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Dificuldades comunicativas percebidas por mães de crianças com suspeita de transtorno do espectro do autismo em contexto de distanciamento social

RESUMO

Objetivo:

caracterizar a percepção das mães de crianças com risco para Transtorno do Espectro do Autismo acerca das dificuldades comunicativas dos seus filhos, e investigar possíveis mudanças após intervenção baseada em orientação breve via telemonitoramento.

Métodos:

participaram oito mães de crianças entre 32 e 45 meses com suspeita de Transtorno do Espectro do Autismo e em processo de investigação diagnóstica. Utilizou-se o Questionário sobre Dificuldades Comunicativas, aplicado antes e após intervenção baseada em orientação por telemonitoramento. A análise inferencial utilizou o teste de postos de Wilcoxon, com nível de significância de 5%.

Resultados:

a comparação entre os dois momentos não indicou diferença estatística. Porém, houve modificações na análise qualitativa. No domínio 1, observou-se mudança na moda em duas questões. No domínio 2 houve moda discordo inicialmente e, após intervenção, passou a concordo acerca da sensação de outras pessoas evitarem/zombarem seus filhos. No domínio 3, a questão “Pego todos os objetos que meu filho aponta” passou de concordo para discordo (62,5% para 25%) e a “Não consigo ensinar coisas novas para meu filho” não teve mudança na moda, apenas redução da concordância (50% para 25%). No domínio 4, houve redução de concordância, sem mudança da moda.

Conclusões:

as mães perceberam dificuldades comunicativas e desafios cotidianos para lidar com os filhos. Apesar da ausência de diferença estatística, qualitativamente observaram-se modificações sutis nas percepções das dificuldades após a intervenção.

Descritores:
Transtorno do Espectro Autista; Transtornos da Comunicação; Cuidadores; Desenvolvimento Infantil; Desenvolvimento da Linguagem

ABSTRACT

Purpose:

to characterize the perception of mothers of children at risk for Autism Spectrum Disorder about their children's communicative difficulties, and to investigate possible changes after intervention based on brief guidance by telemonitoring.

Methods:

eight mothers of children aged 32 to 45 months with suspected Autism Spectrum Disorder undergoing diagnostic investigation participated. The Communicative Difficulties Questionnaire was used, applied before and after intervention based on a brief telemonitoring guidance. The inferential analysis used the Wilcoxon rank test, at a significance level of 5%.

Results:

comparison between the two moments did not indicate statistically significant difference. However, there were changes in qualitative analysis. In domain 1, a change in mode was observed in two questions. Initially, in domain 2, a disagreeing mode was seen, which after the intervention evolved to agreeing about the feeling of other people avoiding/bullying their children. In domain 3, the question “I take all objects that my child points to” changed from agreeing to disagreeing (62.5% to 25%), and the question “I can't teach my child new things” had no change in mode, only a reduction of agreement (50% to 25%). In domain 4, there was a reduction in agreement, with no change in mode.

Conclusions:

the mothers perceived communicative difficulties and daily challenges in dealing with their children. Despite the lack of a statistical difference, qualitatively subtle changes were observed in the perceptions of difficulties, after the intervention.

Descriptors:
Autism Spectrum Disorder; Communication Disorders; caregivers; Child development; Language Development

Introdução

Alterações no desenvolvimento podem estar presentes já no primeiro ano de vida de crianças com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), sendo manifestadas pela ausência de contato visual ou sorriso social e escassez de respostas interacionais11. Zanon RB, Backes B, Bosa CA. Identificação dos primeiros sintomas do autismo pelos pais. Psicol Teor e Pesqui. 2014;30(1):25-33.. De acordo com os critérios diagnósticos atuais, essas crianças irão apresentar déficits persistentes na comunicação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades22. Association AP. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-V. 5th ed. Artmed, editor. Porto Alegre; 2014..

No que se refere à comunicação, as alterações incluem prejuízos relacionados à expressão facial, atenção compartilhada e intenção comunicativa, atraso na produção das primeiras palavras, presença de ecolalia e, em alguns casos, há regressão da fala. Mesmo as crianças com TEA que desenvolvem linguagem verbal apresentam dificuldades na funcionalidade comunicativa e comprometimento da competência pragmática22. Association AP. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-V. 5th ed. Artmed, editor. Porto Alegre; 2014..

Assim, as alterações comunicativas são um importante desafio para o desenvolvimento destas crianças e impactam na dinâmica familiar33. Wosik J, Fudim M, Cameron B, Gellad ZF, Cho A, Phinney D et al. Telehealth transformation: COVID-19 and the rise of virtual care. J Am Med Informatics Assoc. 2020;27(6):957-62.. A busca pelo diagnóstico, na maioria das vezes, é iniciada quando os pais começam a perceber alterações no desenvolvimento de seus filhos, em comportamentos que dificultam sua comunicação, interação ou seu desempenho em atividades de vida diária44. Bejarano-Martín Á, Canal-Bedia R, Magán-Maganto M, Fernández-Álvarez C, Cilleros-Martín MV, Sánchez-Gómez MC et al. Early detection, diagnosis and intervention services for young children with Autism Spectrum Disorder in the European Union (ASDEU): family and professional perspectives. J Autism Dev Disord. 2020;50(9):3380-94..

Em algumas crianças os sinais clínicos deste transtorno estão presentes precocemente. Em outros casos as características só se tornam evidentes com o aumento da demanda comunicativa, o que pode ocasionar um atraso no diagnóstico e no acesso a programas de intervenção e orientação familiar55. Zwaigenbaum L, Bauman ML, Stone WL, Yirmiya N, Estes A, Hansen RL et al. Early identification of Autism Spectrum Disorder: recommendations for practice and research. Pediatrics. 2015;136(1):S10-40..

Pesquisas longitudinais apontam que comportamentos parentais responsivos predizem de maneira confiável ganhos subsequentes nas habilidades comunicativas em crianças com TEA. As pesquisas evidenciam ainda que a participação das mães nos processos de intervenção de seus filhos com TEA proporciona um aumento na frequência de compartilhamento de tópicos e atenção compartilhada da díade, apontando efeitos positivos sobre as habilidades sociocomunicativas da mãe e criança55. Zwaigenbaum L, Bauman ML, Stone WL, Yirmiya N, Estes A, Hansen RL et al. Early identification of Autism Spectrum Disorder: recommendations for practice and research. Pediatrics. 2015;136(1):S10-40..

Programas de intervenção têm sido desenvolvidos buscando capacitar os pais e cuidadores como mediadores no processo de estimulação de seus filhos. Essas propostas de intervenção terapêutica levam em consideração estratégias destinadas à ampliação da consciência dos pais sobre sua função no desenvolvimento dos seus filhos66. Oliveira JJM, Schmidt C, Pendeza DP. Intervenção implementada pelos pais e empoderamento parental no Transtorno do Espectro Autista. Psicol Esc e Educ. 2020;24:e218432..

Por meio da orientação e do desenvolvimento de programas de intervenção que incluem as famílias, o fonoaudiólogo pode fornecer aos pais condições de assumirem papéis mais ativos no estabelecimento de ambientes de comunicação apropriados para crianças com TEA e que proporcionam experiências interativas bem-sucedidas77. Barbosa MRP, Fernandes FDM. Remote follow-up to speech-language intervention for children with Autism Spectrum Disorders (ASD): parents' feedback regarding structured activities. CoDAS. 2017;29(2):3-5..

Todavia, durante o distanciamento social decorrente da pandemia de COVID-19, a dinâmica familiar de muitos lares foi alterada. Alguns familiares precisaram exercer suas atividades laborais em casa, outros tiveram redução de salário ou perderam seus empregos. Além disso, a privação de experiências sociais surge como um fator de risco que pode ter potencializado ou desencadeado dificuldades no desenvolvimento, visto que este sofre influência de fatores biológicos, ambientais e socioeconômicos para que ocorra de forma harmônica88. Araújo LA, Veloso CF, Souza MC, Azevedo JMC, Tarro G. The potential impact of the COVID-19 pandemic on child growth and development: a systematic review. Jornal de Pediatria. 2021;97(4):369-77..

No período inicial da pandemia, os serviços considerados não essenciais ou eletivos, que não se enquadravam em urgência e emergência, como no caso da reabilitação fonoaudiológica ambulatorial, foram suspensos88. Araújo LA, Veloso CF, Souza MC, Azevedo JMC, Tarro G. The potential impact of the COVID-19 pandemic on child growth and development: a systematic review. Jornal de Pediatria. 2021;97(4):369-77.. Com isso, muitas crianças e famílias que estavam iniciando um processo de investigação ou intervenção diagnóstica ficaram sem assistência presencial.

Nessa perspectiva, este estudo buscou caracterizar a percepção das mães de crianças com risco para Transtorno do Espectro do Autismo acerca das dificuldades comunicativas dos seus filhos, e investigar possíveis mudanças após intervenção baseada em orientação breve via telemonitoramento.

Métodos

Este estudo compõe um projeto maior e que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes, conforme determinações da Resolução nº 466/13 do Conselho Nacional de Saúde, parecer 4.204.936. Todas as mães que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE.

O estudo foi desenvolvido em parceria com o Centro Especializado em Reabilitação (CER) do munícipio. A seleção dos participantes ocorreu em setembro de 2020, a partir da triagem do CER, e todas as crianças estavam em lista de espera para seguir com o processo de investigação diagnóstica com equipe multiprofissional por apresentarem sinais clínicos sugestivos de TEA. Os critérios de inclusão das famílias compreendiam ter filhos com pelo menos 2 anos e meio, além de ter acesso à smartphone ou computador com internet. Ao total, participaram oito mães de crianças na faixa etária entre 32 e 45 meses.

No que se refere ao nível socioeconômico das famílias, classificado segundo o Critério Brasil99. ABEP: Associação Nacional de Empresas e Pesquisas. Critério de classificação econômica do Brasil. São Paulo: ABEP; 2019., as categorias B1, B2 e C1 foram as mais frequentes com 25% de ocorrência cada, a variação foi de B1 a D-E. Quanto ao grau de instrução, 75% das mães possuíam ensino médio completo, 12,5% ensino fundamental e 12,5% ensino superior completo.

Para responder ao objetivo deste estudo, as mães foram entrevistadas utilizando-se o Questionário sobre Dificuldades Comunicativas (QDC)1010. Balestro JI, Fernandes FDM. Questionário sobre dificuldades comunicativas percebidas por pais de crianças do espectro do autismo. Rev da Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):279-86., cuja finalidade é elencar as dificuldades percebidas por pais e/ou cuidadores de crianças com TEA na comunicação com seus filhos. O questionário é um instrumento de coleta de informações para obter o perfil do estilo comunicativo de cada díade e/ou família, e não um teste que visa alcançar um resultado e incentivar determinada reação por meio de perguntas. Foi construído de forma a abordar informações pessoais e questões gerais envolvidas no espectro do autismo1010. Balestro JI, Fernandes FDM. Questionário sobre dificuldades comunicativas percebidas por pais de crianças do espectro do autismo. Rev da Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):279-86..

O QDC é composto por 24 questões fechadas, cujas respostas podem variar entre quatro possibilidades: concordo completamente - quando há concordância dominante; concordo - quando há concordância, porém, nem todas as vezes; discordo - quando há discordância, porém, nem todas as vezes; discordo completamente - quando há discordância dominante. Para cada resposta é atribuída uma pontuação, variando de 3 pontos (concordo completamente) até 0 ponto (discordo completamente).

Suas questões estão divididas em quatro domínios: (1) percepção das mães sobre elas mesmas em relação aos seus filhos; (2) sensação das mães em relação a aceitação das pessoas para com seus filhos; (3) ação das mães com seus filhos; e (4) percepção das mães em relação aos seus filhos.

A aplicação do questionário foi conduzida pela primeira autora e ocorreu por meio de ligação telefônica em dois momentos distintos. A primeira aplicação (pré-intervenção) ocorreu imediatamente após a entrevista inicial da família e avaliação presencial das crianças. A segunda aplicação (pós-intervenção) ocorreu com intervalo de três meses. Durante este período as mães participaram de uma intervenção baseada em orientação parental. A intervenção foi conduzida por uma fonoaudióloga e uma neuropsicóloga em sessões virtuais. Buscando garantir o cegamento das pesquisadoras, as responsáveis pela intervenção não tiveram contato prévio com as respostas do QDC e o conteúdo abordado não foi baseado no questionário.

As respostas das mães nos dois momentos foram tabuladas e classificadas de acordo com a proposta do QDC1010. Balestro JI, Fernandes FDM. Questionário sobre dificuldades comunicativas percebidas por pais de crianças do espectro do autismo. Rev da Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):279-86.. A pontuação final poderia variar entre 0 (todas as respostas discordo completamente) e 72 pontos (todas as respostas concordo completamente).

O tratamento estatístico foi empreendido no software SPSS com nível de significância de 5%. A análise descritiva das respostas considerou tanto a moda (resposta mais frequente) em cada questão, quanto a porcentagem de concordância total (soma apenas das respostas concordo completamente e concordo) em ambos os momentos. A análise inferencial utilizou o teste não paramétrico de postos de Wilcoxon para comparar a pontuação em cada domínio e no geral nos dois momentos de aplicação.

Resultados

A análise descritiva indicou que a maior parte das questões teve respostas concordantes. No domínio 1 duas questões tiveram uma mudança referente à moda, sendo que, na questão referente às dificuldades para se comunicar com o filho quando há outras pessoas no mesmo ambiente, a moda era concordo e passou a ser discordo, além de ter havido redução na concordância total (62,5% para 50%). Já na questão “Eu não me sinto à vontade em lugares públicos com meu filho”, a moda passou de concordo completamente para concordo, com concordância inicial 62,5% e final 75%.

Apesar de não ter havido mudança na moda, as questões “Eu tenho dificuldade em brincar com meu filho” e “Eu não sei como agir quando meu filho não me entende ou quando eu não o entendo” tiveram redução da concordância total. Enquanto a questão “Eu fico incomodada com a apatia/agitação do meu filho” teve aumento nesse parâmetro (Tabela 1).

No domínio 2, as questões relacionadas à impressão de outras pessoas zombarem ou evitarem o filho tiveram moda discordo inicialmente e depois concordo, em ambas a concordância total aumentou. Já a questão relacionada à percepção de estranhamento teve mudança apenas na moda, que era concordo e passou a concordo completamente (Tabela 1).

No domínio 3 a questão “Eu pego todos os objetos que meu filho aponta” passou de concordo a discordo, com redução da concordância total de 62,5% para 25%. Já a questão “Eu não consigo ensinar coisas novas para meu filho” não teve mudança na moda, mas também reduziu a concordância de 50% para 25%. Por fim, no domínio 4, apenas a questão referente à inadequação teve redução da concordância, sem mudança da moda (Tabela 1).

Tabela 1:
Moda da resposta e porcentagem de concordância total nos dois momentos de aplicação do Questionário sobre Dificuldades Comunicativas

A comparação entre os dois momentos de aplicação do QDC não indicou presença de diferença estatística em nenhum dos quatro domínios ou na pontuação geral (Tabela 2).

Tabela 2:
Comparação entre a pontuação no Questionário sobre Dificuldades Comunicativas nos dois momentos de aplicação

Discussão

Os resultados deste estudo caracterizam a percepção das mães de crianças com risco para Transtorno do Espectro do Autismo a respeito das dificuldades comunicativas dos seus filhos, além de comparar se essa percepção se modificou após uma intervenção baseada em orientação breve via telemonitoramento.

Analisando os resultados nos dois momentos de aplicação do questionário, pode-se observar que as respostas das mães referiam dificuldades em lidar com os filhos e os desafios do cotidiano no primeiro momento, porém após intervenção foram identificadas menos dificuldades. Entretanto, não houve diferença estatística na pontuação geral e nos domínios entre os momentos. Se por um lado a análise inferencial indica que a intervenção não surtiu efeito nessa amostra no que se refere à percepção das mães, por outro é importante considerar que o instrumento utilizado tem natureza muito mais qualitativa, usando inclusive categorias de resposta1010. Balestro JI, Fernandes FDM. Questionário sobre dificuldades comunicativas percebidas por pais de crianças do espectro do autismo. Rev da Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):279-86.. Vale ressaltar ainda que não foram encontrados na literatura estudos que comentassem sobre a análise da pontuação do questionário, apenas seu uso é comentado ao se comparar populações1111. Sun IYI, Fernandes FDM. Communication difficulties perceived by parents of children with developmental disorders. CoDAS. 2014;26(4):270-5.. Portanto, considerando sua natureza mais qualitativa, a análise descritiva é válida para investigar as particularidades de cada momento de aplicação do questionário.

A análise do primeiro domínio, que representa o nível pessoal e refere-se ao que as mães percebem da relação comunicativa com seus filhos, apontou que antes da intervenção a maioria das mães concordou que sentiam dificuldades para se comunicar com seus filhos na frente de outras pessoas, já após a intervenção houve redução na concordância. Ainda neste domínio, o mesmo padrão foi observado em relação à dificuldade para conduzir brincadeiras com os seus filhos e em não saber como agir com a criança frente a dificuldades de compreensão. Esse achado reforça a hipótese de que a orientação parental, ainda que breve, pode beneficiar a interação da díade mãe-filho. A orientação específica aos pais pode fornecer estratégias para o desenvolvimento de seus filhos e oferecer ajuda para lidar com as dificuldades1212. Paula A, Cássia R, Rodriguez C. Benefícios e nível de participação na intervenção precoce: perspectivas de mães de crianças com perturbação do Espectro do Autismo. Rev Bras Educ Espec. 2017;23(4)505-16..

Já as respostas referentes a não se sentirem à vontade em lugares públicos com seus filhos tiveram um aumento na concordância plena. Esse achado poderia ser justificado pelo fato de que as crianças com TEA podem apresentar comportamentos externalizantes1313. Rocha CC, Mariane S, Souza V De, Costa AF. O perfil da população infantil com suspeita de diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista atendida por um Centro Especializado em Reabilitação de uma cidade do Sul do Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva. 2019;29(4):1-20., o que pode ser bastante desafiador. Como em estudos semelhantes, é possível que ao longo das orientações, estas mães tenham se tornado mais atentas a tais comportamentos e percebido mais suas dificuldades de lidar com estes desafios1010. Balestro JI, Fernandes FDM. Questionário sobre dificuldades comunicativas percebidas por pais de crianças do espectro do autismo. Rev da Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):279-86.,1111. Sun IYI, Fernandes FDM. Communication difficulties perceived by parents of children with developmental disorders. CoDAS. 2014;26(4):270-5.,1414. Balestro JI. O fonoaudiólogo e os pais: uma parceria para o desenvolvimento da comunicação de crianças do espectro do autismo [dissertation]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2017..

Os resultados do segundo domínio reforçam esse achado, pois no pós-intervenção houve aumento da concordância referente à sensação de outras pessoas evitarem ou zombarem os seus filhos. Por mais que as famílias estavam em isolamento social (devido à pandemia de COVID-19) no primeiro momento, a maioria das mães não tinha recordação de ter observado estranhamento das pessoas. Esta informação nos mostra que, após serem questionadas, as mães podem ter passado a refletir e a observar, de maneira mais direcionada e atenta, os comportamentos dos seus filhos e como as outras pessoas agem em relação a estes comportamentos ou dificuldades1010. Balestro JI, Fernandes FDM. Questionário sobre dificuldades comunicativas percebidas por pais de crianças do espectro do autismo. Rev da Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):279-86.,1111. Sun IYI, Fernandes FDM. Communication difficulties perceived by parents of children with developmental disorders. CoDAS. 2014;26(4):270-5.,1414. Balestro JI. O fonoaudiólogo e os pais: uma parceria para o desenvolvimento da comunicação de crianças do espectro do autismo [dissertation]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2017..

O terceiro domínio, que está relacionado à ação frente à maneira como seus filhos se comunicam, também sugere que as mães se beneficiaram da intervenção. Nesse caso devido à redução da interpretação de que apontar para algo é suficiente para ter sua demanda atendida e da dificuldade para ensinar coisas novas para os seus filhos. Essas mães demonstram ter compreendido como suas ações podem influenciar no desempenho comunicativo dos seus filhos, de maneira positiva ou negativa66. Oliveira JJM, Schmidt C, Pendeza DP. Intervenção implementada pelos pais e empoderamento parental no Transtorno do Espectro Autista. Psicol Esc e Educ. 2020;24:e218432.,1515. Garnett R, Davidson B, Eadie P. Parent perceptions of a group telepractice communication intervention for autism. Autism Dev Lang Impair. 2022;7:1-23..

O quarto domínio apresentou altos índices de concordância nos dois momentos, sem apresentar mudanças expressivas. Mas, a redução da concordância sobre a inadequação de ações ou falas dos seus filhos para determinadas situações pode também ser reflexo de uma melhor compreensão do TEA. É possível ainda que, devido ao distanciamento social, essas famílias tenham reduzido a diversidade de contextos de interação88. Araújo LA, Veloso CF, Souza MC, Azevedo JMC, Tarro G. The potential impact of the COVID-19 pandemic on child growth and development: a systematic review. Jornal de Pediatria. 2021;97(4):369-77., o que diminuiria as possibilidades de comportamentos desse tipo.

Essas informações apontam para o fato de as orientações terem provocado mais modificações na maneira como as mães observam suas relações comunicativas com seus filhos e nas suas atitudes a respeito das dificuldades comunicativas que seus filhos apresentam do que na maneira como percebem que as outras pessoas observam os seus filhos e em suas próprias impressões em relação a eles.

Por se tratar de um estudo desenvolvido durante o primeiro ano da pandemia de COVID-19, é importante apontar limitações. Dentre elas destacam-se o número reduzido da amostra, a ausência de um grupo controle e o tempo restrito entre as aplicações do questionário. Entretanto, ainda que tais limitações comprometam a generalização dos resultados, é possível identificar pontos críticos para intervenção direcionada a famílias de crianças com dificuldades comunicativas. Estudos semelhantes ainda são escassos, mas nota-se que investir em estratégias de orientação parental pode proporcionar ganhos, especialmente quando as mães ainda aguardam diagnóstico ou intervenção com seus filhos.

Em síntese, esse estudo traz contribuições para a prática clínica, pois é importante para o fonoaudiólogo compreender como as mães de crianças com dificuldades comunicativas percebem e encaram a comunicação.

Conclusão

As mães de crianças com risco para Transtorno do Espectro do Autismo demonstraram perceber as dificuldades que seus filhos possuem para se comunicar, além de suas próprias atitudes frente a estas dificuldades. A análise inferencial não identificou diferença estatística entre os momentos pré e pós-intervenção, porém a análise qualitativa sugere que a intervenção baseada em orientação parental virtual tem potencial para modificar a percepção das mães. Tal modificação contribui para a compreensão sobre como suas ações podem influenciar, de maneira positiva ou negativa, no desempenho da comunicação dos seus filhos.

Agradecimentos

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) e à equipe do Centro de Educação e Pesquisa em Saúde (CEPS) Anita Garibaldi do Instituto Santos Dumont (ISD).

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  • Fonte de auxílio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2022
  • Aceito
    19 Jul 2022
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