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Kit paleontológico: um material didático com abordagem investigativa

Paleontological kit: a didactic material with investigative approach

Resumos

Neste trabalho apresentamos um kit para aulas práticas que possibilitará, aos estudantes do Ensino Fundamental, conhecer mais sobre a Paleontologia e compreender a utilidade dos fósseis para a interpretação dos ambientes pretéritos e para a datação das camadas sedimentares. A quase totalidade das escolas do Ensino Fundamental II não dispõe de material para aulas práticas sobre temas relacionados à Paleontologia. O kit consiste em réplicas de fósseis brasileiros e de uma cartilha com as informações necessárias para o desenvolvimento das atividades práticas. Com esse intuito, foram utilizadas réplicas de fósseis procedentes da Bacia de Itaboraí, no estado do Rio de Janeiro, de idade paleocênica, e um bloco de rochas da Formação Pirabas, nos estados do Maranhão, Piauí e Pará, de idade miocênica. Este material também representa uma forma de divulgar a paleontologia brasileira e desmistificar o uso de fósseis de dinossauro como recurso único no ensino e divulgação da Paleontologia.

Ensino Fundamental; Material didático-instrucional; Paleontologia; Divulgação científica


In this work we present a kit for laboratory classes for Junior High schools students seeking to teach them more about paleontology and the importance and usefulness of fossils to identify past environments and dating of the sedimentary layers. Almost all Junior High schools do not have satisfactory material for laboratory classes on topics related to Paleontology. The kit consists of replicas of Brazilian fossils and a booklet with the necessary information for the practical activities. For this purpose we used replicas of fossils coming from Itaboraí Basin, Rio de Janeiro state, of Paleocene age, and a block of rock from Pirabas Formation, Maranhão, Piauí and Pará States, of Miocene age. This material is also a way to spread the knowledge Brazilian paleontology and demystify the use of dinosaur fossils as the unique source of paleontological teaching and dissemination.

Junior High; Instructional didactic material; Paleontology; Scientific dissemination


Introdução

A educação brasileira deve ser examinada sob o contexto histórico, levando como fatores determinantes as transformações políticas, econômicas e sociais do país. Na medida em que a Ciência e a Tecnologia foram reconhecidas como essenciais no desenvolvimento econômico, cultural e social, o ensino das Ciências, em todos os níveis, foi também crescendo em importância, sendo objeto de inúmeros movimentos de transformação do ensino, podendo servir de ilustração para tentativas e efeitos das reformas educacionais (KRASILCHIK, 2000). Como consequência dessas transformações e reformas, são crescentes as pesquisas sobre: o processo ensino-aprendizagem, o papel do professor no ambiente escolar, a identificação dos conhecimentos prévios e interesse dos alunos, a problematização da comunicação e da linguagem no aprendizado, entre outros (KRASILCHIK, 1988).

A ideia de plano no âmbito do sistema educacional brasileiro surgiu na década de 1930. Apesar disso, somente no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB ou LDBEN), lei federal n.º 9394/96, está definido que a educação escolar deve estar conciliada ao mundo do trabalho e à prática social (BRASIL, 1996). Posteriormente, em 1998, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) disponibilizou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) com o intuito de promover objetivos comuns nacionais para cada ciclo do sistema de educação, organizando o currículo nos moldes da LDB (BORGES; LIMA, 2007). No Ensino Fundamental, a Paleontologia aparece prevista nos PCN, atribuída ao terceiro ciclo, ou seja, 6º e 7º anos (antiga 5ª e 6ª séries). No PCN de Ciências Naturais, o estudo dos fósseis está ligado aos temas: surgimento da Terra, evolução, combustíveis/tecnologia e meio ambiente. No PCN de Geografia não há menção explícita, e, no de História, a Paleontologia aparece prevista como tópico na preservação do patrimônio brasileiro. Sendo assim, o estudo da Paleontologia, assim como o ensino das características da Terra, é mais bem desenvolvido na disciplina de Ciências.

A Paleontologia é uma ciência que envolve várias áreas do conhecimento, podendo ser trabalhada como um tema interdisciplinar e transdisciplinar em diversos momentos do ensino, levando o estudante a construir um conhecimento integrado das questões que envolvem a origem e evolução da vida na Terra. Desta forma, os estudos paleontológicos permitem: o entendimento da biodiversidade, interpretação de tempo geológico, evolução das espécies, características climáticas e outras particularidades do passado (CRUZ; BOSSETTI, 2007), sem esquecer que os fósseis são evidências diretas das vidas pretéritas que existiram no nosso planeta. O estudo dos fósseis possibilita, também, uma visão da dinâmica ambiental que possibilitou o aparecimento e o desaparecimento das espécies, mudando a consciência dos estudantes no que diz respeito à preservação do meio ambiente (ZUCON et al., 2009) e a mudanças climáticas. Segundo Carneiro, Toledo e Almeida (2004), juntamente com a Paleontologia, a Geologia também está atrelada à Educação Ambiental, possibilitando, aos estudantes, novas leituras do ambiente, integrando a temporalidade, a ciclicidade e a duração dos processos terrestres, contribuindo para uma nova visão de mundo; possibilitando, aos alunos, reflexões e ações mais elaboradas. Desta forma, é possível educarmos para a preservação dos bens científicos e culturais, incluindo conservação do patrimônio fossilífero brasileiro.

Schwanke e Silva (2004) apontam que, apesar da importância da Paleontologia, o tema ainda é tratado de forma distante e, algumas vezes, ausente em sala de aula. O distanciamento entre a linguagem cientifica e a cotidiana, o fato de o currículo escolar não levar em conta a experiência de vida dos alunos e o reduzido conhecimento geocientífico na formação de professores são fatores que fomentam esse problema. Os livros didáticos continuam sendo a principal fonte de pesquisa, e a falta de análise desses conteúdos por especialistas propicia a perpetuação de equívocos conceituais entre os estudantes, o que pode ser agravado, ainda mais, com relação à Paleontologia e outras ciências, áreas de pesquisa com renovação diária de conhecimentos (ARAÚJO-JÚNIOR; PORPINO, 2010). No Ensino Básico, normalmente, a abordagem de temas afins com a Paleontologia, como evolução, morfologia e ecologia, ocorre de forma fragmentada e, muitas vezes, em diferentes séries. Desta forma, os estudantes tendem a achar que são assuntos que não possuem relação, dificultando, assim, um raciocínio mais científico.

Diversas alternativas para o aprendizado da Paleontologia têm sido propostas, buscando a utilização de vários recursos que possibilitem uma melhor compreensão e um ambiente mais favorável ao ensino-aprendizagem. Visitas a museus têm se tornado um recurso cada vez mais comum nesse sentido. Atualmente, observarmos a crescente preocupação dos museus brasileiros em se tornarem mais interativos, fugindo da prática apenas expositiva. A relação entre educação e museus se centraliza nas práticas sociais neste espaço, aliadas às reflexões que advêm do acúmulo desta experiência (VALENTE, 2003). Assim, os museus se enquadram em um modelo de educação construtivista, em que o desenvolvimento do conhecimento é determinado pelas ações mútuas entre os indivíduos e o meio. Segundo Veronese (2011), a principal dificuldade nesta alternativa consiste numa apropriada interação escolamuseu, que possibilite não só uma alfabetização científica, mas uma ampliação da absorção e um melhor entendimento de conteúdos importantes abordados em ciências (aqui, neste caso, na Paleontologia).

De acordo com Lopes e Carneiro (2009), o uso da informática na educação (softwares educativos) ganhou espaço nas últimas décadas, e tem ampliado as possibilidades de investigação. No Brasil, o pioneiro na utilização desta tecnologia foi Dantas e Araújo (2006), que elaboraram um cd-rom com textos explicativos e imagens, a fim de motivar os estudantes a aprenderem mais sobre a Paleontologia Sergipana. No entanto, apesar de ser interativo, o material produzido era apenas informativo, não apresentando um problema a ser investigado.

Pedrancini et al. (2007) observaram que nem sempre o ensino promovido no ambiente escolar possibilita que o estudante se aproprie dos conhecimentos científicos de modo a compreendê-los, questioná-los e utilizá-los, pois grande parte do saber científico transmitido na escola é rapidamente esquecido, por causa da forma como isso ocorre. Infelizmente, grande parte das alternativas para a introdução à ciência Paleontologia no Ensino Fundamental no Brasil tem como estratégia apenas a visualização e demonstração de materiais, como fotos e réplicas (ANELI, 2002; SILVA et al., 2010). Esta metodologia, pouco motivadora e instigante, não deve ser descartada, mas sim complementada com novas formas de abordagem que levem à maior interação com os estudantes.

De acordo com Tamir (1990), a participação dos estudantes em investigações reais proporciona o desenvolvimento de habilidades próprias do processo de produção do conhecimento científico, ampliando a oportunidade de os estudantes se depararem com questões relacionadas à natureza da ciência e de desenvolverem habilidades de análise e solução de problemas. A perspectiva do ensino com base na investigação possibilita o aprimoramento do raciocínio e das habilidades cognitivas dos alunos, assim como a cooperação entre eles,além de possibilitar que compreendam a natureza do trabalho científico (ZÔMPERO; LABURÚ, 2011). O desafio para o ensino atual é a participação ativa dos estudantes, possibilitando o estímulo do raciocínio e a assimilação de conteúdos da educação formal de maneira espontânea. Existe, assim, a necessidade de criação de ferramentas mais eficazes para o Ensino Fundamental.

Objetivos

Uma vez que os materiais até o momento disponibilizados para aulas práticas são apenas observativos/passivos, este trabalho tem como objetivo a apresentação de um kit paleontológico elaborado para servir como ferramenta ativa no ensino da Paleontologia no Ensino Fundamental.

Os kits, compostos de réplicas e uma cartilha, têm como finalidade ajudar os alunos a compreender como os fósseis são ferramentas fundamentais para se desvendar a história evolutiva da Terra. Ao longo do desenvolvimento deste trabalho, outros objetivos, mais específicos, puderam ser traçados:

-tornar o kit uma ferramenta inter e transdisciplinar e interativa, de modo que, aos poucos, os estudantes pudessem chegar as suas próprias conclusões;

-mostrar, aos alunos, que a Paleontologia é muito mais rica e diversa do que os fósseis de dinossauros;

-divulgar os fósseis e locais de duas regiões distintas, chamando a atenção para a existência de fósseis no Rio de Janeiro;

- popularizar o conhecimento paleontológico, tendo o estudante como disseminador do conhecimento adquirido na escola.

Materiais e métodos

Definição dos temas a serem trabalhados nas aulas práticas

Fósseis são restos ou vestígios de seres outrora vivos. Fósseis são enigmáticos, pois, mesmo quando completos, revelam apenas parte de si e de sua história e, por esse motivo, tornam-se muito atrativos, pois instigam a curiosidade humana. A preparação de kits de réplicas de fósseis para escolas não é uma novidade (RIBEIRO et al., 2007), mas estes têm sido montados com o fim apenas de revelar um pouco da diversidade pretérita, para serem apenas observados, e para ilustrar, tridimensionalmente, algumas das imagens encontradas em livros. Nesta proposta utilizamos os fósseis como ferramentas que podem ajudar os alunos a desvendar um pouco da história da Terra. Dentre as diversas possibilidades, elegeu-se mostrar, aos alunos, como os fósseis podem revelar o ambiente que existia no local onde foram encontrados, na época em que viviam, e como eles podem ser utilizados para determinar a idade da rocha onde se encontram. Para o primeiro fim, elegeu-se a Formação Pirabas, devido à sua riqueza paleontológica (TÁVORA; SANTOS; ARAÚJO, 2010), sobretudo, de invertebrados marinhos, que são facilmente associáveis ao seu ambiente de vida. Para o desenvolvimento do segundo objetivo, elegeu-se a Bacia de Itaboraí, primeiramente, por estar situada no Rio de Janeiro (local onde, inicialmente, será testada e implantada a proposta), por sua riqueza fossilífera e por possuir elementos que permitem mostrar, aos estudantes, como os fósseis são fundamentais na determinação da idade de rochas sedimentares.

Fósseis replicados

Os fósseis da Formação Pirabas são frequentemente representados por moldes de seu exoesqueleto. Assim, elegeu-se, para ser replicado, um bloco de rochas com grande diversidade de grupos de invertebrados, para ampliar o leque de informações biológicas que fornecem subsídios aos alunos para as interpretações paleoambientais. Fósseis de bivalves, gastrópodes, corais e equinóides são bastante comuns nesta formação.

Dentre a diversidade de fósseis da Bacia de Itaboraí, foram selecionados representantes de grupos que apresentam diferentes longevidades, mas, também, que ilustrassem um pouco da riqueza paleontológica da bacia fluminense. Assim, foram selecionados: um representante das ordens de mamíferos Condylarthra, Notoungulata, Xenungulata e Marsupialia, um gastrópode e uma semente da ordem Rosales (Figura 1). Devido ao pequeno tamanho dos fósseis de Itaboraí, houve a necessidade de se fazerem esculturas ampliadas, em epóxi, da maioria dos exemplares utilizados, e replicagem destas ampliações para facilitar visualização e o manuseio no momento da aula prática. As réplicas foram confeccionadas com uma mistura de gesso, cimento branco e cola Cascorez, que são de baixo custo e resistentes a possíveis choques.

Figura 1
Réplicas do bloco de rocha da Formação Pirabas e dos fósseis da Bacia de Itaboraí: (a) dente de Notoungulata; (b) dente de Condylarthra; (c) dente de Marsupialia; (d) semente de Celtis; (e) Gastropoda; (f) dente de Xenungulata; (g) bloco de rocha; (h), bolacha do mar. Réplicas a, b, c, d ampliadas artisticamente. Réplicas a – f de fósseis procedente da Bacia de Itaboraí; réplicas g – h de fósseis procedentes da Formação Pirabas. Escala = 5cm.

Cartilha

A principal função da cartilha é direcionar o aluno a atingir o objetivo traçado, mas, também, fornecer subsídios para que ele possa tirar suas próprias conclusões dos fósseis observados. Este material foi confeccionado de forma a constarem informações científicas e imagens sobre os fósseis e bacias sedimentares, em linguagem didática. Nela constam: informações científicas, a localização geográfica, a idade das unidades geológicas relacionadas com a atividade, imagens dos fósseis ou formas afins, representantes recentes do grupo ou reconstituições dos fósseis, a distribuição cronológica destes, informações taxonômicas, características ecológicas e modo de vida desses animais, entre outras. Tais características fornecem subsídios aos estudantes para que tirem suas próprias conclusões sobre a utilidade e importância dos fósseis à medida que se avançam as páginas da cartilha.

A cartilha (Figura 2) possui 18 páginas, divididas por cores de acordo com a etapa abordada. Possui cinco páginas introdutórias com informações e ilustrações inerentes a um conhecimento prévio necessário ao desenvolvimento das práticas (o que são fósseis, definição de bacia sedimentar, tempo geológico e paleoambiente). Em seguida à introdução, são lançados dois desafios aos alunos: um deles referente à determinação da idade da Bacia de Itaboraí por meio de alguns de seus fósseis; e outro referente à determinação do paleoambiente da Formação Pirabas, com base nos moldes de invertebrados deixados num bloco de rochas. Para a resolução dos desafios, pequenos textos e ilustrações são disponibilizados. Também são fornecidas informações gerais sobre as unidades geológicas envolvidas no kit, a fim de contextualizar o aluno quanto ao local de procedência dos fósseis. Ao final, são fornecidas as respostas dos desafios.

Figura 2
Algumas páginas da cartilha que acompanha o kit.

Imagens são importantes recursos para a comunicação de ideias científicas (MARTINS; GOUVÊA; PICCININI, 2005), por este motivo a cartilha está ricamente ilustrada, com fotos dos fósseis e desenhos explicativos e motivacionais, associadas a pequenos textos explicativos, que, juntos, constituem as ferramentas que os alunos utilizarão para resolverem os desafios. No entanto, além de sua indiscutível importância como recurso para a visualização, contribuindo para a inteligibilidade de diversos textos científicos, as imagens também desempenham um papel fundamental na constituição das ideias científicas e na sua conceitualização. No entanto, a utilização exclusiva de fotos e réplicas transforma o estudante em um mero espectador, despertando pouco interesse e produzindo pouca interação. Estudos incluem a ideia de que imagens são mais facilmente entendidas quando acompanhadas de pequenos textos explicativos e outros estímulos (MARTINS; GOUVÊA; PICCININI, 2005).

Atividades propostas

Na atividade com o bloco de rocha da Formação Pirabas, os alunos são desafiados a descobrir como era o ambiente na época em que aqueles animais, atualmente representados por moldes de suas conchas, viveram. Em primeiro lugar, é solicitado aos alunos preencherem os espaços dos moldes com massa de modelar, para terem uma visão tridimensional do animal. Feito isso, os alunos deverão identificar a que grupo pertence aquele fóssil, por meio das informações e imagens fornecidas na cartilha, e, então, anotar, a partir do texto fornecido, as necessidades ecológicas que aquele grupo de animais possui (e.g. marinhos ou dulcícolas, de águas rasas ou profundas etc). Como todos os grupos fósseis desta formação têm representantes viventes, as necessidades ecológicas de cada um foram fornecidas a partir das formas atuais, tendo como base o Princípio do Atualismo, que pressupõe que o presente é a chave para o passado (TEIXEIRA et al., 2000), ou seja, que o modo de vida dos animais fósseis seria similar ao das formas atuais. Ao final do desafio, espera-se que os alunos reconheçam que aquele bloco de rocha, devido à diversidade de animais preservados e às necessidades ecológicas destes, tenha sido formado num ambiente marinho, próximo ao continente, de águas rasas, quentes e límpidas.

Na atividade com os fósseis da Bacia de Itaboraí, os alunos são desafiados a descobrir qual a idade desta bacia, isto é, em que período do tempo geológico os animais representados pelas réplicas de seus fósseis viveram e morreram. Inicialmente, os alunos deverão identificar as réplicas seguindo o mesmo procedimento da atividade anterior. Após identificá-las, deverão marcar numa tabela, com os períodos da Era Cenozóica, a longevidade de cada fóssil, informação esta disponível na cartilha. Após preencherem a longevidade de todos os fósseis, eles perceberão que todos os fósseis viveram no Paleoceno, concluindo, então, ser esta a idade da bacia. Também serão capazes de perceber que alguns grupos vivem por muito tempo e, por isso, não podem ser utilizados como indicadores de idade. Com esta atividade, também os alunos poderão se familiarizar com alguns grupos de fósseis que habitaram, no passado, o estado ou município onde hoje vivem.

Resultados

Aplicação do protótipo do jogo

Os kits e a cartilha foram avaliados em atividades práticas realizadas no laboratório de Ciências, com estudantes do Ensino Fundamental do 6º ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental Visconde de Mauá, da rede FAETEC, situado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro (Figuras 3 e 4). Foi escolhido o 6º ano por estarem previstas, no PCN, neste ano, as disciplinas de Ciências e de Geografia, que abordam, ao mesmo tempo, temas como a origem dos seres vivos, solo, tempo geológico e deriva continental.

Figura 3
Estudantes do 6º ano no laboratório de Ciências da Escola Estadual de Ensino Fundamental Visconde de Mauá.

Fotos: Stella Barbara S. Prestes


Figura 4
Os estudantes comparando a cartilha com os moldes na réplica de rocha.

A aula prática durou, em média, os dois tempos de aula (90 min.). A turma foi dividida em grupos de três a quatro alunos, cada grupo com um kit. Foi perguntado, inicialmente, se eles tinham ideia do material que estava sobre a mesa. Muitas especulações surgiram, algumas até próximas do que as réplicas realmente seriam. Em seguida, foi perguntado, aos alunos, o que são fósseis. A maioria respondeu que eram animais que não viviam mais. Após a introdução da cartilha, esse conceito foi esclarecido. Na introdução da cartilha e nos outros textos não ligados diretamente à resposta dos desafios, os alunos que se prontificaram foram convidados a ler em voz alta. Desta forma, evitou-se que os alunos se dispersassem por algum motivo externo, e os incentivou a colaborar com a dinâmica da aula. Para cada desafio, foram disponibilizados vinte a trinta minutos para a conclusão, e, após esse período, foi perguntado qual era a resposta e a justificativa.

A observação das imagens e a leitura dos textos da cartilha geraram novas discussões e mantiveram o interesse dos alunos tanto para o que foi pedido nos desafios quanto para outros aspectos relacionados. A partir da relação dos animais/planta com o seu respectivo texto, os estudantes do 6º ano puderam chegar às respostas dos desafios, assim como fizeram observações quanto à forma, tamanho e relação com os animais atuais e colocações sobre o próprio texto introdutório. Algumas destas observações incluem: "..as bolachas-do-mar mudaram pouco", "...já tinha ouvido falar em falésia, mas não sabia como era", "...os dentes são muito diferentes, não tem nada a ver com os nossos; espera aí - tem sim, só não sei como".

No momento dos testes, a cartilha utilizada ainda não apresentava imagens coloridas nem estava no formato da Figura 2. Apesar das reclamações iniciais, em nenhum momento esta característica afetou o desenvolvimento das atividades e nem a motivação. Ao final da cartilha, todos os objetivos foram alcançados, e muitos estudantes trouxeram perguntas novas e questionaram onde poderiam saber mais sobre Paleontologia, espelhando a eficiência esperada do kit paleontológico e sua eficácia como uma ferramenta de motivação ao aprendizado.

Os exemplos supracitados reforçam a necessidade de geração de ferramentas ativas na educação, que possam ser associadas às metodologias atuais, oferecendo, ao estudante, o estímulo para constituição de um raciocínio científico. Zômpero e Laburú (2011) também concordam que as atividades de investigação, sejam elas de laboratório ou não, são significativamente diferentes das atividades de demonstração e experimentações ilustrativas, por fazerem com que os alunos, quando devidamente engajados, tenham um papel intelectual mais ativo durante as aulas.

Cooperação

Durante a prática, os estudantes se mantiveram divididos em grupos de três ou quatro para a melhor visualização do material, mas podiam trocar informações e fazer perguntas aos outros grupos. Não houve espírito de competição, e sim de colaboração. Desta forma, os estudantes puderam exercitar a cooperação e quase não houve agitação, pois não havia perdedores e ganhadores. Além disso, ao final do tempo dado para o término dos desafios e na leitura dos textos introdutórios, os alunos foram estimulados a falar em voz alta, e as retaliações foram mínimas, mesmo quando um estudante gaguejava ou lia de forma errada.

Para Frantz (2001), a cooperação é entendida como uma ação consciente e combinada entre indivíduos ou grupos associativos com vista a um determinado fim. Práticas de cooperação são necessárias em sala de aula, pois o momento atual de nossa sociedade tem nos tornado cada vez mais individualistas e competitivos. Crianças e jovens devem aprender que a escuta, o respeito mútuo, a tolerância, a cooperação e o diálogo são aspectos naturais das relações entre pessoas que convivem em sociedade (SCHABBEL, 2002). Educadores e pais, ao buscarem soluções, devem estar mais preocupados com a justiça e cooperação, não com punição ou retaliação (SCHABBEL, 2002).

Professor como mediador

Apesar de esta ferramenta educativa propor o desenvolvimento do raciocínio baseado em um material didático, e gerar certo grau de independência, a presença do professor é indispensável, já que ele estará, sobretudo, atuando como um agente instigador e mediador. O professor, ao longo da atividade, pode trazer novas perguntas, enfatizar determinadas partes do texto, correlacionar o texto com filmes, com o próprio livro didático, jornais etc. A instigação visa incentivar os estudantes a exporem suas opiniões e a iniciarem o processo de interação em sala de aula (SCHROEDER, 2007). Além disso, o professor deve conduzir a prática, objetivando o desenvolvimento da pertinência das discussões que se estabelecem em sala de aula. Também, por meio dos questionamentos que possam ser feitos pelo professor, é possível saber se os objetivos estão sendo alcançados e direcionar o material para possíveis deficiências conceituais e/ou para novos conhecimentos.

Eficácia do método

A realização da atividade pelos estudantes é um dos momentos de investigação a partir de uma problemática sobre um conceito científico. Nessas atividades, oportunizam-se condições para: pensar, visualizar, discutir, comparar os achados com suas hipóteses e a cartilha, facilitando a compreensão e a aprendizagem no âmbito escolar. Nessa perspectiva, pretende-se que o aluno articule a expressão oral e a coletividade das atividades investigativas, e faça uso destas na compreensão de conceitos científicos. Ao se trabalhar na perspectiva de um conhecimento que se constrói, a necessidade da pesquisa e do registro faz com que a utilização da escrita no desafio e a leitura das especificações seja uma constante. Escrever e ler passa a ter significado, pois são instrumentos essenciais de comunicação e registro: das concepções, da pesquisa, das observações e do que é manipulado e constatado, tornando, assim, possível melhor compreensão e assimilação do assunto. A análise com o método de tempestade de ideias, a utilização dos estudantes como narradores dos textos da cartilha, o companheirismo no trabalho em grupo, o entusiasmo dos alunos na execução do trabalho e a conclusão dos desafios propostos na cartilha foram determinantes para diagnosticar a eficiência do material. Sendo assim, esta ferramenta didática teve sua eficiência diagnosticada a partir do acompanhamento, da mediação e na conclusão dos desafios propostos. Todos os grupos das diferentes turmas conseguiram realizar todas as etapas; de acordo com as dificuldades dos mesmos, a utilização completa da ferramenta demorou de 60 a 100 minutos para ser concluída. Devese levar em consideração, também, que curiosidades além do conteúdo proposto surgiram e foram sanadas. A verbalização foi interativa entre os estudantes, tornando-se a chave para o conhecimento mais elaborado. Ouvindo, discutindo e dialogando, eles tornaram o pensamento mais claro e encontraram palavras para exprimi-lo melhor, e também provocaram mudanças no comportamento agregando os saberes.

Considerações finais

O kit transcende o conceito de coleção didática paleontológica, jogo educativo ou brincadeira, mas constitui uma forma divertida e instigante de realizar uma aula prática para fixação de conceitos de Paleontologia dentro da disciplina Ciências do 6º ano do Ensino Fundamental. Os fósseis selecionados para compor o kit e a cartilha servem como um meio educacional interativo e ativo, e funcionarão como uma via de mão dupla: os estudantes pesquisam, nos fósseis, as questões levantadas na cartilha, e buscam, na cartilha, os subsídios para a interpretação que devem realizar.

No Ensino Básico, normalmente, a abordagem de temas como evolução, morfologia e ecologia ocorre de forma fragmentada, em diferentes séries ou, até mesmo, em mais de uma disciplina. Desta forma, os estudantes tendem a achar que são assuntos que não possuem relação, dificultando, assim, um raciocínio científico. O kit demonstrou que é possível fazer uma interligação entre os saberes aprendidos na escola e em outros meios, e existe a utilidade desses saberes em conjunto, fazendo parte ou não da construção de conceitos científicos.

Apesar de esta ferramenta educativa propor o desenvolvimento do raciocínio baseado em um material didático e gerar certo grau de independência, a presença do professor é indispensável, já que este estará, sobretudo, atuando como um agente instigador e mediador. O professor, ao longo da atividade, pode trazer novas perguntas, enfatizar determinadas partes do texto, correlacionar o texto com filmes, com o próprio livro didático, jornais etc. A instigação visa incentivar os estudantes a exporem suas opiniões e a iniciarem o processo de interação em sala de aula. Além disso, o professor deve conduzir a prática objetivando o desenvolvimento da pertinência das discussões que se estabelecem em sala de aula. Também, por meio dos questionamentos que possam ser feitos pelo professor, é possível saber se os objetivos estão sendo alcançados, e direcionar o material para possíveis deficiências conceituais e/ou para novos conhecimentos.

Agradecimentos

Ao Dr. Vladmir de Araújo Távora, do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará, pela identificação dos fósseis da Formação Pirabas; ao M.Sc. André Eduardo Piacentini Pinheiro (Tatu), do Laboratório de Macrofósseis/UFRJ, pela ampliação artística dos fósseis; a M.Sc. Aline Ghilardi, pelas ajudas artísticas com as réplicas; a Renato Mello, pela ajuda com o layout da cartilha, e ao M.Sc. Edmilson Batista Almeida e à Dra. Katia Mansur (UFRJ), pela revisão crítica.

Os autores também agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pelo financiamento parcial do projeto de desenvolvimento do kit paleontológico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2013
  • Aceito
    16 Jan 2014
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