Acessibilidade / Reportar erro

Desgaste da equipe de enfermagem no centro de tratamento de queimados

Desgaste del equipo de enfermeros en el centro de quemados

Resumos

OBJETIVO: Descrever como as percepções sensoriais da equipe de enfermagem apontam para compreensão do desgaste amplo dos sentidos durante os cuidados prestados. MÉTODOS: Estudo qualitativo, baseado nos princípios da sociopoética e no dispositivo do grupo pesquisador, a partir de dinâmicas de criatividade e sensibilidade. No primeiro período de 2008, participaram do estudo11 profissionais de enfermagem de um hospital municipal do Rio de Janeiro. RESULTADOS: A partir dos conceitos de desgaste mental, de Seligmann-Silva, e dos sentidos corporais de Araújo, observou-se que os efeitos da visão e da audição desgastam emocionalmente a equipe. O tato, durante o desbridamento, sinalizou cansaço físico/psíquico. O maior desgaste é gerado pela mazela social, relacionada com as causas das queimaduras. CONCLUSÕES: A equipe de enfermagem, utilizando estratégias defensivas, reduz o desgaste psíquico e o sofrimento durante o cuidado prestado. A pesquisa proporcionou repensar o cuidado através de subjetividades da equipe.

Cuidados de enfermagem; Percepção; Queimaduras; Estresse psicológico


OBJETIVO: Describir como las percepciones sensoriales del equipo de enfermería apuntan para la comprensión del desgaste amplio de los sentidos durante los cuidados prestados. MÉTODOS: Estudio cualitativo, basado en los principios de la socio-poética y en el dispositivo del grupo investigador, a partir de dinámicas de creatividad y sensibilidad. En el primer período de 2008, participaron del estudo11 profesionales de enfermería de un hospital municipal de Rio de Janeiro. RESULTADOS: A partir de los conceptos de desgaste mental, de Seligmann-Silva, y de los sentidos corporales de Araújo, se observó que los efectos de la visión y de la audición desgastan emocionalmente al equipo. El tacto, durante la remoción, señalizó cansancio físico y psíquico. El mayor desgaste es generado por la repercusión social, relacionada con las causas de las quemaduras. CONCLUSIONES: El equipo de enfermería, utilizando estrategias defensivas, reduce el desgaste psíquico y el sufrimiento durante el cuidado prestado. La investigación proporcionó repensar el cuidado a través de subjetividades del equipo.

Cuidados de enfermería; Percepción; Quemaduras; Estrés psicológico


PURPOSE: To describe the sensorial perceptions of the nursing team regarding their burn out during nursing care. METHODS: This was a qualitative study using sociopoetic approach from the inter-personal relationships of the research group based on the dynamics of creativity and sensibility. The study was conducted in the beginning of 2008. Participants consisted of 11 nursing professionals from a municipal hospital in Rio de Janeiro. RESULTS: Based on Seligmann-Silva's concept of mental burn out and Araujo's concept of corporal sense, the study's findings suggested that the sensory effects of the vision and audition caused emotional burn out of the nursing team. Touch during debridement of wounds led to physical and psychic exhaustion. However, the strongest causes of burn out of the nursing team were the patients social problems related to the cause of their burns. CONCLUSIONS: The nursing team used defensive strategies to reduce psychic burn out and suffering during nursing care. This research allowed us to re-think nursing care through the subjective perceptions of the nursing team.

Nursing Care; Perception; Burn; Psychological Stress


ARTIGO ORIGINAL

Desgaste da equipe de enfermagem no centro de tratamento de queimados* * Estudo extraído da dissertação de mestrado intitulada "As percepções sensoriais da enfermagem em Centro de Tratamento de Queimados: o cuidado revelado através da vivência sociopoética", apresentada à Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Trabalho premiado em 2º lugar no XVII Encontro de Enfermagem, Trabalho e Saúde do Trabalhador, maio/2008.

Burn out of the nursing team in the burn center

Desgaste del equipo de enfermeros en el centro de quemados

Joselena Aquino Barreto CoelhoI; Sílvia Teresa Carvalho de AraújoII

IMestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto IV do Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Endereço para correspondecia Endereço para correspondecia: Joselena Aquino Barreto Coelho Av. Meriti, 1106/302 Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Cep: 21211-006 E-mail: joselenacoelho@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Descrever como as percepções sensoriais da equipe de enfermagem apontam para compreensão do desgaste amplo dos sentidos durante os cuidados prestados.

MÉTODOS: Estudo qualitativo, baseado nos princípios da sociopoética e no dispositivo do grupo pesquisador, a partir de dinâmicas de criatividade e sensibilidade. No primeiro período de 2008, participaram do estudo11 profissionais de enfermagem de um hospital municipal do Rio de Janeiro.

RESULTADOS: A partir dos conceitos de desgaste mental, de Seligmann-Silva, e dos sentidos corporais de Araújo, observou-se que os efeitos da visão e da audição desgastam emocionalmente a equipe. O tato, durante o desbridamento, sinalizou cansaço físico/psíquico. O maior desgaste é gerado pela mazela social, relacionada com as causas das queimaduras.

CONCLUSÕES: A equipe de enfermagem, utilizando estratégias defensivas, reduz o desgaste psíquico e o sofrimento durante o cuidado prestado. A pesquisa proporcionou repensar o cuidado através de subjetividades da equipe.

Descritores: Cuidados de enfermagem; Percepção; Queimaduras/enfermagem; Estresse psicológico.

ABSTRACT

PURPOSE: To describe the sensorial perceptions of the nursing team regarding their burn out during nursing care.

METHODS: This was a qualitative study using sociopoetic approach from the inter-personal relationships of the research group based on the dynamics of creativity and sensibility. The study was conducted in the beginning of 2008. Participants consisted of 11 nursing professionals from a municipal hospital in Rio de Janeiro.

RESULTS: Based on Seligmann-Silva's concept of mental burn out and Araujo's concept of corporal sense, the study's findings suggested that the sensory effects of the vision and audition caused emotional burn out of the nursing team. Touch during debridement of wounds led to physical and psychic exhaustion. However, the strongest causes of burn out of the nursing team were the patients social problems related to the cause of their burns.

CONCLUSIONS: The nursing team used defensive strategies to reduce psychic burn out and suffering during nursing care. This research allowed us to re-think nursing care through the subjective perceptions of the nursing team.

Key words: Nursing Care; Perception; Burn; Nursing; Psychological Stress.

RESUMEN

OBJETIVO: Describir como las percepciones sensoriales del equipo de enfermería apuntan para la comprensión del desgaste amplio de los sentidos durante los cuidados prestados.

MÉTODOS: Estudio cualitativo, basado en los principios de la socio-poética y en el dispositivo del grupo investigador, a partir de dinámicas de creatividad y sensibilidad. En el primer período de 2008, participaron del estudo11 profesionales de enfermería de un hospital municipal de Rio de Janeiro.

RESULTADOS: A partir de los conceptos de desgaste mental, de Seligmann-Silva, y de los sentidos corporales de Araújo, se observó que los efectos de la visión y de la audición desgastan emocionalmente al equipo. El tacto, durante la remoción, señalizó cansancio físico y psíquico. El mayor desgaste es generado por la repercusión social, relacionada con las causas de las quemaduras.

CONCLUSIONES: El equipo de enfermería, utilizando estrategias defensivas, reduce el desgaste psíquico y el sufrimiento durante el cuidado prestado. La investigación proporcionó repensar el cuidado a través de subjetividades del equipo.

Palabras clave: Cuidados de enfermería; Percepción; Quemaduras/enfermería; Estrés psicológico.

INTRODUÇÃO

Este artigo trata das percepções sensoriais da equipe de enfermagem no cuidado ao cliente no Centro de Tratamento de Queimados (CTQ). Para apresentar dados parciais da dissertação aprovada em 2008 pela Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, delimitamos como objetivo a descrição de como as percepções sensoriais da equipe de enfermagem apontam para compreensão do desgaste amplo dos sentidos, durante os cuidados prestados à clientela acometida por queimaduras.

As queimaduras estão entre as principais causas externas de morte registradas no Brasil. A ocorrência anual é de 1.000.000 casos, atingindo a faixa etária de um a cinco anos(1). Dependendo da extensão e do grau de profundidade, a queimadura está relacionada com dor, incômodo, alterações orgânicas, estéticas e psicológicas. É considerada uma tragédia na vida dos indivíduos e das famílias; e movida para os profissionais de saúde, um dos maiores desafios da assistência(2).

O interesse pela temática emergiu da minha trajetória profissional atuando em emergência, quando me sentia temerosa na realização dos cuidados, devido à manifestação de dor do cliente. Nestas ocasiões, percebia mecanismos de proteção dos sentidos que me permitiam desenvolver os cuidados de forma respeitosa e correta.

Para desenvolver o presente estudo, optamos por investigar a percepção dos sentidos corporais da equipe de enfermagem, pois estes definem os limites da consciência. Os sentidos, desde o nascimento e por toda a vida, são continuamente estimulados; possuem propriedades particulares, transpõem culturas, distâncias e tempo(3); portanto, as percepções sensoriais são capazes de ativar a memória(3-4).

Neste sentido, ao buscar compreender as questões existenciais e as pressões que envolvem o indivíduo neste contexto, através de vivências sóciocomunicantes(3,5), delineamos como questões norteadoras para o estudo: como a equipe de enfermagem percebe o cuidado através dos sentidos corporais e os efeitos causados pela percepção.

MÉTODOS

Estudo qualitativo, com utilização do método da sociopoética e do grupo pesquisador(6). O método valoriza corpo e mente no pesquisar, cuidar e ensinar, em busca dos saberes do grupo pesquisador, considerados como co-pesquisadores (sujeitos).

O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro sob protocolo nº 080/07, e aceito pelo Centro de Estudos da Instituição do cenário investigado. Foi desenvolvido no período de janeiro a junho de 2008, a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo aplicado o dispositivo do grupo pesquisador em 11 membros da equipe diurna entre enfermeiros e técnicos de enfermagem do Centro de Tratamento de Queimados de um hospital referência no atendimento ao cliente queimado, localizado no Município do Rio de Janeiro.

Para facilitar a participação espontânea, cooperativa e coletiva, os encontros foram realizados na sala de estudos, anexa ao CTQ, compatibilizando-os com os horários do plantão de trabalho. Os participantes/co-pesquisadores utilizaram, como pseudônimos, nomes de flores escolhidos livremente.

Vale ressaltar que os agendamentos dos encontros foram confirmados previamente, por contato telefônico da pesquisadora com a enfermeira chefe deste CTQ, para fins de avaliação diária das condições de trabalho do setor na data marcada. Assim, vivenciamos os limites e desafios, muitas vezes impostos, do paradigma do fazer/pesquisar, no qual o cuidado tem prioridade e foi imperativo sobre a produção.

Nos encontros com os sujeitos foram utilizadas, como formas de produção de dados, a técnica de relaxamento e uma adaptação conjugada do Jogo da Sorte e da Técnica de Vivência dos Sentidos Sóciocomunicantes(3). As enunciações foram gravadas, transcritas, analisadas e as produções artísticas fotografadas.

Na atividade lúdica, intitulada Jogo da Sorte, cada participante recebeu um formulário com a figura de um cubo planificado e materiais diversos para desenho, onde confeccionou o seu cubo para o Jogo. Neste momento, foram destacadas as questões norteadoras. A partir da própria vivência prática de situação marcante em cada sentido corporal, e acessando imagens retidas no inconsciente, os desenhos foram construídos por eles em cada face do dado, após o que escreveram uma palavra que sintetizasse o desenho feito. Em seguida, os cubos planificados foram colados e fechados. Dessa forma, a Sociopoética favoreceu, por meio das técnicas artísticas, a emergência de saberes inconscientes, o intuitivo e o emocional como dados de pesquisa(5-6).

Após a confecção do cubo, os participantes fizeram registros construindo suas frases para responder as questões sobre suas percepções em cada sentido citado no formulário de Técnica de Vivência dos Sentidos.

Durante o jogo, após cada lançamento do seu cubo no Jogo da Sorte, os participantes compartilharam as frases construídas em cada sentido sorteado. O rodízio dos sentidos sorteados permitiu a etapa de enunciação, análise individual e grupal relativa à percepção, da influência que cada sentido registra sobre o que é marcante no cuidado ao cliente queimado.

Para a análise, realizamos leitura e releitura dos dados produzidos pelo grupo nos depoimentos, palavras e frases construídas, e valorizamos as idéias que mais se repetiram. Desta forma, buscamos perceber os universos imaginários, cognitivos e afetivos do outro, para compreender suas idéias, mitos e valores(6). Foi possível a identificação de temas que indicaram os desgastes enfrentados pela equipe de enfermagem no cuidado ao cliente que sofreu queimadura, demonstrados na categoria intitulada "Aspecto psicoafetivo no trabalho".

RESULTADOS

O Quadro 1 contém os dados que constituem a produção coletiva dos co-pesquisadores no curso e transcurso da pesquisa, em relação à percepção de cada sentido sócio-comunicante do corpo.


DISCUSSÃO

A atividade de enfermagem em CTQ, pela similaridade com aquela desenvolvida em uma unidade de cuidados intensivos, pode ser considerada um trabalho prazeroso frente à possibilidade de aprender; ou um trabalho composto de desgaste físico, mental e emocional.

O desgaste mental é encontrado em profissões como a enfermagem, cujo contato pessoal exige dedicação excessiva, carga de trabalho exaustiva, com potenciais conflitos com clientes, chefias e colegas de trabalho.

Neste estudo, considerando os comportamentos e as atitudes que evidenciam desgaste mental, assim como e a psicodinâmica do trabalho, valorizamos as vivências subjetivas e a singularidade da equipe de enfermagem no contexto do CTQ, por meio das suas percepções sensoriais compartilhadas e pelos efeitos causados.

Os depoimentos relacionados ao sentido audição nos ajudaram a compreender como se dá o desgaste através da paralinguagem, dos gemidos e das verbalizações.

Foi destacado pelo grupo pesquisador, o momento do banho, quando é realizado o curativo, como provocador de sensações causadas pelos intensos e altos gritos de dor dos clientes, como também pelos delírios e alucinações, devido à ação da medicação sedativa e anestésica.

O som presente no ambiente de cuidado e a memória alternam-se, estimulando as percepções sensoriais auditivas da equipe de enfermagem(3).

Nesta situação, os participantes vivenciam o desafio de cuidar, significando enfrentar a dor do cliente e os próprios sofrimentos, demonstrando tristeza intensa, trauma, incômodo, sentimentos confusos, irritabilidade, tensão, sentimento de loucura, estresse, cansaço físico e psicológico, corroborando o estudo(7) sobre o significado da dor causada pela queimadura, que aponta o convívio com as queixas constantes de dor da clientela, como causador de estresse na equipe de enfermagem atuante em CTQ.

As colocações da equipe evidenciam a fadiga mental, que não pode ser dissociada da fadiga física. A fadiga acumulada afeta o organismo, causando insônia, irritabilidade, desânimo, dores e perda de apetite, dentre outros sintomas(8).

Os sentimentos e os sofrimentos relatados interferem nos participantes com magnitude, pois refletem mecanismos de defesa, tais como: dificuldade para retornar ao trabalho; desejo de proteção auditiva e preferência em ouvir somente a própria voz enquanto cuida. A equipe de enfermagem do CTQ elabora defesa, visando permitir o controle do sofrimento e a manutenção do equilíbrio psíquico.

O sofrimento pode ser analisado como um espaço entre o funcionamento psíquico e o mecanismo de defesa. É o limite entre saúde e doença, diante das pressões de trabalho desestabilizadoras, importando como o trabalhador mantém o equilíbrio psíquico, mesmo estando submetido a condições de trabalho desestruturantes. A superação dos desafios representa vencer riscos para a saúde, a segurança e a qualidade do que é produzido(8).

Neste sentido, foi observado em pesquisa(9) que as atitudes da equipe podem interferir diretamente na adaptação do cliente ao processo de internação, assim como pode ocorrer interferência da significação cultural da equipe em relação à dor, no atendimento às queixas álgicas da clientela(7,10). Os estudos indicam uma prática crítica/reflexiva, com o objetivo da melhoria das relações interpessoais e da assistência(7,10).

A sensação visual dos participantes contribuiu para a percepção consciente da fragilidade do ser humano, sua vulnerabilidade e a possibilidade de debilidade.

A convivência com o cliente no CTQ, testemunhando diariamente o seu esforço de luta pela vida, estimula a ocorrência de desgastes emocionais na equipe, representados por sentimentos de compaixão, medo, dúvida, decepção, tristeza e preocupação. Estes originam efeitos como o impacto e o choque, corroborando o estudo(11) que aponta, como causas de insatisfação da equipe de enfermagem, o sofrimento e as agressões do cliente, somados a questões administrativas e dificuldades relacionais com profissionais.

Em paralelo ao sofrimento apresentado, os participantes refletem e lutam para atuar com mais eficiência e solidariedade junto à clientela, ao perceberem que os estímulos aos sentidos corporais os capacitam a prestar um cuidado efetivo, pois os sentidos permitem entender melhor o ambiente que nos cerca(12).

Essas ações apontam para a dialética da constituição dos sistemas defensivos, o mesmo objeto que faz sofrer, também faz resistir. A organização do trabalho desencadeia, portanto, mecanismos psíquicos adaptativos. Neste sentido, o trabalho tanto pode causar infelicidade, alienação e doença mental, como também mediar a auto-realização, a sublimação e a saúde(13). Portanto, na psicodinâmica do trabalho, o sofrimento mental é concebido em duas vertentes: conduz à doença ou à criatividade.

A percepção gustativa, durante a realização do banho, indicou transversalidade com o sentido olfato, evidenciando mais um mecanismo de defesa que os participantes adotam: manter a boca fechada, minimizando o incômodo causado pelos odores exalados das lesões do cliente. Desta forma, por meio do sofrimento criativo, a equipe sinaliza como integrar as dificuldades do trabalho de enfermagem com o desempenho profissional que dela se espera.

O olfato é um sentido mudo e como os demais sentidos, fornece muitas informações sobre o ambiente em que estivermos(12). Assim sendo, encontramos que o estímulo olfativo é fonte de conhecimento sobre a condição das lesões, por indicar a presença de infecção, e até o tipo de bactéria nela presente. Também é fonte de irritação, a percepção dos odores desagradáveis exalados das lesões, causando nos participantes enjôos, inapetência, repugnância e ardência nos olhos. O odor os acompanha, mesmo quando estão fora do ambiente de trabalho.

Os co-pesquisadores, considerando a transversalidade do olfato e do paladar, perceberam o gosto e, então, na tentativa de impedir esta percepção paralela, utilizaram duas máscaras como mecanismo defensivo. Por intermédio do mecanismo de defesa, identifica-se a presença do sofrimento. E, quando este é criativo, o trabalhador consegue elaborar as questões discordantes entre trabalho prescrito e trabalho real, repercutindo positivamente para si e para o produto do trabalho(14).

Neste sentido, utilizando a criatividade no ambiente desestruturante, foi identificado que o envolvimento emocional da equipe de enfermagem em CTQ infantil, nos Estados Unidos da América, proporcionou a redução do desenvolvimento de complicações psicológicas na clientela no período pós-alta(15).

Quanto à percepção tátil, os co-pesquisadores apresentaram preocupação com as manifestações dolorosas do cliente ocasionadas durante o desenvolvimento dos curativos. Ainda sobre este procedimento, foi relatada a ocorrência de desgaste físico do profissional, decorrente da aplicação de movimentos com intensidades diversificadas durante o desbridamento, gerando cansaço.

Na perspectiva da psicodinâmica do trabalho, percebemos o conflito vivenciado(8) nesta situação, quer seja procurar alcançar o objetivo prescrito pela organização, realizar o curativo, diante da realidade do trabalho que integra as particularidades da clientela, em relação à dor e ao desgaste do profissional.

A percepção do sentido coração indicou o maior desgaste da equipe gerado pela mazela social, com enfoque nas questões ética e filosófica constituídas pelo não entendimento e pela não aceitação das causas das queimaduras como, por exemplo, a violência ou o suicídio. A sensação de impotência diante das questões psicoafetivas da clientela que, por inúmeras razões, tenta desistir da vida, são dialeticamente opostas às ações da equipe que empreende esforços para salvá-la.

O sentido coração foi colaborador para os participantes apresentarem os seus sentimentos internalizados, simbolizando a sua emoção fortemente atingida pelo coração partido durante os cuidados realizados no banho. Mas, como relataram, suprimem o seu sofrimento procurando passar autoconfiança para o cliente. O sofrimento faz parte da busca para manter um comportamento aceitável no ambiente de trabalho(14), contudo, os desgastes são potencializados pela tentativa de mascará-los.

O grupo pesquisador, ao descrever os desgastes emocionais enfrentados em seu cotidiano de atividades, muitas vezes consideradas agressivas, sinalizou a necessidade de comunicar suas inquietações, sugerindo a realização de atendimento psicológico regular.

Destacamos que o desgaste mental e físico no trabalhador informa mais sobre as condições laborais do que sobre o individuo, cabendo mudanças no ambiente laboral(16).

No cuidado com as crianças, o efeito de perceber os próprios sentimentos diante do sofrimento do outro é potencializado quando, reflexivamente, visualizam seus filhos ou parentes próximos, resultando em uma experiência que lhes causa pesar intenso.

Observando o comportamento da equipe nesta questão, entendemos que na formação de defesa contra o desgaste mental, o indivíduo utiliza a subjetividade inscrita na sua singularidade, como a sua história pessoal e as suas experiências anteriores(13).

Apesar do sofrimento relacionado à atividade desenvolvida no CTQ, também é percebida a alegria pela alta dos clientes, que reflete o êxito do empenho da equipe em desenvolver um cuidado de enfermagem efetivo.

Finalizando, o grupo pesquisador apontou que o coração dá equilíbrio, e que o amor pelo trabalho e pelo cliente é responsável pela superação dos desgastes enfrentados no cuidado desenvolvido no CTQ.

No trabalho da enfermagem, prazer e sofrimento não são unidades distintas, mas unidas às vivências pessoais, no entendimento da relação de trabalho, fazendo parte do processo constituído pelos aspectos psicológico, social e organizacional(17).

CONCLUSÕES

Neste estudo, os participantes demonstraram que as suas percepções sensoriais estão intensamente estimuladas e amplamente desgastadas, levando-os ao sofrimento. Dentro deste contexto, e visando proporcionar uma assistência efetiva, estabelecem estratégias defensivas para reduzir o desgaste psíquico e o sofrimento da própria equipe e do cliente.

Destacamos que o desgaste físico e mental não deve ser menosprezado ou ignorado, pois pode gerar consequências para a saúde mental da equipe de enfermagem e para o cuidado prestado.

Considerando que no espaço dialógico gerado no transcurso da pesquisa, a equipe nos apresentou suas experiências, prazeres, inquietações e solicitações, acreditamos que ouvi-la possibilitou a oportunidade de um (re)pensar sobre o cuidar do cuidador, valorizando sua sensibilidade e (re)dimensionando o cuidado ao cliente.

Artigo recebido em 09/10/2008 e aprovado em 13/05/2009

  • 1. Vale ECS. Primeiro atendimento em queimaduras: a abordagem do dermatologista. An Bras Dermatol. 2005;80(1):9-19.
  • 2. Declair V. Atualização em enfermagem em dermatologia. Rev Enferm Atual. 2003; 17(4):36-7.
  • 3. Araújo STC. Os sentidos corporais dos estudantes no aprendizado da comunicação não-verbal do cliente na recepção pré-operatória: uma semiologia da expressão através da sociopoética [tese]. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2000.
  • 4. Koepe GBO, Araújo STC. A percepção do cliente em hemodiálise frente à fístula arteriovenosa em seu corpo. Acta Paul Enferm. 2008;21(N Spe):147-51.
  • 5. Cruz DOA, Araújo STC. Diálise peritoneal: a percepção tátil do cliente na convivência com o cateter. Acta Paul Enferm. 2008;21(esp):164-8.
  • 6. Santos I, Gauthier J, Figueiredo NMA, Petit SH. Prática da pesquisa nas ciências humanas e sociais: abordagem sociopoética. São Paulo: Atheneu; 2005.
  • 7. Rossi LA, Camargo C, Santos CMNM, Barruffin RCP, Carvalho EC. A dor da queimadura: terrível para quem sente, estressante para quem cuida. Rev Latinoam Enferm. 2000;8(3):18-26.
  • 8. Seligmann-Silva E. Desgaste mental no trabalho dominado. Rio de Janeiro: Cortez; 1994.
  • 9. Souza FAEF, Mendes IAC, Silva JA. Atitudes de profissionais de enfermagem em relação ao paciente queimado: elaboração e teste de fidedignidade de um instrumento. Rev Latino-am Enfermagem. 1994;2(1):9-82.
  • 10. Costa ECFB, Rossi LA. As dimensões do cuidado em uma unidade de queimados: um estudo etnográfico. Rev Escol Enferm USP. 2003;37(3):72-81.
  • 11. Rossi LA. A prática de enfermagem em uma unidade de queimados: análise dos discursos dos enfermeiros. Rev Bras Enferm. 1994;47(2):100-7.
  • 12. Ackerman D. Uma história natural dos sentidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 1992.
  • 13. Dejours C, Abdoucheli E. Itinerário teórico em psicopatologia do trabalho. In: Dejours C, Abdoucheli E, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 1994.
  • 14. Merlo ARC. Psicodinâmica do trabalho. In: Jacques MG, Codo W, organizadores. Saúde mental e trabalho: leituras. Petrópolis: Vozes; 2003.
  • 15. Zengerle-Levy K. Nursing the child who is alone in the hospital. Pediatr Nurs. 2006;32(3):226-31, 237.
  • 16. Maslach C, Leiter MP. Trabalho: fonte de prazer ou desgaste?Guia para vencer o estresse na empresa. São Paulo: Papirus; 1999.
  • 17. Fernandes JD, Ferreira SL, Albergaria AK, Conceição FM. Saúde mental e trabalho feminino: imagens e representações de enfermeiras. Rev Latino-am Enfermagem. 2002;10(2):199-206.
  • Endereço para correspondecia:
    Joselena Aquino Barreto Coelho
    Av. Meriti, 1106/302
    Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Cep: 21211-006
    E-mail:
  • *
    Estudo extraído da dissertação de mestrado intitulada "As percepções sensoriais da enfermagem em Centro de Tratamento de Queimados: o cuidado revelado através da vivência sociopoética", apresentada à Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Trabalho premiado em 2º lugar no XVII Encontro de Enfermagem, Trabalho e Saúde do Trabalhador, maio/2008.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      09 Out 2008
    • Aceito
      13 Maio 2009
    Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actapaulista@unifesp.br