos anos de 1920 acontece o período fértil de intensa atividade dos formalistas, ao passo que, a partir de meados dos anos de 1920, inicia-se o período de análise crítica e de revisões realizadas por pesquisadores tais como Liév Vigótski e Mikhail Bakhtin (IVANOV, 2013IVANOV, V. Predislovie. In: IVANOV, V. (ed.). Russkij formalizm. (1913-2013). Mezhdunarodnyi kongress k 100-letiju russkoi formal’noi shkoly. Tezisy dokladov. Moskva: Institut slavjanovedenija RAN, 2013. pp.12-16., p.14-15). Podemos encontrar uma análise profunda dos trabalhos iniciais de Vigótski e Bakhtin no contexto do formalismo no livro de Aage Hansen-Löve (2001, p.411-446)HANSEN-LÖVE, A. Russkij formalizm. Metodologicheskaja rekonstrukcija razvitija na osnove principa ostranenija. Moskva: Jazyki russkoi kul’tury, 2001.. A diversidade interna do formalismo gerou um espaço dialógico adequado para contatos com outras abordagens teóricas.

Em sua retrospectiva, Sergey Zenkin sumariza as teorias dos anos de 1920 a 1930 como uma complexa totalidade, denominando-a “teoria russa”. De seu ponto de vista, a história da teoria representa um fenômeno científico-cultural que compreende, por um lado, literatura e arte, e de outro, filosofia, religião e ideologia. Como resultado, a teoria russa pode ser descrita como um tipo de discurso teórico a partir do qual se constitui parte significativa da cultura geral. As características dessa teoria são a interdisciplinaridade, a internacionalidade e uma recodificação de concepções filosóficas em conceptualizações científico-teóricas (ZENKIN, 2004, p.8-9). No nível das descrições comparativas de diferentes escolas dos anos de 1920 e 1930 há não somente diversidade teórica e filosófica como também relações críticas entre elas. Um dos exemplos pode ser o círculo de Bakhtin - suas próprias anotações críticas em relação ao formalismo russo e o livro de Pável N. Medviédev, O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica [Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Américo. São Paulo: Contexto, 2012]. No nível da descrição geral, é visível a complementaridade entre as escolas e a possibilidade de conceitualizar toda uma diversidade como um conjunto intelectual.

É possível reconhecer o mesmo tipo de conceitualização histórica no campo da semiótica cultural. Os pesquisadores russos Vladímir Feshchenko e G. Tulchinski introduziram a noção de semiótica profunda para a descrição do mesmo complexo intelectual. Para Feshchenko, o primeiro representante da semiótica profunda foi G. Shpet, cuja

[...] abordagem semiótica desenvolve-se sincronicamente com as linhas dominantes da semiótica europeia e americana (de forma geral, a saussuriana e a peirceana), mas não suficientemente conhecidas e estudadas. Publicações recentes dos estudos desconhecidos de Shpet faz desse filósofo uma figura visionária na cena semiótica russa (FESHCHENKO, 2015FESHCHENKO, V. Gustav Shpet’s deep semiotics: A science of understanding signs. Sign Systems Studies, v. 43. N. 2/3, pp.235-248, 2015., p.236)1 1 No original: “[…] semiotic approach was developed synchronically with the major lines in European and American semiotics (loosely speaking, the Saussurian and Peircean ones), but is not sufficiently known and studied. The recent publications of previously unknown papers by Shpet make this philosopher an advanced figure on the Russian semiotic scene”. .

Shpet foi pioneiro no uso da palavra semiótica na linguagem russa em 1915, mas ele não estava sozinho:

Nesse ínterim, Shpet não estava sozinho no campo da semiótica, da poética e da filosofia da linguagem. Traços da semiótica profunda estão presentes também nos trabalhos de seus contemporâneos - por exemplo, o poeta Andrei Biéli e o teólogo Pável Floriênski. Versões modificadas da concepção de forma interna podem ser encontradas na teoria da arte de Wassili Kandinski, assim como nos escritos acadêmicos de Liév Vigótski, Mikhail Bakhtin, Vladímir Volochinov, dentre outros (FESHCHENKO, 2015FESHCHENKO, V. Gustav Shpet’s deep semiotics: A science of understanding signs. Sign Systems Studies, v. 43. N. 2/3, pp.235-248, 2015., p.245)2 2 No original: “Meanwhile, in Russia Shpet was not the only one working in the field of semiotics, poetics and philosophy of language. Features of deep semiotics are also present in the works of his contemporaries - for example, the poet Andrey Bely and the theologian Pavel Florensky. Modified versions of the conception of the inner form may be found in Wassily Kandinsky’s theory of art, as well as in scholarly writings by Lev Vygotsky, Mikhail Bakhtin, Vladimir Voloshinov, and others”. .

Para Tulchinski os primeiros semioticistas profundos foram Bakhtin, Floriênski e Vigótski (TULCHINSKY, 2001, p.193). Essas duas tendências mostram que a história do formalismo russo, a teoria russa e a história da semiótica cultural estão inter-relacionadas.

No primeiro momento de emergência da escola Tártu-Moscou da semiótica da cultura, sua principal característica foi a atualização da herança precedente de conquistas culturais ocorridas nas três primeiras décadas do século XX no campo das humanidades na Rússia. A revista de semiótica Sign Systems Studies (editada por Iúri Lótman em Tártu, a partir de 1964), como a manifestação da nova escola, evidencia os vários direcionamentos e modos de atualização.

O primeiro modo pode ser denominado atualização avaliativa: dedicou seus volumes ao estudo dos trabalhos dos predecessores: I. Tiniánov (vol. 4, 1969), V. Propp (vol. 5, 1972), M. Bakhtin (vol. 6, 1973) e P. Bogatiriev (vol. 7, 1975).

O segundo modo é representados pelas reimpressões e publicações de arquivos e textos desconhecidos, como o de P. Floriênski (vol. 3, 1967), B. Jarkho (vol. 4, 1969), B. Eikhenbaum, A. Selischev, B. Tomashevski (vol. 5, 1971), О. Freidenberg, S. Bernstein (vol. 6, 1973) e J. Mukařovský (vol. 7, 1975).

Como outro modo de atualização, pode-se citar a estratégia alusiva (quando é possível reconhecer ênfases, exemplos de retomadas de autores anteriormente excluídos ou, em um contexto crítico, a menção positiva de certas exceções ou sínteses). Por exemplo, no volume inicial de Sign Systems Studies (1964), Lótman, por questões políticas, chegou a criticar a insuficiência do formalismo russo, todavia reservou para ele um lugar de destaque ao situar Tiniánov no âmbito da exceção positiva, alegando a insuficiência de evidências para afirmar que seus trabalhos reproduziam aspectos do formalismo (LOTMAN, 1964LOTMAN, J. Lekcii po struktural’noi poetike. Vyp. I (Vvedenie, teorija stiha). Trudy po znakovym sistemam, 1964, n.1., p.10).

Uma modalidade posterior foi a semiotização da herança. É possível perceber que, no livro de resumos da conferência de semiótica ocorrida em 1962 em Moscou, onde na seção definida como Arte como sistema semiótico, o resumo foi escrito por L. Vigótski sob o título de Psicologia da arte: a análise da reação estética, a parte relevante desse escrito foi, na realidade, compilada por V. Ivánov segundo manuscritos não publicados de Vigótski. Isso é uma prova de ser uma semiotização retrospectiva do material escrito em 1925 e obviamente não representando uma formulação semiótica dos anos de 1960. Vigótski, tal como Bakhtin, Tiniánov, Propp e tantos outros, tornaram-se, nas publicações semióticas, exemplos das raízes da semiótica de Tártu- Moscou.

Também é possível referir-se a uma generalização da herança, cobrindo o uso de noções em um nível mais generalizado. Por exemplo: Lótman, no seu livro Analysis of the Poetic Text[Análise do texto poético] (1972, em russo; 1976, em tradução inglesa), serve-se da noção de polifonia como um conceito geral. Se para Bakhtin a noção de polifonia caracteriza a especificidade da poética de Dostoiévski, para Lótman ela adquire um traço de generalidade e universalidade: “Num texto o polílogue de diferentes sistemas emerge constantemente; modos distintos de explicação e de sistematização do mundo, diferentes quadros do mundo, se colocam em conflito. O texto poético (beletrista) é, em princípio, polifônico” (LOTMAN, 1976LOTMAN, J. Analysis of the Poetic Text. Ann Arbor: Ardis, 1976., p.109)3 3 No inglês: “In a text a polylogue of different systems is constantly taking place; different modes of the explanation and systematization of the world, different pictures of the world, come into conflict. The poetic (belletristic) text is in principle polyphonic”. .

As inúmeras formas de atualização demonstram que a escola Tártu-Moscou aceitou sua missão de reconstruir a tradição e conectar-se com as conquistas científicas esquecidas ou reprimidas das duas primeiras décadas do século XX. Com base em fatos como estes é correto negar que a escola Tártu-Moscou foi um projeto neoformalista. Seus membros fizeram um esforço para sintetizar todas as diretrizes cruciais do pensamento teórico nas humanidades:

A crítica do estruturalismo semiótico literário levou em consideração a experiência de todas as correntes literárias precedentes; todavia, ele constituiu seu caráter específico distintivo. Emergiu no ambiente da revolução científica que marcou a metade do século XX e permaneceu vinculado a ideias e metodologia da linguística estrutural, da semiótica, da teoria da informação e da cibernética (LOTMAN, 1976LOTMAN, J. Analysis of the Poetic Text. Ann Arbor: Ardis, 1976., p.16)4 4 No inglês: “Structural-semiotic literary criticism takes into consideration the experience of all preceding literary scholarship. It has, however, its own specific character. It arose in the environment of that scientific revolution that has marked the middle of the twentieth century and is organically connected with the ideas and methodology of structural linguistics, semiotics, information theory and cybernetics”. .

Esta avaliação sintética dos legados culturais evidenciados por Lótman pode ser relacionada com concepções contemporâneas do formalismo russo e da semiótica cultural tomadas de uma perspectiva genética.

Em 1972, no contexto da mesma lógica, Lótman serviu-se da noção da escola russa para descrever a recepção internacional de Tiniánov, Propp, Bakhtin, Jakobson e outros pensadores (LOTMAN, 1972, p.12). Ao mesmo tempo, Lótman também descobriu a relação estreita entre os discursos científicos e culturais do Círculo Linguístico de Praga, referido como Escola tcheca e eslovaca de estudos literários. Em seu entendimento existe uma aproximação entre o tipo de cultura e o tipo de cultura geral (escola). Um ano mais tarde, em 1973, foram publicadas as Teses para um estudo semiótico da cultura (aplicadas aos textos eslavos), um escrito coletivo assinado por Lotman, Ivánov, Piatigórski, Toporov, Uspiênski. O último parágrafo (item 9.1.0 desse documento) foi omitido na versão inglesa de 1973. Nele se lia a seguinte formulação:

A investigação científica não é apenas um instrumento para o estudo da cultura mas também parte de seu objeto. Textos científicos, sendo metatextos da cultura, devem ao mesmo tempo ser percebidos como seus textos. Portanto qualquer ideia científica significante deve ser reconhecida tanto como uma tentativa de conhecimento da cultura quanto um fato de sua vida pelo qual seus mecanismos de geração se tornam efetivos. Deste ponto de vista nós devemos investigar os modernos estudos semiótico-estruturais como fenômeno da cultura eslava (o papel do tcheco, eslovaco, polonês, russo e outras tradições) (IVANOV et al., 2013IVANOV, V.; LOTMAN, I.; PIATIGORSKI, A.; TOPOROV, V.; USPENSKII, B. Theses on the Semiotic Study of Cultures (as Applied to Slavic Texts). In: SALUPERE, S.; TOROP, P.; KULL, K. (ed.). Beginnings of the Semiotics of Culture. Tartu: Tartu University Press, 2013. pp.53-77., p.77)5 5 No inglês: “Scientific investigation is not only an instrument for the study of culture but is also part of its object. Scientific texts, being metatexts of the culture, may at the same time be regarded as its texts. Therefore any significant scientific idea may be regarded both as an attempt to cognize culture and as a fact of its life through which its generating mechanisms take effect. From this point of view we might raise the question of modern structural-semiotic studies as phenomena of Slavic culture (the role of the Czech, Slovak, Polish, Russian, and other traditions)”. 6 6 IVANOV, V.; LOTMAN, I.; PIATIGORSKI, A.; TOPOROV, V.; USPENSKII, B. Teses para uma análise semiótica da cultura (uma aplicação aos textos eslavos). In: MACHADO, I. Escola de semiótica: a experiência de Tártu-Moscou para o estudo da cultura. São Paulo: Ateliê, 2003, p.99-137. .

Do ponto de vista metodológico, isso significa que a semiótica da cultura da escola Tártu-Moscou dos anos de 1960 e 1970 se orientou rumo a uma semiótica ad hoc, criando teorias na base da especificidade de determinadas culturas relacionadas com a teoria formulada pelos formalistas russos e permanecendo uma herança científico-cultural.

2 A teoria russa e a formação histórica da escola semiótica Tártu-Moscou

No contexto da semiótica cultural distinguem-se dois modelos de desenvolvimento histórico [cf. International Context of History of Cultural Semiotics - Contexto internacional da história da semiótica (Torop, 2015TOROP, P. International Context of History of Cultural Semiotics. In: SHARIFIAN, F. (ed.). Cultural Semiotics. The Routledge Handbook of Language and Culture. London, New York: Routledge Taylor & Francis Ltd, 2015. pp.170-180.)]. De um ponto de vista estrito, semiótica da cultura resulta de um processo arraigado no formalismo russo e direcionado para o Círculo Linguístico de Praga, Roman Jakobson e a semiótica da escola Tártu-Moscou. Nele se configura a lógica da emergência e do desenvolvimento do pensamento semiótico. De um ponto de vista mais amplo, a escola Tártu-Moscou depende do complexo da teoria russa implícita e explicitamente. Tal noção esteve implicada nas avaliações e desdobramentos da escola Tártu-Moscou muito antes de serem enunciadas claramente pelos investigadores contemporâneos. Ademais, a extensão do que se considera cultura na teoria russa pode ser ampliada com a incorporação das disciplinas científicas como a cibernética, a teoria da informação etc.

Por tudo isso, o formalismo russo, situado no coração da experiência científica para o desenvolvimento da escola Tártu-Moscou, não pode ser interpretado separadamente e distante do amplo contexto da teoria russa enquanto tal. Ao mesmo tempo, a teoria russa só pode ser considerada nos termos de um desenvolvimento processual similar ao do próprio formalismo russo visto no complexo da teoria russa em suas diferentes fases de evolução.

No âmbito da escola Tártu-Moscou, é possível distinguir duas orientações em relação ao formalismo russo. Por um lado, o novo método de análise semiótico- linguística se situa no formalismo russo, atento a Viktor Chklóvski com foco em sua noção de “procedimento” (priöm). Lótman concebeu tal direcionamento como estratégia de orientação para a análise semiótica formal de objetos de pesquisa elementares, simples. Podem-se citar como exemplos as análises do comportamento linguístico no drama do absurdo, na estrutura do xadrez ou nas histórias policiais. Muitos linguistas estruturalistas moscovitas da escola Tártu-Moscou estão envolvidos nessa tendência (LOTMAN, 1991LOTMAN, J. Zametki o tartuskih semioticheskih izdanijah. Trudy po russkoj literature I semiotike tartuskogo universiteta 1958-1990. Ukazateli soderzhanija. Tartu, 1991, pp.89-92., p.91). Por outro lado, havia uma orientação relativa aos objetos de pesquisa complexos. Enquanto na primeira tendência dominavam os estudos linguísticos, na segunda, delineiam-se as investigações sobre os estudos literários e a semiótica cultural. Isto também significa atualização da herança da fase inicial do formalismo russo e a emergência da semiótica da cultura, a última realização do processo evolutivo do formalismo russo. A essa tendência pertence a tradição de Petersburgo-Leningrado, com a inserção de figuras representativas da teoria russa tal como Propp, Freidenberg, Bakhtin e outros (LOTMAN, 1991LOTMAN, J. Zametki o tartuskih semioticheskih izdanijah. Trudy po russkoj literature I semiotike tartuskogo universiteta 1958-1990. Ukazateli soderzhanija. Tartu, 1991, pp.89-92., p.91).

Consequentemente, há motivos profundos para que Lótman e seus colegas tenham frequentemente aludido a Tiniánov, Jakobson e Bakhtin. A identificação disciplinar da semiótica cultural elaborada no trabalho coletivo das Theses [Teses] de 1973 pode ser considerada como o desenvolvimento da dinâmica cultural interpretada por Tiniánov e Jakobson. Segundo o texto programático, a semiótica cultural é “[...] o estudo da correlação funcional de diferentes sistemas de signos de modo que os problemas de estrutura hierárquica das linguagens da cultura adquirem importância fundamental” (IVANOV et al, 2013IVANOV, V.; LOTMAN, I.; PIATIGORSKI, A.; TOPOROV, V.; USPENSKII, B. Theses on the Semiotic Study of Cultures (as Applied to Slavic Texts). In: SALUPERE, S.; TOROP, P.; KULL, K. (ed.). Beginnings of the Semiotics of Culture. Tartu: Tartu University Press, 2013. pp.53-77., p.53)7 7 No inglês: “[…] the study of the functional correlation of different sign systems. From this point of view particular importance is attached to questions of the hierarchical structure of the languages of culture”. 8 8 Referência na nota de rodapé 6. . Na versão preliminar para o texto final das Theses [Teses] certos problemas-chave do entendimento semiótico da cultura foram considerados:

  1. Descrição do lugar do sistema semiótico no complexo geral, tornando comum estudos como: o lugar da música como sistema semiótico no sistema geral da cultura; o lugar da matemática na cultura como unidade semiótica.

  2. Descrição da influência de um sistema semiótico particular sobre outros, como: o papel da pintura na semiótica da poesia desta ou daquela época; o papel do cinema na estrutura da linguagem da cultura contemporânea.

  3. Análise da irregularidade da organização interna da cultura. A existência da cultura como um organismo unitário parece pressupor a existência de uma diversidade estrutural interna. Investiga-se o fenômeno do poliglotismo e as razões de sua necessidade (IVANOV et al, 2003, p.42).

O quarto volume de Sign Systems Studies é dedicado a Tiniánov com um prefácio que enfatiza a importância de seus trabalhos que, segundo os editores, “estão diretamente relacionados à análise estrutural-semiótica dos textos literários e culturais” (REDKOLLEGIJA, 1969REDKOLLEGIJA. Ot redakcii.Trudy po znakovym sistemam, n. 4, 5-6, 1969., p.5).9 9 No inglês: “[…] is directly related to the structural-semiotic analysis of cultural and literary texts”. Muitos conceitos relacionados à semiótica da cultura adquiriram nova relevância ao serem contrapostos à dinâmica da evolução cultural tal como formulada por Tiniánov, um dos expoentes do formalismo russo. Em seu estudo O fato literário (1924) ele afirmou: “O fato literário é heterogêneo e neste sentido literatura constitui uma incessante série evolutiva” (TINIANOV, 1977, p.270)10 10 No inglês: “Literary fact is heterogeneous, and in this sense literature is an incessantly evolutioning order”. . O entendimento da série ou sistema literário encontra-se muito próximo da noção de função: “Um sistema literário é antes de tudo um sistema de funções da série literária em permanente interação com outras séries” (TINIANOV, 1977, p.277; grifo do autor)11 11 No inglês: “A literary system is first of all a system of the functions of the literary order which are in continual interrelationship with other orders”. .

A série literária corresponde a apenas uma série funcional dentre outras como a da vida cotidiana, da cultura, da sociedade. O estudo da evolução pressupõe a investigação de conexões principalmente entre séries ou sistemas mais próximos, e a trajetória lógica conduz da função estrutural para a função literária, da função literária para a função verbal. Como predecessores da semiótica da cultura, os trabalhos de Tiniánov também se manifestam na formulação de artefato cultural como resultado da dinâmica que rege os elementos de fronteira. Um texto pode ser delimitado de diferentes modos como texto numa determinada linguagem, como representativo de certo gênero literário, como uma expressão do estilo histórico-literário, como mensagem social, como um texto artístico - em outras palavras, conceitualizado e correlacionado com o ambiente cultural em diferentes extensões.

3 O problema do texto

O sistema de séries de Iúri Tiniánov constitui uma das fontes do entendimento hierárquico de cultura e do sistema de linguagens culturais. Não apenas o conceito de texto se tornou central na semiótica cultural como também a semiótica do texto artístico utilizou muitas noções herdadas da teoria e do formalismo russos. Os primeiros trabalhos de Lótman sobre semiótica do texto e semiótica da cultura sintetizam formulações de Tiniánov, Jakobson e Bakhtin, o que mostra que, na semiótica da cultura, o conceito de texto resulta em uma noção complexa. Na totalidade do texto se entrecruzam relações internas e externas, o que faz do texto uma totalidade ternária: 1) ele é fruto de matéria (tal como a linguagem é material da literatura); 2) ele é usado de um modo muito particular (estrutura artística); 3) ele emerge em contextos socioculturais (biográficos, de visão de mundo autoral, de influências etc.). Configuram-se daí três sentidos: subtextual, textual e funcional, organizados pela estrutura do material, do texto e da obra. A estrutura se constitui num fenômeno hierárquico que, por sua vez, se organiza segundo uma dominante. Por um lado, a estrutura do texto é interpretada comparativamente com a estrutura do material (dominante material) e a estrutura da obra (dominante funcional). Por outro, a estrutura do texto é analiticamente descrita como: composicional (exposição, ascensão da tensão, clímax, estabilização, resolução etc); arquitetônica (título, epígrafe, prólogo, capítulos, epílogo etc); ou narrativa (fábula e trama). Há também a esfera poética do texto, ou a concepção artística da totalidade, baseada em especificidades textuais e intertextuais resultantes de valores conceituais de realizações estruturais.

Tais elementos historicamente tradicionais do texto já foram descritos em artigo anterior (TOROP, 2017TOROP, P. Semiotics of cultural history. Sign Systems Studies, v. 45, n.3/4, pp.317-334, 2017., p.320-321). Agora, trata-se de acrescentar mais dois aspectos importantes do texto. Na cultura contemporânea, e particularmente na web, os mesmos textos passam a existir em diferentes versões discursivas e se tornam fenômenos interdiscursivos. Essa situação do discurso no texto e do texto no discurso foi parcialmente referida por Bakhtin muito antes da Internet, sobretudo em ambientes que demandam uma busca da mentalidade do texto e o texto não se manifesta apenas em um meio, mas em muitos. De um lado, a divergência de textos baseados em finalidades ou em atividades orientadas por metas (por exemplo, em marketing e educação, baseadas na crosmidialidade12 12 N.T.: Crosmidialidade designa a prática da publicidade e do marketing de circular uma mesma campanha em diferentes mídias: meio impresso, rádio, televisão, cinema, internet. ); de outro, divergência baseada em interesses de diferentes consumidores em criar textos secundários (pinturas, música, filme e adaptações de teatro, traduções, paródias, comédias, baseadas na transmidialidade13 13 N.T.: Transmidialidade refere-se à expansão de narrativas em diferentes suportes midiáticos: um filme se expande em história em quadrinhos, game, livro, acessórios pessoais, etc. ). Em ambos os casos o texto resulta também de processos de convergência14 14 N.T.: Convergência, tal como formulada por Henry Jenkins (2008), tornou-se a matriz conceitual de todo o processo de migração de meios na comunicação digital, quando se torna possível reunir diferentes mídias numa única plataforma, caso do jornal impresso que se reorganiza em blog; do rádio que passa a ser transmissão de webrádio ou podcast; da televisão cujo conteúdo é transportado para as plataformas de youtube ou vimeo. (cf. Pearson; Smith, 2015PEAESON, R.; SMITH, A. N. Storytelling in the Media Convergence Age: Exploring Screen Narratives. Basingstoke, New York: Palgrave Macmillan, 2015.; Jenkins, 2006JENKINS, H. Convergence Culture: Where Old and New Media Collide. New York: New York University Press, 2006.)15 15 JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009. , e na memória coletiva também se reproduz uma imagem do texto como uma totalidade mental (Fig. 1).

Fig. 1
Complexidade do texto

O diagrama descreve a construção do texto e sua interdiscursividade e transmidialidade potencial. O modelo de texto como uma estrutura complexa, tal como formulada pela semiótica da cultura, não apenas se correlaciona geral e historicamente com a teoria do formalismo russo, como também atualiza diferentes aspectos teóricos ou modelos mecânicos, morfológicos, sistêmicos e linguísticos descritos por Peter Steiner:

Os modelos mecânicos, morfológicos e sistêmicos constituem metáforas: eles assumem a similaridade entre a obra literária e máquinas, organismos ou sistemas hierárquicos. O modelo linguístico, por outro lado, constitui uma sinédoque baseada na relação parte-e-todo. Ele substitui a linguagem - o material da arte verbal - pela arte em si, e a linguística - a ciência da linguagem - pelos estudos literários. O modelo linguístico e seu conceito crucial de “linguagem poética” demonstra ser extremamente poderoso e não apenas para a poética formalista mas para o estruturalismo de Praga e mais tarde para a poética estruturalista (STEINER, 1980-1981STEINER, P. Three Metaphors of Russian Formalism. Poetics Today, v. 2, n. 1b, pp.59-116, 1980/1981., p.113-114)16 16 No original: “The mechanistic, morphological, and systemic models are metaphors: they assume a similarity between the literary work and machines, organisms, or hierarchical systems. The linguistic model, on the other hand, is a synecdoche based on a pars pro toto relation. It substitutes language - the material of verbal art - for art itself, and linguistics - the science of language - for literary studies. The linguistic model and its crucial concept of ‘poetic language’ proved to be extremely powerful and not only for Formalist poetics but for Prague Structuralism and later Structuralist poetics”. .

Steiner já reconhecera na recepção anterior ao formalismo russo alguns aspectos semióticos implícitos: “Nós temos visto tanto em bakhtinianos quanto nos estruturalistas de Praga uma redefinição do princípio primário da ciência formalista literária de um ponto de vista semiótico” (STEINER, 2004STEINER, P. Russian Formalism [1995]. In: SELDEN, R. (ed.). The Cambridge History of Literary Criticism. Vol.8. From Formalism to Poststructuralism. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. pp.11-29., p.27)17 17 No original: “We have seen that both the Bakhtinians and the Prague Structuralists redefined the primary principle of Formalist literary science from a semiotic perspective”. .

4 Importância do espaço

Assim como a riqueza das linguagens da cultura está relacionada com o aumento da multiplicidade e aprimoramento dos processos de autodescrição da cultura, as experiências culturais estão diretamente relacionadas com o modo como suas linguagens são socialmente cultivadas em períodos históricos determinados, de modo que sua existência em ambientes e processos culturais se tornaram o objeto de investigação privilegiado das disciplinas que estudam cultura.

De um ponto de vista genético, a cultura é construída a partir de duas linguagens primárias: a linguagem natural usada pelos humanos na comunicação cotidiana [...] A natureza da segunda linguagem primária não é óbvia, o que coloca em discussão o modelo estrutural de espaço (LOTMAN, 1992LOTMAN, J. Text i poliglotizm kultury (Text and cultural polyglotism). J.Lotman. Izbrannye statji. Vol. I. Statji po tipologii kultury. Tallinn: Aleksandra, 1992, pp.142-147., p.142)18 18 No inglês: “Genetically speaking, culture is built upon two primary languages. One of these is the natural language used by humans in everyday communication. […] The nature of the second primary language is not so obvious. What is under discussion is the structural model of space”. .

O modelo estrutural de espaço se reconstrói com base nas formulações bakhtinianas sobre espaço, tempo e cronotopo, sendo que a dominante nesse modelo resulta da complementaridade entre as noções de heterotopia - homotopia - politopia, em que a heterotopia desempenha a função integradora para a complementaridade (Fig. 2).

Fig. 2
Aspecto espacial da análise cronotópica

Comunicação acontece no espaço, textos existem no espaço e cada texto se constitui no espaço ou na hierarquia de espaços. Vale ressaltar a importância que Lótman conferia aos espaços textuais, ainda que as coordenadas do tempo não fossem ignoradas. Tempo e espaço constituem dois parâmetros analíticos da cultura bem como da pesquisa nesse campo, onde o conceito de cronotopo se configurou como um parâmetro de síntese, enriquecendo a abordagem analítica do texto e da cultura. Depois de ter sido introduzido nos trabalhos de Bakhtin, a análise cronotópica tornou-se particularmente relevante para as inter-relações da análise intersemiótica (cf. Keunen, 2010KEUNEN, B. The Chronotopic Imagination in Literature and Film: Bakhtin, Bergson and Deleuze on Forms of Time. In: BEMONG, N.; BORGHART, P.; DE DOBBELEER, M.; DEMOEN, K.; DE TEMMERMAN; KEUNEN, B. (eds.). Bakhtin's Theory of the Literary Chronotope: Reflections, Applications, Perspectives.Gent: Academia Press, 2010, pp.35-55.).

A abordagem cronotópica distingue, em princípio, três níveis em cada texto: o cronotopo topográfico, relacionado à trama, representação e sucessão dos eventos narrativos; o cronotopo psicológico, que exprime o ponto de vista das personagens; e o cronotopo metafísico, que determina a concepção do texto por meio de inter-relações entre os diferentes níveis cronotópicos. Considerando que os níveis cronotópicos não estão relacionados ao material dos textos, esse tipo de análise foi reconhecido pela contribuição à análise comparativa de textos que se constituem de diferentes materiais. Neste sentido, um dos princípios fundamentais da concepção semiótica da cultura é o conceito bakhtiniano de cronotopo como espaço-tempo.

Para uma compreensão aprofundada da poética e do pensamento artístico do autor é importante reconhecer na construção do texto não apenas o espaço organizado mas também o sistema de realidades (mundos). Uma vez que o espaço não existe sem o tempo, é possível descrever o modelo cronotópico de tempo a partir de relações complementares entre heterocronia - homocronia - policronia (TOROP, 2017TOROP, P. Semiotics of cultural history. Sign Systems Studies, v. 45, n.3/4, pp.317-334, 2017., p.330), legado que a semiótica da cultura contemporânea herdou de Bakhtin, aprimorando seu entendimento de cultura e de texto como sistema tempo-espacial ou cronotópico. De igual modo, os níveis cronotópicos são hierarquicamente organizados e as dominantes podem pertencer ao tempo, espaço ou tempo-espaço (cronotopo). Eis a razão pela qual, segundo uma visão holística do texto por meio do sistema cronotópico, é importante estabelecer uma tipologia elementar de tempo e espaço como parte do sistema cronotópico (Fig. 3).

Fig. 3
Sistema Cronotópico

O modelo de sistema cronotópico é uma tentativa de sintetizar os fragmentos sobre cronotopo escritos por Bakhtin em páginas avulsas (1973). O trabalho programático de Bakhtin, Formas de tempo e o cronotopo no romance19 19 BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: HUCITEC; Editora UNESP, 1988, p.211-362 foi, em grande parte, escrito entre 1937-1938. De 1970-1971 podemos encontrar em diferentes notas alguns trabalhos valiosos para o desenvolvimento do conceito: Observações finais foi escrito em 1973 e ao mesmo tempo é conhecida a mencionada coleção de fragmentos sobre cronotopo em páginas avulsas. Este trabalho foi publicado postumamente. Cronotopo tornou-se uma ferramenta holística tanto para o texto quanto para a cultura: “Mundo (cronotopo) como ambiente de personagens e mundo (cronotopo) como horizonte do autor” (BAKHTIN, 2012BAKHTIN, M. Formy vremeni i hronotopa v romane (Forms of Time and of the Chronotope in the Novel). In: Sobranie sochinenii v 7 tomah. [Trabalhos reunidos em 7 volumes.] Moscou: Jazyki slavjanskih kultur, 2012. pp.341-511. v.3., p.506)20 20 No inglês: “World (chronotope) as environment of characters and world (chronotope) as horizon of the author”. . Nesses fragmentos, há um evidente empenho em formular uma estrutura metodológica para a análise cronotópica:

A cronotopia do pensamento (especialmente antiga). Um ponto de vista é cronotópico, isto é, abarca tanto os aspectos de tempo quanto de espaço, o que está em relação direta com o ponto de vista axiológico (hierárquico, exprimindo a atitude em relação ao alto e ao baixo). O cronotopo de um evento representado, o cronotopo do narrador e o cronotopo do autor [...] (BAKHTIN, 2002BAKHTIN, M. Rabochie zapisi 1960 - nachala 1970 godov. [Notas de 1960 ao início de 1970.] In: Sobranie sochinenii v 7 tomah.[Trabalhos reunidos em 7 volumes.] Moscou: Russkie slovari, Jazyki slavjanskoi kultury, 2002. pp.371-439. v. 6., p.393)21 21 BAKHTIN, M. Rabochie zapisi 1960 - nachala 1970 godov. [Notas de 1960 ao início de 1970.] não foi traduzido para o português. [cf. Morson; Emerson, 1990MORSON, G.; EMERSON, C. Mikhail Bakhtin: Creation of a Prosaics Stanford: Stanford University Press, 1990.; Holquist, 1994HOLQUIST, M. Dialogism: Bakhtin and his World.London: Routledge, 1994.].

Os aspectos textuais consistem de valores cronotópicos analíticos como ferramentas cognitivas: cronotopo topográfico como visibilidade da realidade representada no texto; cronotopo psicológico como pontos de vista marcados ou não-marcados dos personagens; cronotopo metafísico como modo de realização da concepção do autor ou a formulação de uma nova concepção de texto no nível cronotópico. O aspecto extratextual pode ser encontrado também nas investigações de Bakhtin:

A obra e o mundo nela representado penetram no mundo real enriquecendo-o, e o mundo real penetra na obra e no mundo representado, tanto no processo da sua criação como no processo subsequente da vida, numa constante renovação da obra e numa percepção criativa de ouvintes- leitores. Esse processo de troca é sem dúvida cronotópico por si só [...]. Pode-se mesmo falar de um cronotopo criativo particula, no qual ocorre essa da obra com a vida e se realiza a vida particular de uma obra (BAKHTIN, 1981BAKHTIN, M. Forms of Time and of the Chronotope in the Novel. In: M. Bakhtin. The Dialogic Imagination. Four Essays. Austin: University of Texas Press, 1981. pp.84-258., p.254; grifo do autor)22 22 Referência na nota de rodapé 19. .

Cada texto se constitui, implícita ou explicitamente, de coexistência do mundo e da representação, ou da narrativa e da performance. As binariedades semióticas básicas que definem o mecanismo da montagem são discreção e continuidade, no nível da linguagem; textualidade e processualidade, no nível do texto; e, narratividade e performatividade no nível da semiosfera. Os níveis cronotópicos constituem diferenças que existem nos textos entre o mundo topográfico da história como uma realidade, os mundos individuais ou a subjetividade da percepção do mundo pelos participantes em eventos e o mundo conceitual ou síntese autoral de todos os aspectos do texto. O contato entre os níveis verticais e horizontais formam a esfera de semiotização (Fig. 4).

Fig. 4
Níveis cronotópicos de textos e esfera de semiotização

Semiotização (e semantização) significa que, no nível topográfico do cronotopo, o mundo da história é ao mesmo tempo o mundo dos signos - coisas, nomes, situações, comportamento. No nível psicológico do cronotopo, o mundo interior é o mundo dos estados semióticos, pensamentos, palavras de heróis; e, no nível metafísico do cronotopo, o mundo conceitual é o mundo do hiper-tema do autor. A análise cronotópica aproxima-nos da compreensão complexa do texto e de seu mecanismo gerador de significado.

O cronotopo criativo como ferramenta extratextual ajuda a entender a legibilidade ou a capacidade de consumo do texto em diferentes situações. Lotman desenvolveu tal pensamento e escreveu sobre ele em seu artigo programático “A semiótica da cultura e a noção de texto” (1981), afirmando:

[…] a função sociocomunicativa de um texto se torna consideravelmente mais complicada. Ela pode ser sumarizada pelos seguintes processos: 1. Comunicação entre emissor e destinatário: um texto cumpre a função do portador de informação para sua audiência. 2. Comunicação entre a audiência e a tradição cultural: o texto desempenha o papel de memória coletiva cultural. Trata-se de uma capacidade de reposição contínua e de recuperação de alguns aspectos da informação nela armazenada, esquecendo-se temporária ou totalmente dos outros. 3. Comunicação do leitor consigo mesmo: um texto dessa modalidade é especialmente importante para os textos tradicionais, antigos, cujo alto grau de canonicidade recupera certos aspectos da personalidade do próprio destinatário. Neste tipo de comunicação do destinatário da informação consigo mesmo, um texto desempenha o papel de mediador, ajudando a reorganizar a personalidade do leitor e modificando sua auto-orientação estrutural e a extensão de suas ligações com construções metaculturais. 4. Comunicação do leitor com o texto: um texto dessa modalidade é altamente organizado e deixa de ser apenas um mediador no ato de comunicação ao manifestar suas propriedades intelectuais, tornando-se um interlocutor em pé de igualdade e dotado de um alto grau de autonomia. Tanto para o autor (endereçante) quanto para o leitor (destinatário), ele pode funcionar como uma estrutura intelectual independente, desempenhando um papel ativo e independente no diálogo. A este respeito, a antiga metáfora de “conversar com um livro” revela-se repleta de significado profundo. 5. Comunicação entre um texto e o contexto cultural: nesse caso, o texto não é um agente de um ato comunicativo, mas um participante completo, como fonte ou receptor de informação (LOTMAN, 1988LOTMAN, J. The semiotics of culture and the concept of a text. Soviet Psychology, v. 26, n. 3, pp.52-58, 1988., p.55-56)23 23 No inglês: “the sociocommunicative function of a text becomes considerably more complicated. It may be reduced to the following processes: 1. Communication between addressant and addressee. A text fulfills the function of a message from the bearer of information to the audience. 2. Communication between the audience and the cultural tradition. A text fulfills the function of a collective cultural memory. In this capacity it discloses a capacity for continual replenishment and for retrieving some aspects of the information stored in it and temporarily or totally forgetting others. 3. Communication of the reader with himself. A text-this is especially important for traditional, ancient texts distinguished by their high degree of canonicity-retrieves certain aspects of the personality of the addressee himself. During this type of communication of the recipient of information with himself, a text plays the role of mediator, helping to reorganize the personality of the reader and change its structural self-orientation and the extent of its links with metacultural constructions. 4. Communication of the reader with the text. Manifesting intellectual properties, a highly organized text ceases to be merely a mediator in the act of communication. It becomes an interlocutor on an equal footing, possessing a high degree of autonomy. For the both the author (addressant) and the reader (addressee), it may work as an independent intellectual structure, playing an active and independent role in dialogue. In this respect, the ancient metaphor of “conversing with a book” turns out to be fraught with profound meaning. 5. Communication between a text and the cultural context. In this case the text is not an agent of a communicative act, but a fullfledged participant in it, as a source or a receiver of information”. .

Existem outros encaminhamentos no desenvolvimento das concepções de cronotopo criativo (Bakhtin) e de processos socioculturais de leitura e recepção (Lotman): a experiência cultural que se torna ambiente cultural; o ambiente cultural como equilíbrio entre a cultura imediata e mediada. A dinâmica da mediação cultural significa que é cada vez mais importante considerar não apenas a pluralidade de processos socioculturais, mas também a pluralidade de fontes uma vez que a comunicação elementar está se tornando meio de intercomunicação entre fontes compartilhadas.

O texto pode existir no espaço cultural como uma totalidade intersemiótica que não é apenas legível como também visível, audível e perceptível em diferentes formas. Estas versões intersemióticas e intermidiais de um mesmo texto estão disponíveis simultaneamente na web ou nas plataformas digitais e constituem o mundo transmídia. Em certo sentido, estamos de volta a buscar respostas a perguntas feitas, cada uma em sua época, por formalistas russos, Bakhtin, Vigótski e outros integrantes da teoria russa.

Novas mídias mudam

o estatuto dos textos em ambientes de produção e consumo por meio de multiplataformas. Quando os textos se tornam mais complicados e as narrativas são contadas através de plataformas, quais são as consequências para as nossas habilidades de realizar uma análise textual? Onde estão os limites dos textos multiplataforma e como devemos construir a unidade para análise textual? Onde se configura o limite entre texto e contexto? Quais narrativas podem ser consideradas histórias transmídia, e quais precisam ser descritas em outros termos? (BOLIN, 2010BOLIN, G. Digitization, Multiplatform Texts, and Audience Reception. Popular Communication, n. 8, pp.72-83, 2010., p.74)24 24 No original: “the status of texts in multiplatform production and consumption environments. When texts become more complicated and narratives are told across platforms, what are the consequences for our abilities to undertake textual analysis? Where are the limits of multiplatform texts, and how are we to construct the unit for textual analysis? Where can we draw the boundary between text and context? What narratives can be considered transmedia stories, and which need to be described in other terms?” .

Plataforma computacional e multiplataformas constituem este novo espaço cultural onde a leitura de múltiplas versões do texto acontece em curtíssimo tempo, e esta é uma nova situação de cronotopo criativo, o cronotopo no mundo transmídia (OJAMAA; TOROP, 2015OJAMAA, M.; TOROP, P. Transmediality of Cultural Autocommunication. International Journal of Cultural Studies, v, 18, n. 1, pp.61-78, 2015.).

Conclusão: perspectivas da semiótica cultural pelo prisma da teoria russa

A intermedialidade como nova realidade da cultura converteu-se numa das razões pelas quais a análise textual e cultural demanda novas ferramentas para desenvolver sua condição investigativa. A compreensão de Tiniánov da dinâmica literária e cultural, a teoria semiótica de Lótman do texto e seus pensamentos sobre um modelo de espaço como uma das linguagens primárias da cultura e a teoria do cronotopo de Bakhtin formam esse complexo teórico que pode dar novas possibilidades para o desenvolvimento tanto teórico quanto dos princípios práticos de análise cultural e textual.

A Teoria russa e a Semiótica da cultura constituem, de acordo com a argumentação deste artigo, um sistema dotado de dispositivos complementares. As três últimas frases do manifesto de Tiniánov e Jakobson intitulado Problemas no estudo da linguagem e literatura (1928) podem ser interpretadas como uma introdução histórica ao programa da escola Tártu-Moscou de 1973:

O problema de uma escolha específica de caminho, ou pelo menos do dominante, pode ser resolvido somente através de uma análise da correlação entre as séries literárias e outras séries históricas. Esta correlação (um sistema de sistemas) desenvolve suas próprias leis estruturais que devem ser submetidas à investigação. Seria metodologicamente fatal considerar a correlação de sistemas sem levar em conta as leis imanentes de cada sistema (JAKOBSON, 1985JAKOBSON, R. Verbal Art, Verbal Sign, Verbal Time. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1985., p.26-27) 25 25 No original: “The question of a specific choice of path, or at least of the dominant, can be solved only through an analysis of the correlation between the literary series and other historical series. This correlation (a system of systems) has its own structural laws, which must be submitted to investigation. It would be methodologically fatal to consider the correlation of systems without taking into account the immanent laws of each system”. .

Para a próxima parte histórica implícita do programa da semiótica cultural, podemos tomar a interpretação semiótica de Jakobson embutida em seu modelo de comunicação de 1967:

O exame da presença e hierarquia daquelas funções básicas que observamos na linguagem - fixação sobre o referente, o código, o remetente, o destinatário, sobre o contato deles ou, enfim, sobre a própria mensagem - deve aplicar-se também a outros sistemas semióticos. Em particular, a análise comparativa de estruturas determinadas pela fixação predominante sobre a mensagem (função artística) ou, em outras palavras, a investigação paralela das artes verbal, musical, figurativa, coreográfica, teatral e fílmica pertence aos mais imperativos e frutuosos deveres da ciência semiótica (JAKOBSON, 1970, p.20)26 26 JAKOBSON, R. A linguística em suas relações com outras ciências. In: SCHNAIDERMAN, B.; CAMPOS, H. (org.). Linguística. Poética. Cinema: Roman Jakobson no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1970, p.11-64. .

A semiótica cultural posterior a Lótman encontra condições favoráveis de desenvolvimento de sua própria metodologia disciplinar tendo como base a força do patrimônio da teoria russa (cf. Kroó; Torop, 2018KROÓ, K.; TOROP, P. Text Dynamics: Renewing Challenges for Semiotics of Literature. Sign Systems Studies, v. 46, n. 1, pp.143-167, 2018.). A compreensão semiótica da cultura como hierarquia dos sistemas de signos (linguagens culturais), de um lado, e isomorfismo individual e cultural como personalidade coletiva, do outro, atualiza a importância do conhecimento da própria herança. Uma possibilidade evidente nesse sentido encontra-se na análise sistemática do campo terminológico que a história da metalinguagem realiza. Um bom exemplo emerge na definição lotmaniana de texto voltada para as noções de material e obra de arte de modo a descrever a dupla face do texto. Ambas as noções eram palavras-chave da escola formalista (ver Glossary, 1977GLOSSARY. Formalist Theory. Glossary of Formalist Terminology. Russian Poetics in Translation 4, 1977.) e ao mesmo tempo também noções muito importantes para a teoria russa, especialmente para Bakhtin (RENFREW, 2006RENFREW, A. A Word about Material (Bakhtin and Tynianov). SEER, v. 84, n. 3, pp.419-445, 2006.). Não só o primeiro Lótman, mas também o autor de Cultura e explosão pode ser mais profundamente entendido no contexto da teoria russa, porque a noção de explosão esteve não só implícita como também ativamente manifestada em muitos escritos dos anos de 1920. Na interpretação contemporânea, essas possíveis fontes de Lótman ainda não foram explicadas.

A outra possibilidade para um posterior desenvolvimento é o movimento em direção à ciência semiótica da cultura. A herança pode constituir ferramenta inovadora desse processo. Por exemplo, a noção de semiosfera origina-se da natureza dinâmica da noção de texto o que, para Lotman, estabelecia contatos mais próximos entre espaço (textual, cultural, semiótico) e tempo (sincronia, diacronia, acronia). Os últimos livros de Lótman são dedicados à dinâmica e processualidade. A ambiguidade que limita o campo terminológico da semiosfera (biosfera, esfera social, semiosfera, noosfera, espaço semiótico), no entanto, torna-se uma razão pela qual o desenvolvimento conceitual dessa concepção é importante. Uma possibilidade é a análise cronotópica do texto e a teoria cronotópica da cultura. É por isso que nesse artigo a noção de cronotopo ocupa um lugar tão central.

Uma das missões de Lotman como um dos líderes da escola Tártu-Moscou foi investigar e mediar heranças esquecidas. Na situação de censura, muitos contatos entre Lótman e a teoria russa não eram visíveis. Podemos encontrar um diálogo implícito intensivo entre Lótman, de um lado, e Tiniánov, outros formalistas, Bakhtin e Vigótski, do outro. Um conhecimento melhor da teoria russa nos torna mais compreensível a herança de Lótman. E o que é importante para a semiótica futura, a síntese de Lotman, Tiniánov, Bakhtin, Vigótski, Eisenstein e outros pode ser a base para a formação do próximo estágio da semiótica da cultura.

  • 1
    No original: “[…] semiotic approach was developed synchronically with the major lines in European and American semiotics (loosely speaking, the Saussurian and Peircean ones), but is not sufficiently known and studied. The recent publications of previously unknown papers by Shpet make this philosopher an advanced figure on the Russian semiotic scene”.
  • 2
    No original: “Meanwhile, in Russia Shpet was not the only one working in the field of semiotics, poetics and philosophy of language. Features of deep semiotics are also present in the works of his contemporaries - for example, the poet Andrey Bely and the theologian Pavel Florensky. Modified versions of the conception of the inner form may be found in Wassily Kandinsky’s theory of art, as well as in scholarly writings by Lev Vygotsky, Mikhail Bakhtin, Vladimir Voloshinov, and others”.
  • 3
    No inglês: “In a text a polylogue of different systems is constantly taking place; different modes of the explanation and systematization of the world, different pictures of the world, come into conflict. The poetic (belletristic) text is in principle polyphonic”.
  • 4
    No inglês: “Structural-semiotic literary criticism takes into consideration the experience of all preceding literary scholarship. It has, however, its own specific character. It arose in the environment of that scientific revolution that has marked the middle of the twentieth century and is organically connected with the ideas and methodology of structural linguistics, semiotics, information theory and cybernetics”.
  • 5
    No inglês: “Scientific investigation is not only an instrument for the study of culture but is also part of its object. Scientific texts, being metatexts of the culture, may at the same time be regarded as its texts. Therefore any significant scientific idea may be regarded both as an attempt to cognize culture and as a fact of its life through which its generating mechanisms take effect. From this point of view we might raise the question of modern structural-semiotic studies as phenomena of Slavic culture (the role of the Czech, Slovak, Polish, Russian, and other traditions)”.
  • 6
    IVANOV, V.; LOTMAN, I.; PIATIGORSKI, A.; TOPOROV, V.; USPENSKII, B. Teses para uma análise semiótica da cultura (uma aplicação aos textos eslavos). In: MACHADO, I. Escola de semiótica: a experiência de Tártu-Moscou para o estudo da cultura. São Paulo: Ateliê, 2003, p.99-137.
  • 7
    No inglês: “[…] the study of the functional correlation of different sign systems. From this point of view particular importance is attached to questions of the hierarchical structure of the languages of culture”.
  • 8
    Referência na nota de rodapé 6.
  • 9
    No inglês: “[…] is directly related to the structural-semiotic analysis of cultural and literary texts”.
  • 10
    No inglês: “Literary fact is heterogeneous, and in this sense literature is an incessantly evolutioning order”.
  • 11
    No inglês: “A literary system is first of all a system of the functions of the literary order which are in continual interrelationship with other orders”.
  • 12
    N.T.: Crosmidialidade designa a prática da publicidade e do marketing de circular uma mesma campanha em diferentes mídias: meio impresso, rádio, televisão, cinema, internet.
  • 13
    N.T.: Transmidialidade refere-se à expansão de narrativas em diferentes suportes midiáticos: um filme se expande em história em quadrinhos, game, livro, acessórios pessoais, etc.
  • 14
    N.T.: Convergência, tal como formulada por Henry Jenkins (2008), tornou-se a matriz conceitual de todo o processo de migração de meios na comunicação digital, quando se torna possível reunir diferentes mídias numa única plataforma, caso do jornal impresso que se reorganiza em blog; do rádio que passa a ser transmissão de webrádio ou podcast; da televisão cujo conteúdo é transportado para as plataformas de youtube ou vimeo.
  • 15
    JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
  • 16
    No original: “The mechanistic, morphological, and systemic models are metaphors: they assume a similarity between the literary work and machines, organisms, or hierarchical systems. The linguistic model, on the other hand, is a synecdoche based on a pars pro toto relation. It substitutes language - the material of verbal art - for art itself, and linguistics - the science of language - for literary studies. The linguistic model and its crucial concept of ‘poetic language’ proved to be extremely powerful and not only for Formalist poetics but for Prague Structuralism and later Structuralist poetics”.
  • 17
    No original: “We have seen that both the Bakhtinians and the Prague Structuralists redefined the primary principle of Formalist literary science from a semiotic perspective”.
  • 18
    No inglês: “Genetically speaking, culture is built upon two primary languages. One of these is the natural language used by humans in everyday communication. […] The nature of the second primary language is not so obvious. What is under discussion is the structural model of space”.
  • 19
    BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: HUCITEC; Editora UNESP, 1988, p.211-362
  • 20
    No inglês: “World (chronotope) as environment of characters and world (chronotope) as horizon of the author”.
  • 21
    BAKHTIN, M. Rabochie zapisi 1960 - nachala 1970 godov. [Notas de 1960 ao início de 1970.] não foi traduzido para o português.
  • 22
    Referência na nota de rodapé 19.
  • 23
    No inglês: “the sociocommunicative function of a text becomes considerably more complicated. It may be reduced to the following processes: 1. Communication between addressant and addressee. A text fulfills the function of a message from the bearer of information to the audience. 2. Communication between the audience and the cultural tradition. A text fulfills the function of a collective cultural memory. In this capacity it discloses a capacity for continual replenishment and for retrieving some aspects of the information stored in it and temporarily or totally forgetting others. 3. Communication of the reader with himself. A text-this is especially important for traditional, ancient texts distinguished by their high degree of canonicity-retrieves certain aspects of the personality of the addressee himself. During this type of communication of the recipient of information with himself, a text plays the role of mediator, helping to reorganize the personality of the reader and change its structural self-orientation and the extent of its links with metacultural constructions. 4. Communication of the reader with the text. Manifesting intellectual properties, a highly organized text ceases to be merely a mediator in the act of communication. It becomes an interlocutor on an equal footing, possessing a high degree of autonomy. For the both the author (addressant) and the reader (addressee), it may work as an independent intellectual structure, playing an active and independent role in dialogue. In this respect, the ancient metaphor of “conversing with a book” turns out to be fraught with profound meaning. 5. Communication between a text and the cultural context. In this case the text is not an agent of a communicative act, but a fullfledged participant in it, as a source or a receiver of information”.
  • 24
    No original: “the status of texts in multiplatform production and consumption environments. When texts become more complicated and narratives are told across platforms, what are the consequences for our abilities to undertake textual analysis? Where are the limits of multiplatform texts, and how are we to construct the unit for textual analysis? Where can we draw the boundary between text and context? What narratives can be considered transmedia stories, and which need to be described in other terms?”
  • 25
    No original: “The question of a specific choice of path, or at least of the dominant, can be solved only through an analysis of the correlation between the literary series and other historical series. This correlation (a system of systems) has its own structural laws, which must be submitted to investigation. It would be methodologically fatal to consider the correlation of systems without taking into account the immanent laws of each system”.
  • 26
    JAKOBSON, R. A linguística em suas relações com outras ciências. In: SCHNAIDERMAN, B.; CAMPOS, H. (org.). Linguística. Poética. Cinema: Roman Jakobson no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1970, p.11-64.

REFERÊNCIAS

  • BAKHTIN, M. Forms of Time and of the Chronotope in the Novel. In: M. Bakhtin. The Dialogic Imagination. Four Essays. Austin: University of Texas Press, 1981. pp.84-258.
  • BAKHTIN, M. Rabochie zapisi 1960 - nachala 1970 godov. [Notas de 1960 ao início de 1970.] In: Sobranie sochinenii v 7 tomah.[Trabalhos reunidos em 7 volumes.] Moscou: Russkie slovari, Jazyki slavjanskoi kultury, 2002. pp.371-439. v. 6.
  • BAKHTIN, M. Formy vremeni i hronotopa v romane (Forms of Time and of the Chronotope in the Novel). In: Sobranie sochinenii v 7 tomah. [Trabalhos reunidos em 7 volumes.] Moscou: Jazyki slavjanskih kultur, 2012. pp.341-511. v.3.
  • BOLIN, G. Digitization, Multiplatform Texts, and Audience Reception. Popular Communication, n. 8, pp.72-83, 2010.
  • FESHCHENKO, V. Gustav Shpet’s deep semiotics: A science of understanding signs. Sign Systems Studies, v. 43. N. 2/3, pp.235-248, 2015.
  • GLOSSARY. Formalist Theory. Glossary of Formalist Terminology. Russian Poetics in Translation 4, 1977.
  • HANSEN-LÖVE, A. Russkij formalizm. Metodologicheskaja rekonstrukcija razvitija na osnove principa ostranenija Moskva: Jazyki russkoi kul’tury, 2001.
  • HOLQUIST, M. Dialogism: Bakhtin and his World.London: Routledge, 1994.
  • IVANOV, V. Predislovie. In: IVANOV, V. (ed.). Russkij formalizm. (1913-2013). Mezhdunarodnyi kongress k 100-letiju russkoi formal’noi shkoly. Tezisy dokladov Moskva: Institut slavjanovedenija RAN, 2013. pp.12-16.
  • JAKOBSON, R. Linguistics in Relation to Other Sciences. In: JAKOBSON, R. Selected Writings.II. Word and Language. The Hague, Paris: Mouton, 1971, pp.655-695.
  • JAKOBSON, R. Verbal Art, Verbal Sign, Verbal Time Minneapolis: University of Minnesota Press, 1985.
  • JENKINS, H. Convergence Culture: Where Old and New Media Collide. New York: New York University Press, 2006.
  • KROÓ, K.; TOROP, P. Text Dynamics: Renewing Challenges for Semiotics of Literature. Sign Systems Studies, v. 46, n. 1, pp.143-167, 2018.
  • KEUNEN, B. The Chronotopic Imagination in Literature and Film: Bakhtin, Bergson and Deleuze on Forms of Time. In: BEMONG, N.; BORGHART, P.; DE DOBBELEER, M.; DEMOEN, K.; DE TEMMERMAN; KEUNEN, B. (eds.). Bakhtin's Theory of the Literary Chronotope: Reflections, Applications, Perspectives.Gent: Academia Press, 2010, pp.35-55.
  • LOTMAN, J. Lekcii po struktural’noi poetike. Vyp. I (Vvedenie, teorija stiha). Trudy po znakovym sistemam, 1964, n.1.
  • LOTMAN, J. Analysis of the Poetic Text Ann Arbor: Ardis, 1976.
  • LOTMAN, J. The semiotics of culture and the concept of a text. Soviet Psychology, v. 26, n. 3, pp.52-58, 1988.
  • LOTMAN, J. Zametki o tartuskih semioticheskih izdanijah. Trudy po russkoj literature I semiotike tartuskogo universiteta 1958-1990. Ukazateli soderzhanija Tartu, 1991, pp.89-92.
  • LOTMAN, J. Text i poliglotizm kultury (Text and cultural polyglotism). J.Lotman. Izbrannye statji Vol. I. Statji po tipologii kultury. Tallinn: Aleksandra, 1992, pp.142-147.
  • LOTMAN, J. Proposals for the Programme of the 4th Summer School on Secondary Modelling Systems. In: SALUPERE, S.; TOROP, P.; KULL, K. (eds). Beginnings of the Semiotics of Culture Tartu: Tartu University Press, 2013. pp.41-43.
  • IVANOV, V.; LOTMAN, I.; PIATIGORSKI, A.; TOPOROV, V.; USPENSKII, B. Theses on the Semiotic Study of Cultures (as Applied to Slavic Texts). In: SALUPERE, S.; TOROP, P.; KULL, K. (ed.). Beginnings of the Semiotics of Culture Tartu: Tartu University Press, 2013. pp.53-77.
  • MORSON, G.; EMERSON, C. Mikhail Bakhtin: Creation of a Prosaics Stanford: Stanford University Press, 1990.
  • OJAMAA, M.; TOROP, P. Transmediality of Cultural Autocommunication. International Journal of Cultural Studies, v, 18, n. 1, pp.61-78, 2015.
  • PEAESON, R.; SMITH, A. N. Storytelling in the Media Convergence Age: Exploring Screen Narratives. Basingstoke, New York: Palgrave Macmillan, 2015.
  • REDKOLLEGIJA. Ot redakcii.Trudy po znakovym sistemam, n. 4, 5-6, 1969.
  • RENFREW, A. A Word about Material (Bakhtin and Tynianov). SEER, v. 84, n. 3, pp.419-445, 2006.
  • SALDRE, M.; TOROP, P. Transmedia Space.In: IBRUS,I.; SCOLARI, C. (eds.). Crossmedia Innovations: Texts, Markets, Institutions. Frankfurt am Main, Berlin et al: Peter Lang, 2012. pp.25-44.
  • STEINER, P. Russian Formalism [1995]. In: SELDEN, R. (ed.). The Cambridge History of Literary Criticism Vol.8. From Formalism to Poststructuralism. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. pp.11-29.
  • STEINER, P. Three Metaphors of Russian Formalism. Poetics Today, v. 2, n. 1b, pp.59-116, 1980/1981.
  • TOROP, P. International Context of History of Cultural Semiotics. In: SHARIFIAN, F. (ed.). Cultural Semiotics The Routledge Handbook of Language and Culture. London, New York: Routledge Taylor & Francis Ltd, 2015. pp.170-180.
  • TOROP, P. Semiotics of cultural history. Sign Systems Studies, v. 45, n.3/4, pp.317-334, 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2018
  • Aceito
    17 Ago 2019
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bakhtinianarevista@gmail.com