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Ensinando a Anamnese Psiquiátrica para Estudantes de Medicina através da Inversão de Papéis: Relato de Experiência

Teaching Psychiatric Anamnesis to Medical Students through Role Reversal: Experience Report

RESUMO

Introdução

Tem havido um renovado interesse pela temática da relação médico-paciente e dos valores humanitários na formação dos estudantes de Medicina, pois a capacidade de sentir empatia pelos pacientes é considerada um dos pilares da boa prática médica. A inversão de papéis é uma técnica derivada do psicodrama que pode favorecer o desenvolvimento da capacidade empática na relação médico-paciente.

Objetivo

Relatar a experiência de ensino-aprendizagem da anamnese psiquiátrica no curso de Semiologia em Psiquiatria com alunos da terceira série do curso médico da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), utilizando a inversão de papéis como principal método pedagógico.

Método

Relato de experiência. A atividade é desenvolvida em cinco etapas distintas, mas inter-relacionadas: (1) leitura e estudo autônomos da apostila de propedêutica psiquiátrica; (2) realização da anamnese em três grupos de 15 alunos, em que estes alternam o papel de médico (entrevistador) e paciente (entrevistado); (3) realização de uma anamnese completa com um colega de turma, alternando-se também o papel de paciente e de médico; (4) realização, pela mesma dupla, da anamnese psiquiátrica com um paciente internado no hospital geral universitário; (5) discussão das anamneses realizadas, atividade em que os alunos assumem o papel do paciente entrevistado para relatar, em primeira pessoa, os dados obtidos na entrevista.

Resultados

Os alunos mostram-se colaborativos, participando com interesse de todas as etapas da atividade, que parece favorecer não apenas o aprendizado específico da anamnese psiquiátrica, mas também a capacidade empática pelos colegas e pacientes. Nas discussões, atenção especial é dada às descobertas e dificuldades vivenciadas pelos estudantes nessas atividades práticas, assim como aos sentimentos experimentados em cada uma das etapas do processo. A atitude do preceptor de ouvir e acolher com respeito todos os relatos, dúvidas e manifestações afetivas dos alunos procura ser um modelo de postura de acolhimento sem julgamento dos problemas e sentimentos dos pacientes, postura fundamental para o estabelecimento da aliança terapêutica.

Conclusão

A inversão de papéis pode auxiliar os estudantes de Medicina no aprendizado da anamnese psiquiátrica, assim como no desenvolvimento da empatia, habilidade essencial à prática médica de boa qualidade.

Educação Médica; Anamnese Psiquiátrica; Inversão de Papéis; Psicodrama; Empatia; Relação Médico-Paciente

ABSTRACT

Introduction

There has been renewed interest in the doctor-patient relationship and humanitarian values in the training of medical students, given that the ability to feel empathy for patients is considered one of the pillars of good medical practice. Role reversal is a technique derived from Psychodrama that can promote the development of empathic capacity in the doctor-patient relationship.

Objective

to report a teaching-learning experience of psychiatric anamnesis in the course of Semiology in Psychiatry with 3rd year students of Botucatu Medical School (UNESP), using the technique of role reversal as the main pedagogical approach.

Method

experience report. The activity has been developed in five distinct but interrelated stages: 1) autonomous reading and studying the psychiatric propaedeutic courseware; 2) performing the anamnesis in three groups of 15 students, in which they alternate between the roles of physician (interviewer) and patient (interviewed); 3) performing a complete anamnesis with a classmate, also alternating the roles of patient and physician; 4) the same pair of students performs the psychiatric anamnesis with an inpatient of the general university hospital; 5) discussion of the anamneses performed, an activity in which the students assume the role of the patient, reporting, in the first person, the data obtained in the interview.

Results

the students have been collaborative, participating with interest in all stages of the activity, which seems to favour not only the specific learning of psychiatric anamnesis, but also their empathic capacity towards colleagues and patients. In the discussions, special attention has been given to the discoveries and difficulties experienced by the students in these practical activities, and the feelings experienced in each stage of the process. The preceptors’ attitude of respectfully listening to and accepting all the reports, doubts and affective manifestations of the students provides a model for an accepting and non-judgemental attitude toward patients’ problems and feelings, which is fundamental for the development of the therapeutic alliance.

Conclusion

Role reversal can be used to help medical students develop their skills in psychiatric anamnesis, and their empathy, an essential skill for good quality medical practice.

Medical Education; Psychiatric Anamnesis; Role Reversal; Empathy; Psychodrama; Physician-Patient Relationship

INTRODUÇÃO

A humanização do trabalho em saúde tem sido cada vez mais valorizada na atualidade em virtude do reconhecimento de sua importância para a competência profissional, além dos avanços tecnológicos11. Caprara A, Rodrigues J. A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência e Saúde Coletiva 2004; 9 (1): 139-146.. Assim, tem havido um renovado interesse pela temática da relação médico-paciente e dos valores humanitários, tanto na formação dos estudantes de Medicina quanto na investigação científica11. Caprara A, Rodrigues J. A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência e Saúde Coletiva 2004; 9 (1): 139-146.. Ao lado do conhecimento técnico, a capacidade de sentir empatia pelos pacientes é considerada um dos pilares da boa prática médica22. Mercer SW, Reynolds WJ. Empathy and quality of care. British Journal of General Practice 2002; 52: S9-S13.

3. Stepien KA, Baernstein A. Educating for empathy: A review. Journal of General Internal Medicine 2006; 21: 524-530.
-44. Shapiro J. Walking a mile in their patients’ shoes: empathy and othering in medical students’ education.Philosophy, Ethics, and Humanities in Medicine2008; 3: 10..

A empatia é um conceito complexo e multidimensional, que engloba aspectos morais, cognitivos, emocionais e comportamentais, sendo um componente essencial de todos os relacionamentos construtivos22. Mercer SW, Reynolds WJ. Empathy and quality of care. British Journal of General Practice 2002; 52: S9-S13.,33. Stepien KA, Baernstein A. Educating for empathy: A review. Journal of General Internal Medicine 2006; 21: 524-530.,55. Hojat M, GonnellaJs, NascaTj, Mangione S, Vergare M, Magee M. Physician Empathy: Definition, components, measurement, and relationship to gender and specialty. American JournalofPsychiatry 2002; 159(9): 1563-1569.. O domínio cognitivo da empatia se refere à capacidade de entender as experiências subjetivas e os sentimentos de outra pessoa e de ver o mundo pela perspectiva dela, enquanto o domínio afetivo envolve a capacidade de compartilhar as experiências e sentimentos do outro55. Hojat M, GonnellaJs, NascaTj, Mangione S, Vergare M, Magee M. Physician Empathy: Definition, components, measurement, and relationship to gender and specialty. American JournalofPsychiatry 2002; 159(9): 1563-1569..

A empatia na prática clínica é definida como a capacidade do profissional da saúde de: entender a situação, a perspectiva e os sentimentos do paciente; comunicar esse entendimento e verificar sua acurácia; e atuar de modo útil ou terapêutico com base nesse entendimento22. Mercer SW, Reynolds WJ. Empathy and quality of care. British Journal of General Practice 2002; 52: S9-S13.,33. Stepien KA, Baernstein A. Educating for empathy: A review. Journal of General Internal Medicine 2006; 21: 524-530.. A empatia é crucial para uma relação médico-paciente bem-sucedida, pois propicia uma abordagem centrada nas necessidades do paciente, além de aumentar a satisfação do médico22. Mercer SW, Reynolds WJ. Empathy and quality of care. British Journal of General Practice 2002; 52: S9-S13.,33. Stepien KA, Baernstein A. Educating for empathy: A review. Journal of General Internal Medicine 2006; 21: 524-530.,66. Newton BW, Barber L, Clardy J, Cleveland E, O’Sullivan P. Is there hardening of the heart during medical school? Academic Medicine 2008; 83:244–249.. Assim, é um aspecto determinante do cuidado médico de boa qualidade11. Caprara A, Rodrigues J. A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência e Saúde Coletiva 2004; 9 (1): 139-146.,22. Mercer SW, Reynolds WJ. Empathy and quality of care. British Journal of General Practice 2002; 52: S9-S13.,77. Neumann M, Ebenzing J, Mercer S, Erstmann N, Ommen O, Pfaff H. Analyzing the “nature” and “specific effectiveness” of clinical empathy: A theoretical overview and contribution towards a theory-based research agenda. Patient Education and Counselling 2009; 74 (3): 339-346.. Gregory Fricchione, em seu livro “Compassion and Healing in Medicine and Society”88. Fricchione G.Compassion and Healing in Medicine and Society: On the nature and use of attachment solutions to separation challenges. The Johns Hopkins University Press, 2011., discorre longamente sobre a importância da empatia e da compaixão para a prática médica. Segundo Caprara e Rodrigues11. Caprara A, Rodrigues J. A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência e Saúde Coletiva 2004; 9 (1): 139-146., estas habilidades são fundamentais para os profissionais de saúde, uma vez que podem minimizar a assimetria da relação médico-paciente e melhorar o vínculo terapêutico e, consequentemente, os resultados do tratamento.

No intuito de trabalhar competências afetivas, como a empatia, os cursos de Medicina têm sofrido modificações e incorporado estratégias pedagógicas, como, por exemplo, narrativas. Em experiência conduzida numa escola médica, Claro e Mendes99. Claro LBL, Mendes AAA. Uma experiência do uso de narrativas na formação de estudantes de Medicina. Interface - Comunicação, Saúde, Educação 2018; 22(65), 621-630. descrevem temas que surgiram na análise das narrativas. De acordo com as autoras, os estudantes revelaram admiração pelos pacientes por sua coragem e generosidade; compreensão de seus problemas, pontos de vista e experiências e estabelecimento de relações de amizade e cumplicidade com os pacientes. Os estudantes relataram também certa inibição inicial de abordar os pacientes e receio de incomodá-los, e dificuldades em lidar com seu sofrimento e com a expressão de suas emoções, entre outros.

Este relato tem por objetivo divulgar a experiência pedagógica de dez anos do ensino da realização da anamnese psiquiátrica com alunos da terceira série do curso médico da Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (FMB-Unesp), baseada fundamentalmente na técnica de inversão de papéis. O método pedagógico aqui relatado continua sendo utilizado.

CONTEXTO DO RELATO DE EXPERIÊNCIA

O curso de Medicina da FMB-Unesp foi criado em 1963 e oferece 90 vagas anuais para alunos ingressantes. Por estar situada numa cidade de pequeno porte (cerca de 140 mil habitantes) no interior do estado, a grande maioria dos estudantes vem de outras cidades do interior, da capital e de outros estados.

Na atual grade curricular do curso médico da FMB, a disciplina de Psiquiatria tem duas inserções, sendo a primeira no curso de Semiologia Psiquiátrica da terceira série, e a segunda no internato, na quinta série do curso.

A disciplina de Semiologia Psiquiátrica é ministrada no primeiro semestre da terceira série para duas turmas de aproximadamente 45 alunos (dois períodos por semana para cada turma). Já o internato (quinta série) é um estágio prático, ministrado de janeiro a dezembro, na forma de rodízio de aproximadamente quatro semanas, para grupos de sete a oito alunos cada. Para os alunos de internato interessados, existe a possibilidade de realizar um estágio optativo de Psiquiatria, denominado “Transtornos mentais no ciclo da vida”. No internato regular são enfatizados temas de maior prevalência e importância epidemiológica para a formação do médico generalista (ex.: transtornos depressivos, ansiosos e por uso de álcool) em contexto ambulatorial. Já no internato optativo o aluno tem um contato mais amplo com diversos transtornos mentais e cenários de prática (ex.: hospital-dia e enfermaria de Psiquiatria, hospital psiquiátrico, centros de atenção psicossocial – CAPS, serviço de álcool e drogas e ambulatórios de subespecialidades). Como atividade extracurricular, os alunos podem ainda participar da Liga de Saúde Mental (LISM), criada em 2004, em que se desenvolvem diversas atividades fora do horário regular de aulas.

Apesar de todas as atividades desenvolvidas, a carga horária regular da disciplina é considerada pequena, o que exige que os docentes a utilizem da melhor maneira possível para maximizar o aprendizado dos alunos. Ressalta-se que a disciplina tem como objetivo trabalhar não só as habilidades cognitivas, mas também as afetivas. Deste modo, sempre que possível, adotamos métodos de ensino-aprendizagem mais ativos, participativos, práticos e dinâmicos.

A INVERSÃO DE PAPÉIS

A inversão de papéis é uma técnica de role-playing oriunda do psicodrama, abordagem psicoterápica desenvolvida por Moreno1010. Moreno JL. Psicodrama, Editora Cultrix, São Paulo, 1975.. Em artigo de revisão de Liberali e Grosseman1111. Liberali R, Grosseman S. Use of Psychodrama in medicine in Brazil: A review of the literature. Interface. Comunicação, Saúde e Educação 2015; 19 (54): 561-571., foram encontrados apenas sete artigos que descrevem o uso do psicodrama na educação médica brasileira no período de 2003 a 2013, sendo que cinco utilizam a técnica de role-playing, e dois, o sociodrama. Estes dois últimos são relatos de experiências didáticas anteriores com alunos de Medicina da FMB-Unesp1212. Ramos-Cerqueira ATA, Lima MCP, Torres AR, Reis JRT, Vilella NM. Era uma vez... contos de fadas e psicodrama auxiliando alunos na conclusão do curso médico. Interface. Comunicação, Saúde e Educação 2005; 9 (16): 81-89.,1313. Ramos-Cerqueira ATA, Torres AR, Martins STF, Lima MCP. Um estranho à minha porta: preparando estudantes de medicina para visitas domiciliares. Revista Brasileira de Educação Médica 2009; 33: 276-281..

Tais técnicas favorecem a reflexão crítica, a troca de experiências, o autoconhecimento e o melhor manejo de emoções como medo e ansiedade, melhorando habilidades clínicas e de comunicação1111. Liberali R, Grosseman S. Use of Psychodrama in medicine in Brazil: A review of the literature. Interface. Comunicação, Saúde e Educação 2015; 19 (54): 561-571.. Num destes estudos1414. Jucá NBH, Gomes AMA, Mendes LS, Gomes DM, Martins BVL, Silva CMGC, Lino CA, Augusto KL, Caprara A. A comunicação do diagnóstico “sombrio” na relação médico-paciente entre estudantes de Medicina: uma experiência de dramatização na educação médica. Revista Brasileira de Educação Médica 2010; 34 (1): 57-64., a inversão de papéis foi utilizada como recurso pedagógico para aprimorar as habilidades de comunicação e escuta durante a relação com o paciente, alternando-se entre os alunos os papéis de médico, paciente e observador. Experiência anterior com o uso do psicodrama em estudantes de Medicina foi relatada por Lima1515. Lima MCP. O psicodrama e o ensino médico: reflexões a partir de uma experiência prática. Revista Brasileira de Psicodrama 1997; 5 (1): 11-19., num trabalho de grupo psicoprofilático semanal com alunos da primeira série do curso, para favorecer o adequado desenvolvimento do papel profissional.

MÉTODO

O curso de Semiologia Psiquiátrica é, ao mesmo tempo, um curso de Psiquiatria Clínica, pois a anamnese e o exame psíquico são ensinados paralelamente ao conteúdo referente às principais alterações psicopatológicas e características clínicas dos diferentes transtornos mentais (a programação completa do curso está disponível para envio). A seguir, são descritas cinco etapas dedicadas mais especificamente ao ensino da anamnese psiquiátrica.

Primeira etapa: leitura e estudo autônomo da apostila de Propedêutica Psiquiátrica

No primeiro dia do curso, os alunos são informados de que estão disponíveis na Escola Médica Virtual (ambiente virtual de aprendizagem SETe – plataforma Moodle) várias apostilas e materiais didáticos, incluindo a apostila de Propedêutica Psiquiátrica (disponível para envio). Em linhas gerais, essa apostila detalha os dados a serem investigados na entrevista: queixa atual e duração, história do transtorno mental atual, constituição e relacionamento familiar, antecedentes mórbidos familiares e pessoais, incluindo desenvolvimento inicial, comportamento durante a infância e adolescência, escolaridade e conduta na escola, ocupações, antecedentes sexuais e conjugais, filhos, antecedentes mórbidos gerais e psiquiátricos, uso e abuso de substâncias psicoativas, comportamentos antissociais, atividades de lazer, religião e condições atuais de vida. Os alunos são orientados a ler e a estudar esse conteúdo para a aula seguinte, a ser realizada três dias depois.

Segunda etapa: realização da anamnese entre os alunos

Para essa atividade prática, os estudantes são divididos por ordem alfabética em três grupos de 15 alunos, tendo cada grupo um preceptor que coordena a atividade, cuja duração média é de três horas, com um intervalo de 15 a 20 minutos. Forma-se um círculo de cadeiras, é feita uma rodada de apresentação e inicia-se a discussão com as dúvidas e comentários referentes à leitura da apostila de Propedêutica Psiquiátrica, com ênfase nas semelhanças e diferenças em relação à semiologia da clínica médica geral.

Em seguida, o preceptor informa aos alunos que eles alternarão o papel de médico (entrevistador) e paciente (entrevistado) ao longo da atividade prática. A participação como entrevistadores é obrigatória, mas a participação como paciente é voluntária. A alternância de papéis se dá a cada item da anamnese psiquiátrica, para que todos os alunos que assim desejarem tenham a oportunidade de experimentar os dois papéis. Os alunos são informados de que, apesar de voluntária, a participação como paciente implica o compromisso de responder com sinceridade às perguntas feitas pelo entrevistador. Solicita-se também ao grupo todo que assuma o compromisso de manter respeito e sigilo em relação a todas as informações pessoais fornecidas pelos colegas no papel de paciente. Antes de cada item, o preceptor questiona quem gostaria de participar como paciente para responder a respeito de, por exemplo, acontecimentos relevantes de sua infância. Assim que o aluno voluntário se apresenta, o preceptor escolhe outro aluno para ser o entrevistador a respeito deste item específico da anamnese. Solicita-se que o entrevistador evite ler a apostila durante a entrevista, mas a desenvolva de modo espontâneo, procurando se lembrar de todos os aspectos importantes a serem investigados, sempre respeitando o ritmo e os sentimentos do entrevistado. Caso o aluno-entrevistador esqueça algum aspecto relevante daquele item, o restante do grupo pode ajudá-lo a complementar as perguntas, questionando diretamente o aluno-paciente, assumindo também o papel de entrevistador. Isto é repetido sucessivamente para cada um dos itens da anamnese, mudando-se constantemente o aluno-paciente e o aluno-entrevistador até se completar a anamnese.

No final, discute-se com os alunos como foi a experiência deles em cada um dos papéis, incluindo dúvidas e sentimentos. Além disso, reforça-se o compromisso de sigilo e respeito em relação aos conteúdos pessoais trazidos pelos colegas.

Terceira etapa: realização de anamnese completa com um colega de turma

Nesta etapa, solicita-se aos alunos de cada subgrupo que formem duplas, de livre escolha, para realizarem anamneses completas entre si, alternando-se também o papel de paciente e de médico. Esta anamnese (modelo disponível para envio) pode ser feita em local e horário que considerarem mais adequados, visando a maior privacidade e dedicação exclusiva à atividade.

Quarta etapa: realização de anamnese psiquiátrica com um paciente hospitalizado

Nesta etapa, a mesma dupla que fez a anamnese entre si deve realizar uma anamnese psiquiátrica completa com um paciente internado no hospital universitário por qualquer problema de saúde. O paciente deve, evidentemente, estar em condições clínicas de responder à entrevista completa e livremente concordar em participar. Orientam-se os alunos para que consultem antecipadamente o paciente, assim como peçam autorização do médico responsável pelo paciente para realizar a entrevista. Obtidas essas duas anuências, combina-se o melhor horário para a realização da anamnese, que, na maioria dos casos, é realizada pelos dois alunos à beira do leito, no mesmo dia.

Quinta etapa: discussão das anamneses realizadas

Nesta etapa final, que ocorre aproximadamente um mês após o início do curso, é realizada outra atividade prática com os três subgrupos de aproximadamente 15 alunos e um preceptor. Inicialmente, é conduzida uma discussão aberta sobre as eventuais dúvidas e dificuldades encontradas na realização das anamneses, bem como sobre os sentimentos experimentados por eles, tanto no papel de entrevistador do colega e do paciente, como no papel de paciente. Solicita-se então aos alunos que, se necessário, releiam brevemente a anamnese que fizeram em duplas para recordar alguns dados de história do paciente entrevistado antes de entregar o trabalho (apenas a anamnese realizada com o paciente do hospital é recolhida; a anamnese realizada com o colega é devolvida a ele).

Em seguida, pede-se aos alunos que fechem os olhos brevemente para que assumam o papel do paciente entrevistado na enfermaria e relatem, em primeira pessoa, as informações obtidas na anamnese. Cada paciente real terá dois alunos representando-o, de modo que eles possam complementar ou corrigir as informações fornecidas pelo colega, caso necessário. Neste momento da atividade, o preceptor assume o papel de entrevistador e passa a entrevistar os diferentes pacientes em relação a todos os itens da anamnese psiquiátrica, incluindo dados sobre o problema de saúde que motivou a internação (sintomas, diagnóstico, tempo de doença e de hospitalização, exames e procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a que já se submeteu ou a que deve se submeter, sentimentos em relação à doença e ao tratamento, etc.). Cada um dos itens da anamnese psiquiátrica é investigado (dados sociodemográficos, cidade de origem, ocupação, constituição familiar, dados relevantes de história de vida, antecedentes psiquiátricos pessoais e familiares), mas de forma livre e aberta, incentivando-se a comunicação entre os alunos, sempre no papel de pacientes. Concluída essa entrevista em grupo, quando a história de vida de todos os pacientes já é suficientemente conhecida por todos, solicita-se aos alunos que fechem novamente os olhos por alguns segundos e saiam do papel do paciente para discutirem a experiência.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nas discussões sobre a anamnese psiquiátrica, atenção especial é dada às dificuldades e descobertas vividas por meio destas experiências práticas, assim como aos sentimentos experimentados em cada uma das etapas do processo. Ao ouvir e acolher com respeito todos os relatos, dúvidas e manifestações afetivas dos alunos, o preceptor procura ser um modelo de postura de acolhimento sem julgamento dos problemas e sentimentos dos pacientes, postura fundamental ao desenvolvimento da aliança terapêutica em qualquer cenário e contexto da prática médica.

Durante todos esses anos de experiência com o uso da inversão de papéis para realização da anamnese, observamos que os alunos participam ativamente e com interesse de todas as etapas da atividade e frequentemente se emocionam ao relatarem suas experiências pessoais e ao ouvirem o relato das experiências dos colegas e dos pacientes. Apesar de alguns alunos eventualmente manifestarem certa ansiedade no início das atividades, nunca tivemos problemas de recusa de participação, dificuldades em relação aos temas discutidos ou conhecimento de quebra do sigilo sobre as atividades. Pelo contrário, os alunos se mostram colaborativos e reportam como sendo de grande importância este espaço de discussão para trabalhar melhor mitos e tabus, como, por exemplo, o receio de indagar o paciente sobre ideação suicida ou aspectos relacionados à sexualidade. A atividade desenvolvida com o colega parece possibilitar maior aproximação entre eles, como mostram alguns relatos (obtidos de forma anônima e livre, com a finalidade de avaliação da atividade didática):

Achei muito interessante o modo abordado, pois pudemos, além de aprender os passos de uma anamnese psiquiátrica, conhecer mais sobre nossos colegas e criar um vínculo maior. (relato sobre a segunda etapa)

É um recurso para trabalharmos o “ouvir” o próximo, além de ser um momento de conhecermos nossos amigos. (terceira etapa)

O treinamento da anamnese com o colega me deixou mais preparada para conversar com o paciente posteriormente. (terceira etapa)

Nas aulas subsequentes, outros pacientes ambulatoriais que concordam livremente em participar são entrevistados após as aulas teóricas, e a anamnese é conduzida pelo grupo de alunos, com a coordenação e apoio do preceptor, que é sempre o médico responsável pelo tratamento daquele paciente.

Os relatos dos alunos parecem apontar ainda que as atividades têm potencial para promover a empatia na relação com o paciente:

O fato de nós, alunos, ao mesmo tempo sermos o médico e o paciente nos ajuda a, ao mesmo tempo, entender como o paciente se sente na entrevista e como nós, como médicos, devemos perguntar aos pacientes sem deixá-los constrangidos. (segunda etapa)

Ser o paciente nos faz priorizar o sentimento do indivíduo que iremos entrevistar. Cria em nós uma empatia pela capacidade das pessoas em expor livremente sobre suas vidas. Ser o entrevistador com colegas treina nossa capacidade de dosar as palavras para uma anamnese real. (terceira etapa)

Foi interessante também se colocar no lugar do paciente para enriquecer a discussão e exercitar a empatia. (terceira etapa)

Foi ótimo no sentido de favorecer a empatia com o paciente. (terceira etapa)

Passar pela experiência do paciente, respondendo às perguntas possivelmente íntimas ou constrangedoras, é importante para quando estivermos entrevistando pacientes e sabermos formas mais adequadas e confortáveis de perguntar. (terceira etapa)

Realizar a anamnese diretamente com o paciente é muito produtivo para o aprendizado. Além disso, a discussão em sala (de aula) de nós mesmos interpretando os pacientes é muito interessante. (quarta e quinta etapas)

Foi um momento muito importante para treinar as competências vistas em sala (de aula) ao longo do curso. Fica evidente que na anamnese psiquiátrica a conexão com o paciente é ainda mais importante e essencial. (quarta e quinta etapas)

Vários estudos demonstram que a maior capacidade empática do médico aumenta sua capacidade de fazer diagnósticos acurados e melhora a resposta dos pacientes a intervenções psicológicas e farmacológicas22. Mercer SW, Reynolds WJ. Empathy and quality of care. British Journal of General Practice 2002; 52: S9-S13.,33. Stepien KA, Baernstein A. Educating for empathy: A review. Journal of General Internal Medicine 2006; 21: 524-530.. Assim, associa-se com melhores desfechos clínicos de diversos tipos1616. Rakel DP, Hoeft TJ, Barrett BP, Chewning BA, Craig BM, Niu M. Practitioner empathy and the duration of the common cold. Family Medicine 2009; 41(7): 494–501.

17. Hojat M, Louis DZ, Markham FW, Wender R, Rabinowitz C, Gonnella JS. Physicians’ empathy and clinical outcomes for diabetic patients. Academic Medicine 2011; 86 (3): 359-364.

18. Neumann M, Edelhäuser F, Tauschel D, Fischer MR, Wirtz M, Woopen C, Haramati A, Scheffer C. Empathy decline and its reasons: A systematic review of studies with Medical students and residents. Academic Medicine 2011; 86 (8): 996-1009.
-1919. Del Canale S, Louis DZ, Maio V, Wang X, Rossi G, Hojat M, Gonnella JS. The relationship between physician empathy and disease complications: An empirical study of primary care physicians and their diabetic patients in Parma, Italy. Academic Medicine 2012; 87 (9): 1243–1249.. O comportamento empático do médico melhoraria também a comunicação com o paciente, estimularia o relato deste de seus sintomas e preocupações, sua participação, adesão e satisfação com o tratamento, diminuiria seu sofrimento, melhoraria sua qualidade de vida e até mesmo sua resposta imunológica1818. Neumann M, Edelhäuser F, Tauschel D, Fischer MR, Wirtz M, Woopen C, Haramati A, Scheffer C. Empathy decline and its reasons: A systematic review of studies with Medical students and residents. Academic Medicine 2011; 86 (8): 996-1009..

Ao realizar as entrevistas com base no roteiro da anamnese psiquiátrica, diferentemente da anamnese clínica, o aluno tem a oportunidade de escutar sobre os aspectos afetivos e sociais da vida do paciente, de seus colegas e de si mesmo, o que suscita diversas reflexões: como lidar com os diversos sentimentos despertados (empatia, vergonha, ansiedade, irritação) no contato com o paciente, provocando-o a pensar em como manejar essa dimensão afetiva na prática clínica; a construção da narrativa sobre a biografia do paciente permite que ambos, aluno-médico e paciente, reflitam sobre a conexão entre os fatos de sua vida e seu processo de adoecimento, além de exercitarem como é estar no lugar do paciente, o que faz o aluno pensar que deve tratar e cuidar dos pacientes da mesma forma que gostaria de ser tratado.

Assim, essa atividade possibilita que o aluno reconheça a importância das dimensões afetivas e sociais do paciente, frequentemente esquecidas ou pouco valorizadas na prática clínica geral, o que resulta na construção de um olhar enriquecido, singularizado e humanizado do paciente, que passa a ser visto como um sujeito, para além de sua doença.

De fato, numa revisão sistemática sobre a efetividade da empatia na prática médica geral, Derksen et al.2020. Derksen F, Bensing J, Lagro-Janssen A. Effectiveness of empathy in general practice: a systematic review. British Journal of General Practice 2013; 63(606): e76-e84. concluíram que este é um aspecto de importância inquestionável, uma vez que melhora a relação médico-paciente, aumenta a satisfação e diminui a ansiedade e o sofrimento do paciente, resultando em melhores desfechos clínicos.

Acredita-se, portanto, que essa atividade, embora realizada durante o curso de Psiquiatria, contribua com a melhora da prática clínica médica geral, já que, ao incorporar na escuta do médico essas dimensões, singulariza o olhar sobre o paciente e incrementa a empatia do estudante de Medicina e do futuro clínico.

No artigo de revisão de Shapiro44. Shapiro J. Walking a mile in their patients’ shoes: empathy and othering in medical students’ education.Philosophy, Ethics, and Humanities in Medicine2008; 3: 10., a autora destaca que uma das principais tarefas dos educadores médicos é ajudar os alunos a manter ou aumentar a empatia pelos pacientes, ao lado de outros valores humanitários. A Associação Americana das Faculdades de Medicina estabelece que a capacidade empática é um dos objetivos essenciais do ensino médico, uma vez que melhora a acurácia diagnóstica, a adesão e a resposta ao tratamento, assim como a satisfação do paciente e do médico33. Stepien KA, Baernstein A. Educating for empathy: A review. Journal of General Internal Medicine 2006; 21: 524-530..

Infelizmente, no entanto, alguns estudos mostram que a empatia tende a declinar ao longo da formação médica, sendo usualmente maior nos anos pré-clínicos do que nos anos clínicos, em que o aluno tem mais contato direto com os pacientes e nos quais, portanto, a empatia é mais necessária33. Stepien KA, Baernstein A. Educating for empathy: A review. Journal of General Internal Medicine 2006; 21: 524-530.,44. Shapiro J. Walking a mile in their patients’ shoes: empathy and othering in medical students’ education.Philosophy, Ethics, and Humanities in Medicine2008; 3: 10.,66. Newton BW, Barber L, Clardy J, Cleveland E, O’Sullivan P. Is there hardening of the heart during medical school? Academic Medicine 2008; 83:244–249.,1818. Neumann M, Edelhäuser F, Tauschel D, Fischer MR, Wirtz M, Woopen C, Haramati A, Scheffer C. Empathy decline and its reasons: A systematic review of studies with Medical students and residents. Academic Medicine 2011; 86 (8): 996-1009.,2121. Hojat M, Mangione S, Nasca TJ, Rattner S, Erdmann JB, Gonnella JS, Magee M. An empirical study of decline in empathy in medical school. Medical Education 2004; 38: 934-941.

22. Hojat M, Vergare MJ, Maxwell K, Brainard G, Herrine SK, Isenberg GA, Veloski J, Gonnella JS. The devil is in the third year: A Longitudinal study of erosion of empathy in medical school. Academic Medicine 2009; 84: 1182–1191.

23. Chen D, Lew R, Hershman W, Orlander J. A cross-sectional measurement of medical student empathy. Journalof General Internal Medicine 2007; 22 (10): 1434-1438.
-2424. Burks DJ, Kobus AM. The legacy of altruism in health care: the promotion of empathy, prosociality and humanism. Medical Education 2012; 46: 317-325.. Este declínio estaria associado às pesadas demandas físicas e emocionais do curso, assim como ao contato com práticas informais inerentes à cultura da medicina, que favoreceriam o burnout, a supressão emocional e o distanciamento dos pacientes2424. Burks DJ, Kobus AM. The legacy of altruism in health care: the promotion of empathy, prosociality and humanism. Medical Education 2012; 46: 317-325..

Assim, a empatia é influenciada por fatores situacionais77. Neumann M, Ebenzing J, Mercer S, Erstmann N, Ommen O, Pfaff H. Analyzing the “nature” and “specific effectiveness” of clinical empathy: A theoretical overview and contribution towards a theory-based research agenda. Patient Education and Counselling 2009; 74 (3): 339-346., sendo passível de aprendizado e mudança também para melhor ao longo do curso22. Mercer SW, Reynolds WJ. Empathy and quality of care. British Journal of General Practice 2002; 52: S9-S13.,33. Stepien KA, Baernstein A. Educating for empathy: A review. Journal of General Internal Medicine 2006; 21: 524-530.. Segundo Pfeiffer et al.2525. Pfeiffer S, Chen Y, Tsai D. Progress integrating medical humanities into medical education: A global overview. Current Opinion in Psychiatry 2016; 29 (5): 298-301., inovações pedagógicas que integram disciplinas de humanidades motivariam o estudante a se tornar um profissional mais reflexivo, empoderado, engajado, sensível e cuidadoso com o paciente e seus familiares. Considerar o paciente não apenas do ponto de vista biológico, mas em sua integralidade física, psíquica e social demanda maior sensibilidade diante do sofrimento da doença11. Caprara A, Rodrigues J. A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência e Saúde Coletiva 2004; 9 (1): 139-146.. A prática médica exigiria uma “competência narrativa”, ou seja, a habilidade humanística de reconhecer, absorver, interpretar e agir sobre as histórias e dificuldades do outro, conhecida como “Medicina Narrativa”2626. Charon R. Narrative Medicine: A model for empathy, reflection, profession, and trust. JAMA 2001; 286 (15): 1897-1902.. Assim, na formação da identidade profissional, estas ferramentas que incluem diferentes vozes e enfatizam a reflexão pessoal e a crítica social favoreceriam a empatia e, consequentemente, os resultados do tratamento2525. Pfeiffer S, Chen Y, Tsai D. Progress integrating medical humanities into medical education: A global overview. Current Opinion in Psychiatry 2016; 29 (5): 298-301..

Num estudo qualitativo com 42 médicos sobre fatores que, na visão deles, influenciam o desenvolvimento da empatia durante a formação2727. Ahrweiler F, Neumann M, Goldblatt H, Hahn EG, Scheffer C. Determinants of physician empathy during medical education: hypothetical conclusions from an exploratory qualitative survey of practicing physicians. BMC Medical Education 2014; 14:122., seis temas foram identificados. Entre os que favorecem a empatia estariam a interação com os pacientes, o reconhecimento das dimensões psicossociais do cuidado e o autodesenvolvimento por meio de práticas reflexivas.

O autocuidado e o equilíbrio saudável entre as atividades do curso e de vida pessoal favoreceriam atitudes e comportamentos humanísticos, altruísticos e pró-sociais nos estudantes2424. Burks DJ, Kobus AM. The legacy of altruism in health care: the promotion of empathy, prosociality and humanism. Medical Education 2012; 46: 317-325.. Por outro lado, estresse, falta de tempo e condições adversas de trabalho prejudicariam a capacidade empática2727. Ahrweiler F, Neumann M, Goldblatt H, Hahn EG, Scheffer C. Determinants of physician empathy during medical education: hypothetical conclusions from an exploratory qualitative survey of practicing physicians. BMC Medical Education 2014; 14:122.. Durante o curso de Semiologia Psiquiátrica, é comum que alguns alunos se sintam motivados a procurar o Serviço de Apoio à Saúde Mental do Estudante (Seapes) da FMB ou outros serviços de saúde mental da cidade, para se submeterem a tratamento psicoterápico e/ou psiquiátrico.

Workshops para o desenvolvimento da habilidade de comunicação com os pacientes também teriam grande impacto positivo na dimensão comportamental da empatia33. Stepien KA, Baernstein A. Educating for empathy: A review. Journal of General Internal Medicine 2006; 21: 524-530.. No entanto, é preciso investigar a efetividade de programas educacionais que visem desenvolver ou fomentar a empatia nos estudantes de Medicina11. Caprara A, Rodrigues J. A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência e Saúde Coletiva 2004; 9 (1): 139-146.,33. Stepien KA, Baernstein A. Educating for empathy: A review. Journal of General Internal Medicine 2006; 21: 524-530.,2121. Hojat M, Mangione S, Nasca TJ, Rattner S, Erdmann JB, Gonnella JS, Magee M. An empirical study of decline in empathy in medical school. Medical Education 2004; 38: 934-941.,2727. Ahrweiler F, Neumann M, Goldblatt H, Hahn EG, Scheffer C. Determinants of physician empathy during medical education: hypothetical conclusions from an exploratory qualitative survey of practicing physicians. BMC Medical Education 2014; 14:122.. Pesquisas quantitativas e qualitativas de natureza interdisciplinar são necessárias neste campo, dada a complexidade e a multidimensionalidade da habilidade de empatia33. Stepien KA, Baernstein A. Educating for empathy: A review. Journal of General Internal Medicine 2006; 21: 524-530.,77. Neumann M, Ebenzing J, Mercer S, Erstmann N, Ommen O, Pfaff H. Analyzing the “nature” and “specific effectiveness” of clinical empathy: A theoretical overview and contribution towards a theory-based research agenda. Patient Education and Counselling 2009; 74 (3): 339-346..

Interessantemente, Neumann et al.77. Neumann M, Ebenzing J, Mercer S, Erstmann N, Ommen O, Pfaff H. Analyzing the “nature” and “specific effectiveness” of clinical empathy: A theoretical overview and contribution towards a theory-based research agenda. Patient Education and Counselling 2009; 74 (3): 339-346. relatam que as experiências biográficas influenciam o comportamento empático do profissional, devendo ser integradas às atividades que visam promover a empatia na educação médica, para garantir um cuidado de alta qualidade aos pacientes. A “competência narrativa” implicaria a capacidade humanística de se juntar ao paciente em sua doença e de reconhecer a própria trajetória pessoal e profissional, aproximando o médico do paciente, de si mesmo, dos colegas e da sociedade como um todo2626. Charon R. Narrative Medicine: A model for empathy, reflection, profession, and trust. JAMA 2001; 286 (15): 1897-1902.. Assim, se colocar “na pele do paciente” – ou, em inglês, “walking in the patient’s shoes” – é uma habilidade fundamental a ser desenvolvida no curso médico44. Shapiro J. Walking a mile in their patients’ shoes: empathy and othering in medical students’ education.Philosophy, Ethics, and Humanities in Medicine2008; 3: 10.. Nesse sentido, a técnica de inversão de papéis é um instrumento que pode ser de grande valia no desenvolvimento das habilidades relacionais de empatia e compaixão do estudante de Medicina, devendo ser objeto de futuras investigações empíricas.

Como educadores de futuros médicos, buscar dar um modelo de acolhimento respeitoso e sem julgamento aos relatos, dúvidas e sentimentos dos estudantes durante as várias etapas desta atividade tem sido uma experiência por vezes desafiadora e comovente, mas sempre rica e gratificante.

CONCLUSÃO

A inversão de papéis é um método proveniente do psicodrama que pode favorecer não apenas o aprendizado da técnica da entrevista psiquiátrica, mas também a capacidade de empatia, ao fazer com que o aluno se coloque no lugar do paciente e tente experimentar o mundo através de seus olhos. Estudos empíricos, no entanto, são necessários para comprovar se esta técnica pedagógica de fato favorece tal habilidade humanística, que é essencial à prática médica de boa qualidade.

AGRADECIMENTOS

“Aos colegas da Disciplina de Psiquiatria Ana Maria Tiosso e Ricardo Cezar Torresan, que também participam desta atividade didática de maneira regular e dedicada.”

“Ao Dr. Miguel Perez Navarro (in memoriam) por ter sido supervisor da equipe de Saúde Mental da FMB-Unesp por 15 anos e por ter sempre nos incentivado a utilizar técnicas psicodramáticas no ensino de graduação.”

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2018
  • Aceito
    25 Set 2018
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