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Ana Maria Giulietti-Harley

Quando um mestre é efetiva e essencialmente mestre, ou seja, antes de ele ser interpretado como tal, ele não é mestre no sentido real da palavra. O mestre deve ser vivido. [Marchesini, A. 1992. Longhi e Pasolini: ‘tra fulgurazione figurativa e fuga dalla citazione. Autografo 9(26): 3]

A Dra. Ana Maria Giulietti-Harley nasceu Ana Maria de Barros Lima, filha de Seu Gastão e de Dona Ana, em Pesqueira, no agreste pernambucano. Diplomada Bacharel em História Natural, em 1967, pela Universidade Federal de Pernambuco, no ano seguinte ingressou no programa de pós-graduação do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, onde, em 1970, obteve o título de Mestre em Botânica. Na mesma instituição, tornou-se Doutora em Ciências (1978), Livre-docente (1984) e Professora titular (1989).

Suas atividades de docência começaram no Departamento de Botânica da Universidade Federal Rural de Pernambuco, como Auxiliar de Ensino, e também como professora de Botânica da Universidade Católica de Pernambuco, em 1970. Após passar um período em Brasília, como assessora-chefe da Central de Medicamentos da Presidência da República, a Profa. Ana ingressou como Auxiliar de Ensino no Departamento de Botânica da USP, em regime de dedicação exclusiva, em 1975.

Na USP, Ana Maria Giulietti-Harley construiu uma carreira sólida, passando por todas as etapas da vida acadêmica, de Auxiliar de Ensino a Titular. Ali, teve início e consolidação uma de suas obras mais significativas e relevantes: a formação de novos botânicos para o Brasil. Foram 21, dos 31 mestres no total, e 30, dos 35 doutores, titulados sob sua orientação, nessa Instituição. Atualmente, esses botânicos encontram-se em 12 unidades da federação, das cinco regiões do país, e em quatro outros países, além do Brasil, a maioria formando novas gerações de pesquisadores de nossa flora.

Após sua aposentadoria, na USP, em 1996, a Dra. Ana ingressou na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), na Bahia. Ali, impulsionou a Botânica existente, formando um importante núcleo de botânicos no contexto do Nordeste e do Brasil, como um todo. Na UEFS, a Profa. Ana foi pró-reitora de pesquisa e pós-graduação e atualmente é orientadora do Programa de Pós-graduação em Botânica da mesma instituição.

Na pesquisa, a Dra. Ana produziu, até o momento, quase duas centenas de artigos em periódicos, mais de 50 capítulos de livros e foi autora ou co-autora de 13 livros. Participou de inúmeros projetos de pesquisa e, após sua aposentadoria na UEFS, tornou-se Pesquisadora Associada do Instituto Tecnológico Vale de Desenvolvimento Sustentável. É Research Associate do Royal Botanic Gardens, Kew, Reino Unido, e membro da Academia Brasileira de Ciências, desde 2005. Foi presidente da Sociedade Botânica do Brasil e da Asociación Latinoamericana de Botánica.


Ana Maria Giulietti-Harley (foto: Gustavo Shimizu)

Outro aspecto muito expressivo da carreira dessa pesquisadora é sua colaboração em órgãos de fomento à pesquisa e órgãos ligados a políticas públicas, tais como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), entre muitos outros. Foi também coordenadora do Instituto de Milênio do Semi-árido e do Programa de Biodiversidade do Semi-árido.

Para além desses aspectos curriculares, que são muitos e não seriam esgotados em poucas linhas, existe outra dimensão da vida da Dra. Ana Maria Giulietti-Harley, que não aparece nas consultas pela internet, nem nas páginas dos memoriais, e que são tão ou mais importantes do que esses todos: trata-se da dimensão humana.

Conheci a Ana ainda no primeiro ano da graduação e toda minha formação acadêmica deu-se sob sua orientação. Portanto, escrevo a partir da perspectiva de alguém que, muito proximamente, conheceu seu pensamento e sua ação.

Um dos aspectos mais notáveis de sua personalidade, além do indefectível sorriso, é a enorme capacidade de trabalho que possui. A diversidade de temas que orientou, a quantidade de trabalhos que produziu, os inúmeros projetos que liderou atestam essa realidade. Outra faceta que possui, muito importante sobretudo para seus orientandos, é o extremo otimismo e a confiança com que enfrenta os desafios. Nunca a ouvi dizer: "nós não vamos conseguir". Soma-se a isso, sua habilidade em liderar grupos, acompanhada do desprendimento para dividir o trabalho e seus resultados. A comprovação sobre tais características é obtida, por exemplo, quando lançamos um olhar sobre Eriocaulaceae. Há vinte anos, a Ana era a única especialista dessa família que, embora tendo sua diversidade centrada no Brasil, era ainda bem pouco conhecida. Hoje, somos mais de uma dezena de pesquisadores, com três gerações de filiação científica a partir de suas orientações, produzindo dados nas mais variadas abordagens na família.

Outro ponto a ressaltar é sua capacidade formativa, sua função de mestra. Os números relativos às teses, dissertações e aos trabalhos, apesar de significativos, não revelam o que há por detrás deles: o fato de que existe, em cada um, uma condução personalizada, a marca de um traço distintivo. Sempre me impressionou a forma como a Ana se ocupa dos orientandos, dando o tratamento que mais se ajusta às características e às necessidades de cada um: para uns, maior rigidez; para outros, mais liberdade; para esse, uma presença mais marcada; para aquele, maior autonomia. Essa habilidade fez e faz com que seja respeitada e estimada por todos aqueles que foram seus alunos.

Por fim, um último aspecto a salientar é a aptidão, que a Ana tem, de criar o novo, transformar ideias em fatos. Não fosse assim, não teria formado tantos botânicos espalhados pelo país, que hoje são formadores de novos botânicos. Não fosse assim, não teria reiniciado sua vida na Bahia, após se aposentar na USP, para "saldar um dívida com o Nordeste", como sempre dizia. Não fosse assim, não continuaria, ainda hoje, ativa e efetiva na produção do conhecimento e de recursos humanos.

Por tudo isso, considero esse volume especial que a Rodriguésia lhe dedica, uma homenagem justa, merecida e, mais do que tudo, apropriada. Afinal, a melhor maneira de reconhecer e honrar a carreira de um cientista é produzindo mais e nova ciência. À Ana, nosso reconhecimento e gratidão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2015
  • Aceito
    30 Maio 2015
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