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Análise de Ilustrações do Ensino de Biologia no Exame Nacional do Ensino Médio à luz da Teoria Cognitivista da Aprendizagem Multimídia

The Analysis of Illustrations for Biological Education in the National High School Exam in light of the Cognitive Theory of Multimedia Learning

Resumo:

A pesquisa objetivou analisar as ilustrações relacionadas à área da Biologia presentes no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) subsidiada pela Teoria Cognitivista da Aprendizagem Multimídia (TCAM), por meio de seu valor instrucional e os possíveis desvios imagéticos. A abordagem de conteúdos do Ensino de Biologia em muitos casos necessita de imagens para mediar o entendimento de estruturas e processos. O ENEM apresenta algumas questões com ilustrações para nortear o texto escrito, todavia podem apresentar equívocos de design ou falta de informações, dificultando a compreensão do enunciado. A TCAM estabelece princípios multimídias para mensurar o valor instrucional de imagens. No ENEM houve ilustrações de Valor Didático com desvios nos Princípios de Coerência e Sinalização. É importante empenhar maior atenção na idealização e inserção de imagens nesses exames e em similares, evitando, assim, ideias equivocadas, que podem influenciar na compreensão da questão e interferir na avaliação do candidato.

Palavras-chave:
Exame Nacional do Ensino Médio; Avaliação da aprendizagem; Análise de ilustrações; Ensino de biologia; Teoria Cognitivista da Aprendizagem Multimídia

Abstract:

This research aimed to analyze the illustrations related to the area of Biology presented in the National High School Exam (ENEM), with the subsidy of the Cognitive Theory of Multimedia Learning (CTML), its instructional value and possible imagery deviations. The approach to content in Biology Teaching in many cases needs images to mediate the understanding of structures and processes. ENEM presents some questions with illustrations to guide the navigation of written texts, however they may present design mistakes or lack information, thus making rubrics and instructions difficult to understand. CTML establishes multimedia principles for measuring the instructional value of images. In the ENEM, there were illustrations of Didactic Value with deviations in the Coherence and Signaling Principles. It is important to pay greater attention to the idealization and insertion of images in these exams and alike, in order to avoid misconceptions which can influence the understanding of questions and interfere in the assessment of candidates.

Keywords:
National High School Exam; Learning assessment; Analysis of illustrations; Biology teaching; Cognitive Theory of Multimedia Learning

Introdução

A imagem representa uma antiga forma de registro da civilização humana, que já expressava suas experiências de vida em paredes de cavernas (SANTAELLA; NÖTH, 2008SANTAELLA, L.; NÖTH, W. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2008.). Naquela época, ela estava presente nas pinturas rupestres e hoje, ainda, continua permeando o cotidiano humano noutras formas e com informações de valor instrucional (GOMES, 2007GOMES, E. C. A escrita na história da humanidade. Dialógica, Manaus, v. 1, n. 3, p. 1-17, 2007. Disponível em: https://cutt.ly/7f3dau7. Acesso em: 29 set. 2020.
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). Nesse viés, o conceito de imagem é bastante amplo e polissêmico (BARTHES, 1990BARTHES, R. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.), podendo se representar como um objeto ou um fenômeno (SILVA, 2006SILVA, H. C. Lendo imagens na educação científica: construção e realidade. Pro-Posições, Campinas, v. 17, n. 1, p. 71-83, 2006.), ou ainda se caracterizar como "[...] documentos iconográficos ou de ilustrações, incluindo pinturas, gravuras, pôsteres, cartões postais, fotografias, etc." (SMIT, 1996SMIT, J. W. A representação da imagem. Informare, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 28-36, 1996., p. 29).

Considerando essa vasta possibilidade imagética, quando um autor elabora uma ilustração para ser inserida em materiais iconográficos ou multimídias (documentos, livros, vídeos, etc.), por exemplo, ainda que não exista intencionalidade, podem emergir elementos próprios do idealizador, ou seja, o autor pode inferir propriedades e aspectos subjetivos seus e causar obstáculos de interpretação ao leitor (SOUZA, 2011SOUZA, L. H. P. As imagens fotográficas de saúde no livro didático de ciências. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 8., 2011, Campinas, São Paulo. Anais [...]. Campinas: ENPEC, 2011. Disponível em: http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R0638-1.pdf. Acesso em: 5 nov. 2019.
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). E, nessa elaboração, pode ocorrer algum distanciamento iconográfico do objeto de origem, devido à busca por uma aproximação mais perceptiva do real. No entanto, por vezes, pode descaracterizar a imagem (SILVA, 2006SILVA, H. C. Lendo imagens na educação científica: construção e realidade. Pro-Posições, Campinas, v. 17, n. 1, p. 71-83, 2006.). Sendo assim, nessa projeção imagética pode haver elementos disformes à perspectiva científica e gerar dificuldades ao sujeito na compreensão do conteúdo, caso não sejam introduzidas adequadamente em materiais instrucionais.

No que tange ao Ensino das Ciências Naturais, muitas dessas imagens representam elementos potenciais para o ensino e a aprendizagem dos estudantes, cuja abordagem de determinados conteúdos, principalmente os abstratos, pode promover ao leitor uma maior aproximação das estruturas e dos processos biológicos à vista desarmada (NEVES, 2015NEVES, R. F. Abordagem do conceito de célula: uma investigação a partir das contribuições do modelo de reconstrução educacional (MRE). 2015. 264 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015.). Corroborando com Smit (1996)SMIT, J. W. A representação da imagem. Informare, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 28-36, 1996., existe uma gama de registros iconográficos que, embora possam incitar similaridades, não demandam um mesmo tipo de tratamento, pois seu uso e sua aplicação podem ser distintos. Diante dessa diversidade imagética, exploramos o estudo sobre a ótica do documento iconográfico: as imagens ilustrativas presentes no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

O ENEM é uma ferramenta avaliativa que possibilita o ingresso na Educação Superior de estudantes advindos do Ensino Médio. Em suas perguntas observamos várias imagens que, atreladas ao texto escrito, são inseridas no contexto das questões propostas, como potencializadoras de conflitos cognitivos e de argumentações. É delas que remetem a análise e a interpretação de algumas arguitivas, cuja presença auxilia na compreensão de conteúdos da Biologia, entre outras áreas das Ciências. Assim, as imagens podem oportunizar uma visualização pictórica mais “acessível” ao leitor, já que em materiais impressos, a presença imagética apresenta-se como um elemento importante e denota sentido ao contexto abordado e, igualmente, às estruturas linguísticas (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading images: the grammar of visual design. London: Routledge, 1996.).

Entretanto, nem toda relação estabelecida entre um texto e uma imagem é compreensível ao leitor, e não condiciona a aprendizagem daquilo que se observa, visto que muitas ilustrações podem conter informações deturpadas com equívocos de conceituação, de sinalização, e com imagens distantes do texto, entre outros aspectos. Isso pode vir a comprometer a interpretação do sujeito diante de atividades avaliativas, leituras de livros e observação de vídeos, por exemplo (MAYER, 2005MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48.).

Dessa maneira, a Teoria Cognitivista da Aprendizagem Multimídia (TCAM) busca uma sincronia entre o visual e o verbal em materiais instrucionais, visando a melhoria da aprendizagem. Dessa forma, procura-se uma combinação significativa entre palavras (faladas/escritas) e imagens (gráficos, tabelas, quadros, ilustrações, fotografias, etc.), presentes em livros, testes, documentos, vídeos instrucionais, vídeo aulas, aulas on-line, animações, simulações e jogos interativos (MAYER, 2005MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48.). Portanto, indagamos: como as imagens ilustrativas da área da Biologia presentes no ENEM se apresentam à luz da Teoria Cognitivista da Aprendizagem Multimídia?

Por essa razão, a pesquisa procurou analisar as ilustrações relacionadas à área da Biologia presentes no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) subsidiada pela Teoria Cognitivista da Aprendizagem Multimídia (TCAM), por meio de seu valor instrucional e os possíveis desvios imagéticos. Por fim, este estudo não possui intencionalidade de discriminar ou desconsiderar as imagens ilustrativas presentes no exame, mas apenas contribuir à investigação sobre o ponto de vista imagético e sob a ótica da teoria para o Ensino da Biologia e outras áreas das Ciências.

Considerações sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)

O ENEM apresenta caráter voluntário, tendo sua primeira aplicação em 1998, a fim de verificar habilidades e competências dos estudantes que finalizaram a última etapa da Educação Básica - o Ensino Médio - e, assim, direcionar mudanças no processo de avaliação da educação brasileira (INEP, 2009INEP. Portaria n.º 109, de 27 de maio de 2009. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 100, p. 56, 28 maio 2009. Disponível em: https://cutt.ly/xf3dzJo. Acesso em: 5 nov. 2019.
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; NASCIMENTO; COUTINHO; PINHEIRO, 2013NASCIMENTO, F. S.; COUTINHO, T. C.; PINHEIRO, J. A. Exame Nacional do Ensino Médio - Enem: um olhar dos discentes do 3° ano do ensino médio e sua preparação para o ingresso no ensino superior. Educação em Revista, Marília, v. 14, n. 2, p. 69-92, 2013. DOI: https://doi.org/10.36311/2236-5192.2013.v14n2.3561.
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).

Em 2004, a nota do ENEM passou a ser empregada como forma de entrada de estudantes em Instituições de Ensino Superior (IES) privadas, por meio do Programa Universidade para Todos (PROUNI), através da concessão de bolsas de estudos para aqueles candidatos que obtivessem resultados satisfatórios nessa avaliação (BRASIL, 2005BRASIL. Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa Universidade para Todos - PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes ... Diário Oficial da União, Brasília, 14 jan. 2005. Disponível em: https://cutt.ly/Mf3s0cO. Acesso em: 5 nov. 2019.
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; NASCIMENTO; COUTINHO; PINHEIRO, 2013NASCIMENTO, F. S.; COUTINHO, T. C.; PINHEIRO, J. A. Exame Nacional do Ensino Médio - Enem: um olhar dos discentes do 3° ano do ensino médio e sua preparação para o ingresso no ensino superior. Educação em Revista, Marília, v. 14, n. 2, p. 69-92, 2013. DOI: https://doi.org/10.36311/2236-5192.2013.v14n2.3561.
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).

Em 2009, o exame começou a ser empregado como um mecanismo de seleção para o ingresso na Educação Superior, em Universidades Públicas, iniciando um processo de substituição do antigo vestibular, cuja nota serviria como um viés para o acesso a essas IES (INEP, 2009INEP. Portaria n.º 109, de 27 de maio de 2009. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 100, p. 56, 28 maio 2009. Disponível em: https://cutt.ly/xf3dzJo. Acesso em: 5 nov. 2019.
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), sendo necessário o cadastro dos estudantes no site do Sistema de Seleção Unificada (SISU). A disputa a uma vaga está atrelada a uma nota mínima (nota de corte) imposta pelas Instituições (BRASIL, 2010BRASIL. Portaria Normativa nº 2, de 26 de janeiro de 2010. Institui e regulamenta o sistema de seleção unificada, sistema informatizado gerenciado pelo Ministério da Educação, para seleção de candidatos a vagas em cursos de graduação disponibilizadas pelas instituições públicas de educação superior dele participantes. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, n. 18, 27 jan. 2010. Disponível em: https://cutt.ly/nf3sVTM. Acesso em: 5 nov. 2019.
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).

Vale ressaltar que o ENEM garante atendimento especializado a pessoas com deficiência, gestantes, entre outros, e o candidato que necessitar poderá solicitá-lo no ato da inscrição, propiciando a todos os participantes do exame, equitativas condições para realizar a avaliação (INEP, 2017INEP. Edital n.º 13, de 7 de abril de 2017. Exame Nacional do Ensino Médio. Diário Oficial da União: seção 3, Brasília, n. 69, p. 47, 10 abr. 2017a. Disponível em: https://cutt.ly/rf3dkd6. Acesso em: 5 nov. 2019.
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). Os candidatos menores de 18 anos que estejam cursando o Ensino Médio podem participar do exame apenas para autoavaliação, ou seja, para testar seus conhecimentos, e não poderão utilizá-lo para ingresso na Educação Superior (INEP, 2017INEP. Edital n.º 13, de 7 de abril de 2017. Exame Nacional do Ensino Médio. Diário Oficial da União: seção 3, Brasília, n. 69, p. 47, 10 abr. 2017a. Disponível em: https://cutt.ly/rf3dkd6. Acesso em: 5 nov. 2019.
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).

O antigo modelo do ENEM era composto por 63 questões multidisciplinares e uma redação com texto dissertativo-argumentativo, a partir de uma situação-problema (INEP, 2017INEP. Edital n.º 13, de 7 de abril de 2017. Exame Nacional do Ensino Médio. Diário Oficial da União: seção 3, Brasília, n. 69, p. 47, 10 abr. 2017a. Disponível em: https://cutt.ly/rf3dkd6. Acesso em: 5 nov. 2019.
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). Atualmente, o exame compreende uma redação e um conjunto de 180 questões, estruturadas em quatro blocos: o primeiro está relacionado às Linguagens, os códigos e suas Tecnologias, envolvendo o estudo da Língua Portuguesa por meio da Gramática e da Interpretação de Texto. O segundo enfoca a Língua Estrangeira Moderna, a Literatura, as Artes, a Educação Física e as Tecnologias da Informação. O terceiro aponta para a Matemática e suas Tecnologias, as Ciências da Natureza e suas Tecnologias, envolvendo a Química, a Física e a Biologia e, no quarto e último estão as Ciências Humanas e suas tecnologias, englobando a Geografia, a História, a Filosofia e a Sociologia (INEP, 2015INEP. Matrizes de referência. Brasília: INEP, 2015. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/matriz-de-referencia. Acesso em: 5 nov. 2019.
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).

Algumas questões são constituídas por meio de texto escrito e do uso de ilustrações, buscando exemplificar fenômenos e conceitos aos estudantes. À vista disso, inferimos a necessidade de observação dessas imagens, buscando mensurar o seu valor instrucional e possíveis desvios imagéticos que possam vir a confundir a interpretação das questões pelos candidatos.

O Valor Didático da Imagem mediante a Teoria Cognitivista da Aprendizagem Multimídia (TCAM)

Richard Mayer é psicólogo e professor da Universidade da Califórnia. Em seus estudos percebeu que o texto, a imagem e o som presentes em materiais instrucionais, possuíam alguns obstáculos para se estabelecer um diálogo coerente nessa tríade, visto que por vezes, alguns materiais apresentavam elementos estranhos e adversos à estrutura cognitiva do sujeito, o que acabava por inviabilizar a compreensão do conteúdo.

Dessa forma, Mayer (2005)MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48. estabeleceu a Teoria Cognitivista da Aprendizagem Multimídia (TCAM), que procura inferir parâmetros para mensurar a análise multimídia de diversos materiais instrucionais e seu grau cognitivo. Assim, a partir dela, busca-se uma relação mais intrínseca entre o imagético e o verbal, minimizando possíveis equívocos, contribuindo positivamente para a aprendizagem do sujeito.

O referido autor, observando o potencial multimídia desses materiais e, especificamente, das imagens, estabeleceu cinco postulados que serviram de aportes para o desenvolvimento da teoria. Vejamos:

1 - O aluno deve selecionar as palavras mais relevantes que facilitem o processamento na memória operacional verbal; 2 - O aluno deve selecionar as imagens mais relevantes que facilitem o processamento na memória operacional visual; 3 - O aluno deve organizar as palavras que já foram selecionadas em um modelo verbal; 4 - O aluno deve organizar as imagens que já foram selecionadas em um modelo visual; 5 - O aluno deve integrar as palavras e imagens no seu conhecimento prévio. (MAYER, 2001MAYER, R. E. Multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2001., p. 8, tradução nossa).

Mediante esses postulados, Mayer (2005)MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48. estabeleceu alguns Princípios Multimídias que poderiam corroborar com a mensuração do material a ser analisado. Sob esta ótica, captamos as imagens estáticas que confluem com o texto escrito, nas quais pode ser observado o seu valor instrucional - Valor Didático (VD) e Valor não Didático (VnD) -, e também, os possíveis desvios imagéticos, haja vista que algumas ilustrações podem vir a apresentar elementos subjetivos e estranhos à estrutura cognitiva do sujeito, já que partem da idealização do autor e podem contribuir para a construção de obstáculos epistemológicos na compreensão de um determinado conteúdo ao sujeito. Para Bachelard (1996)BACHELARD, G. A formação do espírito científico. Rio de janeiro: Contraponto, 1996., esses obstáculos epistemológicos são responsáveis pela inércia ou regressão na aquisição do conhecimento, tornando-o mal estabelecido. E ainda, enraíza-se naquele conhecimento que, por vezes, não é questionado. Considerando o viés do contexto imagético, o visualizador da imagem precisa compreendê-la sem haver elementos estranhos, incoerentes ou adversos à sua estrutura cognitiva, para assim, poder questioná-la e entender o seu significado.

Nessa perspectiva, Mayer (2005)MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48. estabeleceu 12 princípios visando reduzir esses equívocos e promover a aprendizagem significativa. Tais princípios estão dispostos em três cargas cognitivas: (1) Redução do Processo Estranho, através da diminuição do excesso de informações irrelevantes e que não colaboram com a aprendizagem (SILVA, 2013SILVA, R. R. A transposição com expansão do conteúdo do livro didático de matemática para o tablet na perspectiva da teoria cognitiva de aprendizagem multimídia. 2013. 152f. Dissertação (Mestrado em Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.); (2) Gerenciamento de Processamento Essencial, por meio da organização de informações essenciais, buscando promover uma representação mental do material apresentado (BARROS, 2013BARROS, A. P. R. M. Contribuições de um micromundo composto por recursos do GeoGebra e da coleção M³ para a aprendizagem do conceito de volume de pirâmide. 2013. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.); (3) Promoção de Processamento Generativo, visando promover a retenção e a alocação do conhecimento para outras situações de aprendizagem (SILVA, 2013SILVA, R. R. A transposição com expansão do conteúdo do livro didático de matemática para o tablet na perspectiva da teoria cognitiva de aprendizagem multimídia. 2013. 152f. Dissertação (Mestrado em Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.).

Assim sendo, essas perspectivas norteiam os processos multimídias presentes em muitos materiais didático-pedagógicos utilizados nas aulas, consoante o Quadro 1.

Quadro 1
Princípios Multimídias estabelecidos por Mayer

Seguindo essa vertente, analisamos apenas as ilustrações presentes em um determinado recurso investigado que, em nosso caso, estão registradas nas avaliações do ENEM. No tocante ao que concerne à análise imagética, a TCAM estabelece quatro categorias para classificação de imagens, segundo Mayer (2001MAYER, R. E. Multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.apudCOUTINHO; SOARES; BRAGA, 2010COUTINHO, F. A.; SOARES, A. G.; BRAGA, S. A. M. Análise do valor didático de imagens presentes em livros de biologia para o ensino médio. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 10, n. 3, p. 1-18, 2010. Disponível em: https://cutt.ly/qf3s7xi. Acesso em: 29 set. 2020.
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, p. 8), são elas:

  • - Decorativa (D): imagens presentes no texto apenas para fins de entretenimento, sem valor instrucional. Não veiculam discussões ao conteúdo estudado, atuando meramente como um recurso decorativo. Ex: ilustração do tipo propaganda.

  • - Representacionais (R): imagens com apenas um único elemento. Representação unitária de um organismo vivo, estrutura ou processo. Ilustração unitária ou solitária, sem indicações de partes e elementos constituintes. Ex: imagem que contempla um espermatozoide, mas não indica suas partes constituintes.

  • - Organizacional (O): imagens com a indicação de partes ou elementos constituintes de um organismo vivo. Ex: imagem que indica a organização da estrutura celular de uma célula eucarionte.

  • - Explicativas (E): imagens que explicam a funcionalidade de um sistema. Ilustrações que explicam um ciclo, divisão, reprodução ou processo biológico, que ocorre em um organismo vivo. Ex: imagem que aborda a bomba de Na- e K+.

Aspectos Metodológicos

Para realização do percurso metodológico desta pesquisa, foram selecionadas as avaliações referentes ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) entre os anos de 2009 a 2019, sendo analisadas as questões na área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Para este fim utilizamos os exames de cor amarela, focando apenas nas arguitivas que envolviam ilustrações da área da Biologia, nas quais o candidato precisaria compreendê-las para responder a alternativa adequadamente.

Objetivando classificar as imagens presentes nesse bojo, foram seguidos os critérios propostos por Mayer (2001MAYER, R. E. Multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.apudCOUTINHO; SOARES; BRAGA, 2010COUTINHO, F. A.; SOARES, A. G.; BRAGA, S. A. M. Análise do valor didático de imagens presentes em livros de biologia para o ensino médio. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 10, n. 3, p. 1-18, 2010. Disponível em: https://cutt.ly/qf3s7xi. Acesso em: 29 set. 2020.
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, p. 8), sendo elas de Valor não Didático (VnD) - Decorativas, Representacionais - e de Valor Didático (VD) - Organizacionais e Explicativas. Posteriormente, as ilustrações de VD foram submetidas à análise de três princípios: Coerência, Sinalização e Contiguidade Espacial.

Vale ressaltar que, diante de 12 princípios, apenas os três apontados anteriormente são aplicados em materiais como livros e documentos, pois as imagens presentes são de caráter estático e idealizado, estruturado ou adaptado pelo elaborador. Dessa forma, utilizamos apenas estes, por se enquadrarem nessa perspectiva, e seguirmos as propostas de Coutinho, Soares e Braga (2010)COUTINHO, F. A.; SOARES, A. G.; BRAGA, S. A. M. Análise do valor didático de imagens presentes em livros de biologia para o ensino médio. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 10, n. 3, p. 1-18, 2010. Disponível em: https://cutt.ly/qf3s7xi. Acesso em: 29 set. 2020.
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, conforme o Quadro 2.

Quadro 2
Relação entre princípios multimídias e critérios de exclusão das imagens

À vista disso, a percepção dos desvios em alguns princípios multimídias descritos anteriormente possibilita a reflexão dos obstáculos epistemológicos (BACHELARD, 1996BACHELARD, G. A formação do espírito científico. Rio de janeiro: Contraponto, 1996.; NEVES, 2015NEVES, R. F. Abordagem do conceito de célula: uma investigação a partir das contribuições do modelo de reconstrução educacional (MRE). 2015. 264 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015.) que podem intervir na compreensão do estudante e, com isso, no desenvolvimento de barreiras para aprendizagem do conteúdo. Por fim, consideramos na análise das imagens no ENEM, aquelas de cunho ilustrativo, ou seja, as que são elaboradas por seus idealizadores, com cores, formas, dimensionalidade, etc., não se enquadrando nessa pesquisa fotografias, quadros, tabelas ou gráficos.

Resultados e Discussões

Inicialmente, selecionamos as avaliações do ENEM de cor amarela referente às edições de 2009 a 2019. Nelas foram analisados quesitos alocados na área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias, com enfoque para os conteúdos biológicos. Vale ressaltar que nos anos de 2015, 2016 e 2017, houve necessidade do Governo Federal reaplicar o ENEM, considerando que nesse período ocorreram situações adversas que acabaram por dificultar a participação de muitos estudantes no exame, como ocupações em escolas e enchentes em alguns locais do país. Diante disso, também foram contempladas essas avaliações e suas imagens nesta pesquisa.

Após isso, realizamos um panorama geral das ilustrações presentes nesses exames, no que concernem ao ano, subáreas, conteúdos e disciplinas relacionadas, segundo o Quadro 3.

Quadro 3
Panorama geral das imagens presentes no ENEM - 2009 a 2019 e Reaplicações para a área da Biologia

Considerando-se o período de execução do exame, entre 2009 a 2019, e as reaplicações em 2015, 2016 e 2017, houve um total de 33 ilustrações utilizadas para nortear as questões das subáreas da Biologia, sendo que a sua distribuição variou entre três a cinco questões. Vale ressaltar que, no ano 2015, 2015 (reaplicação) e 2016 (reaplicação), não se detectou uso de imagens, mas apenas questões com textos, entre outras propostas. Mayer (2005)MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48. aponta que o estudante compreende melhor a relação entre texto-imagem do que apenas texto. Assim, dependendo da questão, o sujeito teria melhores condições de responder ao enunciado proposto, com o uso de uma ilustração para contextualizar a arguitiva.

Durante esse período, considerando as subáreas da Biologia, a Genética obteve maior evidência no exame, com nove citações. Já os conteúdos disciplinares surgiram diferentemente a cada ano, não seguindo um padrão. Para a resposta às arguitivas nos exames, os conteúdos abordados necessitavam uma correlação com outra área do conhecimento, sendo a subárea Zoologia com maior ênfase, com onze citações.

Após a descrição acima, partimos para análise das ilustrações, empregando a classificação de Valor não Didático (VnD) e Valor Didático (VD), em quatro categorias: Decorativas (D), Representacionais (R), Organizacionais (O) e Explicativas (E), conforme Mayer (2001MAYER, R. E. Multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.apudCOUTINHO; SOARES; BRAGA, 2010COUTINHO, F. A.; SOARES, A. G.; BRAGA, S. A. M. Análise do valor didático de imagens presentes em livros de biologia para o ensino médio. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 10, n. 3, p. 1-18, 2010. Disponível em: https://cutt.ly/qf3s7xi. Acesso em: 29 set. 2020.
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, p. 8), mencionadas na Tabela 1.

Tabela 1
Descrição das ilustrações de Valor não Didático (VnD) - Decorativas (D) e Representacionais (R) - e Valor Didático (VD) - Organizacionais (O) e Explicativas (E) - em questões do Enem na área de Biologia

Inicialmente, vale ressaltar que o ENEM dos anos de 2015, 2015 (reaplicação) e 2016 (reaplicação) não apresentaram imagens no que tange à área da Biologia para contextualizar o texto escrito. Nesse caso, não se percebeu o real motivo para não haver a presença imagética, uma vez que a ilustração corroboraria com um melhor entendimento do texto, principalmente, quando relacionados a conceitos e processos biológicos abstratos. Acreditamos que essa escolha está direcionada a um interesse do próprio idealizador, já que nas demais áreas das Ciências Naturais houve uso de imagens.

Em linhas gerais, houve um quantitativo de 33 imagens em questões do ENEM durante os anos de 2009 a 2019 e as reaplicações de 2015, 2016 e 2017, exceto os anos das avaliações destacadas anteriormente. Porquanto, houve um menor uso de ilustrações com VnD (Decorativas e Representacionais) e maior número das imagens de VD (Organizacionais e Explicativas) nesses ENEM para a área da Biologia.

Considerando as imagens de VnD houve um quantitativo de sete Representacionais e nenhuma Decorativa em todos os anos de aplicação dos exames. Esse fato é bastante pertinente, pois conforme orienta Mayer (2005)MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48., o uso de ilustrações de VnD (Decorativas e Representacionais) devem ser sempre em menor quantidade, visto que elas não fornecem informações relevantes a quem ler, pois direcionam o leitor a um momento de entretenimento ou expressam apenas uma visão unitária, sem maiores significâncias ao conteúdo. Desse modo, a sua presença deve ser mínima ou ausente, porque não estimulam os processos cognitivos do sujeito, e, por vezes, pode sobrecarregá-lo com informações irrelevantes (NEVES, 2015NEVES, R. F. Abordagem do conceito de célula: uma investigação a partir das contribuições do modelo de reconstrução educacional (MRE). 2015. 264 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015.).

Já as imagens de VD, nesses exames, obtiveram maior representatividade em relação às de VnD, sendo sete Organizacionais e 19 Explicativas. Assim, quando presente, as imagens de VD podem vir a estimular o processo de ensino-aprendizagem, oportunizando o conflito cognitivo e reflexões sobre as informações apresentadas, confluindo para um melhor entendimento do conteúdo ao sujeito (MAYER, 2005MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48.), já que essas ilustrações de VD demonstram ao leitor a estrutura organizacional de um ser vivo e seus processos, assim como as relações biológicas envolvidas (COUTINHO; SOARES; BRAGA, 2010COUTINHO, F. A.; SOARES, A. G.; BRAGA, S. A. M. Análise do valor didático de imagens presentes em livros de biologia para o ensino médio. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 10, n. 3, p. 1-18, 2010. Disponível em: https://cutt.ly/qf3s7xi. Acesso em: 29 set. 2020.
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; NEVES, 2015NEVES, R. F. Abordagem do conceito de célula: uma investigação a partir das contribuições do modelo de reconstrução educacional (MRE). 2015. 264 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015.).

Considerando que as ilustrações com VD foram mais representativas ao longo dos anos no ENEM, e que esses tipos de imagens são relevantes aos processos de ensino-aprendizagem, elas podem conter elementos estranhos e gerar obstáculos epistemológicos ao sujeito, caracterizando o que chamamos de desvio imagético (NEVES, 2015NEVES, R. F. Abordagem do conceito de célula: uma investigação a partir das contribuições do modelo de reconstrução educacional (MRE). 2015. 264 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015.). Sendo assim, Mayer (2005)MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48. esclarece que as imagens de VD precisam ser mensuradas a partir de princípios instrucionais, os Princípios Multimídias.

Nesse caso, como as ilustrações são de caráter estático (documentos, livros, manuais, etc.), a sua análise é submetida a apenas três dos 12 princípios destacados por Mayer, conforme o Quadro 1. As imagens de VD nas edições do ENEM de 2009 a 2019 e reaplicações foram analisadas por meio dos Princípios de Coerência, Sinalização e Contiguidade Espacial, utilizando como referência as perspectivas de Coutinho, Soares e Braga (2010)COUTINHO, F. A.; SOARES, A. G.; BRAGA, S. A. M. Análise do valor didático de imagens presentes em livros de biologia para o ensino médio. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 10, n. 3, p. 1-18, 2010. Disponível em: https://cutt.ly/qf3s7xi. Acesso em: 29 set. 2020.
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.

Para tanto, na Tabela 2 disponibilizamos o quantitativo de ilustrações que apresentaram desvios imagéticos, isto é, foram insatisfatórias, ferindo os princípios referenciados anteriormente, segundo as perspectivas da TCAM.

Tabela 2
Imagens de VD (Organizacionais - O e Explicativas - E) que apresentaram desvios nos princípios de Coerência, de Sinalização e de Contiguidade Espacial

A partir da tabela acima, obtivemos um total de 12 questões que apresentaram imagens de Valor Didático, no que tangue à Biologia e que apresentaram desvios imagéticos em avaliações do ENEM, sendo a Organizacional com apenas duas ilustrações, e a Explicativa com nove. Desse mote, apenas os Princípios de Coerência e de Sinalização apresentaram equívocos imagéticos, sendo dois e onze, respectivamente.

Mayer (2005)MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48. esclarece que uma imagem apresenta desvio no Princípio de Coerência (PC), quando os elementos que a compõem contêm material supérfluo, irrelevante ou antropomorfizado, podendo confundir a interpretação do sujeito. Em vista disso, a aprendizagem é melhor quando esse tipo de material é suprimido (COUTINHO; SOARES; BRAGA, 2010COUTINHO, F. A.; SOARES, A. G.; BRAGA, S. A. M. Análise do valor didático de imagens presentes em livros de biologia para o ensino médio. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 10, n. 3, p. 1-18, 2010. Disponível em: https://cutt.ly/qf3s7xi. Acesso em: 29 set. 2020.
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). Esse tipo de material irrelevante desvia a atenção dos componentes importantes da imagem dificultando a aprendizagem, direcionando o sujeito a organizar ideias inapropriadas sobre o tema (MAYER, 2005MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48.).

Considerando os desvios no Princípio de Sinalização (PS), Mayer (2005)MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48. discorre que a ausência de informações sobre a coloração, dimensionalidade, setas ou numerações nas ilustrações comprometem o entendimento e pode levar o leitor a um equívoco na interpretação do enunciado. Corroborando com essa afirmação, Barbosa et al. (2012)BARBOSA, J. L. B. et al. Aprendendo mitose e meiose de forma simples: proposta de jogo didático. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE BIOLOGIA, 4., E ENCONTRO REGIONAL DE ENSINO DE BIOLOGIA, 2., 2012, Goiânia. Anais [...]. Goiânia: ENEBIO: EREBIO, 2012. 1 CD-ROM., orientam que o uso de técnicas sinalizadoras ajudam o leitor a focar nas informações relevantes presentes na imagem.

Diferentemente, o Princípio de Contiguidade Espacial (PCE) não apresentou desvio imagético nas ilustrações de VD do ENEM da área da Biologia. Mayer (2005)MAYER, R. E. Cognitive theory of multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 31-48. orienta que as imagens em manuais, documentos e livros devem se encontrar em quadrante igual ou próximo ao texto escrito. Isso ocorreu em todas as imagens analisadas, confluindo com as orientações da TCAM.

No Quadro 4 observa-se a descrição das imagens que apresentaram desvios em algumas avaliações do ENEM, no que tange ao Princípio de Coerência e de Sinalização.

Quadro 4
Descrição das Imagens de VD que apresentaram desvios com relação aos Princípios de Coerência e de Sinalização em avaliações do ENEM para a área da Biologia

Em linhas gerais, notamos que nas edições do ENEM de 2011, 2012, 2014, 2016, 2018 e 2019 houve 12 questões que apresentaram ilustrações de Valor Didático (Organizacionais e Explicativas), bem como desvios imagéticos, no Princípio de Coerência e/ou no Princípio de Sinalização.

Nesses casos, percebemos nessas questões, imagens com ausência de destaque textual quanto à dimensionalidade das estruturas apresentadas, e falta de legendas com informações que oportunizassem uma interpretação imagética junto ao texto, mais compreensível acerca do conteúdo abordado. Representação de organismos e estruturas bastante divergentes do referente real, podendo contribuir com equívocos conceituais, e estruturação de esquema complexo, podendo gerar equívocos interpretativos e conceituais, devido à organização e à elaboração do design ilustrativo.

Diante do exposto, é importante o cuidado na elaboração e na inserção de imagens na mediação da abordagem dos conteúdos, pois pode induzir o sujeito a uma percepção desproporcional do tamanho do referente real, estimulando uma visão destorcida da Biologia (NEVES, 2015NEVES, R. F. Abordagem do conceito de célula: uma investigação a partir das contribuições do modelo de reconstrução educacional (MRE). 2015. 264 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015.). Além do que, como corrobora Barthes (1990)BARTHES, R. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990., a imagem em si é polissêmica, e cada pessoa, ao observá-la, pode construir diversas interpretações. Assim, existe a necessidade de cautela e atenção quanto a sua aplicação no processo de ensino-aprendizagem (SILVA, 2006SILVA, H. C. Lendo imagens na educação científica: construção e realidade. Pro-Posições, Campinas, v. 17, n. 1, p. 71-83, 2006.), ou em qualquer proposta de caráter informativo ou instrucional.

Considerações Finais

Os Princípios Multimídias estabelecidos por Mayer e utilizados nesta pesquisa como aporte para análise de imagens da área da Biologia presentes nas questões do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), possibilitaram ressaltar o potencial imagético e sua significância no desenvolvimento cognitivo do estudante, oportunizando reflexão sobre a sua presença em processos avaliativos. A pesquisa procurou contribuir sobre a relevância da inserção de ilustrações em materiais, de forma cautelar, no sentido de facilitar a compreensão do conteúdo teórico e/ou explicar fenômenos de forma didática no exame.

Considerando que o ENEM representa o principal meio de ingresso de estudantes na Educação Superior, torna-se necessário que as idealizações imagéticas sejam estruturadas através de algum aporte teórico-metodológico, já que não representa apenas um recurso figurativo, mas é por meio delas que o estudante pode, em alguns contextos, confundir as ideias e ser penalizado durante o seu processo avaliativo. Por conseguinte, as ilustrações presentes nas questões do ENEM precisam apresentar elementos coerentes e entendíveis à estrutura cognitiva do candidato, proporcionando um melhor aproveitamento dessas questões durante o exame.

Diante dos resultados apresentados, observamos que o ENEM apresentou para a área da Biologia, uma representação pouco significativa de ilustrações em seu processo avaliativo. As imagens tinham, em sua maioria, Valor Didático e algumas apresentaram desvios imagéticos suficientes para gerar obstáculos ao processo cognitivo do sujeito. Isso sugere maior atenção, quanto à idealização de uma ilustração, para não potencializar inferências equívocas ao leitor e, com isso, evitar a ocorrência de respostas incorretas concebidas a partir dos desvios imagéticos, visto que, o próprio processo de avaliação gera nervosismo e frustração ao estudante.

Vale ressaltar que os idealizadores optaram pela mudança da coloração das imagens da área da Biologia utilizadas no ENEM, usando imagens em branco e preto, o que, em parte, diminuiu a percepção imagética e comprometeu a observação de detalhes de estruturas e organismos representados nessas questões. Adicionalmente, a ausência de nitidez, consequentemente, pode ter sido um obstáculo na compreensão do enunciado, estimulando possíveis equívocos de interpretação.

Dessarte, é importante o desenvolvimento de novos estudos que contemplem outras áreas das Ciências, a fim de balizar novas perspectivas nesse exame ou em outras propostas avaliativas, e contribuir para a minimização de obstáculos na aprendizagem. As pesquisas orientadas por esse contexto podem contribuir significativamente para uma melhor discussão e construção do conhecimento. Além disso, podem vir a instruir para a seleção de ilustrações, estabelecendo critérios de escolha que favoreçam a percepção cognitiva do estudante.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2020
  • Aceito
    22 Jun 2020
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