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Familiares cuidadores articulando rede social de criança com necessidades especiais de saúde

Cuidadores familiares articulan red social de niño con necesidades de asistencia especiales de salud

RESUMO

A rede de atenção à criança com necessidades especiais de saúde é restrita e pouco abordada no Brasil.

Objetivos:

caracterizar a rede social de criança com essa condição de saúde e analisar o papel da família na sua constituição.

Método:

abordagem qualitativa desenvolvida com cinco dinâmicas Mapa Falante do método criativo sensível, com cinco grupos familiares (12 participantes), realizadas em seus domicílios.

Resultados:

a análise crítica do discurso de cuidadores (avós, irmãos e vizinhos) apontou a mãe como a principal articuladora da rede social cujos pontos eram unidos pelo hospital, Programa Médico de Família, reabilitação, domicílio, escola etc. O cuidado familial adquire maior visibilidade no domicílio e na comunidade.

Conclusão:

na ausência de políticas articuladoras dos cuidados em saúde na comunidade, os familiares conformam uma rede social de malha densa e fluida.

Descritores:
Saúde da Criança; Rede Social; Cuidado de Enfermagem

RESUMEN

En Brasil, rara vez estudios abordan la red de atención al niño con necesidades de asistencia especiales de salud.

Objetivo:

caracterizar la red social y analizar el rol de la familia en su constitución.

Método:

enfoque cualitativo desarrollado con cinco dinámicas (Mapa que Habla) del método creativo sensible, con cinco grupos familiares (12 participantes), en el hogar de los grupos de familias.

Resultados:

el análisis crítico del discurso de abuelos, hermanos y vecinos señaló la madre como el articulador principal de la red cuyos puntos fueron el hospital, atención primaria, rehabilitación; hogar, escuela etc.

Conclusión:

el cuidado de la familia fue mas visible en el hogar y comunidad. En la ausencia de políticas que articulan la atención de la salud comunitaria, miembros de la familia configuran una red social de malla densa y fluida.

Palabras clave:
Salud del Niño; Red Social; Cuidado de Enfermería

ABSTRACT

In Brazil, studies rarely address the social network of a child with special health care needs (CSHCN).

Objective:

the study sought to characterize the social network of the child and analyze the role of the family in its creation.

Method:

a qualitative approach was developed through five dynamics (Speaking Map) based on the creative sensitive method, with five groups of families (12 participants) in their homes.

Results:

the critical discourse analysis of the caregivers (grandparents, siblings and neighbors) showed that the mother plays the main role in articulating the social network, with its points being linked by the hospital, primary and rehabilitation care, household, school, etc. Familial care becomes more visible at home and within the community.

Conclusion:

with the insufficient public policy that articulating healthcare facilities for CSHCN in the community, family members shape a social network characterized by a dense and fluid mesh.

Key words:
Child Health; Social Network; Nursing Care

INTRODUÇÃO

As crianças com necessidades especiais de saúde (CRIANES) compreendem aquelas com maior risco de apresentar uma condição física, comportamental, emocional, crônica ou de desenvolvimento e de necessitar de uma rede de serviços especializados de saúde, em quantidade superior aos requeridos pelas crianças em geral(11 McPherson M, Arango P, Fox H, Lauver C, McManus M, NewacheckPW, et al.A new definition of children with special health care needs. Pediatrics [Internet]. 1998[cited 2014 Mar 17];102(1):137-39. Available from: Available from: http://pediatrics.aappublications.org/content/102/1/137.long
http://pediatrics.aappublications.org/co...
-22 Neves ET, Cabral IE. A fragilidade clínica e a vulnerabilidade social das crianças com necessidades especiais de saúde. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2008[cited 2014 Mar 17];29(2):182-90. Available from: Available from: http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/5533
http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfe...
).

Os indicadores brasileiros de saúde infantil apontam redução da mortalidade infantil e aumento na expectativa de vida de 3,1 anos em uma década. No ano de 2011, o Brasil cumpriu a meta do milênio, relativa ao enfrentamento da mortalidade infantil, com 15,3%o. A despeito da tendência de queda, pois em 2013 esse índice foi de 13,4 por 1.000 nascidos vivos (NV) o país ainda registra uma taxa de mortalidade infantil desafiadora, em comparação a outros países das Américas, que possuem sistemas universais de saúde, como é o caso de Cuba, com 4,6 óbitos por 1.000 NV, e Canadá, com 5 por 1.000 NV.

Decerto que um conjunto de fatores no campo da saúde contribuiu para esse declínio: a melhoria das condições ambientais e nutricionais da população infantil brasileira, os programas de transferência de renda, ampliação da atenção básica com a implementação de programas e estratégias de enfrentamento às mortes evitáveis (Programa Nacional de Imunização, Programa Nacional de Aleitamento Materno, Estratégias AIDPI neonatal e pediátrico, Estratégia de Saúde da Família etc.) e a incorporação de novas tecnologias pré-natal e neonatal no Sistema Único de Saúde (SUS) para o manejo de condições adquiridas e congênitas, entre outras iniciativas(66 Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. The Lancet [Internet]. 2011 May[cited 2012 May 20];377 (9779):1778-97Available from: Available from: http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(11)60054-8/fulltext .
http://www.thelancet.com/journals/lancet...
-77 Barros FC, Matijasevich A, Requejo JH, Giugliani E, Maranhão AG, Monteiro CA, et al. Recent trends in maternal, newborn, and child health in Brazil: progress toward Millennium Development Goals 4 and 5. Am J Public Health [Internet]. 2010[cited 2014 Mar 17];100(10):1877-89. Available from: Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2936973/pdf/1877.pdf
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).

Em contrapartida, entre as crianças sobreviventes, houve maior incremento daquelas que passaram a viver com necessidades especiais de saúde e requerem, com mais intensidade, a rede de atenção à saúde e mais insumos mantenedores da vida. Isso gerou mais desafios para que os serviços de saúde integrassem a rede social da criança(88 Perrin JM1, Romm D, Bloom SR, Homer CJ, Kuhlthau KA, Cooley C, Duncan P, Roberts R, Sloyer P, Wells N, Newacheck P. A family-centered, community-based system of services for children and youth with special health care needs. Arch Pediatr Adolesc Med [Internet]. 2007[cited 2014 Mar 17];161(10):933-6. Available from: Available from: http://archpedi.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=571226
http://archpedi.jamanetwork.com/article....

9 Góes FGB, Cabral IE. Crianças com necessidades especiais de saúde e suas demandas de cuidado. Rev pesq cuid fundam [Internet]. 2010[cited 2014 Mar17];2(2):889-01. Available from: Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/579/pdf_22
http://www.seer.unirio.br/index.php/cuid...

10 Leite NSL, Cunha SR. [The Family of the Technology-Dependent Child: fundamental aspects for hospital nursing practices]. Esc. Anna Nery [Internet]. 2007[cited 2014 Mar 17];11(1):92-7. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v11n1/v11n1a13.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/ean/v11n1/v11n1...
-1111 Marques E, Bichir R. Redes de apoio social no Rio de Janeiro e em São Paulo. Novos estud. - CEBRAP [Internet]. 2011[cited 2014 Mar 17];90:65-83. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/nec/n90/06.pdf
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).

Na atualidade, as CRIANES representam quase um quarto da população infantil brasileira. No último censo populacional do IBGE, a incidência foi de 21,68% de crianças abaixo de 14 anos de idade com pelo menos um tipo de deficiência. Observou-se maior número de crianças com deficiência nas regiões cujas famílias apresentaram renda familiar baixa, revelando uma estreita relação com a condição de vida(1212 Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (BR). Características da População Brasileira [Internet]. Brasília (DF): Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência Censo 2010. 2009[cited 2014 Mar 17]; Available from: Available from: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/node/766
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/a...
).

Estudos brasileiros têm apontado que as crianças com necessidades especiais de saúde apresentam uma tipologia de demandas de cuidados em saúde classificadas em cinco conjuntos: desenvolvimento, tecnológicos, medicamentosos, habituais modificados e mistos. No primeiro, estão incluídas aquelas com disfunção neuromuscular que requerem reabilitação psicomotora e social; no segundo, as dependentes de tecnologia (cateter semi-implantável, com estomias, uso de equipamentos mantenedores da vida etc.); no terceiro, estão as farmacodependentes (antirretrovirais, cardiotônicos, neurolépticos etc.); no quarto, as que dependem de modificações na forma habitual de cuidar no dia a dia; e no último, as que apresentam uma combinação de uma ou mais demandas. A complexidade dessas demandas de cuidado das CRIANES implica no estabelecimento de uma rede social constituída pelo serviço de saúde, a família e a comunidade(22 Neves ET, Cabral IE. A fragilidade clínica e a vulnerabilidade social das crianças com necessidades especiais de saúde. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2008[cited 2014 Mar 17];29(2):182-90. Available from: Available from: http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/5533
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,88 Perrin JM1, Romm D, Bloom SR, Homer CJ, Kuhlthau KA, Cooley C, Duncan P, Roberts R, Sloyer P, Wells N, Newacheck P. A family-centered, community-based system of services for children and youth with special health care needs. Arch Pediatr Adolesc Med [Internet]. 2007[cited 2014 Mar 17];161(10):933-6. Available from: Available from: http://archpedi.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=571226
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9 Góes FGB, Cabral IE. Crianças com necessidades especiais de saúde e suas demandas de cuidado. Rev pesq cuid fundam [Internet]. 2010[cited 2014 Mar17];2(2):889-01. Available from: Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/579/pdf_22
http://www.seer.unirio.br/index.php/cuid...

10 Leite NSL, Cunha SR. [The Family of the Technology-Dependent Child: fundamental aspects for hospital nursing practices]. Esc. Anna Nery [Internet]. 2007[cited 2014 Mar 17];11(1):92-7. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v11n1/v11n1a13.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/ean/v11n1/v11n1...
-1111 Marques E, Bichir R. Redes de apoio social no Rio de Janeiro e em São Paulo. Novos estud. - CEBRAP [Internet]. 2011[cited 2014 Mar 17];90:65-83. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/nec/n90/06.pdf
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,1313 Rezende JMM, Cabral IE. As condições de vida das crianças com necessidades especiais de saúde: determinantes da vulnerabilidade social na rede de cuidados em saúde as crianças com necessidades especiais de saúde. Rev pesq cuid fundam[Internet]. 2010[cited 2014 Mar 17];2(Supl.):22-5. Available from: Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/773/pdf_68
http://www.seer.unirio.br/index.php/cuid...

14 Moraes JRMM, Cabral IE. The social network of children with special healthcare needs in the (in)visibility of nursing care. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2012[cited 2014 Mar 17];20(2):282-8. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n2/10.pdf
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-1515 Hayakawa LY, Marcon SS, Higarashi IH, Waidman MAP. [Support network to the families of children admitted in a pediatric intensive care unit]. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010[cited 2014 Mar 17];63(3):440-5Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a15v63n3.pdf Portuguese.
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).

A perspectiva antropológica de rede a situa como todas ou algumas unidades sociais (indivíduos ou grupos) com as quais um indivíduo particular ou um grupo está em contato. Ao estudar a rede social, é preciso compreender um princípio novo de organização da sociedade fazendo emergir um valor coletivo, não reduzindo a rede apenas à família, mas partindo dela para o social, o coletivo(1616 Both E. Família e Rede Social. 2a. ed. Marcio Guerreiro, Tradução: Rio de Janeiro: Francisco Alves; 1976. 318p.).

As redes sociais são estruturas coletivas capazes de tornar seus sujeitos autônomos, empoderados, reflexivos e solidários em suas ações e relações, conscientes de suas atitudes. A tomada de consciência no interior da rede social de cuidado em saúde só é possível quando o indivíduo escolhe e decide, liberta-o em lugar de submetê-lo, chega a ser sujeito. A rede é formada por relações de vínculos fortes, fracos, de dependência ou autonomia(1414 Moraes JRMM, Cabral IE. The social network of children with special healthcare needs in the (in)visibility of nursing care. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2012[cited 2014 Mar 17];20(2):282-8. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n2/10.pdf
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,1717 Leite NSL, Cunha SR, Tavares MFL. Empowerment das famílias de crianças dependentes de tecnologia: desafios conceituais e a educação crítico reflexiva freireana. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2011[cited 2014 Mar 17];19(1):152-6. Available from: Available from: http://www.facenf.uerj.br/v19n1/v19n1a25.pdf
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18 Neves ET, Cabral IE, Silveira A. Family network of children with special health needs: implications for nursing. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2013[cited 2014 Mar 17];21(2):562-70. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n2/0104-1169-rlae-21-02-0562.pdf
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-1919 Neves ET, Andres B, Silveira A, Arrué AM. A rede social de cuidados de uma criança com necessidade especial de saúde. Rev Eletrônica Enf [Internet]. 2013[cited 2014 Mar 17];15(2):533-40. Available from: Available from: http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v15/n2/pdf/v15n2a28.pdf
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).

Essa rede social, todavia, no provimento de cuidados integrais de criança com necessidades especiais de saúde, representa uma problemática pouco investigada por estudos brasileiros desenvolvidos com esse grupo infantil no espaço da atenção primária. Nesse sentido, teve-se por objetivos caracterizar a rede social e analisar o papel da família na sua constituição para atender às demandas de cuidados integrais de crianças com necessidades especiais de saúde, na rede de atenção à saúde.

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo descritivo desenvolvido com o método criativo e sensível, que, desde 1998, vem sendo aplicado com recorrência nos estudos com famílias de crianças com necessidades especiais de saúde(22 Neves ET, Cabral IE. A fragilidade clínica e a vulnerabilidade social das crianças com necessidades especiais de saúde. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2008[cited 2014 Mar 17];29(2):182-90. Available from: Available from: http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/5533
http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfe...
,1414 Moraes JRMM, Cabral IE. The social network of children with special healthcare needs in the (in)visibility of nursing care. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2012[cited 2014 Mar 17];20(2):282-8. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n2/10.pdf
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-1515 Hayakawa LY, Marcon SS, Higarashi IH, Waidman MAP. [Support network to the families of children admitted in a pediatric intensive care unit]. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010[cited 2014 Mar 17];63(3):440-5Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a15v63n3.pdf Portuguese.
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,1717 Leite NSL, Cunha SR, Tavares MFL. Empowerment das famílias de crianças dependentes de tecnologia: desafios conceituais e a educação crítico reflexiva freireana. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2011[cited 2014 Mar 17];19(1):152-6. Available from: Available from: http://www.facenf.uerj.br/v19n1/v19n1a25.pdf
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18 Neves ET, Cabral IE, Silveira A. Family network of children with special health needs: implications for nursing. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2013[cited 2014 Mar 17];21(2):562-70. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n2/0104-1169-rlae-21-02-0562.pdf
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19 Neves ET, Andres B, Silveira A, Arrué AM. A rede social de cuidados de uma criança com necessidade especial de saúde. Rev Eletrônica Enf [Internet]. 2013[cited 2014 Mar 17];15(2):533-40. Available from: Available from: http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v15/n2/pdf/v15n2a28.pdf
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20 Gauthier JHM, Cabral IE, Santos I, Tavares CMM. Pesquisa em Enfermagem: novas metodologias aplicadas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.
-2121 Groleau D, Cabral IE. Reconfiguring insufficient breastmilk as a sociosomatic problem: mothers of premature babies using the kangaroo method in Brazil. Matern Child Nutr [Internet]. 2009[cited 2014 Mar 17];5(1):10-24. Available from: Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1740-8709.2008.00151.x/epdf
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.11...
). Sua base epistemológica é a crítica-reflexiva da pesquisa participante, as dinâmicas grupais da psicologia social e a criação do tipo artística da pesquisa baseada em arte. O eixo do método é a dinâmica de criatividade e sensibilidade que conjuga produções artísticas com a discussão grupal e a observação par-ticipante(2020 Gauthier JHM, Cabral IE, Santos I, Tavares CMM. Pesquisa em Enfermagem: novas metodologias aplicadas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.

21 Groleau D, Cabral IE. Reconfiguring insufficient breastmilk as a sociosomatic problem: mothers of premature babies using the kangaroo method in Brazil. Matern Child Nutr [Internet]. 2009[cited 2014 Mar 17];5(1):10-24. Available from: Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1740-8709.2008.00151.x/epdf
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-2222 McNiff S. An Introduction to the ideas and methods of arts-based research. The Journal of Pedagogy, Pluralism and Practice [Internet]. 2004[cited 2014 Mar 17];III(1):(about 10 pages). Available from: Available from: http://www.lesley.edu/journal-pedagogy-pluralism-practice/shaun-mcniff/research-new-keys/ .
http://www.lesley.edu/journal-pedagogy-p...
). Nas práticas grupais de pesquisa, que buscam a alteridade na experiência individual singular, o uso do método favorece o interagir do pesquisador com participantes cujo vocabulário seja restrito para verbalizar ideias complexas. No encontro grupal, o participante produz, atribui sentido ao que produziu e ressignifica suas enunciações, coletivizando experiências internalizadas no convívio e na práxis social; gradualmente, os dados subjetivos emergem da leitura da produção artística como algo objetivo.

Optou-se pela Dinâmica de Criatividade e Sensibilidade (DCS) Mapa Falante pelas possibilidades de os participantes destacarem, na produção artística, os lugares e as pessoas que tomaram parte no percurso de sua experiência. A dimensão espacial e social da experiência adquire visibilidade no grafismo dos lugares por onde as pessoas circulam(2020 Gauthier JHM, Cabral IE, Santos I, Tavares CMM. Pesquisa em Enfermagem: novas metodologias aplicadas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.

21 Groleau D, Cabral IE. Reconfiguring insufficient breastmilk as a sociosomatic problem: mothers of premature babies using the kangaroo method in Brazil. Matern Child Nutr [Internet]. 2009[cited 2014 Mar 17];5(1):10-24. Available from: Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1740-8709.2008.00151.x/epdf
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.11...

22 McNiff S. An Introduction to the ideas and methods of arts-based research. The Journal of Pedagogy, Pluralism and Practice [Internet]. 2004[cited 2014 Mar 17];III(1):(about 10 pages). Available from: Available from: http://www.lesley.edu/journal-pedagogy-pluralism-practice/shaun-mcniff/research-new-keys/ .
http://www.lesley.edu/journal-pedagogy-p...
-2323 Ferreira AL, Pereira MFW. O mapa falante como instrumento do processo ensino-aprendizado do aluno de medicina. Revista de Pediatria SOPERJ [Internet]. 2013[cited 2013 Jun 12];14(1): 29-32. Available from: Available from: http://revistadepediatriasoperj.org.br/detalhe_artigo.asp?id=631
http://revistadepediatriasoperj.org.br/d...
).

Na dinâmica, cada membro da família desenhou, com canetas coloridas em uma folha de cartolina branca, em sua produção artística, a rede de relações que estabelecem na comunidade, mediada por duas questões geradoras de debate: Quem são as pessoas que cuidam de (sua criança) em casa? A que lugares você(s) recorre(m) quando ele/a precisa de cuidados (de saúde, espiritual, escolar etc.)? Na sequência, apresentaram essa produção, destacando os lugares e as pessoas comuns que fizeram parte do caminho percorrido para conformar a rede social de cuidados às crianças com necessidades especiais de saúde.

A pesquisa foi concluída no ano de 2012 e a etapa de trabalho de campo consistiu de cinco encontros grupais, tendo, como cenário de pesquisa, o domicilio de cinco grupos de famílias do município de Niterói (RJ), totalizando 12 participantes (cinco mães, uma tia, quatro avós, um irmão e um pai), e todos foram indicados pela própria família. Para a seleção dos participantes, definiram-se como critérios de inclusão ser um familiar cuidador de alguma criança com necessidades especiais de saúde por causa adquirida (epilepsia, paralisia cerebral) e congênita (hidrocefalia, anemia falciforme, cardiopatia), com experiência de atender às demandas de cuidados por elas apresentadas (medicamentoso, habitual modificado, tecnológico, de desenvolvimento e misto) e residir no município de Niterói em área adscrita ao Programa Médico de Família (PMF). Excluíram-se participantes com menos de 18 anos de idade.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do HESFA/EEAN. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após conhecerem os objetivos do estudo e antes da operacionalização da dinâmica de criatividade e sensibilidade. Os encontros nas residências das famílias foram previamente agendados em dia e hora de conveniência dos familiares que aceitaram participar das dinâmicas. Cada encontro durou entre 45 e 60 minutos, foi gravado em sistema MP3 com a prévia concordância dos membros do grupo e transcrito in verbatin.

O encerramento do trabalho de campo orientou-se pelos critérios de validade interna e externa(2424 Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saúde Pública [Internet]. 2011[cited 2013 Jun 12];27(2):389-394. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n2/20.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n2/20.pd...
). Na primeira, observou-se que a saturação teórica foi atingida com a homogeneidade e escassez de novos tipos de enunciados, à medida que se transcreviam as narrativas, após o término de cada DCS. No segundo, de validade externa, comparou-se o quantitativo de participantes nos estudos de abordagem qualitativas desenvolvidos anteriormente para determinar o mínimo de 6 e o máximo de 12 participantes(22 Neves ET, Cabral IE. A fragilidade clínica e a vulnerabilidade social das crianças com necessidades especiais de saúde. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2008[cited 2014 Mar 17];29(2):182-90. Available from: Available from: http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/5533
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,1414 Moraes JRMM, Cabral IE. The social network of children with special healthcare needs in the (in)visibility of nursing care. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2012[cited 2014 Mar 17];20(2):282-8. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n2/10.pdf
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-1515 Hayakawa LY, Marcon SS, Higarashi IH, Waidman MAP. [Support network to the families of children admitted in a pediatric intensive care unit]. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010[cited 2014 Mar 17];63(3):440-5Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a15v63n3.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a15...
,1818 Neves ET, Cabral IE, Silveira A. Family network of children with special health needs: implications for nursing. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2013[cited 2014 Mar 17];21(2):562-70. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n2/0104-1169-rlae-21-02-0562.pdf
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-1919 Neves ET, Andres B, Silveira A, Arrué AM. A rede social de cuidados de uma criança com necessidade especial de saúde. Rev Eletrônica Enf [Internet]. 2013[cited 2014 Mar 17];15(2):533-40. Available from: Available from: http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v15/n2/pdf/v15n2a28.pdf
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).

Os dados foram analisados pelo método da Análise Crítica do Discurso, pois traziam consigo marcas discursivas que refletiam relações de poder, ideologia dominante e do contexto macroestrutural, influenciando a constituição das narrativas dos participantes da pesquisa. Com base no quadro tridimensional de análise proposto por Fairclough, procedeu-se à análise de discurso textualmente orientada: análise textual, análise da prática discursiva e, posteriormente, da prática social. O modo com que os discursos são produzidos de formas particulares e em contextos sociais específicos determinam a dimensão da prática discursiva. A prática social, por sua vez, implica em entender como e por que a ideologia determina o modo de dizer de cada um e que relações de poder são hegemônicas na manutenção desse discurso(2525 Fairclough N. Discourse and Social Change. 2nd ed 6th Reprinted. Cambridge: Polity Press. 2006, 259p.).

Os dados foram organizados em um pictograma (Figura 1) que apresenta os pontos (inicial, central, colateral, intermediário, apoio e final) da rede social de cuidados em saúde às CRIANES com seus vínculos (forte, fraco e de dependência) e articulação entre eles (ligação entre um ponto, ligação entre dois pontos).

Figura 1
Legenda do pictograma da rede social da criança com necessidades especiais de saúde articulada pelos familiares cuidadores, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, 2012

O resultado dessa análise evidenciou duas categorias: os lugares na rede social; as pessoas dos contextos hospitalar, domiciliar e comunitário na rede social.

RESULTADOS

Os lugares na rede social

O pictograma da rede social de crianças com necessidades especiais de saúde articulada por familiares cuidadores (Figura 2) demonstra a malha densa e fluida da rede social da criança com necessidades especiais de saúde, tendo a casa como ponto central e as instituições como pontos iniciais, intermediários, de apoio, final e colateral dessa rede.

Figura 2
Pictograma da rede social de crianças com necessidades especiais de saúde articulada por familiares cuidadores, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, 2012

O ponto inicial () da rede é um hospital público pediátrico do Sistema Único de Saúde (SUS), de alta complexidade, do município de Niterói (denominado como G). Todos os cinco grupos de famílias mantêm vínculo forte e permanente da criança com a instituição hospitalar. Nesse hospital, as famílias contam com os seguintes serviços no provimento de cuidado contínuo para suas crianças: a) serviços de emergência e cuidados intensivos resolutivos durante os períodos de crises agudas do processo de doença; b) leitos na enfermaria pediátrica para reinternações frequentes; c) terapêuticas complexas e de alto custo para os mais variados distúrbios; e d) oferta de alta tecnologia de investigação diagnóstica.

A ligação forte entre os dois pontos () formados pelo Hospital G e outros hospitais terciários especializados do Rio de Janeiro reforça a manutenção desse vínculo forte com a CRIANES que a família articula com a instituição hospitalar. Para qualquer intercorrência na condição de saúde e doença da CRIANES hospitalizada, a família, além de contar com a estrutura do Hospital G, tem assegurado o sistema de referência e contrarreferência articulado pela própria instituição.

O Hospital G recebe criança de outros hospitais da rede de saúde de Niterói; porém, sempre que necessita de um procedimento cirúrgico especializado e de alta complexidade, ela é encaminhada desse hospital para outros hospitais especializados da rede de atenção de média e alta complexidade do SUS, na cidade do Rio de Janeiro. O Hospital G é o articulador da rede social da CRIANES para a alta complexidade, de um hospital para outro e vice-versa, pois, uma vez resolvida a demanda de atendimento, a criança retorna a ele.

É, ele (o filho) operou no hospital no Rio de janeiro (com cirurgia pediátrica de alta complexidade). Aí, fez a cirurgia e voltou para o (Hospital G). (Mãe da CRIANES T.)

...as médicas me explicaram que ele (o filho) tinha que operar num hospital no Rio de janeiro (hospital de cardiologia), pois, em Niterói, nenhum hospital público fazia essa cirurgia. (Mãe da CRIANES C.)

Esses serviços especializados localizam-se fora da área adscrita do SUS, na cidade do Rio de Janeiro, que dista 25 km da cidade de Niterói. No Hospital G, quem assume o papel de articulador do sistema de referência e contrarreferência é a equipe de saúde, ao integrá-lo à rede social da CRIANES, nas situações de alta complexidade. Portanto, tanto a família como a CRIANES são protegidas pelo Sistema de Saúde, quando no contexto hospitalar.

A F. (a filha) estava sempre doente, sempre doente. Sempre levava ela no médico do plano (de saúde) dela; mas, nunca se descobriu a anemia falciforme. Aí, o médico do (hospital) G (foi) quem descobriu a anemia falciforme. [...] Depois, eu não tratei mais pelo plano (de saúde). A minha preferência para internar e tratar sempre foi no G. (Mãe da CRIANES F.)

Às vezes, quando estava à noite, a j. (a filha) com febre, com muita tosse, com catarro, eu levava direto no Hospital G. Não esperava [...]. la direto na emergência de lá. (Mãe da CRIANES J.)

As CRIANES mantêm vínculo mais forte () com o serviço público de saúde (SUS) do que com o particular (plano de saúde). O hospital público da rede de atenção de alta complexidade é o ponto inicial e de retorno na articulação da rede social. A fragilidade clínica dessas crianças e os cuidados complexos que elas requerem encontram nos serviços de alta complexidade do SUS a capilaridade e a capacidade resolutiva que a família busca nos serviços. O laço de confiança que se firma é o motor da relação da família com a instituição cuja construção inicia-se com a resolutividade da definição do diagnóstico de anemia falciforme, por exemplo. Desde então, a família encontra na oferta de serviço do SUS a resposta às suas necessidades em saúde e prossegue sendo assistida no ambulatório, na emergência e em cada nova internação. O vínculo construído com o diagnóstico médico é o fundamento para o traço forte entre os dois pontos da rede, gerando uma ligação de dependência () entre a CRIANES e o hospital.

Nos contextos de cuidado domiciliar e comunitário, a casa é o ponto central () na rede social das CRIANES.

Quando em casa, quem cuida da (filha) sou eu. Eu que dou o banho, acompanho ela na fisioterapia, na fonoaudiologia, dou comida, lavo as roupas, brinco com ela. Faço tudo, cuido mesmo dela. (Mãe da CRIANES J.)

A casa situa-se na rede social de cuidados de CRIANES como o local onde os familiares assumem o cuidado da criança, fazendo tudo, cuidando dela e realizando, por ela, independente de sua idade, todas as atividades de vida diária. No contexto domiciliar, a mãe assume o papel de cuidadora principal, dando o banho, preparando a comida, brincando com os filhos e lavando sua roupa. Às tarefas cotidianas da casa somam-se as atividades de vida diária da criança com a intensa agenda dos cuidados contínuos no serviço de reabilitação (fisioterapia e fonoaudiologia). Das cinco CRIANES envolvidas no estudo, três estavam inscritas em programas de reabilitação (T., C. e J.) - os pontos finais () da rede social articulada pelas famílias.

Agora ela só está fazendo fisioterapia e fono (audiologia) na Sociedade Pestalozzi, duas vezes por semana. (Mãe da CRIANES J.)

[...] Da AFR, que ele faz fisioterapia e fono (audiologia). (Avó da CRIANES T.)

A reabilitação compreende serviços de fisioterapia e fonoaudiologia para CRIANES que apresentam demandas de cuidados de desenvolvimento de natureza psicomotora, linguagem e educação. Os programas ocorrem em instituições filantrópicas (Sociedade Pestalozzi do Brasil e Associação Fluminense de Reabilitação/AFR) da rede suplementar do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da venda de serviços e que oferecem educação inclusiva.

Todas as famílias de CRIANES moravam em áreas adscritas do Programa Médico de Família (PMF) de Niterói, sendo este o ponto intermediário da rede social () articulado pela família.

Quando a (filha) saiu do hospital, vinha aqui... fazer as visitas domiciliares. Agora, ela está bem, e sou eu quem (vou com ela no) Médico de Família. (Mãe da CRIANES J.)

A visita domiciliar é uma das estratégias de intervenção do PMF que aproxima a CRIANES e sua família das ações de vigilância de saúde da criança. Na comunidade, a Unidade de Saúde da Família do PMF é a referência para o atendimento da criança quando o familiar cuidador precisa.

Para as CRIANES em idade escolar (A. - 13 anos e F. - 12 anos), a família articula a escola como ponto colateral na rede social ().

[... ] Por conta da doença e das muitas vezes que ela ficou internada, ela acabou perdendo muitos anos no colégio. (Mãe da CRIANES F.)

Ela está atrasada um ano no colégio [...]. Quando ela estava no terceiro ano do Jardim de Infância, ela começou a ter convulsão e, quando voltou para o colégio, a turma já estava avançada. (Mãe da CRIANES A.)

A doença e as internações levaram essas crianças (A. e F.) a se ausentar da escola por longos períodos, com prejuízos no desempenho escolar e sem possibilidades de acompanhar a turma regular de escolarização. A escola é um ponto de ligação forte () na rede social da criança, mas sua malha é frouxa porque há descontinuidade no processo de escolarização e inexistem classes escolares no domicílio.

Na rede social das CRIANES de dois grupos familiares, as instituições religiosas também foram articuladas como pontos de apoio ().

[...] aos domingos, ela (a filha) vai à Igreja comigo [...]. Minha família toda é cristã. (Tia da CRIANES F.)

A (filha) também tem ido de vez em quando no Centro Espírita comigo aos sábados. (Mãe da CRIANES A.)

Observa-se que a Igreja e o Centro Espírita são lugares que as famílias frequentam, nos finais de semana ou ocasionalmente, para expressar sua fé e religiosidade, levando consigo as suas crianças. Nesse sentido, esses lugares conformam-se na rede social das CRIANES e com ela mantêm uma ligação forte de um ponto ().

As pessoas dos contextos hospitalar, domiciliar e comunitário na rede social

No contexto hospitalar, a equipe de saúde articula os cuidados hospitalares na rede social de CRIANES. Naquele cenário, as médicas explicam e a equipe de enfermagem compartilha o cuidado à criança com a família.

Já no contexto da comunidade, os familiares são os principais articuladores dos pontos da rede social, representados pelo domicílio, Programa Médico de Família e vizinhança, para atenderem às demandas dessas crianças.

Ela (tia de T.) mora aqui atrás; então, às vezes, ela vem aqui e ajuda a dar banho no T. (CRIANES). Às vezes, [...] ela dá uma olhada no T., ajuda a trocar uma fralda, essas coisas assim. (Avó da CRIANES T.)

[... ] Durante a semana, ela (a filha) fica no emprego da madrasta, porque está estudando em Niterói. (Mãe da CRIANES F.)

No início, a L., que é minha vizinha, me ajudava porque minha mãe trabalha fora. (Avó da CRIANES J.)

O que eu faço mesmo é lembrar e, às vezes, eu até dou o remédio antes de dormir para A. (Irmão da CRIANES A.)

No domicílio, a mãe assume o papel de articuladora principal da rede social, em lugar da equipe de saúde do PMF. Se, por um lado, situa a atenção básica (o PMF) na rede social da criança, paradoxalmente, a ligação estabelecida com a equipe de saúde (médica e auxiliar de enfermagem) daquele serviço é fraca (), assinalando um ponto intermediário nessa rede. As mulheres, mães e avós foram identificadas como as principais cuidadoras das CRIANES em casa, mas outras pessoas da família (irmãos, pai, tia, avó) também participam desse cuidado como ajudantes. Em casa, o cuidado foi mediado pela interdiscursividade de pessoas da família e da comunidade. Há uma multiplicidade de vozes que refletem experiências de vida diferentes ideologicamente, constituídas por um saber familial e comunitário. Portanto, no domicílio, a ideologia orientadora é a familial, e a ordem de discurso dominante é a domiciliar (local) e comunitária.

Os familiares cuidadores são os articuladores da rede social, pois, além de realizarem os cuidados habituais modificados das CRIANES no domicílio, levam-nas ao hospital para atendimento de emergência, ambulatorial, acompanham-nas durante as internações e levam-nas para tratamento de reabilitação. Por sua vez, eles articulam os cuidados nos mais variados pontos da rede social (como o hospital, a casa, serviços de reabilitação, o PMF, igrejas, centro espírito e escola).

Os membros da equipe do PMF (auxiliar de enfermagem e médica) foram incluídos na rede social de cuidados às CRIANES, após o retorno do hospital para casa (alta hospitalar), motivados pela preocupação em saber se está tudo bem com a criança.

Quando... em casa, ela (a auxiliar de enfermagem) vinha aqui com a médica... Sempre estava preocupada de saber se estava tudo bem. Agora, ela está bem, quando preciso de alguma coisa, sou eu quem a levo no PMF. (Mãe da CRIANES J.)

Na vizinhança, pessoas da comunidade, em geral mulheres (madrasta e vizinha), foram, eventualmente, incluídas na rede social como cuidadoras, a pedido das mães e avós.

DISCUSSÃO

A fragilidade clínica da CRIANES é a razão do vínculo de dependência estabelecido com o hospital do SUS, pois necessita dos serviços de emergência, reinternações frequentes, intervenções clínicas complexas e intensivas e acompanhamento ambulatorial(99 Góes FGB, Cabral IE. Crianças com necessidades especiais de saúde e suas demandas de cuidado. Rev pesq cuid fundam [Internet]. 2010[cited 2014 Mar17];2(2):889-01. Available from: Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/579/pdf_22
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). Desse modo, ele é a primeira referência, o ponto inicial da rede social, quando as mães buscam o serviço de saúde. Os encaminhamentos a outros hospitais da rede de atenção de alta complexidade seguiram os princípios de Programação Pactuada e Integrada do SUS, respeitando a hierarquização, municipalização e localização de hospitais especializados em grandes centros urbanos para atendimento de clientela referenciada(66 Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. The Lancet [Internet]. 2011 May[cited 2012 May 20];377 (9779):1778-97Available from: Available from: http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(11)60054-8/fulltext .
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-77 Barros FC, Matijasevich A, Requejo JH, Giugliani E, Maranhão AG, Monteiro CA, et al. Recent trends in maternal, newborn, and child health in Brazil: progress toward Millennium Development Goals 4 and 5. Am J Public Health [Internet]. 2010[cited 2014 Mar 17];100(10):1877-89. Available from: Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2936973/pdf/1877.pdf
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,1212 Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (BR). Características da População Brasileira [Internet]. Brasília (DF): Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência Censo 2010. 2009[cited 2014 Mar 17]; Available from: Available from: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/node/766
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).

A rede social das CRIANES contempla duas abordagens de integralidade. A primeira, como aquela que se dá nos diversos serviços de saúde pelo compromisso dos profissionais de escutarem atenta e cuidadosamente os usuários para identificar suas necessidades de saúde(22 Neves ET, Cabral IE. A fragilidade clínica e a vulnerabilidade social das crianças com necessidades especiais de saúde. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2008[cited 2014 Mar 17];29(2):182-90. Available from: Available from: http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/5533
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). Essa relação precisa promover maior empoderamento dos familiares em busca de autonomia do cuidado sem vínculo de dependência, com possibilidade de reconstrução dos seus sentidos de viver. Isso implica uma res-significação com peso efetivo no seu modo de viver, compreendendo a luta pela satisfação de suas necessidades da forma mais ampla possível(99 Góes FGB, Cabral IE. Crianças com necessidades especiais de saúde e suas demandas de cuidado. Rev pesq cuid fundam [Internet]. 2010[cited 2014 Mar17];2(2):889-01. Available from: Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/579/pdf_22
http://www.seer.unirio.br/index.php/cuid...
). Uma segunda dimensão dessa ideia é a integralidade ampliada, que deveria resultar da articulação de cada serviço com uma rede complexa composta por outros serviços e instituições em todos os contextos sociais (hospitalar e comunitário) por onde a CRIANES transita, e não somente no hospitalar.

A integralidade é objetivo da rede e, portanto, não deveria realizar-se apenas no esforço individual das famílias de CRIANES, o que revela a ausência e desarticulação em parte das políticas públicas vigentes. O SUS hospitalar é resolutivo na vida dessas crianças quando vivem crises dos quadros de adoecimento crônico. A articulação da rede para atendimento às demandas de saúde da CRIANES precisa ser um compromisso dos serviços de saúde com o usuário em busca da integralidade no cuidado, com vistas à redução de danos à saúde(1818 Neves ET, Cabral IE, Silveira A. Family network of children with special health needs: implications for nursing. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2013[cited 2014 Mar 17];21(2):562-70. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n2/0104-1169-rlae-21-02-0562.pdf
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).

Quando no contexto comunitário, as CRIANES possuem vínculos mais fortes com o hospital, a escola, os serviços de reabilitação e religiosos do que com o PMF cujo vínculo é fraco.

A descontinuidade do processo de escolarização decorre da dificuldade de a criança conciliar os longos períodos de internação com a ida frequente à escola. Paradoxalmente, constata-se ausência de atendimento pedagógico educacional hospitalar e domiciliar, bem como a exclusão dessas crianças do processo de escolarização. Nessa modalidade, o atendimento pedagógico das crianças e adolescentes internados vai até os hospitais, casas de apoio e residências(2626 Barros ASS, Gueudeville RS, Vieira SC. [Profile of Brazilian scientific publications on the subject of hospital shooling]. Rev bras educ esp [Internet]. 2011[cited 2014 Jul 09];17(2),335-354. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbee/v17n2/a11rbeev17n2.pdf Portuguese.
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). É uma obrigatoriedade legal; portanto, não garantir o acesso à educação é um descumprimento de um direito fundamental da criança previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069 de 1990). Por sua vez, a qualidade do cuidado em saúde perpassa também pelo atendimento às necessidades educacionais na composição da atenção integral, uma das diretrizes de organização do Sistema Único de Saúde, definido pela lei orgânica da saúde (Lei n° 8.080 de 1990). O paradigma da inclusão social pressupõe que, na impossibilidade de frequência à escola, durante períodos de tratamento de saúde, a criança necessita de formas alternativas de organização e oferta de ensino.

Na comunidade, as pessoas da vizinhança e não só da família também são cuidadoras, em sua maioria representadas pelas mulheres. A rede social de CRIANES permite um encontro com a realidade concreta, estimulando a vocação das pessoas para atuarem ativamente(1010 Leite NSL, Cunha SR. [The Family of the Technology-Dependent Child: fundamental aspects for hospital nursing practices]. Esc. Anna Nery [Internet]. 2007[cited 2014 Mar 17];11(1):92-7. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v11n1/v11n1a13.pdf Portuguese.
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), sendo capaz de se relacionarem com as outras pessoas na rede. Assim, a família segue buscando o cuidado integral à CRIANES e as respostas para seus desafios de cuidar.

A mãe foi a principal cuidadora da criança e do lar. Entretanto, a carga de cuidados demandados pelas CRIANES pode exigir muito tempo das mães, não deixando tempo livre para que se envolvam com outras tarefas, inclusive em seu cuidado pessoal, com riscos de isolamento social e menor participação na comunidade. Tal realidade pode provocar necessidades de rearranjos na vida familiar, instaurando um cuidado ampliado centrado na família e não somente na mãe, ou seja, deve-se buscar uma articulação entre o hospital e redes de apoio social que favoreça também a participação da mulher-mãe no seu convívio familiar e social(22 Neves ET, Cabral IE. A fragilidade clínica e a vulnerabilidade social das crianças com necessidades especiais de saúde. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2008[cited 2014 Mar 17];29(2):182-90. Available from: Available from: http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/5533
http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfe...
,1111 Marques E, Bichir R. Redes de apoio social no Rio de Janeiro e em São Paulo. Novos estud. - CEBRAP [Internet]. 2011[cited 2014 Mar 17];90:65-83. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/nec/n90/06.pdf
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,1818 Neves ET, Cabral IE, Silveira A. Family network of children with special health needs: implications for nursing. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2013[cited 2014 Mar 17];21(2):562-70. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n2/0104-1169-rlae-21-02-0562.pdf
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) O parentesco e a amizade são os tipos mais importantes de relações sociais primárias, assumindo uma importância tripla. Em primeiro lugar, os parentes estão propensos a se conhecer entre si, de modo que a região de parentesco da rede tende a ser de malha mais estreita do que nos outros setores. Em segundo, os relacionamentos com e entre os parentes são relativamente permanentes. Por fim, os parentes desempenham um papel importante de sustento financeiro na rede social. Os parentes em geral assumem papel de ajuda mútua(66 Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. The Lancet [Internet]. 2011 May[cited 2012 May 20];377 (9779):1778-97Available from: Available from: http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(11)60054-8/fulltext .
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).

Os familiares cuidadores evidenciaram na rede social das CRIANES que a malha familial é mais densa que a institucional. Apesar de, no contexto comunitário, os parentes familiais e os vizinhos terem fornecido suporte às demandas de cuidados contínuos e complexos, mantém-se o desafio da ampliação da rede social para diminuir a dependência do hospital e fortalecer as competências familiares e a atenção básica(1414 Moraes JRMM, Cabral IE. The social network of children with special healthcare needs in the (in)visibility of nursing care. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2012[cited 2014 Mar 17];20(2):282-8. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n2/10.pdf
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).

O suporte recebido na rede social é fundamental para a manutenção da saúde mental, para o enfrentamento de situações estressantes nas esferas física e mental, para a promoção da saúde e do bem-estar dos familiares(1515 Hayakawa LY, Marcon SS, Higarashi IH, Waidman MAP. [Support network to the families of children admitted in a pediatric intensive care unit]. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010[cited 2014 Mar 17];63(3):440-5Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a15v63n3.pdf Portuguese.
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). Famílias com CRIANES podem atravessar situações de crise, dificuldades para realizar o cuidado, além de falta de apoio psicológico, social e econômico(44 Ministério da Saúde (BR). Rede Intergerencial de Informações para a Saúde-RIPSA. Indicadores de Mortalidade. C.1 Taxa de Mortalidade Infantil [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012.[cited 2014 Mar 17]; Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2012/c01b.htm
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). Isso ocorre durante o processo de ajuste para viver com a CRIANES e pode levar a conflitos familiares, mudanças nos papéis e nas funções individuais desenvolvidos pelos membros internos da família. Uma abordagem holística para o cuidado nas famílias com CRIANES ganha particular importância nesse contexto de desafios.

Receber suporte da equipe de enfermagem pode facilitar o agir da família no cuidado à criança e aumentar a habilidade dos cuidadores em lidarem com as dificuldades no cuidado, sobretudo no contexto comunitário, onde o seu papel revelou-se disperso e pouco visível na rede social das CRIANES(1515 Hayakawa LY, Marcon SS, Higarashi IH, Waidman MAP. [Support network to the families of children admitted in a pediatric intensive care unit]. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010[cited 2014 Mar 17];63(3):440-5Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a15v63n3.pdf Portuguese.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v63n3/a15...
). A Enfermagem mantém um relacionamento mais próximo com o indivíduo, a família e a comunidade; também é mais acessível que outras disciplinas da saúde(44 Ministério da Saúde (BR). Rede Intergerencial de Informações para a Saúde-RIPSA. Indicadores de Mortalidade. C.1 Taxa de Mortalidade Infantil [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012.[cited 2014 Mar 17]; Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2012/c01b.htm
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). Sob essa ótica ressalta-se, ainda, que não se pode perder a dimensão cuidadora da enfermagem, pois, mesmo quando a família presta o cuidado à criança no contexto hospitalar, a responsabilidade por esse cuidado é da Enfermagem(1212 Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (BR). Características da População Brasileira [Internet]. Brasília (DF): Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência Censo 2010. 2009[cited 2014 Mar 17]; Available from: Available from: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/node/766
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). Na atenção básica, porém, as práticas de cuidado à criança pautam-se em tecnologias relacionais, na interação, no acolhimento, no vínculo, na responsabilização e no respeito à vida.

É necessário manter o enfoque familiar na assistência de enfermagem em razão da importância da família para a sobrevivência e, principalmente, para o cuidado com as necessidades especiais de saúde que a criança apresenta(1313 Rezende JMM, Cabral IE. As condições de vida das crianças com necessidades especiais de saúde: determinantes da vulnerabilidade social na rede de cuidados em saúde as crianças com necessidades especiais de saúde. Rev pesq cuid fundam[Internet]. 2010[cited 2014 Mar 17];2(Supl.):22-5. Available from: Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/773/pdf_68
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). Esse grupo social depende totalmente da rede de atenção à saúde de média e alta complexidade do Sistema Único de Saúde, externamente articulado pela família ao buscar o serviço hospitalar. O vazio deixado pela implementação do Sistema Único de Saúde nas demais redes de atenção, particularmente a atenção básica no cotidiano dos cuidados, é preenchido pelo esforço da família em articulá-los na rede social da criança, com os serviços de reabilitação prestados pela filantropia e organizações não governamentais. Nesse sentido, na prática discursiva dos familiares cuidadores, a rede social possui uma malha densa e fluida, o que exige esforço adicional das famílias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na rede social de cuidados à criança com necessidades especiais destacaram-se o hospital, como ponto inicial; o domicílio, como central; o PMF, como intermediário; a escola, como colateral; os locais de expressão religiosa, como de apoio; e as instituições de reabilitação, como ponto final. Quanto à articulação desses pontos, ela é desempenhada pela equipe de saúde do hospital sempre que há necessidade de referência e contrarreferência hospitalar, como parte da integralidade dos cuidados na rede social. No contexto comunitário (domicílio, Programa Médico de Família de Niterói e vizinhança), os pontos são articulados pelos familiares cuidadores que levam as CRIANES à escola, ao atendimento de reabilitação, a serviços religiosos, ao ambulatório de especialidades e para atendimento de emergência no hospital.

A malha da rede social é formada por movimentos de articulações e desarticulações entre as pessoas e os locais. No contexto hospitalar, ocorre a referência e contrarreferência para e dos hospitais especializados, mas não se observa nenhuma relação entre o hospital e o Programa Médico de Família, não havendo articulação entre a atenção básica e a média e alta complexidade. Articular a rede social se soma aos desafios dos cuidados intensos, complexos e contínuos que a necessidade especial de saúde apresenta na vida da criança, bem como o desafio de mantê-la frequentando a escola. A prática social do cuidado familial nos contextos hospitalar e comunitário apresenta implicações para a prática profissional que se desdobram em três pontos.

O primeiro consiste em ampliar a rede social no hospital de modo a incluir outras pessoas da família para além da mãe, pois o excesso de demanda para a mulher mãe pode gerar desgaste físico e emocional na cuidadora. Sabemos que, no domicílio, outras pessoas da família e da comunidade participarão desse cuidar. O segundo consiste em promover o empoderamento dos cuidadores para diminuir a dependência dos serviços de saúde e fortalecer as competências familiares, buscando junto às autoridades o cumprimento dos direitos fundamentais da criança previstos nos marcos regulatórios de proteção à infância e adolescência. Como competências familiares, entendemos o conjunto de conhecimentos, práticas e habilidades necessário para promover a sobrevivência, o desenvolvimento, a proteção e a participação das crianças no processo de cuidado. O terceiro, ampliar a visibilidade dos cuidados de enfermagem dentro da demanda de cuidados requeridos pelas CRIANES, fortalecendo a Enfermagem como parte da rede social dessa criança.

Faz-se necessário contribuir para a elaboração de políticas públicas específicas para as CRIANES, que localizem a Enfermagem na rede social de cuidados junto com as famílias, na oferta de cuidados no domicílio. Na área assistencial, é preciso repensar o poder hegemônico da enfermeira e romper com o modelo biomédico hospitalar, dando espaço para um modelo emergente de cuidar que valorize a família e a comunidade como centrais e permanentes na vida da criança. É fundamental, também, incorporar no ensino de Enfermagem Pediátrica os cuidados às CRIANES, aumentando a visibilidade das demandas de cuidados e articulando-os com os contextos por onde circulam. É preciso superar o modelo de saúde curativo e imediatista que reproduz um padrão de cuidar opressor para seus familiares cuidadores. Uma limitação do estudo foi não ter dado voz às crianças com necessidades especiais de saúde.

  • Como citar este artigo:
    Cabral IE, Moraes JRMM. Family caregivers articulating the social network of a child with special health care needs. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):769-76.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2014
  • Aceito
    04 Ago 2015
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